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As Controvérsias Científicas na
História da Ciência
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F. Amador
Universidade Aberta
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AS CONTROVÉRSIAS CIENTÍFICAS NA HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Filomena Amador*
INTRODUÇÃO
*
Profª Auxiliar com Agregação da Universidade Aberta. Universidade Aberta, Palácio Ceia, Rua da
Escola Politécnica, nº 141-147, 1269-001. Lisboa, Portugal.
E-mail: famad@univ-ab.pt
Recebido em: 15/09/2009 Avaliado em: 30/09/2009
Com frequência toma-se como origem para a ciência moderna a “querela entre
antigos e modernos” que, no século XVII, contrapôs a ciência escolástica à ciência
experimental. Para muitos historiadores a designada revolução científica do século
XVII assinala o aparecimento da ciência moderna, traduzindo-se esta numa alteração
no pensamento e nos métodos de estudo sobre a natureza, acompanhada de uma
transformação do papel social da ciência. Importa destacar, ao longo deste século,
como elementos caracterizadores da mudança os seguintes aspectos: i) a formação
de comunidades científicas facilitadoras do desenvolvimento de atitudes críticas;
ii) a institucionalização da nova ciência em academias e sociedades; deixando a
ciência de estar ligada unicamente às universidades; iii) uma transformação interna
da própria ciência, resultado de uma reflexão profunda sobre o processo de produção
do conhecimento científico. (AMADOR; CONTENÇAS, 2001)
As críticas à escolástica e os progressos registados nas ciências experimentais,
contribuíram para reformular o modo como o homem se posicionava face à natureza,
originando um novo tipo de explicações científicas. Embora muitas das novas
teorias ainda continuassem a apresentar um carácter especulativo, outras há,
cada vez com maior frequência, que estão fundamentadas em dados empíricos. É
neste contexto complexo, que as polémicas enquanto fenómenos de ordem
discursiva ganham relevo, porém importa destacar que nem todas as polémicas
devem ser enquadradas na categoria de controvérsias científicas.
Dascal (1998) define controvérsia como uma tipo de situação que ocorre entre
dois extremos que designa por “disputas” e “discussões”. No primeiro caso estamos
perante debates onde não são realizados verdadeiros esforços para mudar o ponto
de vista do adversário, isto é, a argumentação utilizada pode não chegar a assumir
um carácter racional. Quando ocorreram disputas estas não foram superadas,
muitas vezes, através da persuassão racional mas sim de um mediador externo ou
de um tribunal. No outro extremo deste contínuo encontram-se as discussões que
correspondem a situações em que os intervenientes compartilham os mesmos
pressupostos teóricos, métodos e objectivos o que lhes permite ultrapassar a
oposição através de uma argumentação racional. De acordo com Dascal as
controvérsias inserem-se entre estes dois extremos, distinguindo-se das discussões
por se iniciarem por vezes com um problema específico mas rapidamente evoluírem
para outras temáticas. Em consequência, tendem a ser processos longos, abertos,
não conclusivos e que se analisados numa perspectiva temporal evidenciam com
frequência a possibilidade de serem retomadas, como resultado da obtenção de
novos dados ou da apresentação de novas hipóteses.
temporal mais longa, uma vez que como já referimos algumas controvérsias
decorrem durante períodos relativamente longos ou podem mesmo ser retomadas
passado algumas décadas ou séculos.
As correntes historiográficas a que fizemos referência têm interesse
principalmente em termos de análise e de discussão. A realidade é muito mais rica
e diversificada do que a simples apresentação destas correntes de pensamento
poderá fazer crer. Com isto pretendemos afirmar que a coexistência no mesmo
autor ou trabalho de diferentes pontos de vista é uma resposta à própria
complexidade do objecto de estudo da historiografia da ciência.
A ideia de que a história da humanidade tinha sido precedida por uma outra
história da qual o homem teria estado ausente, começou a emergir no final do
século XVIII. Mas foi só a partir do século XIX que se registaram alterações
significativas no modo de conceber a história da Terra, com a aceitação por um lado
de uma escala cronológica longa e por outro da evolução dos seres vivos, patente
na sucessão de floras e faunas fósseis observadas em várias regiões. A presença
em determinadas rochas de fósseis de seres pertencentes a reinos desconhecidos
tornou-se uma evidência que necessitava de ser descrita e interpretada.
naturalistas foi um brilhante divulgador das suas ideias, cujas capacidades retóricas
contribuíram de forma decisiva para convencer muitos dos seus opositores.
Por sua vez, as cronologias longas nem sempre estiveram associadas a
concepções lineares de tempo. No final do século XVIII, James Hutton (1726-1797)
apresentou um modelo explicativo do nosso planeta no qual atribuía dimensão
infinita ao tempo, afirmando que ao longo deste se teriam sucedido de forma
cíclica e alternada, fases de formação e de destruição de relevos. Esta concepção
de tempo foi adoptada Lyell o que lhe valeu ser também objecto de algumas
críticas e ser ridicularizado por alguns dos seus opositores (fig.1).
Fig. 1 – Charles Lyell foi alvo da crítica dos seus contemporâneos por defender
uma perspectiva cíclica do tempo. A imagem (1830), da autoria do naturalista
Henry De la Beche retrata Lyell como o “Professor Ichthyosaurus”, dando uma
aula de anatomia, sobre a espécie humana, a uma audiência de seres extintos mas
que teriam reaparecido.
Fonte: Cartoon desenhado por Henry De La Breche (1796-1855) com o título
“Awful Changes” (retirado de RUDWICK, 1985).
semelhantes aos que se encontram nos fundos oceânicos. Esta diferente composição
permitiria aos continentes deslocarem-se sobre os restantes materiais, Wegener
estabeleceu provavelmente uma analogia com a deslocação de blocos de gelo à
superfície do mar, que tinha observado nas suas expedições à Groenlândia. Com
base neste modelo afirma que, no passado, os continentes actuais teriam estado
reunidos numa grande massa continental, a Pangea. Posteriormente, este
supercontinente ter-se-ia fragmentado, formando-se diferentes blocos continentais
que teriam ao longo da história da Terra sofrido diversas deslocações. Neste modelo
as montanhas resultavam de “colisões” entre massas continentais distintas.
A deriva continental defendida por Wegener, não era uma ideia totalmente
inovadora. Outros autores já a tinham referido, no entanto foi Wegener o primeiro
a recolher e a sistematizar uma série de argumentos em sua defesa, elaborando
uma teoria científica coerente (WEGENER, 1996). Contudo, foram muitos os
obstáculos com que se deparou. A adopção generalizada, por parte da comunidade
científica, de concepções contraccionistas e permanentistas dificultaram a
aceitação inicial desta teoria.
A grande maioria dos cientistas aceitava, como facto comprovado, um
arrefecimento progressivo do globo do qual resultaria a sua contracção acompanhada
por uma deformação da crosta terrestre. Esta concepção contraccionista, já bastante
antiga, tinha recebido confirmação experimental através dos trabalhos William
Thomson (1824-1907) professor de física numa universidade inglesa, mais
conhecido como Lord Kelvin, dando origem a modelos explicativos que privilegiavam
principalmente os movimentos verticais das massas continentais. Kelvin, calculou,
com base unicamente em dados físicos, que a Terra teria uma idade aproximada
de 100 milhões de anos. Este resultados não foram bem recebidos pela comunidade
de geólogos, pese embora o prestígio que Lord Kelvin possuia à época na
comunidade científica, dando origem a uma intensa controvérsia. Estes dados
punham em causa as metodologias uniformitaristas, uma vez que reduzia a escala
de tempo utilizada pelos geólogos nas suas explicações (AMADOR; CONTENÇAS,
2001). Por sua vez, os permanentistas afirmavam serem os continentes e as bacias
oceânicas estruturas primitivas estáveis, excluindo qualquer possibilidade de
existirem movimentos laterais. Também do continente norte-americano, onde se
tinha constituído a partir do século XIX uma importante comunidade científica,
cujos membros participaram de forma bastante activa nos grandes debates que
animavam a comunidade geológica, surgiram importantes contribuições, contando
a corrente permanentista com a adesão da maior parte dos geólogos norte-
americanos.
Porém, Wegener teve dificuldade em encontrar um mecanismo que justificasse
NOTA FINAL
REFERÊNCIAS
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AMADOR, Filomena. Explicação das causas naturais do Terramoto de Lisboa: o papel retórico
das novas concepções e métodos científicos, em particular da experimentação, em textos
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