Você está na página 1de 9

VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7

CC 21
Demonstrações: um estudo histórico-epistemológico motivado
pela metodologia da engenharia didática

Gilson Bispo de Jesus


PUC-SP1
gbjesus@pucsp.br

RESUMO

Este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa de mestrado que foi desenvolvida com os temas: construções
geométricas, demonstrações e formação continuada de professores, cujo título é Construções Geométricas: uma
alternativa para desenvolver conhecimentos acerca da demonstração em uma formação continuada. Tal trabalho
foi motivado pela metodologia que adotamos, ou seja, uma pesquisa-ação com alguns pressupostos da Engenharia
Didática. A metodologia da Engenharia Didática nos sugere, nas análises prévias (primeira fase), a realização de um
estudo histórico-epistemológico. Sendo assim, apresentamos esse estudo com enfoque nas demonstrações e
destacamos algumas diretrizes pontuadas na realização dessa pesquisa. No que concerne às demonstrações, fizemos
um apanhado histórico-epistemológico sobre o tema, e constatamos o quão subjetiva são as discussões a esse
respeito, apresentamos que historicamente outras funções (além da verificação de uma evidência) são contempladas
e nos apoiamos nos trabalhos de De Villiers (2001; 2002) sobre as funções da demonstração, outro ponto que
constatamos foi a presença da demonstração não como um objeto de estudo, mas sobretudo presente ao se trabalhar
com os vários objetos matemáticos, nesse sentido buscamos em Chevallard (2005), o respaldo necessário sobre as
noções paramatemáticas e assim pudemos fazer a demonstração permear todo o processo de formação. Além disso,
apontamos o obstáculo epistemológico gerado pela evidência da figura, que segundo Arsac (1988) deve ser
considerado no trabalho com demonstrações em Geometria. Ao final, fizemos algumas considerações oriundas
desse estudo no corpo dessa pesquisa e ressaltamos que se entendermos a demonstração como uma noção
paramatemática (CHEVALLARD, 2005) que esta pode sim permear o processo de ensino de matemática, bem
como que o trabalho com as várias funções demonstração, mais especificamente as funções de explicação,
descoberta e sistematização propostas por De Villiers (2001; 2002) contribuíram para o processo de formação,
assim como foi verificado historicamente e por último que ter conhecimento do obstáculo epistemológico levantado
por Arsac (1988) nos fez compreender o aparecimento deste na formação e conduzir as oficinas com mais lucidez.

Palavras-Chave: Demonstração, Engenharia Didática, Histórico-epistemológico.

1
Doutorando em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do departamento de
matemática da mesma instituição.
S N H M – 2009 1
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7

DEMONSTRAÇÕES: UM ESTUDO HISTÓRICO-EPISTEMOLÓGICO MOTIVADO


PELA METODOLOGIA DA ENGENHARIA DIDÁTICA

Gilson Bispo de Jesus


PUC/SP2
gbjesus@pucsp.br

INTRODUÇÃO

Apresentamos nesse artigo um recorte da nossa dissertação de mestrado cujo título é Construções
Geométricas: uma alternativa para desenvolver conhecimentos acerca da demonstração em uma
formação continuada. Nesse trabalho, realizamos um estudo histórico-epistemológico do tema
demonstração. Tal estudo foi motivado pela metodologia que adotamos, ou seja, uma pesquisa-ação com
alguns pressupostos da Engenharia Didática.
A Engenharia Didática visa entender “as relações entre a investigação e a ação do sistema de ensino”
(ARTIGUE, 1996, p. 193). De acordo com a autora, esse método caracteriza-se por ser um processo
empírico que objetiva conceber, realizar, observar e analisar situações didáticas em sala de aula. Apesar
desse trabalho não tratar os professores em formação continuada como alunos, acreditamos que as
atividades desenvolvidas nas oficinas de formação tiveram momentos similares à sala de aula. A autora
distingue quatro fases para uma Engenharia Didática: análises prévias, concepção e análise a priori das
situações didáticas da engenharia, experimentação e análise a posteriori – validação.
Nesse artigo, objetivamos destacar como a primeira fase (análises prévias) motivou a realização de um
estudo histórico-epistemológico a respeito da demonstração, bem como apresentamos esse estudo e
apontamos algumas diretrizes que pontuamos na realização dessa pesquisa, no que diz respeito às
demonstrações.
Na análise a priori, conforme Artigue (1996) foram feitas ponderações envolvendo o quadro teórico que
utilizamos; além de aspectos de conhecimentos ligados a: Geometria, demonstrações e construções
geométricas. Nesse contexto, demos destaque aos aspectos histórico-epistemológicos, ao processo de
ensino e aprendizagem e a presença de possíveis obstáculos, de modo que pudessem respaldar ou
possibilitar previsões ao elaborarmos as atividades. Além disso, fizemos um estudo teórico sobre
formação de professores.

2
Doutorando em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do departamento de
matemática da mesma instituição.
S N H M – 2009 2
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
Ao final apresentamos algumas considerações – sobre as demonstrações – que são oriundas da dessa
pesquisa.

ESTUDO HISTÓRICO-EPISTEMOLÓGICO

Segundo Putnam (1988), os não-matemáticos vêem a matemática como uma disciplina não-problemática,
pois a entendem como um conjunto de métodos seguros e infalíveis. Dessa forma, restringir o conceito de
demonstração ao campo da matemática garantiria uma resposta objetiva à pergunta: o que é uma
demonstração?
Em nossa busca por uma resposta, nos deparamos com a subjetividade do tema demonstração mesmo no
contexto da própria matemática, e encontramos pesquisas em Educação Matemática que nos conduziram a
uma noção de demonstração para o trabalho que desenvolvemos.
Com base em (SILVA, 2002; DOMINGUES, 2002; BICUDO, 2002; GARNICA, 2002), caracterizamos a
demonstração como a essência do fazer matemática funcionando como uma “marca” que a distingue de
outras ciências. Para Davis e Hersh (1985, p. 178) “a matemática fica caracterizada, de maneira única, por
algo conhecido como demonstração”. Já para MacLane (1981), as afirmações matemáticas podem ser
checadas e entendidas sem que se precise recorrer a exemplos ou significados reais dos axiomas; é esse
caráter formal da matemática que a distingue de todas as outras ciências.
Davis e Hersh (1985), ao escreverem um diálogo fictício entre um professor (matemático puro) e um
aluno – em que este pergunta ao professor: o que é uma demonstração?, e o professor responde com um
exemplo, dizendo que demonstrar é tudo o que ele tem feito nas aulas de Matemática. Porém, o aluno
continua querendo saber: o que é uma demonstração? O diálogo segue, e após a explicação pelo professor
do que é uma demonstração, o aluno conclui que professor algum nunca fez uma demonstração para ele. O
matemático puro justifica, dizendo que se mostra apenas o que é possível e isso chega. O aluno rebate
afirmando: “portanto, os matemáticos não fazem demonstrações.” Isso nos levou a considerar a
subjetividade que existe acerca da demonstração em matemática e nos motivou a buscar referências sobre
o assunto, para que, só assim, pudéssemos fazer nossas considerações.
Com relação ao processo histórico, foi a busca pela validação de proposições que levou ao método
axiomático-dedutivo, no qual se apóia a demonstração, diferentemente do aplicado nas ciências
empíricas. Com relação a métodos gerais de comprovar a verdade matemática, alguns historiadores
indicam Tales como o primeiro a usá-los. Acredita-se, também, que os pitagóricos são os responsáveis
pela criação da matemática pura, daí se pensar que, em algum momento, eles tenham dado um caráter
dedutivo à matemática.
Porém, das obras que chegaram até os dias atuais, são “Os Elementos”, de Euclides (300 a.C.) que
propõem uma estrutura composta de noções básicas, postulados, definições, proposições e teoremas.
Segundo Boyer (1996), esta obra apresenta uma exposição em ordem lógica dos assuntos básicos da
matemática elementar, constituindo o primeiro grande testemunho do poder do método dedutivo na
matemática. Esta obra sofreu muitas análises e críticas, sendo apontadas algumas falhas. Porém a
demonstração ainda tinha um aspecto material, é o que relata Domingues (2002):

No final do século XIX, a demonstração em matemática tinha um caráter grandemente


material. A demonstração de uma proposição era uma atividade intelectual que visava a
nos convencer e a convencer os outros, racional, mas também psicologicamente, da
veracidade dessa proposição (Ibid, p. 62).

S N H M – 2009 3
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
Todavia, com o desenvolvimento da própria matemática, a intuição e/ou raciocínios heurístico-
geométricos não conseguiram explicar alguns resultados matemáticos e, sendo assim, essa idéia de
demonstração não resistiu. Levando a conceito de demonstração mais formal. Este conceito é apresentado
por Domingues (2002) com base em Tarski (1969) como sendo:

uma construção de uma seqüência de proposições tais que:(i) a primeira proposição é um


axioma; (ii) cada uma das outras ou é um axioma ou é dedutível diretamente das que a
precedem na seqüência; (iii) a última proposição é aquilo que se pretende demonstrar
(Ibid, p. 62).

Vale destacar que, no final do século XIX, Os Elementos de Euclides foi revisto por David Hilbert (1852 –
1943), que ao publicar sua obra “Fundamentos da Geometria”, em 1899, não definiu conceitos iniciais
como fez Euclides, desvinculando a Geometria de conceitos físicos. Ele aceitou três conceitos primitivos –
ponto, reta e plano – e definiu relações entre esses objetos por meio de axiomas, sem usar nenhuma
intuição geométrica; nesse contexto as demonstrações tornaram-se puras. Por outro lado, o processo de
construção de uma demonstração deve ser considerado e um dos autores que contribuiu nesse sentido foi
Lakatos (1978), que ao propor um cenário da lógica da descoberta matemática, retrata um diálogo
imaginário entre um professor e seus alunos, o tema deste diálogo é a demonstração da relação de Euler
para poliedros: V – A + F = 2, onde V representa o número de vértices, A o número de arestas e F o
número de faces do poliedro. Nesse diálogo, o professor é interpelado pelos alunos com contra-exemplos,
o impacto destes contra-exemplos, leva a uma modificação do enunciado do teorema e a ajustes na
demonstração, o que gera novos contra-exemplos e novos ajustes. Este desenvolvimento, apresentado por
ele, é dado como modelo do desenvolvimento da matemática em geral. Com argumentos parecidos, Steen
(1979) afirma que:

O fato de certos métodos levarem a contradições, quando usados indiscriminadamente,


não significa que devam ser abandonados; tal situação apenas aponta para a necessidade
de determinar as áreas nas quais esses métodos se mostrem seguros (apud Domingues,
2002, p. 66).

Também podemos citar (Truesdell, III, 1919 – 2000):

Os erros cometidos por um grande matemático são de dois tipos: primeiramente, enganos
triviais, que qualquer um pode corrigir; em segundo lugar, falhas titânicas, refletindo a
escala do combate travado pelo grande matemático. Falhas desse último tipo são,
freqüentemente, tão importantes como o sucesso, pois dão lugar a grandes descobertas por
outros matemáticos (TRUESDELL apud, BICUDO, 2002, p. 80).

Em nosso entendimento, Lakatos (1978) criticou o método dedutivista imposto pela matemática pura e
passou a valorizar o estilo heurístico para se construir a demonstração de um teorema. Segundo este autor,
o estilo dedutivista é aquele que:

[...] começa com uma lista laboriosamente feita de axiomas, lemas e/ou definições. Os
axiomas e definições freqüentemente parecem artificiais e mistificadoramente
complicados. Nunca se fica sabendo como essas complicações surgiram. A lista de
axiomas e definições é seguida de teoremas cuidadosamente redigidos. Estes, por sua vez,
estão carregados de pesadas condições; parece impossível que alguém jamais os tivesse
suposto. O teorema é seguido da prova (LAKATOS, 1978, p. 185).
S N H M – 2009 4
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
Para este autor, o estudante de matemática é obrigado a assistir a esse ritual sem fazer perguntas sobre o
que está ocorrendo. Lembrando também que muito do que se construiu em matemática: definições,
teoremas, provas, passaram por um processo nada dedutivista. Dessa forma, Lakatos (1978) critica o estilo
dedutivista, que não mostra a evolução de um conceito, e sim os apresenta de forma pronta e acabada.
Propõe, então, o estilo heurístico, pois entende que as “verdades” matemáticas não são construídas de
forma autoritária e sim por um caminho que mostra contradições, refutações e descobertas. Para ele:

o estilo dedutivista rompe as definições geradas pela prova dos antepassados, apresenta-as
no vazio, de modo artificial e autoritário. Ele oculta os contra-exemplos globais que
levaram ao seu descobrimento. Pelo contrário, o estilo heurístico acentua esses fatores. Dá
ênfase à situação problemática: acentua a “lógica” que deu nascimento ao novo conceito
(LAKATOS, 1978, p. 188).

Este autor, ainda salienta a importância das hipóteses na construção de provas, pois, caso contrário,
grandes refutações podem aparecer. Percebemos em sua obra que as demonstrações eram concebidas com
o viés do estilo heurístico, o que levava à construção de verdades locais e possibilitava a descoberta de
novos teoremas, ou seja, uma demonstração que dava margens à inserção de contra-exemplos, podendo
induzir a descobertas.
Já Silva (2002), destaca três aspectos da demonstração em matemática:
• Retórico: destinado a convencer às teses.
• Lógico-epistemológico: como um encadeamento lógico conduzindo à verdade e ao
conhecimento.
• Heurístico: catalisador de descoberta matemática.

O aspecto heurístico das demonstrações não é, a rigor, um aspecto das demonstrações, se


entendermos por isso algo intrínseco a elas. Ao contrário, uma demonstração só pode
desempenhar esse papel com a explícita participação do sujeito. Uma demonstração só
desempenha sua função heurística se move o sujeito a reagir a ela, aceitando seu desafio
(SILVA, p. 74).

Ao estudar a gênese da demonstração, Arsac (1987), explica a transformação inicial da matemática,


justificando o aparecimento da demonstração. Afirma que foi levado a estudar o assunto em face da
constatação de que tudo, em matemática, provém da resolução de problemas, destacando que “é para
resolver problemas, que foram criados os conceitos e os métodos, e o encadeamento de sucessivos
problemas explica a evolução da matemática” (Ibid, p. 267).
Segundo esse autor, a demonstração interpretada como uma seqüência de enunciados organizados, de
acordo com regras determinadas, surgiu na Grécia no século V a.C. com o problema da irracionalidade e
incomensurabilidade na escola Pitagórica. Ele destaca, ainda, dois pontos de vistas para o surgimento da
demonstração, o externalista, em que a demonstração surge de fora para dentro da matemática, como
conseqüência do desenvolvimento das cidades, da necessidade de regras precisas e convincentes na
política; e o internalista, em que a demonstração surge dentro da própria matemática na tentativa de
resolver problemas como o da irracionalidade.
Buscando esclarecer o que é uma demonstração, Bicudo (2002, p. 83) apresenta uma definição rigorosa:

S N H M – 2009 5
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
Seja, agora, F um sistema formal3 em que todas as regras sejam finitas. Então, uma
DEMONSTRAÇÃO em F é uma seqüência finita de fórmulas, em que cada uma seja ou
um axioma, ou seja, conclusão de uma regra cujas hipóteses precedam essa fórmula na
seqüência dada. Se A for a última fórmula em uma demonstração P, diremos que P é uma
DEMONSTRAÇÃO de A. Uma fórmula A de F será um teorema de F se existir uma
demonstração de A (BICUDO, 2002, p. 83).

Com respeito ao rigor MacLane (1981), nos revela que a maioria das demonstrações matemáticas,
apresentadas oralmente ou por escrito, são simplesmente esquemas que fornecem detalhes suficientes para
se construir uma demonstração absolutamente rigorosa. Por outro lado este pesquisador afirma, ainda, que
muitos matemáticos acreditam que a matemática não precisa do rigor absoluto e que a efetiva
compreensão por meio do rigor não é alcançada.
A esse respeito, Davis e Hersh (1985) destacam que:

As linguagens formais foram introduzidas pela primeira vez por Peano e Frege no fim do
século dezenove, com o intuito de tornar as demonstrações matemáticas mais rigorosas,
isto é, de aumentar a certeza da conclusão de um raciocínio matemático. No entanto, este
objetivo não podia ser atingido enquanto o raciocínio fosse destinado a um leitor humano
(p. 167-168).

Segundo os autores os textos matemáticos do tipo usual nunca são completamente formalizados. São
escritos em língua natural, pois são destinados a serem lidos por seres humanos. No entanto, acredita-se
que qualquer texto matemático pode ser formalizado. E relatam que:

[...] uma aula típica de matemática avançada, especialmente uma aula dada por um
professor com interesses “puros”, consiste inteiramente em definição, teorema,
demonstração, definição, teorema, demonstração, [...] numa concatenação solene e sem
interrupções. Por que isso? Se, como afirmado, uma demonstração é confirmação e
certificação, então poder-se-ia pensar que, uma vez que uma demonstração tivesse sido
aceita por um grupo competente de estudiosos, o restante deles acreditaria em sua palavra,
e prosseguiria suas atividades. Por que os matemáticos e seus alunos acham que vale a
pena demonstrar repetidamente o teorema de Pitágoras? (DAVIS e HERSH, 1985, p. 182).

Percebemos, no questionamento acima, que a função da demonstração não é única, ou seja, não serve
apenas para verificar a validade de um teorema, mas, sobretudo para explicar, descobrir novas
propriedades, como nos sugere De Villiers (2001; 2002).

A PESQUISA
Abordamos nas oficinas de formação com os professores em formação continuada as funções da
demonstração de explicação, descoberta e sistematização com base nos trabalhos de De Villiers (2001;
2002).
A demonstração como processo de explicação
Segundo De Villiers (2001; 2002), apesar de ser possível atingir um alto nível de confiança e validade de
uma conjectura, por meio de verificações empíricas, tais processos não fornecem uma explicação
3
Um sistema formal é a parte sintática de um sistema axiomático, ou seja, linguagem, símbolos, fórmulas, axiomas, regras de
inferência, hipóteses e conclusão.
S N H M – 2009 6
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
satisfatória dessa validade. O autor afirma que mais importante do que a validade é a busca por saber o
porquê é válido, indicando também que a explicação é um bom critério para definir o que é uma boa
demonstração. Muitas vezes, a busca não é para aumentar a certeza, mas sim para explicar porque tal
conjectura é verdadeira.

A demonstração como processo de descoberta


O autor acredita que alguns teoremas foram descobertos por meio da intuição e de métodos empíricos,
porém, destaca que grande parte da descoberta e criação matemática ocorreu por meio de processos
puramente dedutivos. E enfoca que, para o matemático profissional, a demonstração não é apenas um
meio de verificação de um resultado já descoberto, mas, muitas vezes um processo de explorar, analisar,
descobrir e inventar novos resultados.

A demonstração como processo de sistematização


De Villiers (2001; 2002) aponta que a demonstração revela as subjacentes relações lógicas entre as
afirmações, em contraposição à intuição e testes empíricos, considerando que a demonstração é uma
ferramenta indispensável para transformar um sistema dedutivo de axiomas, definições e teoremas, em um
conjunto de resultados conhecidos. Esse autor evidencia algumas funções importantes de uma
sistematização dedutiva de resultados: ajuda a identificar inconsistências, unifica e simplifica teorias
matemáticas, constitui uma ajuda para aplicações na matemática ou em outros campos, conduz a sistemas
dedutivos alternativos, entre outros.
Percebemos nas pesquisas de De Villiers (2001; 2002), que o trabalho com a demonstração apenas como
verificação de uma proposição não é suficiente. Acreditamos que deve-se possibilitar aos professores um
trabalho que trate das diversas funções da demonstração, nessa perspectiva, foi o que fizemos.
Ainda a esse respeito, ao relacionar as funções da demonstração à Geometria, Arsac (1988), revela que a
busca pela solução de um problema é que justifica a demonstração, e destaca que, em Geometria, a
demonstração só irá avançar se considerarmos o obstáculo epistemológico4 constituído pela evidência da
figura. Percebemos tal evidência em Gouvêa (1998), quando relata que no início das atividades, quando na
exibição de uma figura, os professores se deixavam levar por evidências falsas e não apelavam para a
validação via uma demonstração.
Diante do que relatamos e do que percebemos em nossas leituras, a demonstração em matemática não
aparece como um objeto de ensino e sim permeia os diversos objetos matemáticos a serem ensinados.
Chevallard (2005), em seus trabalhos desenvolvidos sobre transposição didática apresenta esclarecimentos
acerca da noção de demonstração. Ao nos depararmos com o que este pesquisador denomina noção
matemática e noção paramatemática percebemos que “as noções paramatemáticas são idéias que se
caracterizam como ‘ferramentas’ auxiliares à atividade matemática, mas normalmente não se constituem
em objetos de um estudo específico” (CHEVALLARD, 2005, p. 58).
Em conformidade com o autor, as noções paramatemáticas em contradição com as noções matemáticas
não são, em geral, ensinadas de forma explícita. Tais noções são concebidas como idéias possíveis de
serem aprendidas durante a própria aprendizagem. No entanto, são tão necessárias ao ensino quanto a
aprendizagem de noções matemáticas. O autor destaca a demonstração como um exemplo de noção
paramatemática.

4
Os obstáculos de origem epistemológica são inerentes ao saber e identificáveis pelas dificuldades encontradas pelos
matemáticos para os superar na história. Eles são verdadeiramente constitutivos do conhecimento, são aqueles aos quais “não se
pode nem se deve fugir” (BROUSSEAU, 1983, apud ALMOULOUD, 2007, p. 139)
S N H M – 2009 7
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
Desta forma, ao entendermos a demonstração como uma noção paramatemática, nesta pesquisa propomos
atividades de construções geométricas que solicitem: explicar, justificar e demonstrar, isto é, a
demonstração aparecia permeando o processo de aprendizagem do objeto geométrico mediatriz de um
segmento, em particular, nas atividades de construções geométricas em que a mediatriz era a principal
ferramenta para solucionar os problemas propostos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendendo a demonstração como uma atividade intrínseca ao matemático e que deve constituir uma parte
fundamental na formação do professor de Matemática, nessa pesquisa a concebemos como uma noção
paramatemática (CHEVALLARD, 2005) que nos permitiu utilizá-la como um elemento transversal a
todas as atividades realizadas. A experiência na formação nos fez constatar que a demonstração pode sim
permear de maneira natural, o processo de construção dos conceitos matemáticos.
Com relação às funções da demonstração que focamos neste estudo, identificamos em vários momentos
das análises que os professores não estavam apenas satisfeitos em dar uma resposta ou apresentar uma
construção, mas, sobretudo, preocupados em entender o porquê de cada resposta e/ou construção,
fomentando desta forma a função de explicação proposta por De Villiers (2001; 2002). Além disso, muitos
foram os momentos nos quais os professores descobriram fatos novos para eles, ao resolverem situações-
problema (função de descoberta) e, nas escritas de suas demonstrações, os professores percebiam algumas
inconsistências matemáticas nas suas elaborações e retomavam para reescrevê-las (função de
sistematização).
No que diz respeito ao obstáculo epistemológico gerado pela evidência da figura, que poderiam
levar os professores a não buscarem uma demonstração, tomar consciência da sua existência para conduzir
as oficinas de formação com os professores em formação continuada foi de grande valia, uma vez que esse
obstáculo se mostrou presente em momentos da pesquisa.

REFERÊNCIAS
ALMOULOUD, S. A.. Fundamentos da didática da matemática. Curitiba: Ed. UFPR, 2007.
ARSAC, G.. L’origine de la démonstration : essai d’épistémologie didactique. Recherches en Didactique
des Mathématiques, v. 8, n. 3, p. 267-312, 1987.
ARSAC, G.. Les recherches actuelles sur l’apprentissage de la démonstration et les phénomènes de
validation en France. Recherches en Didactique des Mathématiques, v. 9, n. 3, p. 247-280, 1988.
ARTIGUE, M.. Engenharia Didática. In: BRUN, J. (Org.). Didáctica das Matemáticas. Lisboa: Instituto
Piaget, 1996.
BICUDO, I.. Demonstração em Matemática. BOLEMA, Rio Claro, ano 15, n. 18, p. 79-90, 2002.
BOYER, C. B.. História da Matemática. Trad. Elza F. Gomide. 2. ed. São Paulo: Edgard Bhücher, 1996.
CHEVALLARD, Y.. La transposición didáctica: Del saber sábio ao saber enseñado. Trad. Claudia
Gilman, Buenos Aires: Aique Grupo Editor, 2005.
DAVIS, P. e HERSH, R.. A Experiência Matemática. Trad. Miguel Louro, Lisboa: Editora Gradiva,
1985.
DE VILLIERS, M. D.. Papel e funções da demonstração no trabalho com o Sketchpad. Educação e
Matemática, n. 63, p. 31-36, jun. 2001. Disponível em:
<http://mzone.mweb.co.za/residents/profmd/proofc.pdf>. Acesso em: 15 set. 2006.

S N H M – 2009 8
ISBN – 978-85-7691-081-7
VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA
05 a 08 de abril de 2009
Belém – Pará – Brasil
ISBN – 978-85-7691-081-7
DE VILLIERS, M.. Para uma compreensão dos diferentes papéis da demonstração em Geometria
Dinâmica. Trad. Rita Bastos. ProfMat, 10, 2002, Visue, Portugal. Actas... (CD-ROM) Visue: Associação
de Professores de Matemática, 2002. Disponível
em:<http://mzone.mweb.co.za/residents/profmd/homepage.html>. Acesso em: 17 set. 2006.
DOMINGUES, H. H.. A demonstração ao longo dos séculos. BOLEMA, Rio Claro, ano 15, n. 18, p. 55-
67, 2002.
GARNICA, A. V. M.. As demonstrações em Educação Matemática: um ensaio. BOLEMA, Rio Claro,
ano 15, n. 18, p. 91-99, 2002.
GOUVÊA, F. A. T.. Aprendendo e ensinando geometria com a demonstração: uma contribuição para
prática pedagógica do professor de matemática do ensino fundamental. 1998. 264 f. Dissertação
(Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998.
LAKATOS, I.. A lógica do descobrimento matemático: provas e refutações. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978.
MACLANE, S.. Mathematical models: a sketch for the philosophy of Mathematics. In: The American
Mathematical Monthly 88, p. 462-472, 1981.
PUTNAM, H.. In: Enciclopédia EINAUDI. Lisboa: Editora Imprensa Nacional, p. 112-128, 1998.
SILVA, J. J.. A Demonstração Matemática da perspectiva lógica matemática. BOLEMA, Rio Claro, ano
15, n. 18, p. 68-78, 2002.

S N H M – 2009 9
ISBN – 978-85-7691-081-7

Você também pode gostar