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A FARINHA DO MOINHO DAS PALAVRAS

Cada vereador é, a princípio, fiscal do executivo, defensor do erário e delegado das demandas
populares. Se ele representa dignamente os que o elegeram, isto é matéria para análise
individual e longe estamos da intenção de subestimar o papel dos edis ou mesmo de cometer
alguma injustiça. Mas a bem da verdade os vereadores consomem bastante tempo jogando para
a plateia, sobretudo quando há público razoável no plenário. Têm uma queda especial por
homenagens. Nomes de ruas ou efemérides estão entre os prediletos. Também falam de
buracos, fazem pedidos de informações e não raro vão à tribuna para tecer elogios a si mesmos.

Ciosos de suas responsabilidades, pelo menos é o que imaginamos, surpreendem pelo silêncio
tumular a respeito dos cargos de confiança dos executivos. Uns e outros são capazes, até com
razões sobejas, aqui e acolá, de vociferar contra o desperdício de recursos públicos, mas parece
que ninguém toca no assunto dos cargos de confiança. Como se este gasto fosse uma mixaria.

Não gosto muito de escrever sobre coisas do cotidiano ou sobre o que pode mudar entre o
nascer e o pôr do sol. Prefiro sempre a distância no tempo, porque nos dá uma chance maior de
não trair convicções ou mesmo de não denominar uma ideia do momento como se definitiva
fosse. Contrariando hábitos, gostaria desta feita de tomar um exemplo numérico. Suponhamos
que os cargos de confiança de sua cidade recebam, em média, mil reais por mês. Custarão,
grosso modo, mensalmente, somados os custos sociais, em torno de dois mil reais. Assim, se
uma administração municipal tiver cem comissionados, gastará em torno de duzentos mil reais
todo o mês com este contingente, faça chuva ou faça sol. É uma pequena fortuna.

Por que razão nem mesmo os vereadores de oposição, salvo exceções, gritam contra isto? É um
mistério que minha estultice não desvenda. O que poderia causar tanta indiferença, até mesmo
naqueles que se mostram tão ciosos com os centavos do erário? Cartas para a Redação. Nada
contra a generosidade. Como já tive a oportunidade de manifestar alhures, aprecio a gratidão
dos eleitos para com seus pares. Só não aplaudo que se mostrem generosos para com os
apoiadores, cupinchas e assemelhados usando recursos públicos. Se recompensarem sua
claque com recursos do próprio bolso serão certamente cumulados de elogios por todos.

Caiu nas minhas mãos uma pequena biografia de Alfred Nobel, o sueco que ficou famoso pela
descoberta da dinamite e cuja memória não se apaga por conta dos prêmios que instituiu. O
texto tem um bom predicado: foi patrocinado pela Academia Sueca e pela própria Fundação que
leva seu nome. Nobel também arriscou-se na literatura, ainda que sem o mesmo sucesso. Entre
seus derradeiros papéis encontraram trechos de um romance cujo protagonista expõe o credo
político do autor. Para ele havia “três espécies de governo: a autocracia hereditária, a monarquia
constitucional e o governo republicano. Todas elas são igualmente más”.

Seu desprezo pela autocracia é fácil de entender. Ataca também as monarquias constitucionais
porque nelas quem governa é o Parlamento, que Nobel denomina “O moinho de palavras”.
Gostei da expressão. A farinha deste moinho deve ser o blá-blá-blá. O protagonista de sua
história diz que a principal ocupação dos parlamentares é “discursar e, em certos países,
outorgar a si mesmos bons negócios”. Nobel vai além. Afirma que os “membros do parlamento
são preferentemente recrutados entre os advogados e outros parasitas da burocracia”. Como se
vê, ele não gostava mesmo dos políticos, assim como não apreciava muito os jurisconsultos.
Nobel não foi um sujeito acomodado, nem no final da vida, a despeito de sua saúde debilitada.
Multimilionário, preocupou-se em deixar um legado e não há dúvida que logrou o feito.

Há que confiar que os homens, criaturas de Deus, possam surpreender. Quem sabe ainda
surjam representantes eleitos em nossa região que decidam dar um tiro no próprio pé, regrando
a contratação de comissionados. Romperão um círculo vicioso que tem a idade da política,
deixarão o seu legado e destarte merecerão os versos de Affonso Romano de Sant´anna:

“Erguer a cabeça acima do rebanho é um risco que alguns insolentes correm.


Mais fácil e costumeiro seria olhar para as gramíneas como a habitudinária manada.
Mas alguns erguem a cabeça, olham em torno e percebem de onde vem o lobo.
O rebanho depende de um olhar.”

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