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CORTES COMERCIAIS EM CARCAÇAS OVINAS

Paulo Afonso Carvalho 1


Juan R. O. Pérez2

1 INTRODUÇÃO

A exploração ovina como fonte de alimento vem se

intensificando com o passar do tempo. O que antes se constituía em

um sistema de sobrevivência familiar, agora passa a ser um

esquema de produção industrial que tem requerido uma análise

mais consciente de suas aptidões produtivas dentro de um contexto

definido.

A realidade econômica e o permanente aumento da

competitividade entre e dentro dos setores de produção e

comercialização fazem com que, cada vez mais, seja necessário o

uso empresarial e não mais artesanal dos recursos produtivos.

O desenvolvimento da ovinocultura de corte, mediante a

comercialização da carne de cordeiros com características

superiores de carcaça, é uma realidade verificada nos últimos anos.

Todavia, ainda existe uma carência de informações a respeito da

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1.Zootecnista, M. Sc. Aluno de Doutorado DZO/UFLA
2. Professor de Ovinocultura DZO/UFLA
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forma de apresentação do produto final, de acordo com a utilização

do mesmo.

São necessários à descrição e o estabelecimento de sistemas

de corte que valorizem a carcaça e a carne ovina, conforme os

hábitos e costumes do local onde o produto será consumido.

Na conjuntura atual, em que os segmentos desse mercado

estão abertos e receptivos, as ações tomadas que aproveitem o

momento podem ser de fundamental importância no rumo da

ovinocultura. Para alcançar uma definição clara do tipo de produto e

padronização da qualidade da carcaça e da carne oferecida ao

consumidor, é preciso um esforço conjunto dos produtores, das

associações de criadores, da indústria transformadora, como,

também, do sistema de pesquisa para gerar um volume de

informações consistentes como base desse processo.

Nesse sentido, a criação de ovinos “tipo carne” constitui-se em

uma importante fonte de riqueza, dada as condições que se

verificam, carecendo apenas de um trabalho de esclarecimento e

marketing sobre a carne ovina de qualidade.


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2 DIVISÃO DA CARCAÇA OVINA EM CORTES


COMERCIAIS

As carcaças podem ser comercializadas inteiras, ½ carcaça ou

sob a forma de cortes. Nesse conte xto, é importante a boa

apresentação do produto para a comercialização.

Conforme Santos e Pérez (2000), o sistema de corte realizado

na carcaça deve contemplar aspectos como a composição física do

produto oferecido (quantidades relativas de músculo, gordura e

osso), versatilidade dos cortes obtidos (facilidade de uso pelo

consumidor) e aplicabilidade ou facilidade de realização do corte

pelo operador que o realiza.

De acordo com Pilar (2002), os distintos cortes que compõem a

carcaça possuem diferentes valores econômicos e a proporção dos

mesmos constitui um importante índice para avaliação da qualidade

comercial da carcaça.

O tipo de corte utilizado varia de região para região e

principalmente entre países, em razão dos hábitos do seu povo,

constituindo um importante fator a ser considerado (Carvalho, 2002).


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Tal fato levou os pesquisadores a adotarem diversas formas de

seccionamento das carcaças.

..

1. Quarto; 1. Quarto;
2. Costela; 2. Costela;
3. Paleta; 3. Espinhaço
4. Paleta;
4. Pescoço
5. Pescoço
Sugestão 1: Osório, 1998. Sugestão 2: Corte de fazenda.

Figura 1: Cortes cárnicos realizados tradicionalmente em carcaças ovinas


no Estado do Rio Grande do Sul.
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O sistema gaúcho tradicional de abertura da carcaça para

churrasco é um sistema bastante difundido no sul do Brasil. A

maneira mais simples é aquela em que se procede à divisão da

carcaça ao meio, separando depois, o quarto, a costela (com ½

espinhaço aderido), a paleta e o pescoço. Outra forma de se cortar a

carcaça é pela separação do quarto, costela, espinhaço inteiro e

paleta, serrando as costelas a uma distância do espinhaço que

permita deixar nesse também o filé. Esse pode ser fatiado (subcorte)

e aproveitado para fazer a chuleta de 1ª e 2ª, conforme for a parte,

anterior ou posterior (Ucha, 1998).

Figura 2: Subcorte do espinhaço fatiado (aviãozinho), e este


novamente cortado (chuleta)
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Sugestão3:3:Ucha,
Sugestão Ucha,1998.
1998.

Figura 3: Esquema de distribuição anatômica de cortes cárnicos realizados


em carcaças ovinas no sul da França.
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O sistema de seccionamento da carcaça realizado pelos franceses

possibilita a obtenção de um maior número de cortes cárnicos do que o

comumente realizado pelos gaúchos.

Obtêm-se cortes como pernil, sela, lombo, costelas com pé, costelas do

fundo, paleta, peito e pescoço. Esses cortes, por sua vez, podem ser

seccionados originando subcortes de mais fácil utilização na culinária

doméstica. Tal procedimento, além de possibilitar um aproveitamento mais

racional da carcaça, origina produtos diferenciados que podem vir a

satisfazer necessidades de consumidores mais exigentes quanto à qualidade

e àforma de apresentação do produto a ser consumido.

Figura 4: Corte do pernil e subcorte pernil fatiado (bisteca)


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Figura 5: Corte do lombo com o vazio e subcorte lombo fatiado

Figura 6: Corte da costela com pé e subcorte costela fatiada

A aparência do produto passa a ser um fator importante para que esse

seja aceito e saia das prateleiras dos supermercados ou casas de carne com

maior facilidade, o que reflete como padrão de qualidade e versatilidade

(Santos, 2002).
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A moderna criação de ovinos, que tem por objetivo produzir

carne de qualidade, exige que os criadores optem por cruzamentos

ou raças puras especializadas para corte. Exigem-se novas formas

de desmembrar as carcaças, para obter cortes adequados que

facilitem o trabalho de culinária, melhorando, assim, o

aproveitamento da carne e proporcionando pratos mais saborosos,

em busca de uma mudança no hábito alimentar da população

(Ovinocultura, 2000).

Pescoço
Costeleta Lombo
Perna

Paleta
Costela/fralda B. posterior

B. anterior

Sugestão 4: Santos e Perez, 2000; Furusho-Garcia, 2001; Carvalho, 2002; Santos, 2002;
Pilar, 2002.

Figura 7: Método de cortes cárnicos elaborado e difundido pelo


Departamento de Zootecnia da UFLA/MG.
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1. Braço anterior; 2. Paleta; 3. Braço posterior; 4. Perna;


5. Costeleta; 6. Lombo; 7. Costela/fralda; 8. Pescoço

Figura 8: Representação dos cortes cárnicos (Departamento de Zootecnia


/UFLA) no corpo do animal

3 APROVEITAMENTO DA CARNE OVINA

A especialização dos cortes cárnicos possibilita um melhor

aproveit amento do produto pelos consumidores. É preciso levar ao

conhecimento, principalmente da dona-de-casa, outras formas de preparo da

carne ovina, que não o tradicional churrasco e a carne assada no forno. A

utilização da carne ovina na panela é uma alternativa viável capaz de

incrementar o seu consumo. Refogados, pastéis, empadas, croquetes,


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costeleta frita ou com batatas, perna desossada, bife na chapa ou à

parmegiana, coroa recheada, lombo desossado, frito ou assado são apenas

algumas das infindáveis formas de utilização da carne de cordeiro.

Figura 9: Diversificação da culinária com a carne de cordeiro

As características qualitativas da carne ovina são fatores

primordiais para a sua aceitação e introdução na culinária diária ou


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refeições informais. Todavía, Pilar et al. (2002) salientam que existe

pouca divulgação a respeito da culinária com carne ovina.

A qualidade desejável está atrelada a aspectos relacionados ao

animal e ao sistema de criação, influenciando as proporções dos

distintos tecidos (osso:músculo:gordura) na carcaça e cortes, que

por, sua vez, denotam qualidade.

Animais com idade avançada ou dietas que propiciem elevada

deposição de gordura na carcaça devem ser evitadas, sendo isso

um ponto fundamental para o consumidor moderno, que não deseja

carnes com altos teores de tecido adiposo. À medida que a idade

e/ou o peso de abate aumentam, normalmente ocorre,

concomitantemente, a produção de uma carne mais gordurosa

(Siqueira, 1990; Prado, 1999). Tais fatores devem ser considerados,

buscando uma adequação do sistema produtivo à necessidade de

mercado detectada. A qualidade desejável é um conjunto de

atributos que deve satisfazer ou superar as necessidades do

consumidor.
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A B

Figura 10: Bistecas obtidas por cortes transversais na perna de cordeiros


com diferentes graus de acabamento

As bistecas provenientes de carcaças com adequado grau de

acabamento (A) não requerem um “toilet” para preparação, ao passo que as

provenientes de carcaças muito gordas (B) requerem a operação de retirada

do excesso de gordura, para se adequar ao desejo dos consumidores. Dessa

forma, quanto mais gordura se retira, mais se reduz o peso do corte original.

Conforme Warren e Channon (1993), um aspecto importante do

rendimento comercial de uma carcaça de cordeiro é o peso de cada corte

posto à venda. Esse será afetado, obviamente, pelo peso da carcaça, assim
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como pela quantidade de gordura retirada no preparo do corte. À medida

que se incrementa o índice de acabamento das carcaças, aumenta também a

quantidade de gordura a ser extraída dos cortes.

O acúmulo de gordura ocorre quando o animal se encontra em um

balanço energético positivo e, sendo esse um nutriente de considerável valor

econômico, prima-se por sua eficiência de utilização. Portanto, o acúmulo

de elevadas quantidades de gordura, além de não ser desejável pelo

consumidor (preocupado com problemas de saúde), se torna antieconômico

no processo produtivo.

A porção comestível chamada de carne é composta por tecido

muscular e uma pequena quantidade de tecido adiposo e conjuntivo.

Observa-se que, à medida que o cordeiro se desenvolve, ocorre um

aumento da proporção de carne em relação à quantidade de osso, o

qual não é aproveitável para a alimentação humana. Entretanto,

quando se observa a elevação da quantidade de gordura em relação

à carne magra, recai-se em redução da quantidade de carne

aproveitável contida nos cortes.

Segundo Bonagurio (2001), a quantidade de gordura está

intimamente relacionada com a qualidade da carne, apresentando-


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se em quantidade variável, conforme o quanto foi depositado na

carcaça e nos diferentes cortes da mesma.

TABELA 1: Valores médios para as relações músculo:osso e músculo


gordura de cortes comerciais de cordeiros Santa Inês abatidos
em diferentes pesos.
Braço Braço Costela/
PVA Paleta Perna Costeleta Lombo
anterior posterior fralda
(kg)
---------------------- Relação músculo:osso -----------------------
15 1,1 2,9 0,7 3,0 1,2 2,0 1,9
25 1,4 3,8 1,2 4,2 1,7 2,3 2,5
35 1,2 3,6 1,0 4,0 2,2 2,5 3,1
45 1,4 3,8 1,1 4,2 2,6 2,7 3,6
------------------- Relação músculo:gordura ----------------------
15 6,3 4,2 6,3 5,7 6,0 7,3 1,7
25 7,2 3,2 7,3 5,3 4,1 5,2 1,4
35 5,8 3,6 5,6 4,4 3,1 4,1 1,3
45 6,2 2,7 4,5 3,8 2,5 3,3 1,2
Fonte: Adaptado de Santos e Pérez, 2000.

Na pesquisa referenciada na Tabela 01, Santos e Pérez (2000)

constataram um comportamento crescente para a relação músculo:osso e

decrescente para a relação músculo: gordura, com o aumento de peso dos

animais, para todos os cortes estudados, implicando em um aumento

proporcional da quantidade de músculo em relação à de osso e numa

diminuição da quantidade de músculo em relação à quantidade de gordura, à


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medida que os cordeiros se desenvolvem. A perna e a paleta foram os cortes

que apresentaram melhores relações músculo:osso e músculo:gordura, com

valores satisfatórios entre 25 e 35 kg.

Dessa forma, pode-se sugerir que seja adotada a faixa de peso vivo

entre 25 e 35 kg para o abate de cordeiros da raça Santa Inês, obtendo-se

uma carcaça que proporcionará cortes comerciais com uma melhor relação

músculo:gordura, o que propiciará uma maior eficiência produtiva e melhor

aproveitamento da carne ovina, destacando a importância dessa

quantificação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção de carne ovina de qualidade, mediante o abate de

cordeiros, deve ser incentivada, objetivando o crescimento da ovinocultura

de corte.

Dentro de uma visão moderna de realidade e perspectivas no

agribusiness, o permanente aumento da competitividade entre e

dentro dos setores requer cada vez mais uma administração

empresarial consciente dos recursos produtivos.


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É necessária a realização de mais pesquisas envolvendo o

mercado consumidor e fornecendo subsídios, como estimativa de

demanda, época e periodicidade da procura, onde e como oferecer o

produto, qual a preferência dos consumidores com relação às

formas de corte na carcaça ou de corte nos cortes (subcortes), para

facilitar no momento da culinária, de acordo com exigências do

consumidor moderno.

A divulgação efetiva e marketing a respeito da qualidade da

carne ovina e, diferentes formas de utilização, são de fundamental

importância para o estabelecimento do hábito de consumo nas

populações urbanas.
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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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mestiços com Texel abatidos com diferentes pesos. 2001. 150 p.
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Lavras, MG.

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(Doutorado em Zootecnia) - Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.

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OSÓRIO, J. C. da S.; OSÓRIO, M. T. M.; JARDIM, P. O. da C. et al.


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alometria dos cortes, em cordeiros da raça Merino Australiano e cruza
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Zootecnia) - Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.
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(Mestrado em Zootecnia) - Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.

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UCHA, D. Cordeiro na mesa. 2. ed. Porto Alegre: Palomas, 1998. 21 p.


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