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Seminário

Cimentos e Concretos - 1900 a 2008


Notas de aula – Prof. Eduardo Thomaz

Tema: Concreto, uso, fissuração e deterioração

● Roteiro
1 – Introdução
2 – Principais compostos do cimento Portland
3 – Evolução da sua composição ao longo do tempo
4 – Principais problemas decorrentes de sua composição
5 – Possíveis soluções para os problemas atuais
6 – Conclusão

1 – Introdução
O concreto pode ser definido basicamente como o resultado da mistura de
água, aglomerante, e agregados graúdos e miúdos, e em casos excepcionais aditivos
e adições. Sendo o aglomerante o cimento, ao ser hidratado este forma uma pasta
resistente e aderente aos fragmentos de agregados graúdos e miúdos
(respectivamente pedra e areia), formando um bloco monolítico.

Fonte:
Equipe de obra, 2012.

Hoje o concreto é considerado o segundo material mais consumido no


mundo, somente no Brasil em torno de 90% das construções existentes o usa como
material principal nas estruturas. Dentre suas principais características podem ser
destacadas a durabilidade, versatilidade e alta resistência à agentes externos.
Como inúmeros outros materiais existentes, o concreto é um material que
evoluiu ao longo do tempo, principalmente em função da evolução da indústria
cimentícia e do mercado da construção civil.
Com as modificações sofridas ao longo do tempo, foram surgindo também
problemas que tem se agravado cada vez mais, seja por descuido ou
desconhecimento. Dos acontecimentos mais comuns, em torno do mundo inteiro,
tem-se atenção especial pela fissuração e deterioração do concreto. Surgem o tempo
todo questionamentos relacionados às possíveis causas de tais problemas, bem
como a quem pertence a responsabilidade, além de quais medidas cabíveis devem
ser tomadas para solucionar tais adversidades.
Para entender melhor essas eventualidades é imprescindível que se conheça
mais sobre o seu principal componente, que no caso é o cimento Portland.

2 – Principais compostos do cimento Portland

Quatro compostos são destacados como os principais constituintes do


cimento, os que se dividem em dois grupos: silicatos e aluminatos.

Silicato tricálcico → C3S


Silicato dicálcico → C2S
Aluminato tricálcico → C3A
Ferroaluminato tetracálcico → C4AF

A seguinte imagem obtida por meio de micrografia ótica com luz refletida
mostra o clínquer do cimento Portland não hidratado. Por meio dela é possível
visualizar cada um dos quatro compostos que o compõe. É perceptível que os
silicatos, C3S e C2S, se apresentam na composição com maior percentual, e são
ainda considerados os compostos mais importantes uma vez que são os
responsáveis pela resistência da pasta de cimento hidratada.
Os cristais em formato hexagonal e de coloração amarela são o C3S,
chamada de alita. Já os cristais arredondados e de coloração mais escura são C2S,
conhecidos também como belita. Já a massa existente entre os grãos de alita e
belita, é composta por C3A e C4AF (aluminato tricálcico e ferroaluminato
tetracálcico).

Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.

Vale ressaltar que cada um destes quatro compostos principais mostrados,


apresentam propriedades e características particulares.
 C3S (silicato tricálcico) – Alita
Presente em maior quantidade, é responsável pela ganho de resistência e
endurecimento das primeiras idades. Apresenta alto calor de hidratação.
 C2S (silicato dicálcico) – Belita
Se apresenta em menor quantidade que o silicato tricálcico, é responsável
pelo ganho de resistência em idades mais avançadas. Apresenta baixo calor de
hidratação.
 C3A e C4AF (aluminato tricálcico e ferroaluminato tetracálcico)
É a fase intersticial, que preenche os espaços entre os cristais de alita e
belita. O C3A reage rapidamente com a água, sendo considerado o elemento mais
reativo. Já o C4AF, tem papel importante na resistência química, principalmente ao
ataque por sulfatos.

2.1 – Hidratação dos componentes

Como os grãos dos cimentos atuais são cada vez mais finos, a hidratação é
mais rápida e a resistência inicial é maior. Com foco nos silicatos que são a maioria
da composição, o C3S se hidrata muito mais rápido que o C2S. Eles se comportam
durante o processo de maneira semelhante, diferindo-se na quantidade de calor e de
hidróxido de cálcio liberados (cal hidratada), e também na velocidade da reação.

A primeira é mais rápida, libera mais calor e mais cal, quando comparada à
segunda.
Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.

Esse gráfico ilustra bem como cada um dos compostos se comportam em


relação à liberação de calor durante a hidratação. Comparando os dois silicatos, no
mesmo intervalo de tempo (em dias) a diferença em relação ao calor liberado é
considerável.
Visto que cada um dos componentes apresenta particularidades, cada um
deles apresenta ganho de resistência específico ao longo do tempo, como pode ser
visto no gráfico a seguir.

Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.


As diferenças e particularidades das reações de hidratação e ganho de
resistência, trazem consequências que serão vistas posteriormente no item que se
refere aos problemas decorrentes de sua composição química.

3 – Evolução da sua composição ao longo do tempo

Desde que foi desenvolvido, o cimento passou ao longo dos anos por
processo de evolução e alteração de sua composição inicial. Até por volta do ano de
1930, a matéria prima e os grãos de cimento Portland tinham granulometria maior,
portanto área superficial menor, o que fazia com que a hidratação e o ganho de
resistência se acontecessem de forma mais lenta, aumentando nas idades mais
avançadas.
Além disso, na mesma época, o percentual de C3S (silicato tricálcico) girava
em torno de 30%. Já na década de 70, esse percentual subiu para 50%, além do
índice de finura ter aumentado.
Nos dias de hoje se tem no mercado cimentos com uma finura cada vez
menor, e a quantidade de C3S está entre 60% e 70%, em contrapartida a quantidade
de C2S, está cada vez menor.
Essas novas características permitiram que o cimento desenvolvesse altas
resistências já nas primeiras idades. Como alguns exemplos comparativos, temos a
construção de obras importantes no Rio de Janeiro na década de 50, com fck aos 28
dias de 15 MPa. A evolução pode ser percebida, pois também no Rio de Janeiro, na
década de 60, pontes e viadutos já foram construídos, com fck de 24 Mpa também
aos 28 dias.
Para ilustrar o que foi dito vamos mostrar dois gráficos que mostram como
os percentuais dos silicatos foram se alterando com o passar dos anos.
Primeiramente em relação ao C2S que é o composto que contribui para um
endurecimento lento com baixo valor de hidratação e baixa resistência inicial, nota-
se que com o passar dos anos o seu teor vem diminuindo.
Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.

Já em relação ao C3S, que é o composto responsável pelo endurecimento


rápido, alta resistência inicial e liberação de alto calor de hidratação, sua quantidade
vem aumentando consideravelmente com o passar dos anos.

Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.

Esse cenário atual da composição do cimento tem implicações diretas nos


concretos utilizados, o que será visto a seguir.

4 – Principais problemas decorrentes de sua composição


Segundo Kurt e Peray, os problemas dos cimentos com essa maior
quantidade de C3S, já começam no processo de queima durante a produção. O
elevado percentual de C3S faz com a mistura seja de difícil queima, gerando pouco
material fundido, que formaria o revestimento móvel das paredes do forno. O
material refratário do revestimento fixo do forno é destruído. Além disso, a parede
de aço do forno acaba perdendo muito calor, reduzindo assim sua eficiência
térmica. O que foi citado pode ser visto nas figuras a seguir.

Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.

É importante ressaltar, que como impacto direto dos novos tipos de cimento
no mercado, se tem concretos mais resistentes já nas primeiras idades. A taxa de
crescimento da resistência do cimento até os 7 dias é maior hoje, e a relação entre a
resistência de 7 a 28 dias muda minimamente, isso levando em conta a proporção
entre C3S e C2S e o maior teor de álcalis nos cimentos atuais, além da finura do
cimento.
Um concreto atual que possui a mesma resistência de um concreto antigo
aos 28 dias pode ser fabricado com um fator água/ cimento maior e um teor de
cimento menor. Essas mudanças resultaram em um concreto mais poroso e
permeável, o que o deixa mais sensível à carbonatação, e mais propício ao ataque
de agentes agressivos, se tornando um concreto menos durável.
O ganho de resistência inicial mais rápido dos novos concretos proporciona
uma desforma mais rápida, ocasionando que a cura úmida efetiva seja interrompida
em uma idade inicial muito baixa do concreto, levando a consequências que podem
ser graves na estrutura.
Tratando-se sobre a temperatura, a maior presença de C3S e de C3A
impactam diretamente na liberação total do calor de hidratação do cimento. A
liberação de calor pelos cimentos é muito rápida, o que faz com que o concreto
fique aquecido, e quando é resfriado rapidamente, este vem a fissurar. Portanto em
ordem de prevenir a fissuração o concreto deve ser resfriado antes e depois de seu
lançamento, o que raramente acontece.
A composição do cimento com maior teor de C3S e de C3A gerando um
concreto mais poroso, deixa esse concreto suscetível a retirada do Ca(OH) 2 por
dissolução, além do ataque de águas acidas aos silicatos hidratados e o ataque de
aguas sulfatadas ao aluminato formando a etringita expansiva (Sal de Candlot).
As seguintes imagens mostram a retirada do Ca(OH)2 por dissolução,
fenômeno conhecido por Lixiviação, formando assim eflorescência.

No seguinte caso tem-se o ataque de águas ácidas aos silicatos hidratados e


a dissolução da pasta de cimento.
Neste caso temo o efeito da etringita expansiva (Sal de Candlot).

Dentre alguns dos problemas consequentes dos novos tipos de cimento estão
a despassivação e seguinte corrosão da armadura e desplacamento do concreto,
devido à carbonatação ou atmosferas marinhas.
As próximas imagens mostram o caso de uma estrutura de concreto armado
em meio urbano que sofreu com as ações da carbonatação, se encontrando com o
concreto deteriorado e as armaduras oxidadas.
Já no seguinte caso é apresentada a Corrosão das armaduras por íons de
cloreto.
Há também a infiltração de água pelas fissuras, criando um ambiente
favorável ao desenvolvimento de microorganismos.

Pavimentos de concreto feitos com os cimentos atuais de alto teor de C3S


terão sempre muitas fissuras causadas por um resfriamento rápido do concreto, logo
após seu forte aquecimento inicial, causado pela rápida hidratação do cimento e
pela perda de água também.
O tempo de pega deveria ser bem especificado e obedecido, com pequena
margem de variação. Como está, o início e fim de pega entre 1 hora e 12 horas, é
inadmissível. Nesse intervalo de tempo tudo é permitido acontecer. Nada é possível
planejar. Caso contrário continuarão a ocorrer grandes problemas na execução de
pisos sobre o solo, pavimentos de concreto e de peças estruturais com grandes
quantidades de concreto.

5 - Precauções a serem tomadas

Para evitar esses problemas que vem surgindo decorrentes da composição e


das características do cimento nas últimas décadas, existem várias medidas que
podem e devem ser tomadas, tanto em relação à produção do cimento propriamente
dita, como também na execução das obras de concreto. Alguns exemplos são
citados a seguir:
 Redução do teor de C3S e C3A;
 Aumento do tamanho dos grãos de cimento;
 Usar barreiras isolantes térmicas de forma a prevenir a retração
térmica;
 Para grandes volumes de concreto utilizar gelo raspado;
 Resfriar os caminhões betoneiras antes do carregamento;
 Preferir horários de concretagem onde a temperatura ambiente seja
menor;
 Monitorar a temperatura interna do concreto com termopares;
 Monitorar para que a temperatura não ultrapasse os 60ºC e aconteça
a formação atrasada de etringita;
 Optar por formas de madeira ou de materiais plásticos, pois as
formas metálicas resfriam rapidamente o concreto;
 Realizar a desforma somente após uma redução lenta da temperatura
do concreto e quando a temperatura do concreto não ultrapassar 15º C a mais do
que a temperatura ambiente.;
 A cura do concreto deve ser feita rigorosamente até no mínimo os 14
dias de idade;
 Tomar cuidado com a retração plástica, ela acontece principalmente
em pisos, ou em estruturas que possuem grande volume de concreto. As fissuras
surgem por retração plástica devido à perda de fluidez causada pela perda de água
nas primeiras horas;
 Cuidar para que não haja excesso de escória, pois esta leva um certo
tempo para reagir. Películas e resinas impermeabilizantes pouco ajudam, elas só
previnem a perda de água para a atmosfera.

6 - HBC – Cimento com alto teor de C2S

Como novidade no mercado, tem-se o cimento com Alto Teor de Belita


(HBC). No Brasil ele não é muito comum, ao contrário da China que vem de
destacando como pioneira nessa produção. A composição desse cimento é bem
parecida com os cimentos que existiam há algumas décadas atrás, uma vez que o
seu teor é de C3S é bastante reduzido, em torno de 20% a 30%. O principal
componente dessa tipologia de cimento é o C2S, que representa de 50% a
60%. Devido a essas características em sua composição, ele é utilizado para
reduzir o calor de hidratação.
O gráfico a seguir ilustra bem essa diferença de composição dos cimentos
que já existem em comparação com esse novo cimento que vem sendo
desenvolvido na China.
Fonte: Prof. Eduardo C. S. Thomaz.

7 - Conclusão

Quando a exploração dos concretos de alta resistência se iniciou, as diversas


consequências de se produzir esse tipo de concreto não foram analisadas, por não
serem de interesse dos construtores. As especificações foram elaboradas tendo por
base apenas o controle da resistência aos 28 dias estimulando o uso de concretos de
alta resistência inicial, e chegou-se a um ponto onde a resistência de alguns corpos
de prova de concreto aos 90 dias ser menor do que a resistência aos 28 dias, criando
a necessidade do controle da resistência aos 90 dias.
Isto mostra que alguma coisa está errada nas nossas normas, no que se
refere às exigências feitas para garantir a durabilidade do concreto. O concreto
moderno é um concreto mais poroso e menos durável e comparando com os
concretos antigos, os concretos modernos tendem a fissurar mais facilmente. Tem
ocorrido deterioração prematura de estruturas de concreto, mesmo quando se segue
o estado da arte no método de construção.
Com o aumento das manifestações patológicas, tem aumentado também as
ações na justiça em defesa do consumidor, acarretando o aumento de gastos com
manutenção, de forma a tentar reduzir o envelhecimento precoce e trazer melhorias
na qualidade da estrutura, e tem um aumento também de indenizações aos usuários
das obras.
Muitos cimentos comuns hoje em dia eram considerados de endurecimento
rápido poucas décadas atrás, além de que o fato do concreto estar quente é algo que
não acontecia. Então ou mudam os cimentos, ou mudam os processos de execução
das obras, ou as obras continuarão a se deteriorar rapidamente.
A questão é que sofisticar os atuais processos de execução é muito caro,
enquanto mudar os cimentos seria mais barato. Logo, enquanto não for mudado o
tipo de cimento para um cimento de muito baixo calor de hidratação, pouco mudará
nesse panorama.
É preciso empregar a tecnologia a favor da construção e não para dar o lucro
máximo aos produtores de cimento, devendo-se pensar em como promover e
estimular a perseguição da qualidade, na indústria do cimento e nas concreteiras.
Diante do cenário atual, onde existem vários tipos de cimentos disponíveis
no mercado, o desconhecimento sobre o assunto pode gerar inúmeros impasses e
problemas, tornando de extrema importância que os profissionais envolvidos no
processo tenham o conhecimento necessário, ainda mais na hora de especificar o
concreto que atende às exigências de projeto não só pela resistência a ser

8 - Referências

Material baseado na apostila “Cimentos e Concretos – 1900 a 2008” do


professor Eduardo Thomaz

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