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Tratamento da epilepsia na

presença de comorbidades clínicas


Dr. Pedro André Kowacs
CRM-PR 11941

Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. Epileptologista-Sênior do Setor de Atendimento e


Cirurgia de Epilepsia do Instituto de Neurologia de Curitiba e Eletroencefalografista Sênior do Setor de
Eletroencefalografia e Videoeletroencefalografia do Instituto de Neurologia de Curitiba. Chefe do Serviço de
Neurologia do Instituto de Neurologia de Curitiba.
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Tratamento da
epilepsia na
presença de
comorbidades clínicas
Dr. Pedro André Kowacs
CRM-PR 11941
Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. Epileptologista-Sênior do Setor de Atendimento
e Cirurgia de Epilepsia do Instituto de Neurologia de Curitiba e Eletroencefalografista Sênior do Setor de
Eletroencefalografia e Videoeletroencefalografia do Instituto de Neurologia de Curitiba. Chefe do Serviço de
Neurologia do Instituto de Neurologia de Curitiba.

introdução
Tratar a epilepsia na presença de comorbida- Feinstein conceituou comorbidade como
des nada mais é do que tratar o indivíduo como “uma associação mais que fortuita entre duas
um todo, e não apenas tratar os sintomas de condições em um mesmo indivíduo”2. Ainda
uma doença ou uma doença. Essa menção ao que não tenha havido estudos para todas as
indivíduo é conceitualmente essencial para condições médicas, tem-se evidência de que,
que se tenha um enfoque abrangente. Os em crianças com epilepsia, as comorbidades
múltiplos conceitos que existem para o termo mais prevalentes incluem transtorno de dé-
comorbidade dependem do contexto no qual ficit de atenção e hiperatividade (TDAH),
são usados. Na prática médica, o foco é expli- distúrbios de humor e ansiedade, distúrbios
citamente tratar o paciente como um todo, do espectro autista e problemas comporta-
sem privilegiar uma única condição1. mentais3. Adultos com epilepsia são mais fre-
quentemente diagnosticados com distúrbios
Nesta revisão, os enfoques dados para comor- de humor, ansiedade e dificuldades sociais3.
bidade serão os de: Assim sendo, as condições neuropsicológicas
mais prevalentes em portadores de epilepsia
a) condição estatisticamente associada à são os déficits neuropsicológicos específicos, a
epilepsia; deficiência mental, o transtorno do déficit de
atenção com ou sem hiperatividade, os trans-
b) condição que, quando presente, exige tornos do humor, os transtornos ansiosos, as
uma abordagem terapêutica diferenciada. psicoses e a migrânea.

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Tratando portadores de epilepsia associada a deficiência


mental e/ou a déficits neuropsicológicos específicos
Já é amplamente comprovado que a presença tamente positivo provavelmente ser secun-
de comprometimento intelectual traz asso- dário a uma baixa amostragem, serve para
ciado um risco maior para condições neurop- lembrar que a exceção não confirma a regra
siquiátricas4,5. Obviamente, a identificação de e, portanto, o topiramato pode ser prescrito a
sintomas de toxicidade medicamentosa, em essa população, ainda que seja recomendável
pacientes com comprometimento intelectual observar possíveis impactos negativos sobre
moderado a grave, é prejudicada pelas difi- as habilidades neuropsicológicas.
culdades de comunicação6. Ainda, em porta-
dores de encefalopatias epilépticas, sintomas Apesar de valproato/divalproato serem con-
de toxicidade medicamentosa podem passar siderados medicamentos bem tolerados do
despercebidos ou ser interpretados como par- ponto de vista cognitivo, disfunções cogni-
te do espectro sintomático da doença de base. tivas secundárias à hiperamonemia oligos-
sintomática podem ocorrer. Em casos mais
Em casos de crianças e/ou adultos que apre- extremos, os pacientes podem apresentar, em
sentam déficit intelectual moderado e grave, qualquer fase do tratamento, encefalopatia,
faz-se necessária a orientação não apenas do que se manifesta, de forma aguda ou suba-
paciente e da família, mas também do cui- guda, com sintomas de letargia, depressão
dador, sempre que presente. Particularmen- da consciência, desorientação, alentecimento
te nesses indivíduos, deve-se estar atento a cognitivo e, eventualmente, déficits neuroló-
possíveis efeitos negativos de medicamentos gicos focais.
sobre o desempenho intelectual. Dentre es-
tes, destaca-se o topiramato, o qual não in- Outros sintomas da encefalopatia por hipera-
frequentemente compromete, entre outras, a monemia induzida por valproato incluem vô-
memória de trabalho, a resposta psicomotora mitos, asterixis, ataxia, aumento da frequên-
e as habilidades verbais, e, mais raramente, cia das crises epilépticas e coma9. Fatores de
pode até mesmo levar à encefalopatia com risco incluem baixa idade, comprometimento
sintomas de confusão, sonolência, delírio, intelectual prévio, politerapia antiepiléptica/
ataxia e comprometimento da concentração. neuroléptica e início de uso concomitante
Quanto ao comportamento e ao humor, o de topiramato. O tratamento dessa condição
topiramato tem efeitos mistos, podendo levar potencialmente grave envolve a suspensão
a manifestações neuropsiquiátricas, como de- de valproato/divalproato, medidas para ence-
pressão, sintomas psicóticos e comportamen- falopatia hepática (ex.: lactulona), a adminis-
to agressivo7. tração de carnitina e, nos casos mais graves,
até mesmo hemodiálise9. Uma vez que a do-
No entanto, pelo menos em um estudo em sagem de níveis séricos de amônia costuma
portadores de epilepsia associada a compro- ser problemática e dificilmente realizada pela
metimento intelectual, o topiramato mostrou maioria dos laboratórios, sugere-se que o res-
um efeito positivo sobre as crises e a qualida- pectivo manejo seja realizado quando houver
de de vida8. Apesar deste resultado comple- forte suspeição clínica.

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Já os tão propalados efeitos deletérios do fe- síndrome de Dravet, pelo risco de induzir
nobarbital sobre a cognição não foram de- aumento na frequência de crises15, fenôme-
monstrados em estudos comparativos com no que também pode ocorrer, ainda que em
outros antiepilépticos, achado que eventual- menor proporção, naqueles com a síndrome
mente pode ser atribuído à pequena amostra de Lennox-Gastaut14. No entanto, esse pos-
desses estudos10. Outro ponto a ser discutido sível efeito não contraindica seu uso nessa
é a prescrição de benzodiazepínicos, como o condição, especialmente quando associado
clobazam, cujo uso como medicação adjuvan- a divalproato e a benzodiazepínico16. Aspec-
te e/ou de resgate é bastante popular. Apesar tos positivos sobre o desempenho intelectual
de faltarem estudos que definam a real preva- também foram descritos para levetiracetam e
lência do desenvolvimento de tolerância, agi- vigabatrina, ainda que para essa última a lite-
tação paradoxal e/ou sialorreia, estes são pos- ratura seja conflitante.
síveis efeitos colaterais a serem monitorados6.
Por outro lado, é importante mencionar que
A pouca literatura sobre o impacto da feni- existem evidências de que metilfenidato
toína sobre a função cognitiva dificulta sua possa melhorar não apenas a atenção, mas
análise, porém há evidências na literatura de também a função cognitiva de portadores de
que esse medicamento possa, além de com- epilepsia associada a comprometimento inte-
prometer o equilíbrio, diminuir as habilida- lectual, sem haver risco de aumento da fre-
des visomotoras, possivelmente também por quência de crises17.
seus efeitos sobre o cerebelo11.
Recentemente, um comitê canadense estu-
Ainda que não seja mencionado como um dou as normas de transição entre a epilepsia
dos sintomas tóxicos maiores, o autor já pre- da infância e a do adulto, as quais incluem
senciou casos em que a fenitoína, em níveis uma série de medidas, algumas delas relacio-
terapêuticos, determinou importante embo- nadas às comorbidades e outras, ao tratamen-
tamento cognitivo, o qual não fora percebido to. Basicamente, os autores defendem que a
durante muitos anos de tratamento, em razão etiologia das epilepsias associadas a compro-
da baixa demanda intelectual da paciente. metimento intelectual deve ser estudada à
luz das novas tecnologias e tanto a adesão
Dentre os antiepilépticos, demonstrou-se que ao tratamento como a presença de possíveis
a oxcarbazepina e a eslicarbazepina (não co- comorbidades psiquiátricas devem ser ativa-
mercializada no Brasil) não causam impacto mente rastreadas tanto pelo neuropediatra
significativo sobre a função cognitiva12 e a quanto pelo neurologista.
lamotrigina e gabapentina são bem toleradas
e determinam baixo impacto na função cog- A presença de déficits neuropsicológicos es-
nitiva de indivíduos com comprometimento pecíficos pode ser limitante para portadores
intelectual13,14. Além disso, a lamotrigina foi de epilepsia. São bem conhecidos os déficits
descrita como tendo um impacto positivo no nas memórias verbal e visoespacial em porta-
estado de alerta e no nível de atividade. No dores de epilepsia dos lobos temporal esquer-
entanto, deve-se evitá-la em pacientes com do e direito, respectivamente. Outros padrões

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de déficits específicos mais sutis podem ocor- nhar o paciente para reabilitação cognitiva é
rer, sempre que houver alguma lesão cere- fundamental.
bral e/ou zona disfuncional cujo papel não foi
compensado pela neuroplasticidade. Em pa- Ji e Findling elaboraram diretrizes clínicas a
cientes já estigmatizados pela epilepsia, esses serem prescritas a portadores de limitações
déficits podem levar a dificuldades escolares, intelectuais, as quais podem ser apreciadas a
laborativas e sociais. Identificá-los e encami- seguir, com modificações (Tabela 1)17.

Tabela 1. Diretrizes para o manejo de indivíduos com limitações intelectuais e epilepsia17.

1. A deficiência intelectual e a epilepsia provavelmente se manterão ao longo da vida, e


a farmacoterapia deve ser considerada apenas como parte de um plano de tratamento
multidisciplinar (terapia comportamental, educação especial, treinamento de habilidades
sociais e sociais etc.)

2. Deve-se realizar a análise do comportamento funcional, o manejo comportamental e as


modificações ambientais antes de se considerar a farmacoterapia

3. Deve-se sempre tratar os sintomas cuja relevância justifique os riscos de eventos adversos

4. Preferencialmente, deve-se obter consentimento informado apropriado, com discussões


aprofundadas sobre a relação risco-benefício e alternativas de tratamento, principalmen-
te para aqueles tratamentos que envolvam mais risco (exs.: possibilidade da síndrome de
Steven-Johnson para lamotrigina, complicações de tratamentos cirúrgicos de epilepsias
refratárias)

5. Os sintomas-alvo devem ser identificados para cada medicamento e a eficácia do trata-


mento deve ser rastreada regularmente, com resultados objetivos (frequência, duração e
gravidade dos sintomas e escalas de classificação)

6. Comece com uma dose baixa e titule-a devagar (start low, go slow), para minimizar os
eventos adversos e aumentar a tolerabilidade

7. Monitore possíveis eventos adversos de forma ativa e regular e, sempre que possível,
utilize questionários e/ou escalas

8. Minimize a polifarmácia para diminuir a interação entre drogas e medicamentos, eventos


adversos e quebras na adesão ao tratamento

9. Lembre-se do seguinte aforisma: "Use a mínima dose efetiva ou a máxima dose tolera-
da" na consecução do efeito terapêutico. Conforme o papel do fármaco em questão, ava-
lie a possibilidade de retirar algum(ns) medicamento(s), sendo individualizada para cada
paciente

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Tratando portadores de epilepsia associada a transtorno


do déficit de atenção com ou sem hiperatividade
Em portadores de transtorno do déficit de de crises, uma revisão recente descartou tal
atenção sem ou com hiperatividade associado relação, considerando sua administração se-
à epilepsia, em geral o médico-assistente tem gura em portadores de epilepsia21. O autor
a seguinte dúvida: prescrever um medica- também lembra que a modafinila é indutora
mento que aumenta a atividade cortical para do sistema do citocromo P450, podendo, por-
um indivíduo no qual o tratamento da epilep- tanto, diminuir os níveis séricos e, assim, a
sia tende a diminuí-la. Antes de diagnosticar eficácia dos medicamentos processados por
TDAH em um indivíduo com epilepsia, o mé- esse circuito metabólico, como contraceptivos,
dico deve atentar para que esse paciente não carbamazepina e clobazam21. Além disso, mo-
esteja ingerindo algum medicamento que te- dafinila também inibe o CYP2C9, o que pode
nha impacto sobre as habilidades intelectuais, elevar os níveis, a eficácia e os efeitos adver-
pois o efeito desses fármacos sobre a atenção sos de fenobarbital, primidona e fenitoína21.
e outras funções cognitivas pode confundir
o diagnóstico (vide tópico anterior). TDAH é Ainda que o uso de abordagens comporta-
diagnosticado mediante a aplicação de dife- mentais, de biofeedback ou de medicamentos
rentes questionários, dentre os quais FNAP não estimulantes no tratamento do TDAH
-IV, para crianças, e AFRS-18, para adultos. fosse teoricamente preferível, o maior peso
Quando comórbido com epilepsia, para seu tra- das evidências favorece o uso de metilfenida-
tamento podem ser prescritos principalmen- to, desde que tomadas as devidas precauções,
te metilfenidato, mas também atomoxetina, como a obtenção de eletrocardiograma prévio
clonidina e guanfacina17,18, apesar da possibili- ao tratamento. Não custa lembrar que essa é
dade de metilfenidato exacerbar as crises19,20. uma das possíveis interpretações da literatura
disponível e a escolha do tratamento deve ser
Quanto à modafinila, apesar de seu uso ter sempre individualizada e ponderada entre a
sido descrito como associado à exacerbação opinião médica e as considerações do paciente.

Tratando portadores de epilepsia associada à migrânea


Embora tanto a migrânea quanto a epilepsia granosos22 são achados que sinalizam para
sejam desordens paroxísticas de natureza que mais pontos em comum do que aqueles
neural, seus pontos em comum são mínimos, aparentes existam entre ambas as condições.
seja no que tange à sua fisiopatologia, seja no
que tange a suas manifestações clínicas. No Portanto, não surpreende que diversos antie-
entanto, a coincidência de ambas e a preva- pilépticos tenham efeito profilático sobre as
lência aumentada de familiares migranosos crises de migrânea23-28, coincidência que pode
em indivíduos portadores de epilepsia e de simplificar o tratamento, como o preconizado
familiares com epilepsia em indivíduos mi- pelo “princípio da navalha de Occam”.

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Os medicamentos antiepilépticos com efeitos monemia – relacionada ao primeiro – assin-


terapêuticos sobre a migrânea estão dispostos tomática, oligossintomática ou grave, em sua
no tabela 2. forma encefalopática.

Em geral, as doses utilizadas para o tratamen- Em casos de crises epilépticas desencadeadas


to da migrânea são sempre menores do que por aura migranosa, dúvidas podem surgir
aquelas para o tratamento da epilepsia. Caso sobre a natureza do episódio, se migranoso ou
o fármaco em questão seja adicionado ao tra- se epiléptico. Esse tema foi amplamente revi-
tamento prévio como coadjuvante no trata- sado em diversos artigos30 e, segundo o autor,
mento da epilepsia e da migrânea, sua dose a melhor maneira de diferenciar os episódios
deverá ser, no mínimo, aquela efetiva para o de aura migranosa versus aura epiléptica sen-
tratamento da migrânea. sitivo/sensorial é pelo critério de duração.
Já a diferenciação entre migrânea com aura
É claro que as doses mencionadas no tabela 2 confusional e migrânea com aura hemiplégi-
são apenas aquelas comprovadas pela literatu- ca prolongada e/ou complicações da migrâ-
ra, não havendo contraindicação formal ao uso nea necessita de diagnóstico diferencial com
de doses mais elevadas, conforme a gravidade outras condições, assim como a da epilepsia,
do caso e a falta de resposta. É importante lem- frequentemente com a utilização de exames
brar que tanto o valproato quanto o divalproa- de neuroimagem e eletroencefalograma ou
to podem inibir o metabolismo da lamotrigina até mesmo de videoeletroencefalograma.
e determinar aumento significativo de seu ní-
vel sérico, levando à toxicidade e a risco au- Por outro lado, há relatos de exacerbações
mentado para a síndrome de Steven-Johnson. de crises de migrânea e até mesmo de esta-
do migranoso induzidos pela oxcarbazepina31,
Da mesma forma e conforme foi mencionado, o que recomenda cautela na indicação desse
a coadministração de valproato/divalproato e fármaco a indivíduos com epilepsia e episó-
topiramato pode precipitar quadro de hipera- dios migranosos.

Tabela 2. Antiepilépticos efetivos aprovados no Brasil para o tratamento da migrânea29.

Migrânea com aura, migrânea sem aura, migrâ-


Topiramato 25 a 200 mg/dia nea crônica associada ou não ao uso excessivo de
antimigranosos específicos, inespecíficos e mistos

Migrânea com aura, migrânea sem aura, migrâ-


Valproato ou
250 a 1.000 mg/dia nea crônica associada ou não ao uso excessivo de
divalproato
antimigranosos específicos, inespecíficos e mistos

Ácido Tratamento agudo de crises de migrânea e estado


300 a 1.000 mg
valproico migranoso (formulação para uso endovenoso)

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Tratando portadores de epilepsia associada a transtornos


do humor e/ou a transtornos ansiosos
Um estudo recente no Canadá identificou ropsiquiátricas mais frequentes em adultos
que a prevalência de qualquer transtor- com epilepsia, com taxas de prevalência que
no mental em portadores de epilepsia era variam de 25% a 30%.
de 35,5% (24,4% de transtornos de humor,
34,2% de distúrbios de humor, incluindo dis- Um estudo verificou sintomas de depressão
timia, 17,4% de distúrbios de depressão maior, em 55% dos pacientes epilépticos entrevista-
22,8% de transtorno de ansiedade e 6,6% de dos, dos quais até 30% tinham ideação suicida.
transtorno de pânico/agorafobia)32. Apesar Existem achados que indicam que as taxas de
da variabilidade nos dados, há um consenso suicídio sejam dez vezes maiores em epilépti-
geral de que os distúrbios psiquiátricos são cos do que na população em geral. Enquanto
mais prevalentes em pacientes com epilepsia a depressão, frequentemente descrita como
do que na população em geral. Os transtor- atípica, está associada à ocorrência de crises
nos de ansiedade são as comorbidades neu- parciais, particularmente em portadores de

Tabela 3. Critérios para o diagnóstico de depressão maior33.

A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes durante o mesmo período de
duas semanas e representam uma alteração do funcionamento anterior. Pelo menos um
dos sintomas é humor deprimido ou perda de interesse ou prazer
1. Humor deprimido a maior parte do dia, quase todos os dias (em crianças e adolescentes,
pode ser humor irritável)
2. Interesse ou prazer marcadamente diminuído para todas ou quase todas as atividades,
quase todos os dias
3. Perda de peso significativa sem dieta, aumento de peso ou oscilações de peso (em crianças,
considere a falta de obter ganho de peso esperado)
4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias
5. Agitação ou alentecimento psicomotor quase diário
6. Fadiga ou perda de energia constantes
7. Sentimentos de desvalia ou culpa excessiva ou inapropriada
8. Diminuição do raciocínio ou concentração
9. Pensamentos recorrentes de morte (não apenas medo de morrer), ideação suicida recor-
rente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer
suicídio

B. Os sintomas causam distúrbio ou comprometimento clinicamente significativo em áreas


sociais, ocupacionais ou outras áreas do funcionamento

C. O episódio não é atribuível a uma substância nem a outra condição médica

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epilepsia do lobo temporal, os transtornos de nos mentais, quinta edição (DSM-5), o diag-
ansiedade estão associados a início precoce nóstico de TAB é realizado ao se detectar um
das crises e à maior frequência destas, assim episódio de mania (TAB tipo I) ou hipomania
como à história familiar de epilepsia32. (TAB tipo II), seguindo os critérios apresenta-
dos no tabela 4.
Para identificar a existência de um trans-
torno depressivo, os clínicos devem indagar Além do critério de tempo, outra diferença
sobre a presença e duração de uma série de entre a mania e a hipomania é a intensidade,
sintomas descritos no tabela 3. pois esta mostra sintomatologia mais branda,
com menos impacto funcional, sem a necessi-
Entre os transtornos de humor, é importante dade de internamento ou sintomas psicóticos
também detectar o transtorno afetivo bipolar associados. No entanto, na vigência de epilep-
(TAB), bem como diferenciar o episódio de- sia, frequentemente TAB se manifesta de for-
pressivo do TAB de depressão maior. Segundo ma pleomórfica com sintomas atípicos, além
o Manual diagnóstico e estatístico de transtor- de ciclagem mais rápida entre os episódios34.

Tabela 4. Critérios para o diagnóstico de mania e hipomania33.

A. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritá-


vel e aumento anormal e persistente da atividade dirigida a objetivos ou da energia, com
duração mínima de uma semana para mania ou quatro dias para hipomania, presente
na maior parte do dia, quase todos os dias (ou qualquer duração, se a hospitalização for
necessária)

B. Durante o período de perturbação do humor e aumento da energia ou atividade, três (ou


mais) dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável):
1. Autoestima inflada ou grandiosidade
2. Redução da necessidade de sono
3. Mais loquaz que o habitual ou pressão da fala
4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados
5. Distraibilidade
6. Aumento da atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora
7. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências doloro-
sas (exs.: compras, investimentos, indiscrições sexuais, abuso de substâncias)

C. A perturbação do humor é suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado


no funcionamento social ou profissional ou necessitar de hospitalização

D. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (exs.: droga de abuso,
medicamento, outro tratamento) nem a outra condição médica

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Nos diagnósticos diferenciais importantes piléptico. De forma geral, a carbamazepina e


na bipolaridade associada à epilepsia entram a lamotrigina têm efeito positivo sobre o hu-
os sintomas comportamentais peri-ictais e o mor. Esse efeito positivo da lamotrigina foi
transtorno disfórico interictal (TDI) proposto confirmado pelo estudo SANAD, que reve-
por Blumer et al.35. Há, ainda, muita discussão lou redução no desenvolvimento de depres-
sobre a validação dos critérios diagnósticos são em pacientes submetidos a tratamento
desse transtorno. Atualmente, os sintomas antiepiléptico com esse fármaco36. Um efeito
sugeridos são distimia flutuante, irritabilida- estabilizador do humor também é apresenta-
de, euforia, anergia, medo, ansiedade, dor e do pelo valproato/divalproato, bastante efe-
insônia. tivos no manejo de casos de ciclagem rápida.
Já topiramato, considerado estabilizador do
Já os transtornos de ansiedade em epilepsia humor depressivo, pode levar a quadros de
podem ser de natureza ictal ou interictal. irritabilidade, devendo seu uso ser judicioso.
Quando ictal, podem fazer parte da aura ou
ser uma manifestação do medo de crises, Portadores de transtorno de ansiedade gene-
ocorrer temporariamente ligados a convul- ralizada podem ser tratados com pregabalina
sões ou como eventos interictais. Pacientes e aqueles com sintomas fóbicos, igualmente
apresentam-se com inquietude associada à com pregabalina ou gabapentina32. A tabela 5
fadiga, falta de concentração, insônia, irrita- mostra uma divisão dos fármacos antiepilép-
bilidade e contratura muscular. Quanto aos ticos conforme seus efeitos sobre o humor e a
distúrbios fóbicos, estes podem ser mais fre- ansiedade.
quentes naqueles casos em que as crises se-
jam mal controladas ou refratárias32. Particu- No caso de coexistirem sintomas compatíveis
larmente em pacientes com epilepsia do lobo com transtorno dos impulsos, como binge-
frontal, por vezes, pode ser difícil diferenciar eating, bulimia ou craving, ou transtornos an-
crises do lobo frontal da agitação ansiosa cau- siosos, topiramato pode ser uma boa opção36.
sada pelo medo de crises e, portanto, escolher
o melhor esquema terapêutico. Não apenas indicar um medicamento com-
patível com o quadro psíquico do paciente é
Pelo impacto na vida de quem delas padece, importante, mas também retirar aqueles que
tanto a depressão quanto a ansiedade devem possam estar influenciando no seu psiquis-
ser ativamente rastreadas e, uma vez pre- mo. Neste sentido, é importante lembrar o
sentes, tratadas, não sem antes ser avaliadas marcado efeito depressivo que pode ser vis-
quanto ao risco de suicídio. Pacientes com to em indivíduos que utilizam fenobarbital e,
risco de suicídio devem ser orientados a fi- em menor grau, vigabatrina.
car sob vigilância de familiares até que sejam
avaliados por um psiquiatra quanto à necessi- Por outro lado, topiramato pode desencadear
dade de internação em unidade especializada. quadro de irritabilidade e agressividade e le-
vetiracetam pode resultar em alterações do
O manejo de quadros depressivos associados comportamento com pensamento delirante,
à epilepsia e à ansiedade começa sempre que irritabilidade e humor depressivo. A possí-
possível com um ajuste no tratamento antie- vel exacerbação de sintomas depressivos por

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Tabela 5. Antiepilépticos conforme o seu impacto no humor e na ansiedade37.

Antiepilépticos Antiepilépticos
gabaérgicos/ansiolíticos antiglutamatérgicos/antidepressivos

Fenobarbital Lamotrigina

Benzodiazepínicos Carbamazepina

Acido valproico Oxcarbazepina

Gabapentina Eslicarbazepina*

Pregabalina

Vigabatrina

Topiramato

*não comercializada no Brasil.

Tabela 6. Possível impacto dos antidepressivos no limiar para crises epilépticas40.

Podem reduzir o limiar


Podem aumentar o limiar
quando em doses elevadas

Fluoxetina Tricíclicos

Paroxetina Bupropiona

Citalopram Trazodona

Escitalopram Sertralina

Mirtazapina Venlafaxina

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medicamentos antiepilépticos foi motivo 1) possibilidade de interações


de estudo da Food and Drug Administration medicamentosas;
(FDA), que, com base em uma metanálise,
lançou um alerta nesse sentido38. Apesar de 2) indução de hiponatremia;
o estudo da FDA ter sido contestado por ini-
3) precipitação de comportamento suicida.
ciativas paralelas de outras instituições39, fica
a mensagem de que portadores de epilepsia
devem ser ativamente avaliados pelo médi- A indução de isoenzimas do citocromo P450
co-assistente quanto a ideação e risco de sui- pela carbamazepina e/ou pelo clobazam pode
cídio. Uma vez identificada ideação suicida, resultar em baixos níveis séricos de antide-
seus acompanhantes devem ser informados pressivos tricíclicos e inibidores seletivos da
do risco e da necessidade de apoio e vigilân- recaptação da serotonina (ISR-5HT), alguns
cia, e o paciente deve ser encaminhado para dos quais, por sua vez, podem inibir o meta-
avaliação especializada e/ou para unidade de bolismo da carbamazepina, do fenobarbital e
internação psiquiátrica. da fenitoína e levar à toxicidade.

Pacientes sem risco de suicídio podem ser ma- A exemplo de alguns antiepilépticos, nota-
nejados com antidepressivos pelo neurologis- damente a carbamazepina e a oxcarbazepi-
ta, desde que este esteja familiarizado com as na, o uso de ISR-5HT também pode levar à
indicações dos diferentes compostos, assim hiponatremia. Apesar de habitualmente ser
como a respeito de suas características far- assintomática, a hiponatremia pode ocasio-
macocinéticas, farmacodinâmicas e demais nar sintomas variados, como tonturas, edema
aspectos necessários a uma boa prescrição. periférico, sonolência, convulsões e encefa-
De maneira geral, os benefícios do tratamen- lopatia. As hiponatremias sintomáticas são
to antidepressivo superam qualquer possibili- mais comuns em pacientes idosos, mulheres,
dade de incremento nas crises (Tabela 6). indivíduos fragilizados e naqueles sujeitos a
aporte hídrico endovenoso. Os medicamen-
Ainda que haja poucas informações sobre os tos antiepilépticos mais envolvidos na hipo-
efeitos do carbonato de lítio sobre crises epi- natremia são a carbamazepina e a oxcarba-
lépticas, há descrições tanto de melhora do zepina, porém sua ocorrência também foi
humor e das crises como de agravamento das relatada em indivíduos que utilizavam esli-
crises e das anormalidades eletroencefalográ- carbazepina, valproato e divalproato, lamo-
ficas41. O autor observou mais de um caso de trigina, levetiracetam e gabapentina.
indivíduos com epilepsias generalizadas ge-
néticas (idiopáticas) e crises controladas, nos Contribui para a ocorrência de hiponatremia a
quais o lítio desencadeou convulsões genera- combinação de antiepilépticos entre si (incluin-
lizadas imediatas. do a vigabatrina) e com outros fármacos, como
diuréticos, sulfonilureias, lítio, ISR-5HT, inibi-
A prescrição de antidepressivos em portado- dores da monoamino-oxidase, fenotiazínicos,
res de epilepsia deve ser acompanhada por haloperidol, alfainterferon e claritromicina
algumas preocupações, entre elas: para a carbamazepina e inibidores da enzima

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e p i l e p s i a e co m o r b i d a d e s c l í n i c a s

conversora da angiotensina (IECAs), diuréti- drogas ou a refratariedade ao tratamento an-


cos, bloqueadores de canais de cálcio e aspiri- tidepressivo. Já em adultos, o comportamento
na para a oxcarbazepina42. Ante a ocorrência suicida parece ser mais relacionado à depres-
de hiponatremia, sempre que possível, deve-se são grave e à ideação suicida frequente.
modificar a coterapia predisponente e/ou tro-
car o medicamento antiepiléptico por outro No que tange à precipitação de comporta-
menos propenso a induzi-la, como a fenitoína. mento suicida pelos antidepressivos em ado-
lescentes, concorre uma alta dose inicial, pa-
O perfil de pacientes que desenvolvem hi- recendo ser o risco maior para a venlafaxina,
ponatremia na vigência de antidepressivos intermediário para a fluoxetina e baixo para
é basicamente o mesmo daqueles que desen- a mirtazapina, o escitalopram e o citalopram.
volvem hiponatremia por antiepilépticos. Da Já em adultos, tal risco parece ser maior na-
mesma forma, diuréticos, IECAs, laxantes, queles que utilizam mirtazapina, venlafaxi-
baixo peso corporal e doenças sistêmicas con- na, mirtazapina e trazodona44. Conforme
correm como coadjuvantes43. No manejo da mencionado anteriormente, uma vez identi-
hiponatremia induzida por antidepressivos, ficado o risco de suicídio, é importante que os
deve-se atentar para a solução de outros fa- familiares do paciente sejam informados da
tores precipitantes e, sempre que possível, necessidade de apoio e vigilância e que o pa-
substituir o antidepressivo envolvido por um ciente seja encaminhado para avaliação espe-
tricíclico ou mirtazapina. Sempre que neces- cializada e/ou unidade de internação psiquiá-
sária, a correção de hiponatremia, por via trica para receber o manejo adequado.
endovenosa, deve ser cuidadosa para evitar a
precipitação de mielinólise pontina. Para concluir, vale uma palavra sobre o uso do
neuroestimulador do nervo vago (VNS) como
A precipitação de comportamento suicida por tratamento não apenas da epilepsia, mas tam-
antidepressivos parece ser de natureza mul- bém de depressão e órtese terapêutica, com a
tifatorial e postula-se que envolva aspectos qual se conta hoje com a experiência de mais
farmacodinâmicos, farmacocinéticos e noso- de 30 casos45. Não apenas VNS é efetivo no
lógicos, assim como possíveis efeitos colate- tratamento da epilepsia em 75% a 85% dos
rais como a insônia. Para pacientes com idade pacientes implantados46, mas também o é no
inferior a 25 anos, são fatores de risco o abuso tratamento da depressão, com taxas de res-
de substâncias, a agressividade impulsiva, a posta em portadores de depressão refratária
automutilação, a ideação suicida frequente, que variam de 15% a 44%47, daí sua aprovação
os conflitos familiares, o abuso de álcool e pela FDA para essa condição.

Tratando portadores de epilepsia associada a


eventos não epilépticos psicogênicos
Ignorados na maioria dos textos que versam tos não epilépticos psicogênicos são episódios
sobre comorbidades das epilepsias, os even- paroxísticos de diminuição do autocontrole,

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e p i l e p s i a e co m o r b i d a d e s c l í n i c a s

associados a uma variedade de manifestações Quando presentes em homens, amiúde estão


motoras, sensoriais e mentais, as quais repre- envolvidos problemas relativos ao ambiente
sentam respostas de sensações ou de compor- de trabalho. Sua suspeita deve ser baseada
tamentos para situações de desconforto emo- em sinais e sintomas positivos ou negativos,
cional ou social48. os quais foram simplificados por De Paola
et al. em um teste à beira de leito que inclui
Para se ter uma ideia de sua frequência, olhos fechados, movimentos cefálicos de um
perfazem até 12% dos casos de epilepsia re- lado para outro, movimentos fora de fase dos
cém-diagnosticada, 18% dos casos de crises membros, opistótono, movimentos corporais
em pronto-atendimentos, 24% dos casos em rotatórios e curso flutuante como caracte-
unidades de monitorização videoeletroence- rísticos de eventos não epilépticos psicogêni-
falográfica e 50% dos casos de estado de mal cos51. Indivíduos com epilepsia podem apre-
epiléptico refratário, daí ser incompreensível sentar eventos não epilépticos psicogênicos,
que o tempo para seu diagnóstico seja em mé- estando suas crises epilépticas controladas ou
dia de sete anos49. não52. Os diagnósticos psiquiátricos subjacen-
tes a essa condição são bastante variados53, o
Seus principais fatores de risco são gênero fe- que dificulta uma abordagem única, sendo,
minino com história de abuso de natureza se- assim, recomendado que tais pacientes sejam
xual ou não ou eventos traumáticos maiores, manejados por um psiquiatra experiente e
principalmente se ocorridos na infância50. uma equipe multiprofissional.

Tratando portadores de epilepsia associada à psicose


É aceito que as diversas psicoses representam centes com epilepsia, 5,4%. O risco de psicose
uma maior organicidade do que as demais em pessoas com epilepsia foi de 7,83%54.
condições psiquiátricas. Portanto, não sur-
preende que condições psicóticas ocorram em Ainda que a epilepsia possa ocorrer associa-
associação com epilepsias. Em geral, a taxa da à psicose esquizofreniforme comórbida,
de prevalência de psicoses em pacientes com as manifestações psicóticas relacionadas às
epilepsia é de 5,6% e 5,4% quando excluídas as epilepsias costumam ser diferentes daquelas
psicoses pós-ictais. em não epilépticos. Kanner e Rivas-Graja-
les comentam que a forma mais comum de
Como era de se esperar, a prevalência de psi- psicose interictal associada à epilepsia é um
coses em pacientes com epilepsia do lobo tem- transtorno esquizofreniforme, com melhor
poral foi de 7%, ou seja, maior do que a pre- personalidade pré-mórbida, menos delírios e
valência geral de psicoses. A prevalência de alucinações mais brandas do que portadores
psicose interictal foi de 5,2% e a de psicose pós de esquizofrenia54. Além disso, portadores
-ictal, 2%. Já a prevalência de psicose em pa- de psicose interictal relacionada à epilepsia
cientes com epilepsia e limitação intelectual apresentam sintomas negativos ausentes ou
comórbida foi de 7,4% e em crianças e adoles- brandos e se mantêm conectados ao meio.

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e p i l e p s i a e co m o r b i d a d e s c l í n i c a s

As manifestações podem ter curso intermi- (praticamente os atualmente prescritos), sen-


tente, com os períodos sintomáticos durando do a carbamazepina, no entanto, considerada
aproximadamente um ano e meio, podendo um fármaco protetor e o levetiracetam, a la-
se estender até quatro anos. Quanto aos epi- motrigina e o valproato, fármacos de risco55.
sódios psicóticos pós-ictais, caracterizam-se
pela heterogeneidade dos sintomas, os quais Sintomas psicóticos também podem emergir
variam de delírios psicóticos a quadro de psi- pela retirada de medicamentos antiepilép-
cose maníaca ou hipomaníaca. Habitualmen- ticos, principalmente se estes estiverem de-
te, os sintomas iniciam após um intervalo de sempenhando o papel de estabilizadores do
12 horas a sete dias da crise, podendo durar humor ou no caso de essa retirada ser abrup-
até três meses. ta e o medicamento for um benzodiazepínico.
Psicoses podem emergir após o tratamento
Em geral, são quadros que respondem bem cirúrgico das epilepsias, particularmente da
aos antipsicóticos. Já a normalização forçada lobectomia temporal. Ainda que o quadro
é a emergência de manifestações psicóticas, psiquiátrico pré-mórbido seja um fator de ris-
desencadeada pelo controle das crises epilép- co, casos novos podem emergir como conse-
ticas. Os sintomas são de um delírio paranoide quência tanto do procedimento como do con-
sem turvação da consciência e rico em sinto- trole das crises54.
mas afetivos. O tratamento dessa condição é
controverso e compreende a redução das do- Estudos mais antigos apontavam o uso de an-
ses de antiepilépticos, o uso de antipsicóticos tipsicóticos como fator predisponente para a
e a eletroconvulsoterapia54. Diversas formas ocorrência de crises em portadores de epilepsia.
de psicoses iatrogênicas podem ocorrer em Esse ponto de vista não encontra respaldo na
portadores de epilepsia, dentre elas aquelas literatura mais recente, a qual aponta para um
desencadeadas por fármacos antiepilépticos efeito sinérgico entre alguns medicamentos

Tabela 7. Fatores de risco para o desencadeamento de


crises epilépticas por antipsicóticos em portadores de epilepsia56.

1. Uso de clorpromazina ou clozapina

2. História de epilepsia

3. Traçado eletroencefalográfico anormal

4. História de doença do sistema nervoso central

5. Titulação rápida do antipsicótico

6. Altas doses do antipsicótico

7. Presença de outros medicamentos que reduzam o limiar convulsivo

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e p i l e p s i a e co m o r b i d a d e s c l í n i c a s

antipsicóticos e antiepilépticos no controle das Ainda que o neurologista possa fazer o aten-
crises. Esse sinergismo parece ser mais mar- dimento inicial de um portador de epilepsia
cado para os antipsicóticos de terceira geração com sintomas psicóticos, o ideal é que esse
e menor para os antipsicóticos de primeira ge- atendimento seja compartilhado com um co-
ração. No entanto, existem alguns fatores de lega psiquiatra, haja vista as sutilezas existen-
risco que predispõem à ocorrência de crises tes no tratamento.
desencadeadas por antipsicóticos. Tais fatores
estão dispostos no tabela 7. Neste artigo, tentei abordar temas que julguei
importantes para a prática neurológica clíni-
Ainda que os antipsicóticos sejam essenciais ca e de cujo conhecimento acredito que todo
no controle dos sintomas psiquiátricos e pos- o profissional se beneficiaria. É desnecessário
sam ter um efeito sinérgico com os medica- dizer que a quantidade de informações dispo-
mentos antiepilépticos no controle das crises, níveis é muito maior do que aquela aqui dis-
deve-se sempre lembrar que essa coterapia posta e que traz um viés pessoal. Espero que
traz implícita a possibilidade de interações, esta modesta contribuição sirva para atiçar a
de efeitos adversos supra- aditivos e também curiosidade dos leitores e que os estimule a
uma maior carga para o sistema enzimático aprofundar seus conhecimentos no tema.
hepático, uma vez que alguns antipsicóticos
dividem rotas metabólicas comuns com os
antiepilépticos.

Essa sobrecarga metabólica pode trazer con-


sequências de natureza hematológica e/ou Agradecimentos: o autor agradece a Marli
hepática, entre outras, tornando necessário Aico Ataka Uchida pela revisão da formata-
um controle laboratorial periódico nesses ção e a Dr. Marcelo Daudt Von der Heyde pe-
pacientes. los comentários e contribuição.

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e p i l e p s i a e co m o r b i d a d e s c l í n i c a s

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e p i l e p s i a e co m o r b i d a d e s c l í n i c a s
Neil, UCB

Somos dedicados.
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