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Porto Alegre
2016
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USOS POLÍTICOS DA GUERRA DE INDEPENDÊNCIA AMERICANA
Resumo: O objetivo do presente artigo é discutir questões referentes aos usos políticos da
memória da Guerra de Independência, assim como de seus atores e período histórico na
sociedade e na política americana atuais. Desta forma, mostrando a importância da memória
coletiva não apenas como um conjunto de lembranças dos acontecimentos passados, mas
também como um meio de legitimação política.
1. INTRODUÇÃO
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que os cidadãos europeus, de serem igualmente vistos como ingleses, espanhóis e
portugueses. Em outras palavras, a visão até então era a busca por alterar o status da colônia
no Império. O próprio Benjamin Franklin, um dos mais proeminentes dos Pais Fundadores,
mostrava essa identificação com o Império Britânico em seu pequeno ensaio intitulado
Observations Concerning the Increase of Mankind, Peopling of Countries (escrito em 1751 e
publicado em 1755, apenas 11 anos antes da ratificação da Declaração de Independência):
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Disponível em https://archive.org/stream/increasemankind00franrich
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havia adiado: a Guerra Civil. Mas se a Guerra Civil pôs irmão contra irmão (como muitos
gostam de desenhar o conflito) seria com ela que se decidiria de uma vez por todas o modelo
de trabalho que o país adotaria, assim como foi somente depois dela que vimos emergir algo
que podemos chamar de uma nação americana:
Em contraste com os americanos das Treze Colônias, que não possuíam uma história
passada além da colonização europeia, e com os americanos pós-Independência que herdaram
da geração da Revolução uma União pouco resistente, os americanos pós-Guerra Civil não
tinham apenas conseguido constituir uma unidade nacional mais firme, que antes era
facilmente rompível, como também, graças a isso, podiam fazer maior uso de seu passado
para fortalecer esse novo sentimento de pertencimento nacional. Isso, é claro, não significa
que antes da Guerra Civil o uso do passado da Independência e a reverência às suas lideranças
não existissem na retórica política; o próprio Lincoln usava a figura dos Pais Fundadores
como meio legitimador de suas posições, um bom exemplo disso é o Cooper Union Speech de
1860, em que ele fez uma defesa contra a expansão da escravidão declarando que os Pais
Fundadores concordariam com sua posição. Todavia, a falta de unidade no país na época
retirava da Revolução seu poder agregador, seu poder político mesmo que existente ainda não
era tão sólido. Afinal, era difícil o evento de fundação da União ter grande peso no imaginário
político, quando essa União era facilmente rompível e o sentimento de unidade extremamente
frágil. Por conseguinte, o passado nacional se torna um gerador maior de consenso se já há
um consenso mínimo que permita que a unidade nacional se mantenha estável. Sendo assim,
nesse cenário em que diversos conflitos que comprometiam a União são resolvidos, o uso
político da Guerra de Independência torna-se uma arma política muito preciosa, pois fortalece
a criação da ideia de que todos partilham de uma memória e imaginário comuns, mesmo que
mitificados. Assim sendo, a criação de uma nação fortalece a imaginação em torno do evento
fundacional do país, mesmo que não seja nele que a nação tenha se formado, assim como
mostra a importância que o discurso histórico tem para construir essa imaginação, esse mito
em torno da fundação.
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3. O passado que não passa: usos da memória do período revolucionário na política
americana contemporânea
Sob a bandeira Gadsden, desfilam pelas ruas da cidade homens trajados como
minutemen esbravejando contra os impostos e contra a tirania do governo. Uma cena do
século XVIII, se não fossem o cenário urbano do século XXI e os gritos contra o socialismo.
O que estamos diante é uma manifestação do Movimento Tea Party formado por indivíduos
de matriz conservadora, que se tornou parte do cenário político americano nos últimos anos.
O Tea Party já no próprio nome (referência a uma ação de protesto de 1773 chamada de Festa
do Chá de Boston contra o governo britânico) carrega essa marca política de buscar
legitimidade em um acontecimento passado aclamado entre os americanos. Da mesma forma,
a maneira como o movimento expõem seus posicionamentos ganha contornos que
referenciam o período revolucionário: a simbologia do seu discurso e da relação que ele
estabelece entre si e um passado determinado vincula sua luta atual com a luta daqueles
americanos, no caso, vemos a ideia de uma luta constante que percorre a fundação da União
até o momento atual contra uma tirania. Nesse sentido, a luta das Treze Colônias contra os
impostos da metrópole inglesa e, posteriormente, contra a própria Coroa são postas em
simetria às reivindicados do Tea Party sempre encontradas nos cartazes de seus militantes em
favor de um governo pequeno e contra a taxação.2 Outra marca do movimento é o uso
constante em suas manifestações da bandeira de Gadsden (utilizada durante a Revolução) que
é ressignificada para os acontecimentos do presente tendo seu significado no passado como
modelo. Hoje, inclusive, a bandeira é mais conhecida internacionalmente por muitos como a
bandeira desse movimento do que como uma das bandeiras utilizadas pelos americanos na
Guerra de Independência.
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É bom fazer a ressalva de que essa equiparação não é parte apenas da retórica do Tea Party. Essa
relação é feita por muitos e em vários momentos, inclusive cartazes da Segunda Guerra comparavam o
envio de tropas para a batalha à luta dos americanos das Treze Colônias, afirmando que os americanos
sempre batalham pela liberdade (GRANT, 2014, p. 370)
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Outro elemento da política americana (mais presente nos conservadores) que
segue essa tendência de vinculo do passado com o presente é a defesa da não restrição do
porte e venda de armas. Nos discursos em defesa de que não se intensifiquem as suas
restrições, podemos encontrar muitas vezes referências ao período da Guerra de
Independência; o que ocorre nesses casos é a criação de uma simetria entre a necessidade de
armamento que a população das Treze Colônias teve com uma suposta necessidade atual da
população americana de estar armada3, da mesma forma, também pode-se identificar uma
concepção de que a cultura das armas (incluindo aqui não apenas ter armas, mas também a
prática da caça) faz parte de um way of life dos americanos que proviria desde o período
colonial e, portanto, deve ser preservado contra qualquer suposto ataque a sua existência. O
anacronismo nessa simetria é patente, pois ela prefere calcar sua defesa em um imaginário em
torno de um passado sacralizado desconsiderando as particularidades históricas do período em
questão enquanto acaba muitas vezes não dando o foco necessário aos acontecimentos que o
tempo presente impõe para a partir dele construir argumentos para sustentar suas posições.
Um bom exemplo desse discurso é o feito pela atualmente pré-candidata pelo Partido
Democrata à presidência Hillary Clinton durante a sua campanha também pela candidatura do
partido em 2008 em que ela buscou apoio de defensores da Segunda Emenda falando de suas
habilidades com armas e o como elas são uma parte importante da cultura dos americanos:
“You know, some people now continue to teach their children and their
grandchildren. It’s part of culture. It’s part of a way of life. People enjoy
hunting and shooting because it’s an important part of who they are. Not
because they are bitter. ” 4
Todavia, é bom que se diga que ela buscava conciliar essa visão com posições mais
favoráveis a leis para “deixar essas armas longe das mãos erradas”5 Nesse sentido, a pré-
candidata tentava agaranhar votos dos defensores mais árduos da Segunda Emenda utilizando
de seu discurso em uma eleição em que ela disputava com um candidato (Barack Obama)
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Algo que ganha maiores proporções agora que o terrorismo interno é visto por muitos como uma
ameaça constante levando mesmo a situações de paranoia. Recentemente, um abaixo assinado foi feito
para que se permitisse que se carregassem armas dentro da Convenção do Partido Republicano em
2016; segundo seus idealizadores, essa era uma medida necessária para proteger a Convenção de
grupos como o ISIS e de outros que queiram ameaçar o way of life americano. Disponível em
http://nymag.com/daily/intelligencer/2016/03/40000-sign-petition-for-guns-at-gop-convention.html
4
Disponível em http://politicalticker.blogs.cnn.com/2008/04/12/clinton-touts-her-experience-with-
guns/
5
Disponível em http://www.presidency.ucsb.edu/ws/index.php?pid=76913
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mais favorável a leis de restrição, mas sem dar ares de um discurso mais conservadores,
tornando-se, portanto, uma candidata de posições mais ao centro no que se refere às armas.
Outro exemplo desse fenômeno é a doutrina que coloca os Estados Unidos como
uma nação privilegiada pelo destino e por Deus. Cunhada em 1845, o conceito de Destino
Manifesto surgiu durante o período de expansão ao oeste, mas não “havia algo de
especialmente novo na ideia de que a América tinha um destino a ser tornado manifesto.
Afinal, Thomas Paine havia advertido a geração revolucionária de que sua causa era “a causa
de toda a humanidade”. ” (GRANT, 2014, p. 202). Obviamente, essa doutrina existe de forma
diferente de como existia no período revolucionário e no período da expansão, dado que as
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O poder desse lobby é facilmente percebível quando, mesmo diante de atentados como os em
Charleston e San Bernardino ambos em 2015 e o de Orlando em 2016 (atentados cometidos por
indivíduos que facilmente compraram armamento pesado apesar de seus históricos de doenças mentais
ou possível ligação com o terrorismo), ele ainda assim consegue inibir o avanço de leis que restringem
o acesso de pessoas com esses tipos de históricos consigam adquirir esse armamento. A retórica
utilizada pelos defensores da não restrição sempre é a mesma: o Estado não pode sob circunstância
nenhuma inibir qualquer restrição à compra de armas de qualquer cidadão, pois isso vai contra os
valores americanos protegidos pela Segunda Emenda.
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circunstâncias históricas são diferentes. Todavia, esse discurso em torno de um suposto
destino do país ainda pode ser encontrado na retórica política como, por exemplo, no discurso
do ex-presidente Ronald Reagan na Convenção do Partido Republicano em 1988:
“I believe that God put this land between the two great oceans to be found by
special people from every corner of the world who had that extra love for
freedom that prompted them to leave their homeland and come to this land to
make it a brilliant light beam of freedom to the world. ” 7
7
Disponível em http://millercenter.org/president/reagan/speeches/speech-5469
8
Assim sendo, à semelhança do que pode ser encontrado no caso da américa espanhola, a
nação-pátria que é invocada é uma realidade ao mesmo tempo política, moral e espiritual, que
ultrapassa uma entidade geográfica particular (GUERRA, p. 20). Logo, torna-se claro como
determinados valores, ideais e, por conseguinte, a memória de um evento histórico de grande
importância para uma nação como a Guerra de Independência consegue exercer tanto peso
ideológico no imaginário americano.
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Dessa maneira, tanto os Pais Fundadores como seus membros individualmente são parte
constante nos discursos, tanto de parlamentares, quanto de presidentes, principalmente em
discursos de grande comoção. Nos dois exemplos que seguem, temos fragmentos dos
discursos do presidente Barack Obama em seu discurso de posse em 2009 e do ex-presidente
Ronald Reagan no seu Discurso Sobre o Estado da União de 1988:
“As for our common defense, we reject as false the choice between our
safety and our ideals. Our Founding Fathers, faced with perils we can
scarcely imagine, drafted a charter to assure the rule of law and the rights of
man, a charter expanded by the blood of generations. ”8
“We're for limited government, because we understand, as the Founding
Fathers did, that it is the best way of ensuring personal liberty and
empowering the individual so that every American of every race and region
shares fully in the flowering of American prosperity and freedom. ” 9
A diferença de partidos e de ideias não é impedimento para que esses dois presidentes
invoquem a imagem dos pais da república em discursos de grande importância em seus
mandatos.
Da mesma forma, outra indagação que é feita tanto por políticos quanto por
cidadãos comuns é o que os Pais Fundadores achariam do país atualmente ou de determinadas
situações.10 A resposta geralmente é a de que eles não gostariam do que veriam, de que os
objetivos dos Pais Fundadores não foram devidamente defendidos e preservados. Essa
concepção em torno dos fundadores não é apenas extremamente anacrônica, como também
demostra uma visão muito equivocada em torno desse grupo de homens. Ela é anacrônica
porque desconsidera as imensas diferenças entre o período em que os fundadores viviam (suas
circunstâncias, necessidades e imperativos) e o momento histórico em que seus nomes são
invocados; suas figuras são deslocadas de seu tempo histórico específico e tornam-se
transcendentais, capazes de serem trazidas como modelo para resolver qualquer contenda
presente; quanto mais próxima uma solução estaria de um suposto ideal comum
compartilhado entre os Pais Fundadores, melhor ela representaria os anseios atuais do país.
Do mesmo modo, a invocação dos Pais Fundadores desconsidera a própria diferença entre
eles, ela pressupõe uma unidade de pensamento entre seus membros, quando a realidade
mostra que eles eram um grupo muito heterogêneo em termos de ideias:
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Disponível em http://millercenter.org/president/obama/speeches/speech-4453
9
Disponível em http://millercenter.org/president/reagan/speeches/speech-5684
Ao entrarmos na internet, podemos facilmente encontrar esse tipo de indagação pelas pessoas, tanto
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"[...] the American Revolution was not a set experience with a set meaning
even for those individuals at the highest levels of the Revolutionary power
structure. The meaning and the story of the Revolution varied significantly
from individual to individual based on the goals and objectives of each of the
leading players in the formation and preservation of the American state. "
(TIPTON, p. 30)
O fato era que, mesmo compartilhando algumas ideias em comum, esses homens
não apenas possuem visões distintas em vários aspectos como o futuro da república recém-
formado por exemplo, como também o período em que viviam não foi, como já mostrado no
início do artigo, uma época de grande consenso entre os americanos. É claro que a Guerra de
Independência como mito fundador da nação produz a falsa ideia de uma coesão entre aqueles
agentes históricos, coesão necessária para sustentar a visão sacralizada que se têm em torno
desses indivíduos. Desta forma, quase podemos falar de uma hagiografia em torno da vida,
obra e pensamento desses homens aclamados por muitos como os pais fundadores da nação-
pátria americana.
5. Considerações Finais
A imaginação em torno da fundação de um país é claramente de suma importância
para a formação de um sentimento de pertencimento a uma nacionalidade. Seja na Europa,
seja na América, o evento de fundação é sempre um evento de celebração, um evento cujos
acontecimentos e atores exercem grande peso na memória coletiva nacional. Nesse sentido,
essa memória é facilmente convertida em um meio de legitimação de determinadas posições
políticas. Nos discursos, nas manifestações, tais eventos, atores e seus feitos são invocados da
mesma forma, para sustentar posições muitas vezes completamente distintas, ao passo em que
o anacronismo, a separação temporal entre esse passado e o momento de sua invocação sãos
geralmente ignorados. Portanto, a despeito do fato daquilo que podemos chamar de nação
americana não ter surgido nela, a Guerra de Independência é o principal evento de aclamação
e celebração no imaginário nacional americano, por conseguinte, o peso que ele tem na
construção do patriotismo americana é imenso e é assim que ele se torna parte constante no
atual cenário político americano, nos discursos, símbolos, slogans e na própria mentalidade
dos indivíduos. Sendo assim, com tudo o que foi discorrido, percebe-se como o passado
muitas não passa, ele subsistente como um espectro que ronda a vida e a política de uma
nação.
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Referências bibliográficas
GRANT, S. M. História Concisa dos Estados Unidos da América. São Paulo: EDIPRO, 2014.
KARNAL, L. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto,
2007.
MOUNJOY, S. Manifest Destiny: Westward Expansion New York: Chelsea House Pub, 2009
TIPTON, D. T. Searching for Meaning: The Legacy of the Founding Fathers and Their
Revolutionary Narratives. Disponível em:
http://trace.tennessee.edu/cgi/viewcontent.cgi?artic
le=2238&context=utk_chanhonoproj Acesso em 24/04/2016
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