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Autores
Aldo Dantas
aula
11
Governo Federal
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância – SEED
Carlos Eduardo Bielschowsky
Dantas, Aldo.
Introdução à ciência geográfica: geografia / Aldo Dantas, Tásia Hortêncio de Lima Medeiros. –
Natal, RN : EDUFRN, 2008.
176 p.
CDD 910
RN/UF/BCZM 2008/35 CDU 918.1
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UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da UEPB - Universidade Estadual da Paraíba.
Apresentação
A
questão regional é uma das mais tradicionais em Geografia, sendo a região um
conceito-chave dessa ciência. Entretanto, trataremos, nesta aula, apenas da
concepção de região elaborada por Vidal de la Blache. Isso porque é esse geógrafo
a maior expressão da chamada Geografia regional. Como vimos na aula 10 (A Geografia
vidaliana e o seu contexto), até Vidal de la Blache, a Geografia não se constituía num ramo
autônomo do conhecimento, é com ele que atinge status de ciência na França. Ele é um
pensador do possível, das diversas possibilidades que o homem tem diante do imperativo de
habitar a Terra. Procurou salientar a importância da vinculação entre o geral e o particular e a
complexidade das entidades (regiões) geográficas, para tanto, desenvolve a idéia de unidade
terrestre. Considerava fundamental para análise geográfica a diferenciação da superfície
terrestre, das sociedades e a compreensão de como estão articuladas, ou seja, como as
diversidades dos lugares se expressam numa determinada organização espacial.
Objetivos
Compreender a noção de região para Vidal de la Blache.
1
Entender a importância do conceito de região para a análise
2 geográfica.
Desde 1889, Vidal propõe uma primeira concepção das “divisões fundamentais do solo
francês”. Quinze anos de reflexão sobre o tema o levam à elaboração de seu mais famoso
livro Tableau de la géographie de la France (Quadro da Geografia da França), em 1903, no
qual ele apresenta um espaço hierarquizado em graus diferenciados. No entanto, o ponto de
partida permanece sendo a “região natural”, apoiada na geologia, no relevo ou no clima –
Bassin parisien, Massif Central, Midi océanique. Essas regiões se diversificam em unidades
mais reduzidas e são compreendidas segundo aspectos históricos, em função de elementos
políticos e de desenvolvimento econômico – as rotas – ou em função de elementos oriundos
do raio de influência de uma cidade.
Por sua vez, tais regiões se revestem de aspectos e traços bastante diferenciados,
cuja originalidade se exprime numa certa fisionomia, num estilo particular de organização
espacial engendrada pelo casamento entre a natureza e a história. Essa fisionomia é o que
nós chamamos hoje de paisagem.
P
ara compreendermos o espírito do Tableau de la France, é necessário lembrarmos que
foi encomendado a Vidal por Ernest Lavisse para servir de introdução a uma “História
da França” e que deveria tratar da geografia francesa até 1789. É em função desse
aspecto que encontramos no Tableau elementos fixos e permanentes inseridos em quadros
que remontam aos aspectos mais antigos e tradicionais daquele país. Mas, Vidal não ignora
as transformações que o desenvolvimento urbano e a concentração industrial promoveram,
no início do século XX, na estrutura regional da França. Ele demonstra isso em artigos que
escreve entre 1910 e 1917. Mostrou como algumas cidades, Lyon em particular, passavam a
ser grandes geradoras de unidade regional e organizavam em torno de si uma região de tipo
novo, que ele qualificou de nodal, termo tomado emprestado ao geógrafo inglês Mackinder.
Essas regiões definiriam-se em função do seu centro. Num artigo escrito em 1917
e intitulado “A renovação da vida regional”, diz Vidal: “Quando se trata de região, não é
necessário procurar os limites. É necessário conceber a região como uma espécie de auréola
que se estende sem limites bem determinados, que circunda e que avança” (VIDAL DE LA
BLACHE, 1917, p. 104).
A cidade não é uma novidade para os geógrafos dessa época, uma vez que, em vários
momentos do desenvolvimento da humanidade, a cidade aparece como organizadora de um
espaço que a circunda. A novidade reside na amplitude do fenômeno, no raio de influência
das cidades, viabilizado pelo desenvolvimento das comunicações e das estradas de ferro.
Essa “renovação regional” Vidal sente perfeitamente – de forma mais marcante no final de
sua vida – e exprime, cabalmente, em sua obra La France de l’Est (1917). Ele se torna mesmo
um defensor de uma reforma administrativa do país, propondo, em 1910, um recorte em 17
regiões geográficas, concebidas a partir de espaços organizados pelas maiores cidades.
Entre os geógrafos de seu tempo, é Vidal quem coloca a reflexão e a análise regional no
centro de sua obra. Ele se interessa pela história da exploração do mundo, pelas formas de
povoamento, pelos gêneros de vida, pela demografia etc. No entanto, a preocupação regional,
que se esboça por volta de 1880, permanece central e evolui bastante até os seus últimos
trabalhos, dentre eles La France de l’Est, publicado às vésperas de sua morte, no ano de
1918, em plena guerra mundial. Ao finalizar essa obra e deixar inacabado os Principes de
Géographie humaine, Vidal indica o peso que tem a demarche regional em suas elaborações.
É num artigo escrito em 1888, Des divisions fondamentales du sol français, que Vidal
inicia sua reflexão sobre a questão regional da França: questão capital em seu pensamento,
que o acompanhará até o fim de sua vida.
O
texto de 1888 destina-se aos professores de Geografia do Ensino Médio e pretende
dar algumas indicações de método apoiadas em exemplos da realidade francesa. A
idéia é que os alunos percebam que a Geografia é uma coisa viva. Segundo o próprio
Vidal, o texto deveria, sobretudo, inspirar o desejo de ver. Ver com os próprios olhos e
compreender as diferenças das regiões. Diferenças que escapam à observação superficial,
mas que se descobrem de imediato quando se tem um olhar atento e se associam a ele
lembranças e impressões. Para Vidal de La Blache, isso é o que de melhor poder-se-ia
desejar para o estudo da escola da França.
Uma das dificuldades, apontadas por esse geógrafo no ensino de Geografia é a incerteza
sobre as divisões que melhor convém para a descrição das regiões. Para ele, essa incerteza
implica a própria concepção que se tem da Geografia.
A noção que Vidal de la Blache tem de região é uma noção fundada no princípio da
“unidade terrestre”, segundo o qual a região se constituiria enquanto parte de um todo e
ela mesma se constituiria numa unidade, em que, havendo a quebra das ligações naturais,
seria impossível reconhecer o encadeamento que religa os fenômenos dos quais se ocupa a
Geografia e que é sua razão de ser científica.
Vidal de la Blache insiste no fato de que a Geografia deve ser tratada como ciência e
não como uma simples nomenclatura. A região, para ele, não é a descrição de um mosaico
de paisagens. Existe, na sua noção de região, uma visão de movimento, de imbricações
dos seres regionais. As regiões de um país são peças que mantêm relações entre si,
formando um todo.
Vidal mostra que existem regiões naturais, mas para a Geografia, interessa a relação
entre essa região natural e as regiões históricas, e essa unidade natural/histórica não se
realiza sem implicações complexas. Não existe uma superposição automática entre elas. A
idéia é que existe uma base geográfica no desenvolvimento histórico de um povo.
Não nos parece haver dúvidas de que a região é um tema central no pensamento de
Vidal de la Blache, que é um pensamento que evolui. Segundo Sanguin (1993, p. 327),
Vidal reconhece que é “verdadeiramente muito difícil desvendar, nas grandes sociedades
civilizadas, a influência do meio local”, mas elas “são resultado infinitamente complicados de
uma longa acumulação da atividade humana” (VIDAL DE LA BLACHE, 1896, p. 123). Nesse
ponto, Vidal de La Blache concebe a atividade humana como mediatizadora entre a influência
do meio e as formas de organização espacial das sociedades.
Na sua idéia mesma de região, está a marca dessa tensão entre as sociedades e a
natureza, entre liberdade e dependência.
A
s trocas ocupam um lugar significativo na análise de Vidal, uma vez que estão
diretamente ligadas à geração de uma rede de circulação que é ao mesmo tempo
fruto e causa da intensificação dessas mesmas trocas e que transformam e alteram
profundamente as formas de ocupação do espaço.
A intensificação das trocas geraria o que Vidal chama de solidariedade regional. Isso
deslocaria o foco da análise regional do princípio da homogeneidade para a da solidariedade
regional.
As monografias regionais
V
idal de la Blache é, sem dúvida, a maior expressão da Geografia francesa,
principalmente, em se tratando de Geografia regional. Para ele, uma monografia
regional, ou seja, um trabalho científico em Geografia, deveria estar atenta para os
elementos que compõem a região: os elementos do meio físico, sobretudo, o solo; formas
de habitação, atividades humanas, e como as comunidades se integram com o meio físico
e com outras comunidades; além de estar atenta para elementos solidários que pudessem
parecer estranhos à região estudada.
P
or volta de 1860, por influência das idéias de Proudhon (1809-1865), Mistral (1830 -
1914) e Barres (1862 – 1923), desenvolveu-se na França um movimento regionalista,
que se articula em torno da revista L’Acion Régionaliste e da Federação Regionalista
Francesa. Entre 1890 e 1910, esse movimento defendeu uma reforma territorial na França. A
partir de 1910, Vidal se insere nesse movimento.
Esse breve comentário revela duas orientações que Vidal, nessa época, dava à sua
reflexão sobre a região. De um lado, ele queria dotar a Geografia de uma definição do
conceito de região e de um método de análise regional. Ele sustenta, como vários outros,
que a realidade regional não corresponde necessariamente a divisões administrativas. Por
outro lado, ele revela a sua sensibilidade política e faz elogios às vantagens de Estados onde
a diversidade regional se exprime. Ao descrever a Suíça, deixa transparecer o valor moral
que ele atribui à autonomia dos organismos locais. Para ele, a Suíça havia atingido um alto
nível de civilização porque cada região era dotada de uma identidade política própria.
Se, por um lado, Vidal, ao comentar Foncin, concorda com a reforma regional, ele não
se torna efetivamente um advogado do movimento regionalista. No entanto, dá um passo
nessa direção quando publica, em 1903, o seu célebre Tableau de la géographie de la France.
Nesse trabalho, ele adota uma posição regionalista, sem se referir diretamente a nenhuma
posição política ou debate partidário. Ele se situa “acima” de qualquer querela doutrinária ou
política e reclama para si tão somente a análise científica. Restringe-se a dizer, no final de
sua obra, que a reforma regional emana da própria Geografia e que uma regionalização está
verdadeiramente inscrita na história do solo e do povo francês, que somente “o esquecimento”
ou “a complacência” poderiam contrariar tal reforma. Ele explica que a centralização é uma
herança do século XVIII e que nessa época uma coação política externa havia favorecido essa
centralização. A França precisava rivalizar com os outros Estados europeus e esse esforço de
afirmação e de resistência exigia que a unidade do país fosse incontestável. Entretanto, essa
centralização havia, segundo Vidal, sufocado o pleno desenvolvimento e a manifestação da
Geografia francesa e no século XIX o dinamismo local começava a se manifestar, mostrando
que a Geografia regional da França iniciava a retomada de seus direitos.
Nesse artigo, Vidal ultrapassa, sem hesitação, os horizontes científicos, para elaborar e
legitimar um autêntico programa regionalista. Desde a primeira linha, ele denuncia a inércia
da classe política e se congratula com a clarividência dos partidários da reforma regional.
Com essa amostra, manifesta a sua intenção de tomar partido em um debate político de
sua época. Aliás, ele critica “a insuficiência das divisões administrativas atuais”. Mesmo
reconhecendo um certo valor nas divisões departamentais, lamenta a ausência de entidades
regionais mais amplas. Para ele, o departamento, criado no rasto da Revolução, trazia uma
forte marca de uma França largamente rural. Contudo, a geografia da França havia mudado
bastante no século XIX. A grande indústria havia ampliado consideravelmente a escala
dos fenômenos econômicos e isso simultaneamente à formação de centros urbanos que
drenavam grandes hinterlândias.
O método regional
V
idal se interessa muito pelas realidades geográficas extensas: nações ou grandes
zonas geográficas, como o Mediterrâneo. Se ele efetua recortes regionais, é para
melhor compreender a natureza das entidades que lhe interessam. Seu método
repousa sobre uma incessante dialética das escalas. Para ele, essa dialética se realiza
quando analisa a situação dos lugares ou de pequenos conjuntos territoriais: pontos ou
áreas mais ou menos extensos. A outra vertente dessa dialética das escalas procede
de modo inverso, indo das grandes áreas naturais, das nações, das grandes regiões
em direção aos “pays”, ao local. Essas operações de regionalização que “revelam”
componentes que existem no seio de um grande espaço o apaixonam.
Quando os critérios de partição são mudados, a forma do recorte toma toda sua
amplitude. É o que torna a démarche regional insubstituível no pensamento vidaliano. Ela
revela, assim, a complexidade dos objetos estudados quer se trate de nações, de grandes
espaços, ou do estudo do local.
Para descrever a França, Vidal utiliza sucessivamente várias perspectivas: ele a recorta
em regiões naturais (1988); analisa conjuntos onde se desenvolvem formas de sociabilidade
originais, mas que têm na França a particularidade de se completar (VIDAL DE LA BLACHE,
1979); faz um inventário dos pequenos “pays” e das paisagens agrárias (VIDAL DE LA
Nesse sentido, a démarche regional vidaliana não pode ser concebida de maneira
estática, uma vez que é dinâmica. Abrindo vários flancos, ela permite envolver na análise a
natureza, a natureza humana, a cultura e todo o conjunto complexo de “objetos e de ações”
que constituem a tessitura do território.
Atividade 1
Que elementos estão no cerne da discussão de região feita por Vidal
1 de la Blache?
1.
sua resposta
2.
Neste livro, o autor discute dois conceitos fundamentais para a Geografia, a saber:
região e organização espacial. Para tanto, traz à tona a história da Geografia e as correntes de
pensamento que influenciaram essa ciência. No capítulo três, faz uma boa discussão sobre
região e as correntes do pensamento geográfico. Livro de leitura introdutória e obrigatória
para o estudante de Geografia, pois além de trazer elementos para se compreender a
história da Geografia discute o conceito de região a partir dessa história e introduz de
maneira clara a idéia de organização espacial, conceito fundamental para se entender a
Geografia dos dias atuais.
Resumo
Nesta aula, discutimos a evolução do pensamento regional de Paul Vidal de
la Blache. Você percebeu que, para esse autor, a região é um recorte espacial
relacionado à diferenciação natural e cultural dos lugares. Mostramos também
que elementos como clima, geologia, cultura, história e técnica se imbricam e
dão singularidades ao local e que o advento das cidades promovem um novo
reordenamento regional.
Auto-avaliação
Elabore um texto descrevendo a região onde você mora. Tome por base a
proposta vidalianae perceba que na análise regional proposta por Vidal de la
Blache se evidenciam os detalhamentos do meio físico, das formas de ocupação
CLAVAL, Paul. Histoire de la Géographie française de 1870 à nos jour. Paris: NATAN, 1998.
DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MERCIER, Guy. La région e l´’état selon Friedrich Ratzel et Paul Vidal de la Blache. Annales
de Géographie, Paris, v. 583, p. 211-235, 1995.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC,
1983.
______. Régions naturelles et noms de pays. Journal des Savants, p. 389-401, sept./oct.
1909.
______. De la significations populaire des noms pays. Roma: Tipografia Della R. Academia
dei Lincei, 1904.
Ementa
A construção do conhecimento geográfico. A institucionalização da geografia como ciência. As escolas do
pensamento geográfico. A relação sociedade/natureza na ciência geográfica. O pensamento geográfico e seu
reflexo no ensino. A geografia brasileira. Atividades práticas voltadas para a aplicação no ensino.
Autores
n Aldo Dantas
Aulas