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PECULIARIDADES E APONTAMENTOS
1. Introdução.
1
Relatório Justiça em Números 2017. Destaques.
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf
2
SANTOS, Ricardo Goretti. Mediação Comunitária: Estratégias de Operalização e difusão de um
mecanismo alternativo de democratização do acesso à justiça no Brasil.
Segundo Mayna Marchiori e Rozane Cachapuz3, a transformação da cultura da
litigiosidade e da sentença por um novo paradigma de implementação de meios não
adversariais de resolução de conflitos, ARD (alternative dispute resolution), é uma das
medidas que podem auxiliar a efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Nas palavras
das autoras:
3
MORAES, Mayna Marchiori. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. A implementação da política pública
conciliatória como contributo ao Estado Democrático de Direito
Assim, o parágrafo 2º do artigo 3º do CPC/2015 (Lei 13.105/2015) estabelece que
"o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos". Já o
parágrafo 3° prevê que “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros
do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Na sequência, o artigo 139,
inciso V, preceitua que incumbe ao juiz "promover, a qualquer tempo, a
autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais".
4
NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil:
novo CPC, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.
5
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de processo civil interpretado, 2ª edição, São
Paulo, Atlas, 2005.
antever as possibilidades de sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem que isso
comprometa a sua imparcialidade.
Cabe ressaltar que vários autores brasileiros e estrangeiros tratam os termos como
sinônimos. Para os doutrinadores que buscam diferenciá-los, existem dois grandes critérios: o
modo de atuação do terceiro imparcial e o tipo de conflito envolvido.
6
COSTA, Alexandre Araujo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. Estudos em
Arbitragem, Mediação e Negociação – Volume 3.
soluções. Já os teóricos que se concentram no segundo critério, afirmam que a mediação está
ligada a conflitos mais amplos, multidimensionais ou de múltiplos vínculos, enquanto a
conciliação está relacionada a conflitos mais restritos, unidimensionais ou de vínculo único.
Para Warat7, a mediação aborda conflitos com forte dimensão emocional, enquanto a
conciliação enfrenta conflitos com dimensão afetiva anêmica ou inexistente. Assim, o
mediador atua basicamente no aspecto emocional, auxiliando as partes a transformar a relação
conflituosa e a compreender o conflito de forma mais aprofundada, ou seja, compreender seus
desejos, interesses e sentimentos. Desta forma, o objetivo da mediação não é o acordo em si,
mas a transformação do conflito, ou nas palavras do autor, “reconstrução simbólica do
conflito”. Na verdade, busca-se a resignificação dos laços emocionais rompidos e a
construção de uma nova relação de convivência harmônica.
7
WARAT. O ofício do mediador.
8
AZEVEDO, Andre Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA. 6ª Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016.
soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. O mediador não sugere qualquer solução
para o conflito (CPC, art. 165, §3°).
O conciliador, por sua vez, deve atuar, preferencialmente, nos casos em que não
tenha havido vínculo anterior entre as partes. Pode sugerir soluções para o litígio, sendo
vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem (CPC, art. 165, §2°).
Diante do exposto, a mediação é uma forma de solução de conflitos onde um
terceiro, neutro e imparcial, facilita o diálogo entre as partes para que elas construam com
autonomia e solidariedade a melhor solução para o conflito. Em regra, é utilizada em conflitos
multidimensionais ou complexos, sendo um procedimento estruturado, sem prazo definido
podendo terminar ou não em acordo, pois as partes têm autonomia para buscar soluções que
compatibilizem seus interesses e suas necessidades.
Ao ouvir a jovem, identificou-se que ela não mais ajudava sua genitora nas contas
domésticas, como retaliação à postura mais rígida e conservadora da mãe que, de acordo com
seu relato, “não a deixava sair de madrugada, frequentar bailes ‘funk’, usar roupas curtas e
sensuais”. Só após a identificação dos reais interesses e necessidades dos envolvidos e com a
resignificação da relação entre mãe e filha — reconhecimento de uma mãe zelosa e protetora
em face de uma filha jovem e dedicada — pode-se chegar a um acordo quanto a valores e
condições de adimplemento do contrato habitacional.
É importante salientar que tanto a conciliação quanto a mediação não devem ser
encaradas como medidas destinadas a desafogar o Poder Judiciário, mas, sim, como melhores
e mais adequados meios de resolução de disputas. O risco é eleger esses métodos como a
solução de todos os problemas do judiciário. Deve-se reconhecer que o objetivo maior desses
meios consensuais de resolução de conflitos não é solucionar a demora na duração do
processo ou mesmo desafogar o Poder Judiciário. Constituem, na verdade, métodos
adequados a resolver conflitos em determinadas circunstâncias, através das técnicas aplicadas
por mediadores ou conciliadores, devidamente capacitados.
9
BOCHENEK, Antônio César. Competência cível da justiça federal e dos Juizados Especiais São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Arrendamento Residencial - PAR), bem como as questões de competência do Juizado
Especial Federal são exemplos de matérias com a possibilidade de consenso.
A primeira vista, podia parecer contraditória a possibilidade de conciliação entre
particulares e entes públicos. Como viabilizar o consenso mútuo e o princípio da
indisponibilidade do interesse público? Tal princípio é uma proibição ao administrador
público de dispor dos bens públicos, sendo vedado qualquer ato que implique a renúncia
desses direitos, corolário presente tanto nos atos de gestão, como nos atos de império da
Administração Pública.
De modo geral, a doutrina e a jurisprudência sempre assinalaram que o interesse
público, em razão de sua indisponibilidade e supremacia, não admitia a conciliação ou
transação, exceto se autorizado por lei.
Com o advento da Lei 10.259/2001, que instituiu o Juizado Especial Federal, em
seu art. 10, parágrafo único, o legislador trouxe a autorização genérica para que os
representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais
pudessem conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência daquele juizado
especial. Assim, os procuradores, conforme critérios de conveniência e oportunidade, após a
análise das peculiaridades do caso concreto, poderiam propor acordos que atendessem o
interesse público.
Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pela
legitimidade de acordo proposto em demanda judicial na qual se identificasse forte
probabilidade de precedência do pedido, o que traria condenações acessórias e aumentaria o
prejuízo do estado. Conforme a corte suprema, “há casos em que o princípio da
indisponibilidade deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada
pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação desse interesse” (RE 253885-0/MG).
Infelizmente, conforme o Juiz Federal Roberto Gil 10, os procuradores passaram a
sofrer constrangimento profissional ilegal no que tange à possibilidade de proporem acordos.
Como a Advocacia Geral da União, outros órgãos editaram atos normativos que indicavam as
hipóteses onde os profissionais poderiam efetivar a transação judicial. Dessa forma, vários
procuradores se sentiram receosos em aplicar o dispositivo legal, conciliar e, posteriormente,
serem eventualmente punidos administrativamente já que descumpriram ordem superior.
10
FARIA, Roberto Gil Leal. Por que são efetivados poucos acordos nos Juizados Especiais Federais.
Revista da SJMG, Rio de janeiro, n.24.
Parece peculiar a ideia de que um procurador, mesmo que não proponha um
acordo, e venha a perder a causa do ente público ao qual representa, além de ser condenado
em verbas acessórias, não é investigado. Enquanto outro, em uma situação na qual inexiste
probabilidade de procedência, propõe uma conciliação, gerando economia aos cofres públicos
e efetiva pacificação social, possa vir a ser punido administrativamente.
O Novo Código de Processo Civil suplantou qualquer alegação de quebra do
princípio da legalidade ou da indisponibilidade do interesse público, não só ao tornar possível
a adoção da conciliação e da mediação no âmbito da Administração Pública, como ao impor
aos entes a criação de câmaras de medição e conciliação. Tais medidas são adotadas para
dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública, bem como avaliar a
admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da
administração pública.
Assim, de acordo com os ensinamentos de Elon kaleb11, Procurador da Fazenda
Nacional:
A administração pública em Juízo pode se deparar com situações em
que o melhor (isto é, o mais eficiente) é evitar o conflito, procurando
uma solução consensual.
11
VOLPI, Elon Kaleb Ribas. Conciliação na Justiça Federal. A indisponibilidade do interesse público
e a questão da isonomia.
Tauã Rangel12 salienta que “o corolário da decisão informada preconiza, em seu
núcleo sensível, que as partes envolvidas no procedimento de conciliação gozam do direito de
receber as informações quantitativas e qualitativas a respeito da composição que estão
edificando. Mais que isso, dogma em comento apregoa que a decisão informada busca evitar
que as partes sejam surpresadas por qualquer consequência inesperada da solução pela qual
optaram, notadamente em razão de terem, sobretudo em sede de conciliação judicializada, em
tratar o litígio por meio do Poder Judiciário.”
Francisco Ricardo Sales Costa13, juiz de direito do TJMG, ratifica e acrescenta
que as partes não devam ser surpreendidas por qualquer consequência inesperada da solução
que adotaram, “especialmente porque confiaram na intermediação de um ‘assistente jurídico
imparcial’, em um empreendimento gerido pelo Poder Judiciário, e (...) nutrem a legítima
expectativa de que sairão dali com o seu problema resolvido e não com um novo problema”.
Rangel ainda pondera que, sendo a conciliação um procedimento pautado no
empoderamento dos atores envolvidos, faz-se necessário que as decisões (construídas a partir
da vontade das partes) sejam, necessariamente, precedidas dos esclarecimentos capazes de
conscientizarem acerca dos efeitos a serem produzidos e as implicações geradas
concretamente.
Nesse sentido, a resolução de uma disputa por meio de autocomposição (acordo)
somente será legítima se as partes tiverem plenas informações quanto aos seus direitos e ao
contexto fático no qual está inserida. Logo, admitir acordos baseados na ausência das
informações configura violação direta a um corolário estruturante da conciliação.
Assim como os juizados especiais, os centros judiciários de conciliação seguem os
princípios da oralidade, informalidade, economia processual, celeridade e simplicidade,
cumprindo, a missão de abrir as portas do Poder Judiciário às pessoas mais carentes,
atendendo a uma demanda reprimida.
Cabe à Defensoria Publica, enquanto expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, conforme a Lei Complementar n. 80/94 (alterada pela Lei
Complementar n. 132/2009), a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do
art. 5º da Constituição Federal.
12
RANGEL, Tauã Lima Verdan. Anotações ao Princípio da Decisão Informada em sede de
Conciliação: Singelas Ponderações http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj048774.pdf
13
COSTA, Francisco Ricardo Sales. A ética do Conciliador. http://www8.tjmg.jus.br/cadernos-
ejef/eventos/1congressomineiro/2011/Palestras/Francisco-Ricardo-Sales-Costa.html
O inciso I do artigo 4° do mesmo disposto legal salienta ser função institucional
da Defensoria Pública a prestação de orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados,
em todos os graus, bem como a promoção, prioritariamente, a solução extrajudicial dos
litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de
conflitos.
Infelizmente, na seara federal, é sabido que a Defensoria Pública da União não
tem estrutura organizacional capaz de suprir a demanda de todos os cidadãos que não têm
condições de pagar pela assistência de um advogado, em razão do enorme déficit no número
de defensores públicos federais. Assim, muitos interessados buscam o judiciário sem o devido
auxilio técnico jurídico.
Soma-se a isso o fato de que, do lado oposto, encontra-se um ente público, com
prepostos qualificados, orientados juridicamente por procuradores federais, advogados
públicos ou terceirizados/contratados, que torna a equação um tanto quanto desigual.
A partir desta constatação, não parece ser correto interromper uma mediação ou
redesignar uma audiência de conciliação para que a parte – sem assistência da defensoria
pública, sem advogado particular e sem condições financeiras de suportar esse ônus –
buscasse adquirir ou ampliar suas informações, com vista a melhor se instrumentalizar para a
tomada qualificada de decisão.
De tal sorte, também não cabe ao conciliador ou mediador encerrar a sessão pelo
simples fato de haver uma composição possível, tendo percebido que a parte não tem plena
consciência quanto aos seus direitos e a realidade fática na qual se encontram, uma vez que a
plena satisfação das partes consiste em pressuposto de legitimidade da conciliação ou
mediação.
Incumbe ao conciliador, com base no princípio da decisão informada, aplicar
técnicas para que possa informar à parte — sem assistência técnica de advogado — sobre as
vantagens que a conciliação possa significar em relação à continuidade do processo, a
incerteza do acolhimento da pretensão da parte, a possível duração da demanda até uma
decisão transitada em julgado em caso de não realização do acordo. Informar também os
valores médios de condenação de acordo com a jurisprudência em casos semelhantes, as reais
consequências de tal acordo, bem como as implicações concretas as quais os envolvidos se
submetem. Só assim, o pressuposto de legitimidade da conciliação teria sido observado.
6. Conclusão