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Novidades penais de 2017: alterações legislativas (Lei 13.

497/2017)
O ano de 2017 fora “recheado” de importantes novidades para o direito penal, para o
direito processual penal e mesmo para o direito penal militar, tendo havido relevantes
alterações legislativas, edição de súmulas e publicação de decisões marcantes para as
referidas áreas.

Todas as principais novidades havidas foram tempestivamente abordadas em artigos e


comentários dos colunistas deste Canal, porém, entendemos por bem, neste início de
ano, retomar algumas delas, destacando as possibilidades que surgem na seara
defensiva e acusatória, bem como aprofundando as discussões que exsurgem após a
vigência de tais novidades.

Na coluna de hoje vamos tratar das alterações promovidas pela pequenina Lei 13.497,
promulgada 26 de outubro de 2017, ou seja, em vigor há 3 (três) meses e que, com seus
apenas 2 (dois) artigos impactou não só na Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956, que
define e pune o crime de genocídio, como diretamente na Lei 8.072, de 25 de julho de
1990, que trata dos crimes hediondos, especificamente no que toca à posse ou porte de
arma de fogo de uso restrito, para incluir tal conduta no rol taxativo dos crimes
hediondos. Disso trataremos aqui hoje.
Diz o artigo 1º, da Lei 13.497/2017:

Art. 1º. O parágrafo único do art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a
vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º ...................................................................

Parágrafo único. Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos


arts. 1º, 2º e 3º da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal
de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro
de 2003, todos tentados ou consumados.”

Numa primeira análise, menos atenta, podemos afirmar – erroneamente – que o artigo
1º da Lei em análise é claro e objetivo na sua determinação, já que diz, com todas as
letras que passa a ser crime hediondo o “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826”. Tal afirmação cai por terra ao olharmos
com mais cautela a referida redação legal. Vejamos:

O artigo diz que “Consideram-se também hediondos o crime de (…) posse ou porte ilegal
de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro
de 2003, todos tentados ou consumados.”
Ocorre que o artigo 16, da Lei 10.826/2003 traz não só o tipo previsto no caput, mas
também aqueles previstos no seu parágrafo único e que são tidos como delitos
equiparados ao de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, quais sejam, (i)
suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de
fogo ou artefato; (ii) modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la
equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de
qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; (iii) possuir, detiver,
fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar; (iv) portar, possuir, adquirir,
transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal
de identificação raspado, suprimido ou adulterado; (v) vender, entregar ou fornecer,
ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou
adolescente; e (vi) produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar,
de qualquer forma, munição ou explosivo.
Nesse cenário surge a seguinte questão: estaria a Lei 13.497/2017 incluindo no rol do
crimes hediondos apenas o tipo previsto no caput do artigo 16, da Lei 10.826/2003 ou o
artigo 16 como um todo, inclusive seu parágrafo único? E com isso, afinamos a
questão: somente o tipo penal de “possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter
em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou
restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”
(conhecido como posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), tipificado
no caput passou a ser crime hediondo ou todos os tipos previstos no artigo 16 estariam
também compreendidos na redação do artigo 1º, da Lei 13.497/2017 e, portanto,
passariam a integrar o rol taxativo de crimes hediondos (artigo 1º, da Lei 8.072/90)?
Para abrir a reflexão posta, devemos lembrar que, no Brasil, utiliza-se o critério legal de
conceituação de crimes hediondos, pelo que, só é crime hediondo aquele que está no rol
taxativo do art. 1º, da Lei dos Crimes Hediondos. Eis o critério legal.
Atualmente já temos na doutrina duas posições formadas. Uma primeira, de autoria
do Prof. Rogério Sanches, entende que, como a Lei 13.497/2017 se referiu ao artigo 16
da Lei 10.826/2003 de forma genérica, sem limitação ao caput, abrangeria, portanto, o
parágrafo único e, consequentemente, os tipos ali previstos.
De outro lado temos a posição esposada pelo Prof. Henrique Hoffman, que defende que,
se a Lei quisesse ter incluído o parágrafo único, do artigo 16, da Lei no 10.826/2003, no
rol dos crimes hediondos, deveria ter sido expressa, em observância, exatamente, ao
critério legal de conceituação de crimes hediondos adotado pelo Brasil. Se não o fez é
porque não queria que as condutas equiparadas fossem consideradas hediondas.
Diante das posições até então existentes, entendemos que a mais adequada e criteriosa
aos princípios reitores do direito penal é aquela defendida pelo Prof. Henrique Hoffman,
vez que, não só observa o já referido critério legal de conceituação de crimes hediondos,
como também parece ser a mais ajustada ao que já é praxe na própria Lei dos Crimes
Hediondos.

Veja-se: quando a lei dos crimes hediondos quis incluir determinado tipo penal previsto
em um parágrafo de determinado artigo, como, por exemplo, ocorre com o crime de
latrocínio (previsto no art. 157, §3º, do CP) o fez de forma expressa, como podemos ver
no inciso II, do artigo 1º, da Lei 8.072/1990; de outro lado, também o fez de forma
expressa a Lei quando quis afetar um tipo de forma genérica, incluindo todos os demais
tipos contemplados em seus incisos, como ocorre, por exemplo, com o crime de estupro,
que, na Lei 8.072/1990 vem incluído no rol do artigo 1º, especificamente no inciso V, de
forma expressa, estando assim redigido:

“Art. 1º. São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-
Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (...) V
- estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º);”.

Veja-se, portanto, que a Lei dos Crimes Hediondos é sempre clara em indicar exatamente
qual o tipo penal que está ali sendo inserido, se o tipo específico ou se todos os crimes a
ele equiparado de forma genérica.
E tal cuidado não se observa na Lei de 2017 que, quedou-se inerte em apontar,
claramente, se estaria a incluir o tipo do artigo 16 caput apenas ou se todos os demais
tipos (equiparados) que compõe o artigo 16 da Lei 10.826/2003, incluído ai seu
parágrafo único, violando, portanto, o já explicitado critério legal de conceituação de
crimes hediondos, e, por via indireta, violando o próprio princípio da legalidade, basilar
ao direito penal.
O assunto ainda está a efervescer e deverá começar a ganhar seus reais contorno
quando as primeiras decisões judiciais foram proferidas pelos Tribunais.

Na atual conjuntura adotamos, como dito, a posição que exclui do rol dos crimes
hediondos aqueles previstos no parágrafo único do artigo 16, da Lei 10.826/2003,
equiparados ao de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, tipificado
no caput do referido artigo, compreendendo que a nova Lei 13.497/2017, ao alterar a
norma que trata dos crimes hediondos, deve observar os princípios e critérios que
informam a referida lei e o direito penal como um todo, devendo ter sua interpretação
realizada com observância a estes princípios e critérios, sob pena de se realizar uma
interpretação legal disforme com a sistemática penal e constitucional, violando
frontalmente as diretrizes penais e a própria supremacia da dignidade da pessoa
humana, fim último do sistema penal.

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