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Distúrbio do processamento auditivo prejudica

aprendizado
Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC

domingo, 9 de outubro de 2011 7:30

Desde os 2 anos, Maurício Arruda Fatibello, 28, tem dificuldade em se comunicar. Aos
9, quando entrou na escola e começou a aprender a ler e a escrever, ficou ainda mais
difícil. Ele foi diagnosticado com dislexia e seguiu se esforçando mais do que todos os
outros. "Ouvia, mas não entendia, principalmente quando o ambiente estava muito
barulhento. Não conseguia focar e achava que era a dislexia", conta Maurício, que
cansou de ouvir que era preguiçoso.

Com notas sempre no limite, conseguiu se formar na escola e, mais tarde, na faculdade
de Medicina. Há quatro meses, já médico, descobriu finalmente o que tanto o atrapalhou
a vida toda: ele tem distúrbio do processamento auditivo central, ou simplesmente
distúrbio do processamento auditivo. "É uma disfunção dos circuitos cerebrais
responsáveis pela distribuição e processamento das informações obtidas através da
audição", explica a neurologista Denise Menezes.

É como se o cérebro fosse um rádio. O sinal existe, mas por algum motivo, há ruídos,
interferências e a informação não consegue ser perfeitamente compreendida. No caso, o
problema está no sistema nervoso central, onde o processamento do estímulo sonoro
não é feito corretamente e a decodificação é lenta.

"Todos os sons do ambiente são ouvidos por todos. Quem não tem o distúrbio, consegue
prestar mais atenção no que interessa. Quem tem, ouve um monte de barulhos e fica
completamente perdido", detalha Marisa Ruggieri Barone, fonoaudióloga da Faculdade
de Medicina do ABC. Segundo ela, a sensação é de frustração, já que a pessoa se
esforça ao máximo para entender e, simplesmente, não consegue. "O que um aluno sem
DPA faz em 15 minutos, o com distúrbio leva três horas. No final, a nota ainda é ruim."

Tanto que os primeiros sinais são desatenção na escola e dificuldades na escrita, leitura
e interpretação de texto. "Os professores são os que mais percebem que tem algo de
errado", observa o otorrinolaringologista da Faculdade de Medicina do ABC Osmar
Clayton Person.

Incompreendidos, os alunos com o distúrbio ficam irritados e acabam desistindo de


prestar atenção. Por isso, a fama de bagunceiros e desinteressados. "Acham que a
pessoa é boba e até que está tirando o sarro por pedir para repetir muitas vezes o que
não entendeu. Acabam se acostumando que estão sempre errados. A autoestima vai lá
para baixo", enfatiza Liliane Desgualdo, da Universidade Federal de São Paulo, pioneira
no diagnóstico do DPA no Brasil.

CAUSAS
Ainda não se sabe ao certo como o DPA é desenvolvido, mas acredita-se que infecções
no ouvido, alterações neurológicas, doenças neurodegenerativas, lesões nos canais
auditivos, alergias, nascimento prematuro, influência genética e até falta de estímulos
sonoros na infância podem provocar o distúrbio. As estruturas do cérebro que
interpretam e hierarquizam os sons se desenvolvem até os 13 anos.

"É preciso desenvolver estruturas neurológicas para formar mais conexões neurais. Se a
pessoa vive privação sensorial e experiências sonoras de má qualidade, não estimula o
desenvolvimento das conexões neurais, prejudicando habilidades auditivas, incluindo a
memória", observa Liliane Desgualdo.

A especialista defende educação musical, capoeira, coral, dança e qualquer outra


atividade que associa o movimento a um som. "Também é importante a comunicação.
Precisa aprender as entonações e regras de uma conversa."

Tratamento melhora muito a qualidade de vida

"Estou aliviado em saber que o que tenho tem nome e tratamento. Minha vida mudou",
desabafa o médico Maurício Fatibello, que após 11 sessões notou diferença. "Não peço
mais para repetir. Se tivesse tratado antes, teria sofrido menos."

Mesmo sendo realidade de milhões de brasileiros, o distúrbio do processamento


auditivo é difícil de ser diagnosticado. Os primeiros exames foram disponibilizados no
Brasil só em 1997 e não são todos os especialistas que fazem.

O primeiro passo para chegar ao diagnóstico é marcar consulta com neurologista ou


otorrino. Eles vão descartar problemas auditivos. Depois, o paciente é encaminhado ao
fonoaudiólogo, que indica bateria de exames. "Os testes verificarão quais habilidades
auditivas estão alteradas e qual o grau do distúrbio", explica Daniela Gil, gestora do
Departamento de Audição e Equilíbrio da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia.

O tratamento depende do tipo do distúrbio e da idade do paciente. Quem tem entre 5 e 9


anos realiza terapia fonoaudiológica. Os mais velhos podem fazer treinamento em
cabine (usando fones) e aprender a lidar com situações de escuta difícil. Em média, o
tratamento dura de oito a 12 sessões. "Quanto mais cedo, melhor", enfatiza Daniela,
também professora da Universidade Federal de São Paulo.

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