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bs 1-PENSAMENTO MEDIEVAL E CRISTIANISMO ‘A Escolistica, que bem caracteriza o pensamento medieval e ccuja influeneia perdura até hoje, nasce e desenvolve-se entre cate~ drais e palécios de reis, entre mosteiros universidades, entre 0 poder espiritual ¢ 0 poder temporal, centrando sua reflexio na ‘questo teolégica da relagio do homem com Deus. Daf surgem as rafzes profundas que o problema da "fé ¢ razio" dos tempos rmo- demos tem na Idade Média. ‘A designagao Idade Média para o milénio entre o tempo éu- reo da cultura antiga e as renatae litterae (Renascimento) remonta a0 Humanismo, desde Petrarca. Trata-se, indiscutivelmente, de ‘um perfodo limitado aos acontecimentos da Europa ocidental central, Na Europa trata-se de uma época hist6rica que se realiza, sob a égide da Igreja catslica, uma época animada pela f€ e, apesar de todas as contradigdes e crises, apresenta uma singular unidade cultural ¢ comunhdo entre os diferentes povos. Esta grande unida- de expressou-se numa lingua comum: o latim. A decadéncia da dade Média ocorre nio s6 com a gradativa diminuigéo do poder dos papas pelo exflio de Avinhio ¢ do cisma ocidental, pela divi- sto territorial do Império, mas também através do surgimento de novas formas econémicas ¢ de novos movimentos espirituais (Humanismo ¢ Renascimento), de modo especial através da ne- cessidade de novas reformas eclesidsticas ¢ do florescimento da mistica, Apesar das diversidades e variedades, a Idade Média apre- senta uma grande unidade interna de sua cosmovisio, Q mund concebido como originado de Deus e a Ele devendo retornar. Fernand van Steenberghen afirma que o longo periodo da Tdade Média possui uma inegavel unidade o pensamento desen- volve-se sem descontinuidade num clima cristo. u Jmente Gok possivel de, pair pants “Esta unidade é posta em relevo por contraste com o perfodo anterior © com o periodo seguinte: 6 eviden- fe que © aparecimento do Cristianismo provocou ‘uma ruptra ra evolugdo do pensamento, introduzin- do uma nova visio do mundo muito diferente da fi ‘osofia grega e muito diferente também do messia- nisma judsice; por outro lado, ¢ incontestével que 0 Renascimento inaygura uma maneira de pensar liber- {a da influéacia da Igreja e que abala de maneira de- finitiva o ediffeio de cristandade, Enfim, 0 periodo cristo da historia de filosofia é aquele durante 0 qual o pensamento europeu sofieu mais diretamente © mais intensamente a influéncia do Cristianismo* Histéria da Filosofia: periodo crisido p, 28). Do ponto de vista da preponderincia nérdica, sponta-se como inicio da Idade Média a data da invasdo de Roma pelo visi_ godo Alarico, em 410, e como fim a volta de Avignon, em 1377. Considerando a Idade Média do ponto de vista da hegemonia eclesidstica parte-se do "edito de Mildo", em 313, e estende-se este perfodo até a rebelido de Lutero em 1517 Todas essas determinagdes baseiam-se no pressuposto de que haja uma data precisa como ruptura esquecendo a continnida- de na evolugdo do pensamento. O perfodo entre o mundo antigo ¢ ‘9 modemo, diferentes um do outro, convencionou chamar-se Idade Média, wm perfodo com sew pensamento préprio e ctiativo, Na passagem da Antigtidade certamente houve uma mudanga profun- da causada pelo Cristianismo. Mas essa mudanga realizou-se aos ‘Poucos, nfo sendo possivel imaginar-se, sequer, a filosofia moder- A denominagio "Idade Média" foi usada pelos renascentis- nnasem.a produc de grandes pensadores medievais, oN tas que, desta forma, pretendiam ignorar grandes realizacdes cultu- Quando se pretende formar um juizo critic sobre a Ii = Tais que houve, indiscutivelmente, nessa época e se tomaram como iédia toda a prudéncia é pouca. Certamente nao é um ideal p ~ gue condicio de possibilidade para o préprio Renascimento. to. Nunca pretendeu sé-lo, A juta contra os hereges, a inquisigio, a = Costuma determinar-se a Idade Média sob vérios pontos de histeria de bruxas sio o tributo que a Igreja pagou pela unidade da ws vista, variando o comego e 0 fim de acordo com a perspectiva: {6 e incorporagao dos povos germinicos. A Idade Média constitui, ere Bee ee \ ara a prépria Igreja, uma etapa transitécia na sua evolucso hist. ga 8) O tempo do império constantinopolitano, ou seja, de 476 | rica, uma etapa que pertence imevogavelmente ao passado , por ae a1453; > AivhSrig, webranee 4880. nilo pode ser restaurada, Nem por isso a Idade Média deixa de eee +b) © tempo da pressao islamica, isto é, de 622 a 1571; »™ ser um exemplo da relagfo entre Deus ¢ o homer, de uma ordem Si ©) © tempo da preponderincia nérdica, isto é, de 410 a 1377; de convivéncia entre os mais diversos povos, ~ & ) © perfodo da hegemonia eclesifstica, isto 6, de 313 a Te oe 1517. cato/icismo 1.1 - Idade Média: idade das trevas? Quando se considera a Idade Média como o tempo do impé- A Iidade Média, sob muitos aspectos, erroneamente foi cha- rio constantinopolitano, ou do "Império Romano Oriental” inicia- mada de “Tdade das Trevas". O Prof. Celestino Pires diz que "pars se com a queda do "rei de Roma" ¢ termina-se com a queda de © humanismo renascentista, a Idade Média significa a decadéncia Constantinopla. Parte-se da queda do timo rei de Roma, Rémulo das letras e das artes; para a teologia protestante, 0 intervalo desde Angistulo, que jé tinha um poder apenas simbélico, em 476, vai- © edito de Mildo em 313 até a Reforma significou a degradagio do 8¢ até a queda de Constantinopla, em 1453, espitito primitive do Cristianismo; para o iluminismo do século Quando se considera a Wdade Média do ponto de vista da XVII significou o obscurantismo da fé e a opressio da razio, En ressilo islamica parte-se da Hégira de Meca a Medina, em 622, ¢ fendida como mero intervalo cronolégico, a Idade Média parece estende-se o perfodo até a batalha de Lepanto, em 1571. uma espécie de conjunto vazio na série das épocas histéricas: nem 12 3 o el gem deena, eS dow ci fe ove pensar 10 Ldlode Md, | arte, nem ciéncia, nem filosofia" (in: varios. Pensamento [Medie- val. 1983, p. 12), Nos primeires séeulos do Cristianismo houve transforma- es politicas profundas na Europa. Depois da divisio do império Tomano entre 0 Ocidente e 0 Oriente, primeito dividers mary mosnico de reinos, formados pelos povos chamados "bérbaroe" que assimilam alguns valores romanos, de modo especial o Cristi. anismo. Os bérbaros cram de teligido politefsta, mas aos poucos, aderiram ao Cristianismo. Ao cair o império e derrubadas suas instimigdes civis, apenas permaneceu a Igreja como organizagzo. Enquanto, no Ocidente, reinava a agressio barbara eo saque, per. dura o Império Romano do Oriente, com capital em Bizancio, que se constituiu em verdadeiro asilo da cultura antiga. As cruzadas contribuiram para a redescoberta das grandes obras dos filbsofos sregos. Quando, em 1204, os cristios invadiram Constantinopla, traziam, entre seus espélios, obras de fl6sofos gregos, algunas traduzidas para o latim. Quando, em 1453, uma nova agressao bér- bara destruiu o império oriental, a tradigdo cultural ja estava res- taurada no Ocidente. ‘Quando se designa o perfodo de um milénio da histéria oci- dental de "Idade das Trevas”, nessa designagao hd algo de verdade, pois 6, também, uma época de grandes epidemias, como a "pest negra’, de guerras sem fim, de um profando sentimento de medo ¢ _inseguranea, Mas nese periodo | lizagées culturais que ainda carecem de estudos mais dos no | campo da filosofia. SEES SS SS is rotenone ~_ Perguntando Se houve, durante os primeiros quinze séculos | Shem 54, Sosa sent antigo «modo de ple, po demos responder com Fernand van Steenberghen, que “mitos ) historiadores ‘acionalistas o tém negado: para | de Justiniano, em 529, ¢ 0 Discurso do Método de Descartes, em / 1637, 2 humanidade desconheceu o saber livre, verdadsiramente ——— eee Sesconheceu_o saber livre, verdadeiramente [ ‘clonal, a humanidade deixou, portanto, de pensar filosoficamen- te. Por isso a historia da filosofia deve dar "um salto sobre a Idade Média", passar sem transicao de Proclo a Descartes. A Idade Mé- dia - média aetas - 6 precisamente o periodo obscuro ¢ barbaro que separa 0 humanismo antigo do humanismo modemo, inaugurado 4 com a Renascenga, isto é, com 0 momento em que a cultura antiga renasce das suas cinzas” (Histéria da Filosofia: periodo cristo. p. 22). De outro lado, renomados historiadores, como E. Gilson, ~afirmam ter existide um auténtico movimento filosdfico no seio da_ ‘cultura crist@. Qual foi entio a influéncia do Cristianismo sobre 0 pensamento humano ocidental? Qual é o estatuto da razio humana na Igreja? Qual a relago entre a doutrina cristé. ¢ a filosofia da Idade Média? Do ponto de vista cultural, diz Celestino Pires, a Idade Mé- dia mostra "um ideal de vida social, politica e religiosa que deixou profundas mareas nas instituigGes, na organizaclo social e politica, na arte ¢ na cultura, E na Idade Média que se erguem_as.catedrais, que suigem as universidades, que se recria o império, que se sonba com a cristandade sob a égide do papado, que Tomas de Aquino excreve a Suma Teoldgica ¢ Dante compée a Divina Comédia. A simples enumeragio destas realizagdes basta para se tornar quase incompreensivel como se pode pensé-la como a Idade das Trevas, como a acite milenar entre o classicismo eo renascimento” (p. 12). {vel compreender a Divina Comédia para quem desconhece 0 aristotelismo medieval ¢ as suas ramificagdes. Da mesma forma é impossivel decifrar o simbolismo das catedrais, os seus baixos-relevos, as suas estétuas, os seus vitrais, sem conhecer © pensamento filoséfico e religioso que inspirou os arquitetos © seus colaboradores, Até certo ponto, nesta época, o pensamento acontece sob 0 | comando da Igreja. Esta, muitas vezes, & acusada de mero obscu- rantismo, mas €, sem diivida, a grande responsével pela conserva- $40 do pensamento clissico greco-romano até hoje. Os mosteiros, nessa época, representavam a sobrevivencia da cultura. Os monges beneditinos, nome derivado de S. Bento (480-547), animados pelo Jema ora et labora (ceza e trabalha), dedicaram-se nao s6 3 oragao, mas também & c6pia, & compilagaio, & tradugo para o latim ¢ a0 comentétio de colecdes de obras antigas. A Idade Média conbece nao s6 0 trabalho de preservagio. Nela também ocorre um desenvolvimento institucionalizado que se; vale da Igreja para a unificagio da fé cristd, emprega a lingua lati- 15 of do T.Ms Obras Con abide. a Igri ne gen

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