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REMIÇÃO PELA INSTRUÇÃO: UM APANHADO

POLÍTICO-CRIMINAL, DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL*

Rodrigo de Abreu Fudoli


Promotor de Justiça Adjunto do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios e
Mestre em Ciências Penais pela Faculdade
de Direito da UFMG.

O art. 126 da Lei no 7.210/84 – Lei de Execução Penal, ao instituir a


remição da pena privativa de liberdade no Direito pátrio, não fez qualquer menção
ao “estudo”, à “instrução” ou à “educação”, como atividades hábeis a permitir
ao condenado acesso ao referido direito. Eis a redação do caput do citado
dispositivo: “O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-
aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.”
Entretanto, desde os trabalhos pré-legislativos promovidos pelo
Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, em 1983 (Encontro Nacional
Sobre o Sistema Penitenciário), para colher subsídios a respeito de qual deveria
ser o conteúdo das normas do estatuto execucional penal que então se pretendia
alinhavar, muito discutiu-se acerca da hipótese de ser inserida, naquele Projeto
de Lei recém-rascunhado, a remição da pena pela instrução.1
A possibilidade naquela ocasião aventada recebeu críticas contundentes
de Jason Albergaria, para quem o aluno de cursos não deve lograr qualquer
vantagem remicional. Caso contrário, estaria se favorecendo duas vezes:
aprendendo algo e antecipando sua liberdade.2
Embora tal afirmação tenha sido externada por aquele que, merecidamente,
é um dos mais consagrados penitenciaristas e criminólogos brasileiros, tendo
integrado, inclusive, a Comissão revisora do Anteprojeto de Lei, convertido este

* O presente artigo foi escrito com base em um dos capítulos da dissertação intitulada “Da remição da
pena privativa de liberdade: pela máxima efetividade de um instituto de descarcerização”, defendida
e aprovada, em 26.03.2002, perante a banca examinadora composta pelos Professores Doutores
Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva (orientador); Jair Leonardo Lopes e José Cirilo de Vargas.
1
BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Relatório de Atividades do
DEPEN, 1983, p. 83, citado por ALBERGARIA, Jason, Das penas e da execução penal, 1992, p. 110.
2
ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal, 1992, p. 121.

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posteriormente na Lei de Execução Penal (Lei no 7.210/84), não há qualquer
razão para com ele manifestar concordância, nesse ponto específico. Pelo contrário,
os avanços da ciência penitenciária demonstram a necessidade de se afastarem os
resquícios de uma visão clínica e correcionalista da criminologia e da execução
penal, revelada pela excessiva ingerência do saber médico-psicológico-psiquiátrico.
A óptica correcionalista vem sendo superada e cede espaço a um
entendimento sobre a execução penal que garanta ao condenado a dignidade
humana e que ilumine a sua indesejável estadia em um estabelecimento penal
com a chama da esperança de poder reconstruir sua vida fora do cárcere. Diante
desse quadro, sob que justificativa se poderia admitir que fosse obstado ao
condenado atingir uma dupla vantagem, consistente em aprender algo e, ao
mesmo tempo, abreviar o tempo de sua permanência em ignominioso local?
O Direito de Execução Penal não pode, hodiernamente, furtar-se a possuir
um caráter eminentemente mantenedor dos vínculos do apenado com o mundo
livre. O estudo, a instrução, o aprendizado, tudo isso constitui um dos elementos
fundamentais nesse sentido. Oxalá afastem-se cada vez mais os tempos de triste
memória nos quais o condenado era um mero objeto dos métodos correcionalistas
desumanos.
PAULO JOSÉ DA COSTA JR. 3 é um dos autores que mais
ardorosamente defendem a introdução, em nosso ordenamento jurídico, da

3
COSTA JR., Paulo José da. Curso de direito penal, 1991, p. 144. À procura de informação mais
precisa sobre quem teria, por primeiro, sugerido a implantação da remição pelo estudo, buscamos o
valioso auxílio do Prof. Maurício Kuehne, considerado por alguns o primeiro a ter feito tal
proposta. No entanto, este, demonstrando sua honestidade científica, revela não ter sido o autor
original da sugestão, e conta-nos, em correspondência, que, sobre a implantação de remição pelo
estudo, a primeira referência de que se tem conhecimento remonta ao VII Encontro Nacional de
Secretários Estaduais de Justiça, realizado em Porto Alegre/RS, entre 6 e 8 de dezembro de 1990,
ocasião em que se elaborou o documento denominado “Proposta de princípios para uma política
penitenciária de defesa do cidadão e da sociedade”. Uma das conclusões dos grupos de trabalho
reunidos ao longo do Encontro recebeu a seguinte redação: “5. O período em que o preso freqüentar
curso de ensino formal/profissionalizante, com carga horária mínima de quatro horas diárias e
comprovado aproveitamento, deverá ser computado para remissão [assim mesmo] da pena.” No
plano doutrinário, a primazia, salvo melhor juízo, deve ser mesmo atribuída a Paulo José da Costa
Jr., que, na edição de 1991 de seu Curso de direito penal, já dedicava certo espaço ao tema.
Mencione-se ainda a proposta feita por Dálio Zippin Filho, membro do Conselho Penitenciário do
Estado do Paraná, em 1993, em encontro promovido pela Associação dos Magistrados do Brasil e
pela Associação dos Magistrados Catarinenses (I Simpósio Nacional Sobre Execução Penal e
Privatização dos Presídios, 25-27 de março de 1993, sugestão no 2, aprovada por unanimidade: “O
tempo de estudo regular do interno, com efetivo aproveitamento, deve ser reconhecido como de
trabalho, para efeito de remição de pena”).

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remição pela instrução, ou, segundo sua terminologia, a “remição cultural”.
Destaca que a alfabetização traz enormes vantagens, as principais delas sendo a
facilitação do alcance da consciência da ilicitude e o reforço dos freios inibitórios.

Isso é tão verdadeiro que o próprio Código Penal (Parte Geral de 1984),
em seu art. 35, §2o (“O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a
cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior”),
permitiu ao condenado a freqüência a cursos profissionalizantes.

O autor propõe um escalonamento na redução da pena, de forma que,


quanto mais alto o grau de escolaridade atingido pelo condenado dentro da
prisão, maior a diminuição da sanção. A escala seria crescente, tendo em vista a
alfabetização, depois o curso de segundo grau, e, por fim, o curso superior.
Outro critério, qual seja, o do aproveitamento nesses cursos, também seria
adotado.

Prossegue afirmando que, uma vez introduzida no direito positivo a remição


cultural, os condenados, em sua maioria, buscariam instrução, e, mais do que
isso, se o proveito redutor de pena for tanto maior quanto melhor for o
aproveitamento acadêmico, presenciar-se-ia o afinco dos condenados estudantes
nos cursos de instrução e profissionalizante, à procura de melhores notas.4

A vantagem da remição pela instrução seria dupla: o condenado vê-se


premiado pelo seu esforço, ao passo que a sociedade desvencilha-se “do peso
social do criminoso que se redime”.5

4
COSTA JR., Paulo José da, Curso de direito penal, 1991, p. 145.
5
Idem, Ibiden, p. 146. Permita-se-nos um pequeno reparo no que tange à última parte do pensamento
do citado autor. O condenado não pode ser considerado um peso social que a “sociedade” suporta
em suas costas, e do qual ela deve se livrar. Essa forma de visualizar as coisas distancia a sociedade
livre da sociedade cativa. Na verdade, o que a sociedade livre deve fazer é se reconhecer no cárcere,
ou, como prefere dizer Alessandro Baratta (“Resocialización o control social”, 1991, p. 254-255),
derrubar, ao menos simbolicamente, os muros das penitenciárias, para que os indivíduos livres
vejam que quem está lá dentro é uma pessoa como qualquer outra. No entanto, em atenção à
observação formulada pelo professor Jair Leonardo Lopes, por ocasião da defesa da dissertação da
qual se extraíram as idéias principais deste texto, é preciso dizer que a expressão “peso social”,
empregada por Paulo José da Costa Jr., pode ter outro sentido: a remição pela instrução, devolvendo
o indivíduo mais rapidamente à liberdade, representaria inegável vantagem econômica para o
Estado, que se furtaria de gastar com a manutenção do condenado do cárcere.

144 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
Ademais, estar-se-ia atendendo aos objetivos consignados no art. 1o da
Lei de Execução Penal: a busca da integração social do condenado por meio da
instrução e da formação profissional: “a execução penal tem por objetivo efetivar
as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado”.

Outros dispositivos da Lei no 7.210/84 – o elenco é exemplificativo –


podem ser invocados para fundamentar a concessão da remição pela instrução,
por uma lei futura. O art. 10 estabelece que “A assistência ao preso e ao internado
é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência
em sociedade.” Enquanto isso, o art. 11 arrola as formas pelas quais a assistência
se dará, com destaque para a assistência educacional (inciso IV). O art. 17
determina que “A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a
formação do preso e do internado.” Por seu turno, o art. 21 assegura o direito à
informação do condenado, estipulando que, “Em atendimento às condições locais,
dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as
categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos”.
Finalmente, o art. 34 prevê que “O trabalho (...) terá por objetivo a formação
profissional do condenado”.

Na II Conferência de Conselhos Penitenciários6, constou da Carta


de Fortaleza, no seu item no 14, “Recomendar a imediata aprovação do
projeto legislativo que amplia a remissão [assim mesmo] da pena, também
pelo estudo”.

Durante o I Encontro Nacional de Execução Penal7, realizado na Capital


Federal, os juristas ali presentes redigiram documento intitulado “Carta de
Brasília”. Foram sugeridas diversas mudanças legais, e, entre os itens apontados,
merece destaque, para o presente estudo, o seguinte: “11. Recomendar a
ampliação do instituto da remição para abranger trabalho artístico e atividades
educacionais”.

6
Realizada em Fortaleza/CE, em 20-22 de novembro de 1995.
7
Encontro realizado em 17-21 de agosto de 1998, pela AMB e pela AMAGIS/DF, e organizado pelo
juiz George Lopes Leite, p. 133.

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 145
No I Seminário Sobre Sistema Penitenciário e Penas Alternativas,
Realidade Carcerária do Estado do Espírito Santo8, recomendou-se (item 8) “a
ampliação do instituto da remissão [assim mesmo] da pena para abranger trabalho
artístico e atividades educacionais.”
Poucos meses depois, no III Encontro Nacional de Execução Penal9, o
item no 6 da Carta ali formulada dizia: “recomendar aos juízes da execução
penal a concessão da remissão [assim mesmo] das penas por atividades
educacionais, culturais e científicas”.
A Carta de Goiânia, redigida pelos participantes do I Fórum Nacional de
Justiça e Sistema Penal, conteve a seguinte sugestão: “Item 6. Estabelecer a remição
da pena pelo estudo, qualificação profissional e atividades artístico-culturais.”10
A transcrição de duas das conclusões formuladas pelos participantes do
IV Encontro Nacional de Execução Penal11, realizado em Recife-PE, indica o
mesmo: “5. A remição da pena, direito do detento que trabalha, deve ser
estendida aos que se dediquem ao estudo e a cursos profissionalizantes, cabendo
a cada juiz de execução penal, na esfera de sua competência jurisdicional,
normatizar sobre a matéria, considerando a omissão legislativa existente”. “6. A
Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84) deve ser reformada urgentemente,
implementando-se a remição da pena pela educação e facilitando a agilização na
tramitação de processos”.
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária12 por sua vez,
revelando-se sensível ao antigo clamor dos juristas, expediu, em 1999, as
Diretrizes Básicas de Política Criminal e Penitenciária, em cujo art. 29, primeira
parte, recomenda-se “viabilizar, junto ao Congresso Nacional, a remição da
pena pela educação (...)”.

8
Realizado em Vitória/ES, em 9 de junho de 2000. Revista do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, Brasília, v. 1, no 14, jul./dez. 2000, p. 233.
9
Realizado em Belém/PA, em novembro de 2000. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária, Brasília, v. 1, n o 14, jul./dez. 2000, p. 241-242.
10
Realizado em Goiânia/GO, em 1 o de setembro de 2000. Documento reproduzido na Revista do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, v. 1, no 14, jul./dez. 2000, p.
237-238.
11
Realizado em Recife/PE, entre 18-21.6.2001. Os anais ainda não foram publicados.
12
Resolução n o 5, de 19.7.1999, que “dispõe sobre as Diretrizes Básicas de Política Criminal e
Penitenciária e dá outras providências”. Publicada no DOU de 27.7.1999.

146 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal tramitam diversos
Projetos de Lei, cujas respectivas ementas, abaixo reproduzidas, demonstram
a clara tendência político-criminal já apontada (atualização feita em setembro
de 2002): “Dispõe sobre o trabalho, o estudo e a reintegração social do
condenado e dá outras providências”, estabelecendo a jornada de trabalho de
6 horas para os condenados que estudem por pelo menos 4 horas diárias e
diminuindo a contagem do tempo para a remição de 1 dia de pena por 2 de
trabalho ou de trabalho e estudo13; “Introduz alterações no parágrafo único do
artigo 17 e no artigo 126 e parágrafo primeiro da Lei no 7.210, de 11.7.1984”,
fixando entre 3 e 4 horas a carga horária para preleção de aulas e incluindo o
estudo na redução do tempo de reclusão na proporção de 1 dia de pena para
3 de trabalho, 1 dia de pena para 5 de estudo e no caso de trabalho e estudo
4 dias para 1 de pena14; “Altera o art. 126 da Lei no 7.210, de 11.7.1984,
permitindo a remissão [assim mesmo] pelo estudo”, instituindo a remição da
pena para o condenado que estude em curso de formação profissional, de
primeiro ou segundo graus, ou universitário, sendo a contagem do tempo feita
à razão de 1 dia de pena por 12 horas de estudos15; “Altera o artigo 126 da
Lei no 7.210, de 11.7.1984, permitindo a remição pelo estudo”, instituindo a
remição da pena para o condenado que estude em curso de formação
profissional, de primeiro ou segundo graus, ou universitário, sendo a contagem
do tempo feita à razão de 1 dia de pena por 12 horas de estudos16; “Altera os

13
Projeto de Lei no 3.569, de 1993 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal José
Abrão (PSDB-SP). O Projeto está na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara
dos Deputados.
14
Projeto de Lei no 4.527, de 1994 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal Ivo
Mainardi (PMDB-RS). A proposição legislativa em referência foi arquivada.
15
Projeto de Lei n o 3.542, de 1997 (Câmara dos Deputados), apresentado pela Deputada Federal
Marta Suplicy (PT-SP), mas já arquivado.
16
Projeto de Lei no 37, de 1999 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal Paulo
Rocha (PT-PA). De acordo com o Projeto, a remição pelo estudo passaria a ser permitida, sendo
a contagem do tempo feita a razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) dias de trabalho ou por 12
(doze) horas de efetiva presença nas atividades do curso de primeiro e segundo graus, universitário
ou de formação profissional. Em apenso a este, estão os Projetos de Lei nos 1.036/99; 1.882/99;
2.502/00; 3.159/00; 4.102/01; 4.291/01; 5.002/01; 5.073/01; e 5.075/01. O projeto encontra-se
na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara, tendo como relator o Deputado
Federal Ibrahim Abi-Ackel (PPB-MG). Em seu parecer, lançado em 12.9.2001, o relator opinou
pelo apensamento deste projeto e de outros que tratam do mesmo tema ao Projeto de Lei no 5.075/
2001, de autoria do Poder Executivo.

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arts. 126, 129 e 130 da Lei no 7.210, de 11.7.1984, para permitir a remição
da pena por meio de estudo” 17; “Altera o disposto nos arts. 126, 127 e 129
da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para nela
incluir o estudo como forma de remição de parte do tempo de execução da
pena” 18; “Altera artigos da Lei no 7.210, de 11.7.1984, para permitir a remição

17
Projeto de Lei no 409, de 1999 (Senado Federal), apresentado pelo Senador Maguito Vilela (PMDB-
GO). Em 29.10.2001, o citado Projeto de Lei foi enviado ao Senador Sebastião Rocha, relator
designado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. De acordo com o texto do Projeto, a
contagem do tempo para o fim remicional dar-se-ia à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de
trabalho, ou de 1 (um) dia de pena por 2 (dois) de estudo (art. 1o, §1o); a remição por estudo somente
seria concedida ao condenado regularmente matriculado em estabelecimento de ensino de primeiro
grau, de segundo grau, de curso técnico-profissionalizante ou de nível superior (art. 1o, §4 o); o
tempo de estudo de um período escolar não seria computado para fins de remição se o condenado
não lograr aprovação nesse período (art. 1 o, § 5 o ); e, finalmente, a remição por trabalho e a
remição por estudo seriam independentes e poderiam ser realizadas simultaneamente (art. 1o, § 6o).
18
Projeto de Lei no 1.036, de 1999 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal Léo
Alcântara. Tal Projeto foi objeto de parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária, da lavra do Conselheiro Eduardo Reale Ferrari (Processo SAL n o 08.001.008.421/
99-11), em 20.11.1999. O parecer foi aprovado na 259a Reunião do CNPCP, em 27-28.3.2000. O
Conselheiro consigna que a proposta legislativa está de acordo com a diretriz no 29 da Resolução no
5/99, do CNPCP. No entanto, opinou pela modificação na redação do Projeto. Transcreve-se, a
seguir, trecho do parecer citado: “O inciso I do artigo 126 da proposta, estabelece que o abatimento
da pena pelo estudo será de 1 (um) dia de pena por 1 (um) dia de trabalho, mais 20 (vinte) horas-
aula semanais. Pergunto: o que significa mais 20 (vinte) horas-aulas semanais? Por que tal acréscimo
ao abatimento da pena? Decorreria da cumulatividade do preso que estuda e trabalha? Se a resposta
for positiva, suficiente, ao meu ver, será definir um inciso para o abatimento pelo trabalho e outro
para o abatimento pelo estudo, permitindo-lhes a acumulatividade. Ora, se o preso trabalha e
estuda, possível será o duplo abatimento da pena face a ambas atividades, bastando retirar a
expressão ‘apenas’ dos incisos II e III do Projeto. Quanto ao inciso III – que viraria inciso II, face
a supressão do inciso I do Projeto – alteraria o critério de 40 (quarenta) horas-aula por 12 (doze)
horas-aula, limitando o máximo de horas-aulas a 4 (quatro) horas-aula por dia. A ser assim,
substituiria o 40 (quarenta) horas-aula por 12 (doze), limitando o máximo de estudo a 4 (quatro)
horas por dia, perfazendo que a cada 3 (três) dias estudados, teríamos as 12 (doze) horas-aulas
preenchidas, e conseqüentemente 1 (um) dia de pena abatido, tal como ocorre na remição de pena
pelo trabalho. Relativamente ao aproveitamento do preso à classe, entendo interessante condicionar
a remição da pena ao cumprimento das obrigações escolares, a demonstrar merecimento por parte
do condenado-estudante. Não se trata assim de condicionamento ao aproveitamento do preso em
classe, mas sim do cumprimento das tarefas ultimadas, sendo o esforço nas tarefas escolares critério
mais salutar que o subjetivo e discriminante ‘aproveitamento’. No que tange ao art. 127 do
Projeto, entendo pertinente a mera suspensão da remição, sendo salutar a não perda do tempo
remido, no caso do preso permanecer estudando mesmo quando suspenso o seu direito de remir,
sendo a continuidade no estudo prova do esforço e do envolvimento positivo do condenado.”

148 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
também pelo estudo” 19; “Altera o art. 126 da Lei no 7.210, de 11 de julho de
1984 - Lei de Execução Penal, para permitir a remição da pena pelo estudo”20;
“Altera dispositivo da Lei no 7.210, de 11.7.1984, que institui a Lei de Execução
Penal”, autorizando o condenado à pena de reclusão a remir parte da pena, pela
participação em atividade educacional21; “Dispõe sobre a remissão [assim
mesmo] da pena”, permitindo ao condenado que cumpre pena em regime fechado
ou semi-aberto remir, pelo estudo, parte do tempo de execução da pena22;
“Modifica o artigo 126 da Lei no 7.210, de 11.7.1984”, permitindo ao condenado
que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto remir, pelo estudo, parte
do tempo de execução da pena23; “Modifica o art. 126 da Lei no 7.210, de
11.7.1984”, permitindo a remição ao condenado que freqüentar curso regular
no estabelecimento prisional ou em instituição externa24; “Altera os arts. 126,
129 e 130 da Lei no 7.210, de 11.7.1984 – Lei de Execução Penal, para permitir

19
Projeto de Lei n o 1.882, de 1999 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal
Rubens Bueno (PPS-PR). Tal Projeto foi objeto de parecer do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, da lavra do Conselheiro Eduardo Reale Ferrari (Processo SAL n o
08.027.000.02/00-59), de 20.2.2000. O parecer foi aprovado na 259a Reunião do CNPCP, em 27-
28.3.2000. De acordo com o Projeto, o art. 126 da Lei de Execução Penal passaria a ter a seguinte
redação: “Art. 126. O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá
remir, pelo trabalho ou pelo estudo regular ou profissionalizante parte do tempo de execução da
pena. § 1o A contagem do tempo, para fim deste artigo, será feita à razão de um dia de pena por três
de trabalho ou doze horas de curso. § 2o O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho ou no
curso, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição.” No parecer, o Conselheiro opinou
pela aprovação do Projeto, com ressalva referente à redação do art. 126, § 1 o, que deveria ser
escrito de forma a se estabelecer a razão de 12 (doze) horas de estudo por 1 (um) dia de trabalho,
limitando-se, todavia, o estudo diário a 4 (quatro) horas, a fim de se possibilitar o abatimento pelo
trabalho no restante do dia.
20
Projeto de Lei no 5.002, de 2001 (Câmara dos Deputados), apresentado pela Deputada Federal Iara
Bernardi (PT-SP). De acordo com o Projeto (art. 1 o , § 1 o ), a contagem do tempo para o fim
remicional seria feita na razão de um dia de pena por três de trabalho ou por oito horas de efetiva
presença nas atividades do ensino de alfabetização, fundamental, médio, universitário ou de formação
profissional, inclusive os cursos com a metodologia de educação à distância.
21
Projeto de Lei n o 3.159, de 2000 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal
Valdeci Oliveira (PT-RS). Tal Projeto foi alvo de parecer do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, da lavra do Conselheiro Maurício Kuehne (Processo SAL n o
08.027.000.492/00-20), que opinou pelo seu apensamento a outros Projetos de Lei que tratam do
mesmo tema.
22
Projeto de Lei no 4.102, de 2001 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal José
Aleksandro (PSL-AC).
23
Projeto de Lei n o 4.291, de 2001 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal
Nilton Capixaba (PTB-RO).
24
Projeto de Lei n o 4.704, de 2001 (Câmara dos Deputados), apresentado pelo Deputado Federal
Marcos Rolim (PT-RS).

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 149
a remição de pena por meio do estudo”, estabelecendo que a remição pelo
estudo somente poderá ser concedida ao condenado regularmente matriculado
em estabelecimento de ensino fundamental, ensino médio, educação profissional
ou de educação superior25.

No estado do Rio de Janeiro, uma Comissão de Juristas formada pela


Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos elaborou Anteprojeto de
Lei que prevê, expressamente, a remição pela instrução26. Na Exposição de
Motivos, o relator da Comissão, JUAREZ TAVARES, estatuiu:

“equiparando-se o trabalho material ou manual ao trabalho


intelectual, pode o condenado aproveitar a freqüência desses
cursos como forma de remição da pena, nos termos da Lei de
Execução Penal, à razão de 3 (três) dias de trabalho por 1 (um) dia
de pena. Sem essa forma de aproveitamento, tolhe-se a perspectiva
de uma formação intelectual e profissional necessária à sua
recuperação e reintegração social produtiva”.

O art. 2o, § 1o, estipula que

“a freqüência ininterrupta a cursos regulares de alfabetização, ou


de instrução de primeiro grau, médio ou superior, ou
profissionalizante, como preparo para a execução de tarefas
produtivas, será considerada trabalho penitenciário, desde que
concluído integralmente o ciclo pedagógico semestral, ou a grade
curricular obrigatória”.

Por sua vez, o art. 3o determina que “as atividades de instrução ou de


profissionalização seguirão [quanto à jornada diária] as diretrizes do respectivo
programa escolar, executado dentro do horário de trabalho”. Finalmente, o art.
5o, § 2o, prevê que

“o condenado será beneficiado pela remição, ao freqüentar cursos


de alfabetização, ou de instrução de primeiro grau, médio ou
superior, ou profissionalizante, na mesma razão do parágrafo

25
Projeto de Lei no 6.390, de 2002 (Senado Federal).
26
Anteprojeto de Lei que “dispõe sobre o trabalho penitenciário no Estado do Rio de Janeiro e dá
outras providências”, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 9, no 34, abr./jun.
2001, p. 334-339.

150 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
anterior [1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho], observada a
regra de freqüência prevista no § 1o do art. 2o desta Lei”.

São noticiadas, ainda, outras propostas em sentido similar. Entre elas,


destacam-se duas. A primeira é da lavra de MAURÍCIO KUEHNE, membro
do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:

“Art. 126. O condenado que cumpre pena privativa de liberdade


poderá remir, inclusive de forma cumulada, pelo trabalho ou
freqüência e aproveitamento a curso regular ou profissionalizante,
de qualquer nível, devidamente autorizados, parte do tempo de
execução da pena. (NR)
§ 1o A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão
de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho, e 12 horas de
estudo, por 1 (um) dia de pena. (NR)”.

A segunda foi formulada no Projeto de Lei no 5.075/2001, inspirado nos


trabalhos da Comissão de juristas designada pelo Ministro da Justiça para a
Reforma da Lei de Execução Penal:27

“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou


semi-aberto poderá remir, pelo trabalho e pelo estudo, parte do
tempo de execução da pena. (NR)
§ 1o A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão
de: (NR)
a) 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho;
b) 1 (um) dia de pena por 20 (vinte) horas de estudo.
(...)
§ 4o O condenado poderá cumular a remição pelo trabalho com a
remição pelo estudo. (NR)”.

Para nós, entretanto, o brado pela adoção da remição pela instrução não
pode se limitar ao encaminhamento de sugestões de alterações legislativas.
Entendemos acertados os esforços dirigidos à utilização imediata de mecanismos
de interpretação jurídica, para que, dentro do quadro normativo atualmente
existente, conceda-se a remição cultural aos condenados que estudam nos
estabelecimentos penais.

27
O então Anteprojeto de Lei, posteriormente convertido em Projeto de Lei, foi publicado na
Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 9, no 34, abr./jun. 2001, p. 340-362.

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 151
É de tal natureza a iniciativa registrada pela Secretaria da Administração
Penitenciária de São Paulo, que, por intermédio da FUNAP – Fundação
Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel, entidade de amparo ao trabalhador
preso, lançou, em setembro de 2000, a “Campanha da Remição Pela
Educação”28.

Paralelamente a isso, é de bom alvitre ressaltar que se pode detectar uma


tendência, por parte de alguns juízes, voltada a conferir, desde já, interpretação
mais lata ao art. 126, independentemente de qualquer reforma na Lei de Execução
Penal. Tais magistrados já vêm reconhecendo o direito à remição por dias de
estudos dos condenados.

Em Minas Gerais, recebeu ampla divulgação um caso exemplar de


sentença concessiva de remição pelo estudo, proferida pelo juiz Wanderson
de Souza Lima, da Comarca de Ribeirão das Neves. Acentue-se que o pedido
partiu dos próprios órgãos do Ministério Público local (promotores de justiça
Leonardo Duque Barbarela e Rodrigo Gonçalves Fonte-Boa).

Naquela ocasião, a interpretação deu-se no sentido de se considerar o


vocábulo “trabalho” de forma mais elástica, para envolver também o estudo
(trabalho intelectual). Apoiou-se o juiz na definição dada pelo dicionário Aurélio,
que não distingue atividade laboral intelectual da física, ao definir trabalho:
“aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar determinado fim”, ou
“atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização
de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento”29.

28
O programa busca permitir a redução de 1 (um) dia de pena para cada 18 (dezoito) horas de
participação em atividades educacionais. No estado de São Paulo, 10.500 presos estudam, por
iniciativa da FUNAP. Destes, 9.500 cursam o ensino fundamental (de 1a a 8a série), na base de 2
(duas) horas por dia. Criada pela Lei no 1.238/76 e regulamentada pelo Decreto n o 10.235/77, a
FUNAP também providencia trabalho interno para os presos, em suas 34 oficinas, e trabalho
externo (para condenados em regime semi-aberto), por meio de Termo de Cooperação com órgãos
do Estado e com empresas privadas. SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA,
2001, <http://www.admpenitenciaria.sp.gov.br/Orgaosvin.htm>
29
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2a ed. Nova
Fronteira, citado na sentença prolatada aos 26.10.1999, autos n o 25.732-0, Comarca de Ribeirão
das Neves – MG. Jornal do Advogado (OAB/MG), 2000, p. 9.

152 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
Acrescenta o prolator do referido julgado que a interpretação que confere
maior amplitude ao art. 126 da Lei de Execução Penal, “por um lado, não foge
à adequação típica imediata, e por outro não fere os princípios de integração
das normas jurídicas”30.

No caso concreto, o estudo feito pelo condenado tinha a mesma duração


estipulada no art. 33 da Lei no 7.210/84 (de seis a oito horas diárias). Cumprindo
a jornada de estudo, o apenado preencheu o requisito do art. 126 da Lei de
Execução Penal31.

Outra decisão proferida em Minas Gerais, desta vez, pelo Tribunal de


Justiça do estado mineiro, reconhece a possibilidade de contagem do tempo
empregado em freqüência a curso supletivo para fins de remição da pena, também
com supedâneo na interpretação semântica alargada do vocábulo “trabalho”.32

No estado de São Paulo, o juiz da Vara de Execuções Penais de Campinas,


PAULO EDUARDO DE ALMEIDA SORCI, ao conceder, por intermédio de
uma interpretação elástica do vocábulo “trabalho”, 25 dias de remição a um
condenado que estudou pelo período de 459 horas (com jornada mínima de 6
horas diárias), ressaltou a importância da construção jurisprudencial na evolução
do Direito, afirmando que

“não pode subjugar-se a função do juiz a operação puramente


automática, pois embora seja um ente inanimado – no dizer de

30
Jornal do Advogado (OAB/MG), 2000, p. 9.
31
Jornal do Advogado (OAB/MG), 2000, p. 9. Maria Tereza Uille Gomes e Mônica Louise de
Azevedo, em tese apresentada no XIII Congresso Nacional do Ministério Público, em 1999
(“Remição da pena privativa de liberdade pelo estudo e formação profissional”), defendem, da
mesma forma que o juiz prolator da decisão comentada, que o conceito de trabalho, em sentido
lato, envolve também o estudo, de modo que “não há necessidade, portanto, de nenhuma portaria
judicial ou resolução administrativa regulamentando a matéria, pois sua disciplina decorre da
inteligência do espírito da Lei de Execução Penal, bem como da aplicação de um de seus dispositivos
(art. 126), individualizado nos casos concretos, através do provimento jurisdicional.”
32
PENA – Remição – Freqüência a curso de suplência – Possibilidade – Inteligência do art. 126 da
LEP – Deve-se conceder a remição da pena ao sentenciado que comprove freqüência ao curso de
suplência, oferecido pelo estabelecimento prisional, desde que aferido o aproveitamento do
condenado-estudante e de acordo com a carga horária do curso, seguindo-se os mesmos critérios da
remição por dia trabalhado, pois, além de a tanto não se opor o sistema de execução penal pátrio,
o artigo 126 da LEP (Lei no 7.210/84) não distingue a natureza do trabalho para fins de se remir o
tempo de execução da pena. TJMG – 2a Câm. Crim. – RA 174.312-9/00 – j. 18.5.2000. v.u. – rel.
Des. Herculano Rodrigues. Minas Gerais, 23.8.2000, p. 1-2.

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Montesquieu, tem-se mostrado verdadeiramente a alma do
progresso jurídico, um artífice laborioso do Direito novo contra
as fórmulas caducas do Direito tradicional”, e atentando para o
paradoxo de se “reconhecer a remição pelo trabalho de ‘faxina’ e
simplesmente ignorar o esforço do educando.”33

O Tribunal de Alçada Criminal do estado de São Paulo já confirmou


sentença nesse sentido, prolatada pelo mesmo juiz de Execuções Penais da
Comarca de Campinas. Tratou-se de um agravo em execução (no 1.258.707-2,
10ª Câmara, relator juiz MÁRCIO BÁRTOLI), assim ementado:

“EXECUÇÃO PENAL – Art. 126 – Possibilidade de remição da


pena pelo estudo. Na interpretação do art. 126 da Lei no 7.210/
84, nada impede o reconhecimento do direito do condenado à
remição da pena também pela sua efetiva freqüência e
comprovada conclusão de cursos oficiais supletivos,
profissionalizantes, de instrução de segundo grau e superior,
patrocinados pelo sistema penitenciário, invocando-se a função
integrativa do princípio da analogia in bonam partem, para
preencher a lacuna legal.
Os cursos supletivos, profissionalizantes, de instrução de
segundo grau ou superior têm previsão no art. 35, §2o, do Código
Penal, como regra do regime semi-aberto, mas também devem
ser implementados nos presídios fechados, porque durante a
fase de execução da pena prepondera o interesse social na
concreta recuperação do sentenciado e na sua volta à
sociedade, sem que torne a delinqüir, o que poderá ser tentado
pela via da educação, e ao Estado ‘cumpre proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado’,
segundo a Lei de Execução Penal.”34

33
Sentença publicada em 3.10.2000, nos autos do processo no 467.583 – Campinas/SP, e disponível
na internet em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/boletins/boletim52000/jurisprudencia/
execucao.htm>
34
Publicado no Boletim do IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, a. 9, no
110, jan. 2002, seção “O direito por quem o faz”, p. 573-575. O agravo em execução em tela foi
interposto pelo órgão do Ministério Público, nos autos do processo no 302.224, sob o argumento
de que a decisão monocrática não se ajusta ao texto do art. 126 da Lei de Execução Penal, que
somente prevê o trabalho como fator de diminuição da duração da pena imposta. A atividade
exercida pelo agravado foi escolar, na Penitenciária I de Hortolândia, durante 153 dias, alcançando
459 horas-aula, e obtendo a remição de 25 dias. Obteve aprovação em curso equivalente às quatro
primeiras séries do ensino fundamental e comprovou o alegado com atestado escolar subscrito pelo
diretor do Núcleo de Educação do Estado de São Paulo.

154 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
No mesmo sentido, outra ousada decisão foi tomada pelo Tribunal
de Justiça do estado do Rio Grande do Sul. De acordo com trecho do
voto do relator daquele acórdão, o então juiz de Alçada substituto
WALTER JOBIM NETO:
“Ora, a freqüência a aulas, no presídio, evidentemente que tem,
se devidamente assimilados os conteúdos ministrados, muito
mais condições de ressocializar um apenado do que o trabalho
em faxina, por exemplo. (...) Como negar-se, pois, o estímulo de
freqüência às aulas? Vale mais limpar latrinas do que se educar?
Tenho que, evidentemente, não. Se a Lei de Execução Penal
tem por finalidade recuperar, e por isso incentiva o
desenvolvimento de atividade útil – como o trabalho – porque,
em nome da correta política criminal, não se considerar o estudo
como trabalho?”35

Esse entendimento jurisprudencial encontra arrimo na doutrina. Em


parecer exarado na qualidade de membro do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, NILZARDO CARNEIRO LEÃO alcança o
entendimento de que a Lei de Execução Penal não distingue quanto à natureza
do trabalho executado pelo condenado. Portanto, “poder-se-ia chegar até
o tempo utilizado para o estudo, de primeiro e segundo graus,
profissionalizante, ou qualquer outro capaz de estimular a elevação cultural
do recolhido.”36
Reproduz-se, adiante, a Portaria no 5/96, editada pelo juízo da 2ª Vara de
Execuções Penais da Comarca de Curitiba – PR, que dispõe sobre trabalho e
estudo, para fins de remição.
“REMIÇÃO DA PENA - PORTARIA
2a Vara de Execuções Penais - Curitiba
Portaria no 05/96 - Dispõe sobre trabalho e estudo, para fins de
remição.
‘O Doutor Paulo Cézar Bellio, juiz de Direito da 2a Vara de Execuções
Penais, no uso de suas atribuições legais e,

35
LEI DE EXECUÇÃO PENAL – Tempo de freqüência a aulas, com aproveitamento escolar, deve
ser computado para efeito de remição. Agravo provido. TJRS – 4a Câm. Crim. – RA 697.011.393
– j. 19.3.1997 – v.u. – rel. juiz de Alçada Substituto Walter Jobim Neto. RJTJRS 183/101.
36
LEÃO, Nilzardo Carneiro. “Parecer sobre a remição”, 1999, p. 192.

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 155
Considerando que, é objetivo da execução penal e obrigação do
Estado, proporcionar ao condenado condições necessárias a sua
integração social;
Considerando que, assim como o trabalho, a instrução comum ou
profissionalizante tem finalidade educativa e reabilitadora,
exercendo papel preponderante na reinserção social do
condenado, pois prepara-o para uma profissão;
Considerando que, o desempenho de atividade física (trabalho)
ou mental (educação) na prisão é direito-dever do condenado,
dada a sua natureza pedagógica e quando recompensado o esforço
é fator de incentivo, evita a ociosidade e inibe conflitos ‘intra
muros’;
Considerando a importância da educação nos nossos dias,
dada a competitividade do mercado de trabalho, haja vista
que, sem ter concluído o primeiro grau dificilmente alguém
consegue emprego e, não raro, condenados presos há anos
saem da prisão sem sabem ler ou escrever, sendo incerto o
seu futuro,
Resolve:
1. O condenado que enquanto preso, além de trabalhar interna ou
externamente, freqüentar a escola e concluir curso de instrução
comum (ensino regular do primeiro ou segundo grau) ou
profissionalizante, sob a direção ou coordenação do Departamento
Penitenciário – DEPEN, receberá de recompensa redução na sua
pena.
1.1. A cada 18 (dezoito) horas-aula, terá direito à redução de 01
(um) dia da pena.
1.2. O curso com carga horária inferior a 18 horas, não dá direito ao
benefício.
2. Iniciado o curso o Diretor da Unidade Penal fará a comunicação
a este Juízo, informando o nome do aluno, horário e período de
duração.
2.1. A ficha de freqüência contendo as horas-aula e o
aproveitamento do aluno será encaminhada a este Juízo após
encerrado o curso, juntamente com o atestado de trabalho do
período correspondente.
2.2. O condenado que só estudar e não trabalhar durante o curso,
não terá direito à redução da pena.
Cumpra-se.
Encaminhe-se cópia ao DEPEN.

156 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
Afixe-se no átrio do Fórum.
Curitiba, 30 de agosto de 1996.”37

Tendo em vista o que restou exposto, é aconselhável que o legislador


adote, expressamente, a remição pela educação, caminhando, com isso, rumo
ao cumprimento do art. 205 da Constituição Federal, abaixo transcrito:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da


família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa; seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.”

Enquanto tal não ocorre, não vislumbramos óbice algum em se interpretar


o sentido do vocábulo “trabalho” de maneira lata a ponto de englobar também o
estudo.

Prosseguindo, cumpre advertir que, muito embora esteja sendo desenhado


um consenso doutrinário – e uma adesão crescente dos juízes e tribunais – à tese
da remição pela instrução, não há ainda unanimidade quanto ao critério a ser
adotado para a redução da pena.

Já foram propostas, em congressos, simpósios, projetos de lei, livros e


artigos, as mais díspares formas de cômputo da remição cultural.

37
A Portaria está transcrita em KUEHNE, Maurício, Lei de execução penal anotada, 2001, p. 290-
291. Com base em tal Portaria, foi concedida reiteradas vezes, pelo Magistrado que a editou, a
remição da pena pelo estudo, o que ensejou, também em diversas oportunidades, recurso de agravo
por parte do Ministério Público. O Tribunal de Alçada paranaense, entretanto, vem,
majoritariamente, mantendo as decisões de primeira instância: Remição pelo estudo – Recurso de
agravo – Decisão concessiva de remição de pena por estudo, de acordo com portaria do juízo da 2a
Vara de Execuções Penais – Recurso do Ministério Público, portaria inaplicável à espécie – Todavia,
aplicação da analogia in bonam partem – Atividade que guarda nítida semelhança com o trabalho,
pois ambas visam a atingir os objetivos da Lei de Execução Penal – Normas que regulam a remição
de pena pelo trabalho, aplicabilidade à remição de pena pelo estudo – Recurso improvido. TAPR –
1a Câm. Crim. – RA 0132364-8 – j. 27.5.1999 – rel. juiz Bonejos Demchuk. DJ 11.6.1999, p. 129.
Cf. ainda: Recurso de agravo – Remição da pena pelo estudo – Curso oficial com aproveitamento
– Portaria do juízo que define pressupostos e diretrizes ao seu deferimento divorciadas da legislação
existente – Lacuna da lei que deve ser preenchida pela analogia – Recurso provido. TAPR – 1a Câm.
Crim. – RA 119434-7 – j. 4.6.1998 – rel. juiz Wilde Pugliese. Por fim, em outra câmara do mesmo
pretório, cf.: Recurso de agravo – Remição da pena pelo estudo – Possibilidade. 2ª Câm. Crim. – RA
6025 – DJ 21.5.1999, p. 107 – rel. juiz Eli de Souza.

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 157
Eis um breve apanhado:

a) LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, em artigo publicado em jornal


de circulação nacional,38 e Secretários Estaduais de Justiça, reunidos no I Fórum
Nacional de Justiça e Sistema Prisional, em 2.9.2000, em Goiânia/GO:
recomendou-se (conclusão no 1), pura a simplesmente, “estabelecer a remição
da pena pelo estudo, qualificação profissional e atividades artístico-culturais”.39
A sugestão não envolveu detalhes sobre a aplicação dessa nova modalidade de
remição, razão pela qual a reputamos insuficiente;

b) PAULO JOSÉ DA COSTA JR.: para este autor, o critério seria duplo.
Em primeiro lugar, a redução seria escalonada, para que, quanto maior o grau
de escolaridade alcançado no cárcere, maior seja a redução da pena. Em segundo
lugar, o aproveitamento do condenado nos cursos seria também levado em
consideração. O autor não entra em detalhes sobre a proporção em que se
daria a redução, nem sobre a eventual possibilidade de cumulação da remição
cultural com a remição pelo trabalho;

c) Deputada Federal MARTA SUPLICY e Deputado Federal PAULO


ROCHA: a contagem do tempo seria feita à razão de 1 (um) dia de pena por 12
(doze) horas de estudos. Em nenhum dos dois projetos fica claro se o estudo e
o trabalho poderiam ser cumulativos, para efeitos remicionais;

d) MAURÍCIO KUEHNE, membro do Conselho Nacional de Política


Criminal e Penitenciária: a redução da pena seria operada na proporção de 1
(um) dia de pena por 3 (três) dias de trabalho; e 1 (um) dia de pena por 12
(doze) horas de estudo. Não fica esclarecido se poderá haver cumulação de
estudo e trabalho, para que a redução seja maior;

e) juiz WANDERSON DE SOUZA LIMA, da Comarca de Ribeirão


das Neves/MG; juiz PAULO EDUARDO DE ALMEIDA SORCI, da Comarca

38
CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Remição, 2001.
39
Carta de Goiânia, elaborada no I Fórum Nacional de Justiça e Sistema Prisional, com a presença dos
Secretários de Justiça de 23 estados brasileiros. O evento serviu, de acordo com documento disponível
em <http://www.sc.gov.br/websc/Noticias/noticiasset00.htm, para a discussão e análise do atual
sistema prisional brasileiro, e, principalmente, das propostas de alteração da legislação penal e
processual penal, com reflexos diretos na administração carcerária.

158 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
de Campinas/SP; e Desembargador WALTER JOBIM, do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul: o estudo é entendido como trabalho, em sentido amplo.
Portanto, a redução da pena pelo estudo se dá na mesma razão da diminuição
proporcionada pelo trabalho, a saber, para cada 3 (três) dias de estudo, com
carga horária variando entre 6 (seis) e 8 (oito) horas, desconta-se 1 (um) dia de
pena. Semelhante a essa, mas externada em termos diversos, é a proposta
elaborada em encontro promovido pelos magistrados gaúchos, em Bento
Gonçalves/RS,40 quando se formulou a seguinte conclusão: “10. A remição por
estudo é possível, devendo o número de horas-aula ser dividido por seis e depois
por três, assim se obtendo a equivalência com a remição pelo trabalho. Aprovada,
por unanimidade”;

f) juiz PAULO CÉZAR BELLIO, da Vara de Execuções Penais de


Curitiba/PR: a cada 18 (dezoito) horas-aula, reduz-se um dia de pena.
Tanto para esse magistrado, quanto para os dois juízes citados na alínea
“e”, não é necessário modificar a Lei de Execução Penal, para que seja
aplicada a remição pela instrução. Para isso, bastaria a interpretação da
lei por processos lógicos;

g) Projeto de Lei no 5.075/2001, do Poder Executivo, inspirado no


Anteprojeto de Lei elaborado pela Comissão MIGUEL REALE JR.: para cada
3 (três) dias de pena trabalhados, há remição de 1 (um) dia de pena; para cada
20 (vinte) horas de estudo, há remição de um dia de pena;

h) Deputado Federal JOSÉ ABRÃO: a contagem da remição far-se-ia


com redução de 1 (um) dia de pena por 2 (dois) dias de trabalho, ou de trabalho
e estudo, sendo que a jornada diária mínima de trabalho seria de 6 (seis) horas,
e a jornada mínima diária de estudos seria de 4 (quatro) horas. Aqui, nota-se
que o critério proposto é mais límpido que os anteriores, uma vez que exsurgem
especificadas tanto a proporção da redução da pena, quanto a jornada de estudo
e de trabalho, e, ainda, a possibilidade de cúmulo laboral e estudantil para o
alcance do direito à remição;

40
Encontro de Execuções Criminais, realizado em Bento Gonçalves/RS, nos dias 19 e 20.4.2001,
tendo o documento que sintetiza os principais itens das conclusões sido publicado no Diário da
Justiça de 3.5.2001. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br/comsoc/not03a-05-2001.htm>

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 159
i) Deputado Federal IVO MAINARDI: a carga diária de aulas, para efeitos
remicionais, deve ser fixada entre 3 (três) e 4 (quatro) horas, e a redução da
pena dar-se-ia na razão de 1 (um) dia de pena para 3 (três) de trabalho; ou 1
(um) dia de pena, para 5 (cinco) dias de estudo; ou, por fim, 1 (um) dia de pena
para cada 4 (quatro) dias de estudo e trabalho. Da mesma forma que o critério
exposto na alínea “h”, este possui elementos claros que permitirão ao intérprete,
caso vingue a proposta, delinear a forma de contagem do tempo remido pelo
estudo, pelo trabalho, ou por ambos.

Tendo em vista os vários critérios propostos, os dois últimos arrolados


(letras “h” e “i”) parecem ser os mais acertados por três razões. Em primeiro
lugar, por preverem, às expressas, a possibilidade de cumulação de trabalho e
estudo para fins remicionais. Em segundo lugar, por já deixarem estabelecido o
número de dias necessários para que se opere a remição, seja só pelo trabalho,
seja só pelo estudo, seja, finalmente, pela conjugação das duas atividades. Por
último, estabelecem ambos os critérios a carga horária mínima para a atribuição
de efeitos remicionais ao estudo.

Trata-se, portanto, de propostas que contêm as regras mais detalhadas


sobre o tema, de forma a espancar quaisquer dúvidas que não ficam inteiramente
afastadas pelas demais propostas apresentadas. Cumpre, todavia, enaltecer a
iniciativa de todos os outros agentes (parlamentares, doutrinadores e juízes) que
vêm, como ficou claro, envidando esforços no sentido de se implantar a remição
cultural em nossa legislação execucional penal.

É necessário reconhecer que, a se adotar a posição segundo a qual o


estudo não é mais do que uma das formas pelas quais o trabalho se manifesta
(trabalho intelectual), prescinde-se, inclusive, de adoção legislativa expressa da
remição cultural. De toda forma, a modificação legislativa é desejável para que
os critérios sejam expressa e detalhadamente previstos, o que não ocorre no
presente momento, dando azo à disparidade de técnicas judiciais para a aplicação
da remição pela instrução.

A par da discussão analisada acima, a respeito da forma de contagem do


tempo remido pela instrução (cumulatividade ou não com o trabalho; quantidade
de horas ou de dias exigidos para a concessão do direito), é importante ter em

160 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
vista que também devem ser definidas quais atividades de instrução, de educação
e culturais merecem ser levadas em consideração para efeitos de concessão ou
não da remição ao condenado.

Afinal, nas diversas proposições legislativas, manifestações


doutrinárias e decisões jurisprudenciais, os termos são empregados
indistintamente. Assim, no Projeto de Lei formulado por MAURÍCIO
KUEHNE, considera-se para fins remicionais o estudo regular ou
profissionalizante. No Projeto de Lei no 4.704/2001, o que importa é a
freqüência a curso regular no estabelecimento prisional ou em instituição
externa. De acordo com os Projetos de Lei no 37/1999 e no 5.002/2001,
relevante é a efetiva presença nas atividades do ensino de alfabetização,
fundamental, médio, universitário ou de formação profissional, inclusive os
cursos com a metodologia de educação a distância. Segundo os termos do
Projeto de Lei n o 6.390/2002, fará jus à remição o aluno regularmente
matriculado em estabelecimento de ensino fundamental, ensino médio,
educação profissional ou de educação superior, devendo haver aprovação
no período escolar. Finalmente, a se adotar o critério estipulado no Projeto
de Lei no 3.159/2000, considerar-se-ia, para fins de concessão de remição
da pena, a atividade educacional, mesmo que externa, com comprovação
feita com atestado.

Segundo entendemos, a atividade a ser desenvolvida pelo condenado


poderia ser de qualquer modalidade, desde que sob fiscalização de agente
da administração penitenciária, e que, ademais, a atividade seja
institucionalizada, com aulas formalmente ministradas por professores
contratados pela administração penitenciária, matrícula regular em curso
formalmente reconhecido pelo MEC, controle rigoroso de freqüência e
avaliações periódicas.

Não nos parece ser razoável que, caso acolhida legislativamente a remição
pela educação, seja exigida do condenado a aprovação no período escolar.
Razoável que se lhe exija, entretanto, freqüência superior a 75% (setenta e cinco)
por cento das aulas ministradas.

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 161
No Direito Comparado, o “Reglamento de los Servicios de Prisiones”
espanhol, desde a vigência do Código Penal de 1944 – hoje revogado pelo
Código Penal de 1995 – admitia a remição pelo esforço intelectual (art. 62).41

Na Venezuela, a remição pela instrução é uma realidade desde a edição


da “Ley de redención judicial de la pena por el trabajo y el estudio”, de
1993. Naquele diploma legislativo, está dito que, para o reconhecimento de
efeitos remicionais às atividades desenvolvidas pelos condenados, serão
consideradas, entre outras, as atividades: “de educación, en cualquiera de sus
niveles y modalidades, siempre que se desarrolle de acuerdo com los
programas autorizados por el Ministério de Educación o aprobados por
instituciones com competencia para ello.” (art. 5, “a”)

De acordo com o art. 6o, cada 8 (oito) horas estudadas ou trabalhadas,


de forma contínua ou descontínua, serão equivalentes a 1 (um) dia de atividades,
para efeitos de obtenção remicional. Ainda de acordo com o mesmo dispositivo,
se o condenado atuar como instrutor em cursos de alfabetização ou de
profissionalização, o número de horas diárias de trabalho é reduzido para 6
(seis). A razão entre os dias de trabalho ou estudo e os dias remidos é de 2
(dois) para 1 (um), conforme o art. 3o.

A Colômbia conhece, da mesma forma, a redención da pena pelo


estudo. O Código Penitenciário e Carcerário daquele país, editado em 1993,
é expresso:

“Art. 97. El juez de ejecución de penas y medidas de seguridad


concederá la redención de pena por estudio a los condenados a
pena privativa de la libertad. A los detenidos y a los condenados
se les abonará un día de reclusión por dos días de estudio. Se
computará como un día de estudio la dedicación a esta actividad
durante 6 (seis) horas, así sea en días diferentes.”

41
“Art. 62. La redención de la pena por el esfuerzo intelectual podrán obtenerla por los siguientes
conceptos: 1o Por cursar y aprobar las enseñanzas religiosas o culturales establecidas y organizadas
por el centro directivo. 2o Por pertenecer a las agrupaciones artisticas, literarias o científicas de la
prisión. 3 o Por desempeñar destinos intelectuales. 4o Por la realización de producción original,
artística, literaria o cientifica.” A redención da pena, versão espanhola da remição, foi extinta em
1995.

162 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
Em conclusão, pode-se afirmar que a Política Criminal dirige-se com firmeza
no sentido da adoção expressa em lei da remição pela instrução. No entanto,
enquanto não se movimenta o legislador, podem os operadores jurídicos –
mormente membros do Ministério Público e magistrados –, mediante interpretação
mais aturada do art. 126 da Lei de Execução Penal, estender o comando
normativo para as atividades educacionais de que participam os condenados à
pena privativa de liberdade.

E isso se faz em atenção ao alerta de LUIGI FERRAJOLI, sobre a


responsabilidade do jurista: “en un estado de derecho com Constitución rígida,
jueces y juristas están institucionalmente avocados a ser, por así decirlo,
‘reformadores de profesión’(...)”,42 querendo dizer, com isso, que não se deve
confiar aos operadores do Direito a simples manutenção das normas vigentes,
mas que, para além disso, deve ser cometida aos membros do Ministério Público,
a juízes e advogados a crítica que possibilite a progressiva adequação de tais
normas aos preceitos do garantismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Horizonte: Del Rey, 1992.

2. ANAIS DO PRIMEIRO ENCONTRO NACIONAL DE EXECUÇÃO


PENAL (org. George Lopes Leite, Associação dos Magistrados
Brasileiros – AMB e Associação dos Magistrados do Distrito Federal –
AMAGIS/DF). Carta de Brasília. Brasília: Fundação de Apoio à
Pesquisa no Distrito Federal, 1998.

3. BARATTA, Alessandro. Resocialización o control social: por un concepto


crítico de reintegración social del condenado. Trad. Mauricio Martinez.
Em: Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc
Ancel. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 251-265.

42
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, 2000 (publicado pela primeira vez em 1989), p. 696.

Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 163
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dispositivos da Lei no 7.210, de 11.7.1984, que institui a lei de execução
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34, abr./jun. 2001, p. 340-362.

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Penitenciária. Resolução no 5, de 19.7.1999: dispõe sobre as Diretrizes
Básicas de Política Criminal e Penitenciária e dá outras providências.
Brasília: Imprensa Nacional, 2000.

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da Justiça, 1983.

8. BRASIL. Senado Federal. Proposições legislativas. Disponível em: <http:/


/www.senado.gov.br>

9. CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Remição. Correio Braziliense, Brasília,


7.5.2001, Caderno Direito e Justiça.

10. COLÔMBIA. Ley no 65, de 19.8.1993, por la cual se expide el Código


Penitenciario y Carcelario. Disponível em: <http://www.cajpe.org.pe/
RIJ/bases/legisla/colombia/65.HTM>

11. COSTA JR., Paulo José da. Curso de direito penal: parte geral. v.1. 2. ed.,
aum. e atualiz. São Paulo: Saraiva, 1991.

12. ESPANHA. Real Decreto no 190/1996, de 9 febrerero, por el que se


aprueba el Reglamento Penitenciario.

13. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. 4. ed.
Trad. Perfecto Andrés Ibañez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón
Mohino, Juan Terradilos Basoco, Rocio Cantanero Bandrés. Madrid:
Trotta, 2000. (Diritto e ragione: teoria del garantismo penale, 1989)

164 Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002.
14. GOMES, Maria Tereza Uille, AZEVEDO, Mônica Louise de. “Remição da
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realizado em Curitiba-PR, em 26-29.10.1999. Em: Congresso Nacional
do Ministério Público: livro de teses: o Ministério Público social. v. 1, t.
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16. KUEHNE, Maurício. Congressos, simpósios e encontros de execução


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21. SÃO PAULO. Secretaria de Administração Penitenciária. Disponível em:


<http://www.admpenitenciaria.sp.gov.br/Orgaosvin.htm>

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Rev. Fund. Esc. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 10, Volume 20, p. 142-165, jul./dez. 2002. 165

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