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CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU

PECULIARIDADES E APONTAMENTOS

Marcus Vinicius Carneiro Franco

1. Introdução.

1.1 Crise da administração da Justiça. Política Pública de Conciliação.

O conhecimento acerca do estado de crise em que se encontra o sistema nacional de


administração da justiça, nos últimos anos, deixou de ser restrito aos operadores do Direito,
ganhando visibilidade em toda a sociedade. Obstáculos orçamentários, procedimentais e
processuais dificultam, e até mesmo, inviabilizam o acesso à justiça. Questões como a
duração razoável do processo, a insuficiência de recursos e a estrutura organizacional do
judiciário, bem como o aumento da demanda, colocaram em xeque a efetividade do sistema
jurídico brasileiro.

Segundo o Relatório Justiça em Números1 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),


aproximadamente trinta milhões de processos são distribuídos anualmente, enquanto apenas
vinte e sete por cento (27%) das demandas antigas são resolvidas. Assim, a taxa de
congestionamento (número de processos em tramitação) permanece alta e em contínua
elevação. Ao longo dos anos, o número de processos pendentes continua aumentando. O
crescimento acumulado no período de 2017 foi de dezoito milhões e novecentos mil
processos, apesar do aumento constante de produtividade (número de sentença e decisões
proferidas).

Tentando minimizar esses entraves e, ainda, após a constatação da incapacidade de a


decisão judicial promover a pacificação social, segundo Ricardo Goretti Santos2, surge o
fenômeno da “desformalização das controvérsias”, como tendência de incentivo à difusão de
modelos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação, a conciliação, a negociação
e a arbitragem (vias alternativas de acesso à justiça). Dessa forma, acaba por reconhecer o
exercício do acesso à justiça como não exclusividade da via processual judicial.

1
Relatório Justiça em Números 2017. Destaques.
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf
2
SANTOS, Ricardo Goretti. Mediação Comunitária: Estratégias de Operalização e difusão de um
mecanismo alternativo de democratização do acesso à justiça no Brasil.
Segundo Mayna Marchiori e Rozane Cachapuz3, a transformação da cultura da
litigiosidade e da sentença por um novo paradigma de implementação de meios não
adversariais de resolução de conflitos, ARD (alternative dispute resolution), é uma das
medidas que podem auxiliar a efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Nas palavras
das autoras:

A política pública em prol da cultura de conciliação não apenas


institucionaliza novas formas de participação na administração da
justiça e de gestão racional dos interesses públicos e privados, mas
também assume relevante papel promocional de conscientização
pública, uma vez que “os métodos paraestatais de solução de litígios
harmonizam-se com a democracia participativa e com a valorização
da cidadania”.

Dentro da perspectiva da cultura voltada à pacificação social, o CNJ cria “A Política


Pública Nacional de Conciliação no Judiciário”, por meio da Resolução n° 125, de 29 de
novembro de 2010. Por meio do desenvolvimento de núcleos e centros de conciliação em
todo o país, ela incentiva e efetiva a prática de métodos autocompositivos de resolução de
conflito, capazes de substituir a conflituosidade do modelo jurisdicional tradicional pelo
diálogo e consenso entre os interessados, e assim, preservar e aprimorar as relações sociais,
sendo verdadeiros instrumentos pacificadores.

Pela Resolução, foi determinada a criação de Núcleos Permanentes de Métodos


Consensuais de Solução de Conflitos e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania, esses incumbidos da realização das sessões de conciliação e mediação processuais
e pré-processuais, cujas audiências são realizadas por conciliadores e mediadores capacitados,
treinados e credenciados pelos respectivos tribunais, sob a supervisão do CNJ.

1.2 A Conciliação no Novo CPC.

Dando sequência à quebra dos paradigmas, o novo ordenamento jurídico processual


brasileiro recepciona os anseios do CNJ e consagra o “princípio do estímulo da solução por
autocomposição”, que passa a orientar toda a atividade estatal na busca da solução dos
conflitos jurídicos, estimulando a “Cultura da Paz” e trazendo, no texto aprovado, grande
destaque para a Mediação e a Conciliação.

3
MORAES, Mayna Marchiori. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. A implementação da política pública
conciliatória como contributo ao Estado Democrático de Direito
Assim, o parágrafo 2º do artigo 3º do CPC/2015 (Lei 13.105/2015) estabelece que
"o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos". Já o
parágrafo 3° prevê que “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual
de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros
do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Na sequência, o artigo 139,
inciso V, preceitua que incumbe ao juiz "promover, a qualquer tempo, a
autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais".

A partir da leitura desses dispositivos, depreende-se que o Estado-juiz não só deve


buscar como também estimular a solução consensual de conflitos, devendo, a qualquer
tempo, promover a autocomposição. Note-se que não se trata de novidade legislativa. O
artigo 125, inciso IV, do CPC/1973 (Lei 5.869/1973), já estabelecia que competia ao juiz
"tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes".

Com efeito, o juiz tem o poder-dever de tentar, de modo cooperativo, conciliar as


partes na obtenção da solução consensual do litígio, de maneira rápida e efetiva, sem que
isso signifique quebra da imparcialidade. Como bem ponderam Nelson Nery Júnior e Rosa
Maria de Andrade Nery4, ao comentarem o inciso V do artigo 139 do CPC/2015:

(...) a atividade de tentar conciliar é decorrente do ofício de


magistrado, de sorte que não pode ser vista como caracterizadora de
suspeição de parcialidade do juiz, nem de prejulgamento da causa.
Para tanto, deve o juiz fazer as partes anteverem as possibilidades de
sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem prejulgar a causa e
sem exteriorizar o seu entendimento acerca do mérito.

Observa-se, inclusive, que “a insistência na realização do acordo”, conforme relata


José Roberto Bedaque5, não implica quebra da imparcialidade do julgador. O que o juiz
não pode, todavia, é transformar a conciliação em escopo maior, a ponto de impor às partes
esse tipo de solução.
A tentativa de conciliação pode incluir a advertência às partes, em tese, quanto às
vantagens do acordo e aos prejuízos decorrentes da formulação de pretensão manifestamente
infundada, demonstrando os benefícios da solução consensual, de modo que elas possam

4
NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil:
novo CPC, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.
5
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de processo civil interpretado, 2ª edição, São
Paulo, Atlas, 2005.
antever as possibilidades de sucesso e de fracasso de suas pretensões, sem que isso
comprometa a sua imparcialidade.

No código processual anterior, a conciliação não possuía norma que determinasse a


obrigatoriedade da audiência de conciliação. Já no Novo CPC, apesar de algumas exceções
legais, a conciliação passa a ser obrigatória, visando a celeridade processual e a pacificação
social.

Começa, então, uma nova era, onde os mecanismos e as técnicas de solução


consensual de controvérsias, em especial a mediação e a conciliação, adquirem uma maior
importância junto à comunidade acadêmica e aos órgãos do poder judiciário.

2. Conciliação e Mediação. Diferenças.

Inicialmente, cabe distinguir a autocomposição direta da assistida. Conforme


apontamentos de Alexandre Costa6, aquela está presente quando o enfrentamento do conflito
pelas partes envolvidas, na busca pelo entendimento, se dá sem a intervenção de terceiro
imparcial. Ocorre através da negociação de interesses, ou seja, por um jogo estratégico no
qual o consenso é atingido ao custo de concessões mútuas. Desta forma, na negociação, é
possível a intervenção de terceiros, entretanto, este é parcial.

Já na autocomposição assistida ou mediada — gênero na qual se enquadram a


conciliação e a mediação — existe a intervenção de terceiro imparcial, não envolvido
diretamente no conflito e que não representa interesses de quaisquer das partes.

Enquanto a palavra conciliação acentua o objetivo típico do terceiro (promover o


diálogo), o termo mediação evidencia tanto o fato de a autocomposição não ser direta, como a
presença do terceiro imparcial.

Cabe ressaltar que vários autores brasileiros e estrangeiros tratam os termos como
sinônimos. Para os doutrinadores que buscam diferenciá-los, existem dois grandes critérios: o
modo de atuação do terceiro imparcial e o tipo de conflito envolvido.

De acordo com o primeiro critério, o mediador atua simplesmente como facilitador,


enquanto o conciliador adota uma postura mais ativa, podendo inclusive propor alternativas e

6
COSTA, Alexandre Araujo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. Estudos em
Arbitragem, Mediação e Negociação – Volume 3.
soluções. Já os teóricos que se concentram no segundo critério, afirmam que a mediação está
ligada a conflitos mais amplos, multidimensionais ou de múltiplos vínculos, enquanto a
conciliação está relacionada a conflitos mais restritos, unidimensionais ou de vínculo único.

Para Warat7, a mediação aborda conflitos com forte dimensão emocional, enquanto a
conciliação enfrenta conflitos com dimensão afetiva anêmica ou inexistente. Assim, o
mediador atua basicamente no aspecto emocional, auxiliando as partes a transformar a relação
conflituosa e a compreender o conflito de forma mais aprofundada, ou seja, compreender seus
desejos, interesses e sentimentos. Desta forma, o objetivo da mediação não é o acordo em si,
mas a transformação do conflito, ou nas palavras do autor, “reconstrução simbólica do
conflito”. Na verdade, busca-se a resignificação dos laços emocionais rompidos e a
construção de uma nova relação de convivência harmônica.

De acordo com o Manual de Mediação Judicial8 do Conselho Nacional de Justiça, “a


conciliação pode ser definida como um processo autocompositivo breve no qual as partes ou
os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito, (...) sem interesse na causa,
para assisti-las, por meio de técnicas adequadas, a chegar a uma solução ou a um acordo”.

Já a mediação para o referido tratado é “(...) um processo autocompositivo segundo o


qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um
painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição. Trata-se de um
método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo composto por vários atos
procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre as
pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar
soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades”.
O próprio CPC também preconiza a distinção entre os termos. Para o compêndio
processual, a mediação é medida mais adequada nos casos em que tenha havido vínculo
anterior entre as partes. O mediador, com o diálogo, paciência, simplicidade e esclarecimento
constante, auxilia os interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de
modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, as

7
WARAT. O ofício do mediador.
8
AZEVEDO, Andre Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial. CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA. 6ª Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016.
soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. O mediador não sugere qualquer solução
para o conflito (CPC, art. 165, §3°).
O conciliador, por sua vez, deve atuar, preferencialmente, nos casos em que não
tenha havido vínculo anterior entre as partes. Pode sugerir soluções para o litígio, sendo
vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes
conciliem (CPC, art. 165, §2°).
Diante do exposto, a mediação é uma forma de solução de conflitos onde um
terceiro, neutro e imparcial, facilita o diálogo entre as partes para que elas construam com
autonomia e solidariedade a melhor solução para o conflito. Em regra, é utilizada em conflitos
multidimensionais ou complexos, sendo um procedimento estruturado, sem prazo definido
podendo terminar ou não em acordo, pois as partes têm autonomia para buscar soluções que
compatibilizem seus interesses e suas necessidades.

Já a Conciliação é um método utilizado em conflitos mais simples, ou restritos, no


qual o terceiro imparcial adota uma posição mais ativa, porém, neutra, com relação ao conflito
facilitando a comunicação entre os interessados que mantém uma relação pontual. É um
processo consensual breve, que busca um acordo satisfatório para os envolvidos, ou seja, a
efetiva harmonização social e a restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das
partes.

Dentro da realidade da conciliação realizada na Justiça Federal da Seção Judiciária


de Belo Horizonte, não parece ser tão profícua a diferenciação entre os métodos
autocompositivos.

Primeiramente, o conciliador judicial federal, necessariamente certificado pelo


próprio Tribunal Regional, cumpre a mesma carga horária de formação, sendo submetido às
mesmas diretrizes curriculares e ao mesmo conteúdo programático definido pelo CNJ para o
mediador judicial, devendo ambos se submeterem, a aperfeiçoamento permanente e avaliação do
usuário.

Se não bastasse, a atuação dos conciliadores é regida pelos mesmos princípios


fundamentais, quais sejam oralidade, informalidade, confidencialidade, decisão informada,
competência, imparcialidade, independência e autonomia da vontade, respeito à ordem
pública e às leis vigentes, empoderamento e validação.
De igual forma, as regras que regem o procedimento da conciliação, também são as
mesmas normas de condutas a serem observadas pelos mediadores para o bom
desenvolvimento da mediação, quais sejam, informação, autonomia da vontade, ausência de
obrigação de resultado, desvinculação da profissão de origem e a compreensão quanto ao
método autocompositivo.

Assim, tanto o conciliador quanto o mediador detêm as mesmas responsabilidades,


sujeitando-se às mesmas sanções, bem como estão aptos a aplicarem as mesmas técnicas na
busca da solução do conflito e pacificação social, quais sejam, escuta ativa, empatia,
validação de sentimentos, recontextualização, resignificação, reenquadre e parafraseamento,
brainstorming, teste de realidade, identificação das necessidades e interesses, inclusive os
ocultos, entre outras.

Diuturnamente, vê-se que questões, até então percebidas como “menores” em


conflitos aparentemente unidimensionais e sem dimensões afetivas, submetidas à conciliação,
a estas devem ser aplicadas as técnicas “ditas da mediação”.

Exemplificativamente, cita-se o caso em que a Caixa Econômica Federal, empresa


pública federal, litigava contra uma parte em um processo de arrendamento residencial.
Percebeu-se, durante a sessão de conciliação, que a ré, contratante do empréstimo —
empregada doméstica, viúva, com cinco filhos — havia deixado de honrar os compromissos
contratuais porque uma de suas filhas parou de contribuir para o orçamento familiar.

Ao ouvir a jovem, identificou-se que ela não mais ajudava sua genitora nas contas
domésticas, como retaliação à postura mais rígida e conservadora da mãe que, de acordo com
seu relato, “não a deixava sair de madrugada, frequentar bailes ‘funk’, usar roupas curtas e
sensuais”. Só após a identificação dos reais interesses e necessidades dos envolvidos e com a
resignificação da relação entre mãe e filha — reconhecimento de uma mãe zelosa e protetora
em face de uma filha jovem e dedicada — pode-se chegar a um acordo quanto a valores e
condições de adimplemento do contrato habitacional.

De igual forma, como não enxergar “sentimento” em uma relação de consumo de um


cliente que, após receber salários por vinte e sete anos na mesma agência de uma instituição
bancária, tem seu nome negativado indevidamente e é humilhado em público pelo gerente do
banco?
Como ver, sem empatia e compreensão, o caso de um pai de família, que contrata um
empréstimo bancário, para construção de mais um quarto em sua residência de quatro
cômodos, para abrigar sua mãe — diagnosticada com Alzheimer em grau IV e com delírio
persecutório — e que diante da dificuldade econômica do país, não consegue mais arcar com
o pagamento do contrato?

O que se propõe, portanto, é um gênero híbrido, sem amarras, julgamentos ou


preconceitos. Um modelo, onde, incialmente, aplique-se a mediação, com foco no
antepassado (construtivista). As partes, facilitadas pelo mediador-conciliador, tentariam
sozinhas, chegar a um consenso. Caso os interessados por si sós não consigam pacificar
socialmente a questão, o terceiro imparcial agora, conciliador-mediador, ajudaria de forma
mais ativa inclusive propondo soluções para resolução do conflito.

É importante salientar que tanto a conciliação quanto a mediação não devem ser
encaradas como medidas destinadas a desafogar o Poder Judiciário, mas, sim, como melhores
e mais adequados meios de resolução de disputas. O risco é eleger esses métodos como a
solução de todos os problemas do judiciário. Deve-se reconhecer que o objetivo maior desses
meios consensuais de resolução de conflitos não é solucionar a demora na duração do
processo ou mesmo desafogar o Poder Judiciário. Constituem, na verdade, métodos
adequados a resolver conflitos em determinadas circunstâncias, através das técnicas aplicadas
por mediadores ou conciliadores, devidamente capacitados.

3. Conciliação na Seção Judiciária de Minas Gerais.

3.1 Breve histórico.


Após a edição da Resolução 125/2010 do CNJ, o Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF1) instituiu, por meio da Resolução n.2 de 24 de março de 2011, o Sistema de
Conciliação da Justiça Federal (SistCon), “visando à conciliação das partes, tanto na fase pré-
processual, como na fase processual dos litígios relativos à lei de direitos patrimoniais
disponíveis, bem assim daqueles que, pela natureza do direito em discussão, a lei permite a
transação”. Para isso, determinou a implantação de Núcleos de Conciliação nas seções e
subseções judiciárias.

Em 2013, a Portaria Conjunta N. 1/DIREF/COJEF/MG criou o Serviço de


Conciliação da Seção Judiciária de Minas Gerais com a finalidade de promover a resolução
consensual dos conflitos de interesses entre as partes por meio da conciliação e mediação, sob
a denominação de Núcleo de Conciliação (NUCON).

Em 2015, com o advento do NCPC e da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015), a


Resolução PRESI 31, instituiu o Centro Judiciário de Conciliação da Seção Judiciária de
Minas Gerais (CEJUC-SJMG), sendo aprovado no ano seguinte, por meio da PORTARIA
DIREF-CEJUC Nº 39, seu regulamento interno. Na mesma data, a PORTARIA DIREF-
CEJUC Nº 40 institui o Serviço de Informação e Cidadania da Seção Judiciária do Estado de
Minas Gerais (SEIC/SJMG), vinculado ao CEJUC.

Finalmente, em 2016, a Resolução N. CJF-RES-2016/00398 do Conselho da


Justiça Federal instituiu e regulamentou a política judiciária de solução dos conflitos de
interesses no âmbito da Justiça Federal, com vistas à efetiva resolução e pacificação social,
organizando os Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania
(CEJUSCONs), no âmbito das seções e subseções judiciárias.

3.2 Estrutura do Centro Judiciário de Conciliação – CEJUC-MG.

Atualmente, o CEJUC-MG conta com dez servidores e um diretor, sob a


coordenação de um Juiz Federal Coordenador que o administra com auxílio de um Juiz
Adjunto, ambos designados pela Presidência do TRF1. O Coordenador acumula suas
atribuições junto ao Centro com as funções jurisdicionais de sua vara de origem. A
exclusividade do Juiz Coordenador no CEJUC-MG possivelmente aumentaria a capacidade
de atuação do centro, bem como o número de acordos obtidos, diante da maior proximidade e
interlocução com os entes públicos atendidos na Casa da Conciliação.

O Centro Judiciário integra a estrutura da Seção Judiciária como Núcleo


Administrativo, sendo subordinado à Diretoria do Foro. Há alguns anos, pleiteia-se a sua
transformação em Vara ou que o centro receba a estrutura de Vara, com seus respectivos
cargos e funções.

3.3 Estatísticas do Centro Judiciário de Conciliação – CEJUC-SJMG


O Centro concilia processos encaminhados pelas varas do Juizado Especial, pelas
varas cíveis e pelas varas de execução fiscal, trabalhando em parceria com trinta e uma varas
federais. Atualmente, apenas as quatro varas criminais da seção judiciária não são atendidas,
tendo em vista a não realização de conciliação criminal na Casa de Conciliação. Além dos
processos, o CEJUC, concilia as Reclamações Pré-Processuais.
De acordo com dados estatísticos colhidos junto ao CEJUC-MG, em 2017 foram
agendadas cinco mil e setecentas e quatro (5.704) audiências, sendo atendidas
aproximadamente cinco mil e seiscentas pessoas. Os valores transacionados também
impressionam. O montante acordado em sessões de conciliação ultrapassa onze milhões e
setecentos mil reais (R$ 11.785.140,44) e acordos administrativos posteriores, frutos da
negociação em mesa de audiência, perfazem quase setecentos mil reais (R$ 678.059,12).

Em 2018, o crescimento de atuação foi bastante expressivo. Até o mês de setembro,


foram designadas sete mil e quarenta e três (7.043) sessões de conciliação. Para 2019, a meta
é, pelo menos, duplicar a capacidade de atendimento do Centro Judiciário, com ampliação do
espaço físico, formação de mais conciliadores e com a implantação recente pelo Tribunal
Regional Federal da 1ª Região do serviço informatizado de agendamento de audiências
(sistema e-SIAC).

4. Postura dos entes públicos nas sessões de conciliação

Segundo Antônio César Bochenek9 a Justiça Federal tem sua competência


prevista na Constituição da República para o processo e julgamento das causas em que
determinadas pessoas são partes na relação processual (art. 109, I e II), além das causas
estabelecidas pelo critério material (art. 109, parte final dos incisos X e XI), pessoal-material
(art. 109, III), pessoal-procedimental (art. 109, VIII) e funcional (arts. 108 e 109, parte
intermediária do inciso X).
Em razão da competência ratio personae, grande parte do número dos processos
da Justiça Federal tratam de causas em que a União, autarquias públicas federais, conselhos
de classe, fundações publicas federais, empresas públicas federais e entes no exercício de
atividade federal delegada são partes na relação processual (art. 109, I).
Sendo vários os entes da Administração Pública Federal em litígio, de igual
forma, são variados os assuntos e os ramos do direito afetos à conciliação no Centro
Judiciário de Conciliação da Justiça Federal.
Questões administrativas, tributárias, previdenciárias, agrárias, ambientais,
possessórias, políticas habitacionais (Sistema Financeiro de Habitação – SFH , Programa de

9
BOCHENEK, Antônio César. Competência cível da justiça federal e dos Juizados Especiais São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Arrendamento Residencial - PAR), bem como as questões de competência do Juizado
Especial Federal são exemplos de matérias com a possibilidade de consenso.
A primeira vista, podia parecer contraditória a possibilidade de conciliação entre
particulares e entes públicos. Como viabilizar o consenso mútuo e o princípio da
indisponibilidade do interesse público? Tal princípio é uma proibição ao administrador
público de dispor dos bens públicos, sendo vedado qualquer ato que implique a renúncia
desses direitos, corolário presente tanto nos atos de gestão, como nos atos de império da
Administração Pública.
De modo geral, a doutrina e a jurisprudência sempre assinalaram que o interesse
público, em razão de sua indisponibilidade e supremacia, não admitia a conciliação ou
transação, exceto se autorizado por lei.
Com o advento da Lei 10.259/2001, que instituiu o Juizado Especial Federal, em
seu art. 10, parágrafo único, o legislador trouxe a autorização genérica para que os
representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais
pudessem conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência daquele juizado
especial. Assim, os procuradores, conforme critérios de conveniência e oportunidade, após a
análise das peculiaridades do caso concreto, poderiam propor acordos que atendessem o
interesse público.
Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pela
legitimidade de acordo proposto em demanda judicial na qual se identificasse forte
probabilidade de precedência do pedido, o que traria condenações acessórias e aumentaria o
prejuízo do estado. Conforme a corte suprema, “há casos em que o princípio da
indisponibilidade deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada
pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação desse interesse” (RE 253885-0/MG).
Infelizmente, conforme o Juiz Federal Roberto Gil 10, os procuradores passaram a
sofrer constrangimento profissional ilegal no que tange à possibilidade de proporem acordos.
Como a Advocacia Geral da União, outros órgãos editaram atos normativos que indicavam as
hipóteses onde os profissionais poderiam efetivar a transação judicial. Dessa forma, vários
procuradores se sentiram receosos em aplicar o dispositivo legal, conciliar e, posteriormente,
serem eventualmente punidos administrativamente já que descumpriram ordem superior.

10
FARIA, Roberto Gil Leal. Por que são efetivados poucos acordos nos Juizados Especiais Federais.
Revista da SJMG, Rio de janeiro, n.24.
Parece peculiar a ideia de que um procurador, mesmo que não proponha um
acordo, e venha a perder a causa do ente público ao qual representa, além de ser condenado
em verbas acessórias, não é investigado. Enquanto outro, em uma situação na qual inexiste
probabilidade de procedência, propõe uma conciliação, gerando economia aos cofres públicos
e efetiva pacificação social, possa vir a ser punido administrativamente.
O Novo Código de Processo Civil suplantou qualquer alegação de quebra do
princípio da legalidade ou da indisponibilidade do interesse público, não só ao tornar possível
a adoção da conciliação e da mediação no âmbito da Administração Pública, como ao impor
aos entes a criação de câmaras de medição e conciliação. Tais medidas são adotadas para
dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública, bem como avaliar a
admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da
administração pública.
Assim, de acordo com os ensinamentos de Elon kaleb11, Procurador da Fazenda
Nacional:
A administração pública em Juízo pode se deparar com situações em
que o melhor (isto é, o mais eficiente) é evitar o conflito, procurando
uma solução consensual.

Desta forma, o direito administrativo passou a interpretar a indisponibilidade de


forma menos absoluta, mais sistêmica, mais ampla e republicana, ou seja, vinculando-o não só
à legalidade estrita, mas também à economicidade e à eficiência.

5. Princípio da decisão informada

De acordo com o artigo 1° do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores


Judiciais, entre os princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores
judiciais encontra-se o princípio da decisão informada, entendido como o dever de manter o
jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual
está inserido.
Segundo o Manual de Mediação Judicial, o princípio da decisão informada
estabelece como condição de legitimidade para a autocomposição a plena consciência das
partes quanto aos seus direitos e a realidade fática na qual se encontram.

11
VOLPI, Elon Kaleb Ribas. Conciliação na Justiça Federal. A indisponibilidade do interesse público
e a questão da isonomia.
Tauã Rangel12 salienta que “o corolário da decisão informada preconiza, em seu
núcleo sensível, que as partes envolvidas no procedimento de conciliação gozam do direito de
receber as informações quantitativas e qualitativas a respeito da composição que estão
edificando. Mais que isso, dogma em comento apregoa que a decisão informada busca evitar
que as partes sejam surpresadas por qualquer consequência inesperada da solução pela qual
optaram, notadamente em razão de terem, sobretudo em sede de conciliação judicializada, em
tratar o litígio por meio do Poder Judiciário.”
Francisco Ricardo Sales Costa13, juiz de direito do TJMG, ratifica e acrescenta
que as partes não devam ser surpreendidas por qualquer consequência inesperada da solução
que adotaram, “especialmente porque confiaram na intermediação de um ‘assistente jurídico
imparcial’, em um empreendimento gerido pelo Poder Judiciário, e (...) nutrem a legítima
expectativa de que sairão dali com o seu problema resolvido e não com um novo problema”.
Rangel ainda pondera que, sendo a conciliação um procedimento pautado no
empoderamento dos atores envolvidos, faz-se necessário que as decisões (construídas a partir
da vontade das partes) sejam, necessariamente, precedidas dos esclarecimentos capazes de
conscientizarem acerca dos efeitos a serem produzidos e as implicações geradas
concretamente.
Nesse sentido, a resolução de uma disputa por meio de autocomposição (acordo)
somente será legítima se as partes tiverem plenas informações quanto aos seus direitos e ao
contexto fático no qual está inserida. Logo, admitir acordos baseados na ausência das
informações configura violação direta a um corolário estruturante da conciliação.
Assim como os juizados especiais, os centros judiciários de conciliação seguem os
princípios da oralidade, informalidade, economia processual, celeridade e simplicidade,
cumprindo, a missão de abrir as portas do Poder Judiciário às pessoas mais carentes,
atendendo a uma demanda reprimida.
Cabe à Defensoria Publica, enquanto expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, conforme a Lei Complementar n. 80/94 (alterada pela Lei
Complementar n. 132/2009), a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do
art. 5º da Constituição Federal.
12
RANGEL, Tauã Lima Verdan. Anotações ao Princípio da Decisão Informada em sede de
Conciliação: Singelas Ponderações http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj048774.pdf
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COSTA, Francisco Ricardo Sales. A ética do Conciliador. http://www8.tjmg.jus.br/cadernos-
ejef/eventos/1congressomineiro/2011/Palestras/Francisco-Ricardo-Sales-Costa.html
O inciso I do artigo 4° do mesmo disposto legal salienta ser função institucional
da Defensoria Pública a prestação de orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados,
em todos os graus, bem como a promoção, prioritariamente, a solução extrajudicial dos
litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de
conflitos.
Infelizmente, na seara federal, é sabido que a Defensoria Pública da União não
tem estrutura organizacional capaz de suprir a demanda de todos os cidadãos que não têm
condições de pagar pela assistência de um advogado, em razão do enorme déficit no número
de defensores públicos federais. Assim, muitos interessados buscam o judiciário sem o devido
auxilio técnico jurídico.
Soma-se a isso o fato de que, do lado oposto, encontra-se um ente público, com
prepostos qualificados, orientados juridicamente por procuradores federais, advogados
públicos ou terceirizados/contratados, que torna a equação um tanto quanto desigual.
A partir desta constatação, não parece ser correto interromper uma mediação ou
redesignar uma audiência de conciliação para que a parte – sem assistência da defensoria
pública, sem advogado particular e sem condições financeiras de suportar esse ônus –
buscasse adquirir ou ampliar suas informações, com vista a melhor se instrumentalizar para a
tomada qualificada de decisão.
De tal sorte, também não cabe ao conciliador ou mediador encerrar a sessão pelo
simples fato de haver uma composição possível, tendo percebido que a parte não tem plena
consciência quanto aos seus direitos e a realidade fática na qual se encontram, uma vez que a
plena satisfação das partes consiste em pressuposto de legitimidade da conciliação ou
mediação.
Incumbe ao conciliador, com base no princípio da decisão informada, aplicar
técnicas para que possa informar à parte — sem assistência técnica de advogado — sobre as
vantagens que a conciliação possa significar em relação à continuidade do processo, a
incerteza do acolhimento da pretensão da parte, a possível duração da demanda até uma
decisão transitada em julgado em caso de não realização do acordo. Informar também os
valores médios de condenação de acordo com a jurisprudência em casos semelhantes, as reais
consequências de tal acordo, bem como as implicações concretas as quais os envolvidos se
submetem. Só assim, o pressuposto de legitimidade da conciliação teria sido observado.
6. Conclusão

Diante do exposto, inicialmente, face ao notório estado de crise do sistema de


administração da justiça, ressalta-se a necessidade iminente da transformação da cultura da
litigiosidade e da sentença por um novo modelo não adversarial de resolução de conflitos que
traga maior efetividade à prestação da tutela jurisdicional, que substitua a conflituosidade
pelo diálogo, e que seja verdadeiramente pacificador, não só preservando como
aprimorando as relações sociais.

Importante também salientar que mais significativo do que afastar teoricamente os


institutos da mediação e da conciliação, é aproximar os métodos com objetivo de construir
uma Cultura de Paz, que valorize o consenso e a autonomia das partes na solução de seus
conflitos. E que, ainda que o conflito, aparentemente, seja mais restrito, unidimensionais ou
de vínculo único, sem dimensão afetiva, pode ser necessário o uso de técnicas que atuem no
aspecto emocional, auxiliando as partes a transformar a relação conflituosa e a perceber o
conflito de forma mais aprofundada e assertiva, compreendendo seus reais desejos e
interesses, para que seja efetiva a harmonização e pacificação social.

Ressalte-se ainda a nova postura dos teóricos do direito administrativo ao


reinterpretar o princípio da indisponibilidade de forma mais sistêmica e republicana,
permitindo assim, em alguns casos, a conciliação e a mediação dos conflitos em que a
Administração Pública figure como parte, em sintonia com os objetivos norteadores
introduzidos na nova sistemática processual civil com ênfase nas soluções conciliatórias, na
cooperação entre as partes e na celeridade da prestação jurisdicional.

Finalmente, destaca-se a necessidade da plena consciência das partes quanto aos


seus direitos e à realidade fática na qual está inserida como condição de legitimidade para a
autocomposição. Só assim, após receberem informações quantitativas e qualitativas, os
envolvidos podem tomar a melhor decisão que pacifique o conflito e atenda, de maneira
satisfatória, a seus interesses e necessidades.

Dentro deste panorama, a conciliação adquire relevância enquanto método


autocompositivo, pois, além de promover a pacificação social, ajuda a dar efetividade à
prestação da tutela jurisdicional, salientando-se, entretanto, que esta não pode ser eleita como
método destinado a desafogar o Poder Judiciário ou solucionar todos os seus problemas
estruturais.

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