Você está na página 1de 16

TERRORISMO: UMA ANÁLISE CONCEITUAL NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS

Letícia Teixeira SILVA1


Rafaela Alves do CARMO2
Heloisa PORTUGAL3

RESUMO: Análise do terrorismo como variável das relações internacionais. Refere-


se o fenômeno aos atentados sofridos pelos Estados Unidos em 11 de setembro de
2001. Considera-se a reação norte-americana e os bombardeios do Afeganistão
como estratégia inadequada de combate ao terrorismo, por desconsiderar suas
causas, que repousam nas desigualdades entre as nações e nos
descontentamentos sociais. Corresponde à negação mais violenta da moral e do
Direito. Para ser terrorismo precisa de algumas características, sendo ele também
definido por vários tipos. Terrorismo nas nações. Papel da Organização das Nações
Unidas no terrorismo. Assumir que o terrorismo é uma construção social e política
leva-nos a questionarmo-nos acerca das diferentes concepções de emancipação e
regulação social que orientam a investigação desse fenômeno.

Palavras-chave: Terrorismo. Violência. Relações Internacionais.

1. INTRODUÇÃO

Assistimos, após o "11 de setembro", a uma renovação do interesse


dos cientistas sociais pelo fenômeno do terrorismo. No entanto, a recente profusão
de artigos e estudos sobre o tema não parece ter resultado numa maior facilidade de
diálogo – científico e político –, "intra" ou interdisciplinar, sobre esse fenômeno,
possivelmente porque os cientistas sociais pouco têm refletido sobre o caráter
político e ideológico dos seus próprios conceitos e estudos. É esse o ponto de
partida deste artigo para explorar as diversas concepções sociais do terrorismo

1
Discente do 1º ano do curso de Direito da Faculdade de Ciências Gerenciais de Dracena “Centro de
Ensino Superior de Dracena”de Dracena teixeira.leticia@hotmail.com; Pesquisadora do grupo de
pesquisa: A guerra e a paz na construção do Direito Contemporâneo.
2
Discente do 1º ano do curso de Direito da Faculdade de Ciências Gerenciais de Dracena “Centro de
Ensino Superior de Dracena”de Dracena rafaalves09@hotmail.com; Pesquisadora do grupo de
pesquisa: A guerra e a paz na construção do Direito Contemporâneo.
3
Professora de Direito Internacional, pesquisadora junto a OEA – Organização dos Estados
Americanos, com linha de pesquisa A Guerra e a Paz na construção do Direito Contemporâneo.
Coordenadora do curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Dracena. Mestre em Direito
Internacional e Comunitário pela UEL – Universidade Estadual de Londrina.
helo.portugal@hotmail.com. Coordenadora do projeto de pesquisa citado e orientadora do trabalho
Para alguns, o terrorismo existe na mente dos observadores,
dependendo da visão política e da nacionalidade de cada um. Para outros, o
terrorismo consiste em ato criminoso (ou atos criminosos), de acordo com as leis de
toda sociedade civilizada.
Interessante, desde logo, é a perspectiva de alguns investigadores,
que renunciam a apresentar a sua definição de terrorismo, alegadamente porque o
identificam como um fenômeno histórico, contextualmente situado, que se
transforma ao longo dos tempos. Todavia, desenvolvemos neste artigo o terrorismo
desde o século XIV até atualidade.
Pelo fato do terrorismo ser um assunto polêmico, de grande
preocupação mundial e de difícil resolução, relatamos aqui seus aspectos mais
relevantes.
Este artigo visa a explorar esse mesmo caráter político e de construção
social do terrorismo, na diversidade das suas concepções, procurando entender as
lógicas de regulação e/ou emancipação social que orientam estas conceituações
nas diferentes áreas disciplinares.

2. TERROR DO TERRORISMO: UMA ANÁLISE DO CONCEITO

O radical “terror”, cuja derivação sintática originou a expressão


terrorismo, teria aparecido pela primeira vez no idioma francês (terreur) em
1335,para designar “um medo ou uma ansiedade extrema correspondendo, com
mais freqüência, a uma ameaça vagamente percebida, pouco familiar e largamente
imprevisível”. No Dicionário de Política, organizado por Bobbio, Bonaparte entender
por terror o instrumento de emergência a que um governo recorre para manter-se no
poder (BONANATE, L. 1986).
Entretanto, a transmigração simbólica do termo para a acepção atual é
atribuída ao período entre os anos de 1791 a 1794, sob a vigência do regime
revolucionário posterior à queda da Bastilha, então dirigido por Maximilien François
Marie Isidore de Robespierre e Loius de Saint-Just, representantes da corrente
política dos jacobinos e que consistia na condenação por Tribunal Revolucionário –
a Convenção Nacional – à pena capital, sem direito a defesa ou recurso, daqueles a
quem se impunha a pecha de opositores ao novo regime, em particular os realistas
girondinos.
Curiosamente o próprio Robespierre foi submetido ao Tribunal que
ajudou a criar e foi condenado a morte pela prática de “terrorismo”. Cristalizou-se
naquele instante, ainda que temporariamente, a distinção entre “terror”, meio legitimo
para defesa da ordem social, e “terrorismo”, extrapolação abusiva do exercício
daquele. Deste emaranhado conceitual começava a nascer a vinculação entre terror,
isto é, um medo indiscriminado e permanente despertado nas pessoas, e sua causa
por razões de natureza política, diferentemente dos episódios conhecidos na idade
antiga, geralmente ligados a causas religiosas. Portanto em seu marco inicial, o
chamado terrorismo político moderno possuía um matiz nitidamente estatal. Era uma
forma de coação dos súditos à obediência cega, independentemente da submissão
voluntária aos preceitos da ordem jurídica vigente.
Essa forma clássica de terrorismo político teria três características
fundamentais: primeiramente, tratar-se-ia de um movimento organizado, com
ideologia e estratégias bem definidas; em segundo lugar, visaria persuadir o povo a
envolver-se em "ações demonstrativas que têm, em primeiro lugar, o papel de
"vingar" as vítimas do terror exercido pela autoridade e, em segundo lugar, de
"aterrorizar" esta última, mostrando como a capacidade de atingir o centro do poder
é o resultado de uma organização sólida" e, por último, iria alargando a sua escala
de ação por meio de um aumento progressivo de atentados que "simboliza o
crescimento qualitativo e também quantitativo do movimento revolucionário"
(SANTOS, B. S. 2005).
Contudo, inverteu-se o sinal de direção semântico a partir dos eventos
precipitados pela morte do Czar Alexandre II, vitimado pelas ações de militares
anarquistas e niilistas, cuja intenção principal era incitar as massas contra o Império
Russo e demonstrar a fragilidade dos organismos estatais. Inserem-se aqui as
primeiras notas características do fenômeno social a que se refere este estudo.
Relativamente à questão da legitimação da violência, essa é sempre
uma questão central, já que apenas a violência percebida como ilegítima é
considerada como tal –, são vários os fins a justificar o uso da tortura, do terrorismo
e de outras formas de violência, desde a "necessidade das sociedades se
modernizarem rapidamente e a qualquer custo, de coordenar informações com os
sistemas de controle social ou de legitimar o poder estatal" (NAGENGAST, C. 1994,
p 203).
Verifica-se ainda que, ao longo da história, três tipos de justificações
têm sido apresentadas para a prática de atos terroristas (quer pelo Estado, quer por
grupos revolucionários): salvar vidas, derrotar o inimigo e disciplinar a população
(SANÍN, F. G. 2006, p.148).
O terrorismo corresponde à negação mais violenta da moral e do
Direito, pior até do que guerra, em seu sentido tradicional limitada que esta é por
regras humanitárias e justificável, até certo ponto, pela Carta das Nações Unidas.

2.1. Características do Terrorismo

Os tupamaros uruguaios, o peruano Sendero Luminoso, a


salvadorenha Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), o filipino Novo
Exército Popular e o malaio Partido Comunista, por décadas, foram rotulados de
terroristas com inspiração maoísta. Também os sandinistas eram vistos como
sinônimo de terror. Em seu combate, os Estados Unidos financiaram os "contras".
Usaram a velha tática do terror contra terror sem nenhum respeito à soberania. Por
seus atos, foram condenados pela Corte Internacional de Justiça da Haia e tudo
continua na mesma.
A rebeldia curda na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas,
no Irã, no Iraque e principalmente na Turquia considera-se como o que existe de pior
no terrorismo. A perseguição implacável ao PKK, por razões geopolíticas, é ajudada
por muitos e combatida por poucos. No México, o subcomandante Marcos não foge
da rotulagem de terrorista apesar de suas ações radicais em favor das liberdades e
dos direitos da maioria indígena em Chiapas. A Organização Militar Nacional (Irgun
Zvai Leumi) ao explodir, em 1946, o quartel general das forças armadas imperialistas
britânicas em Jerusalém com dezenas e dezenas de mortos, indignou os súditos da
coroa e encheu de júbilo os judeus na reconquista de sua Terra Prometida. A
maioria deles sobreviventes do terror do nacional-socialismo, vítimas do terrorismo
dos campos de concentração, em que imperava o lema: "o trabalho liberta".
O Exército Revolucionário Irlandês (IRA) mais o ETA (Pátria Basca e
Liberdade), colocados nos porões da tortura pela repressão do Reino Unido e da
Espanha, fazem da resistência sua razão de vida. Pior de tudo, recebem o mesmo
rótulo de movimento terrorista aplicado à Força Voluntária do Ulster (UVF) e ao
Ulster Freedom Fighters, os dois últimos assassinos inclementes de católicos
militantes.
A desintegração da Iugoslávia tampouco se processou fora do
alcance do terror, do processo chamado de limpeza étnica. O curioso na história do
terrorismo é que suas extensões domésticas são tão potentes quanto seu formidável
impacto externo. Sua manifestação quer se queira ou não, influenciam as relações
internacionais.
O Movimento de Resistência Afrikânder, grande caçador e matador
de negros no apartheid, nunca foi considerado como movimento terrorista pelos
racistas brancos da África do Sul e da antiga Rodésia. Para a elite dominante sul-
africana, terrorista era o Congresso Nacional Africano.
Outro fato histórico a ser lembrado é o terrorismo das ditaduras
militares de direita espalhadas entre 1960 e 1980 por toda a América Latina. No
Brasil, por exemplo, o terror do regime militar contou com a ajuda de muitas
burocracias na implementação da repressão. Inclusive a diplomacia brasileira não
negou préstimos à ditadura a que tão lealmente serviu rastreando e denunciando as
vítimas do golpe militar em exílio no exterior.
Outros exemplos atuantes: o Grupo Islâmico Armado (GIA) na
Argélia, o Exército Vermelho Japonês e a Frente Nacional Islâmica Muhamad Gailani
para a Libertação do Afeganistão, que serviu de escola para a atual militância talibã.
A Aum Shirinkyo, no Japão, a Jihad Islâmica Palestina, o Grupo Abu Nidal, a Al-
Fatah, a PLOTE (Organização Popular para a Libertação do Tamil), os Tigres Tamil
no Sri Lanka, os Sikhs na Índia, a Frente de Libertação da Córsega e a Frente de
Libertação do Quebec. Todos os grupos e movimentos citados ilustram o balaio de
gatos ideológico da violência e da anarquia do terror nas relações internacionais.
(DEGAUT PONTES, M. R. , p 37 a 88).
Da analise dos fatos terroristas históricos narrados pode-se entender
que as características do terrorismo são:
a) Natureza Indiscriminada: Todos, em potencial
podem ser alvos ou inimigos da “causa” independentemente de seu
papel na sociedade.
b) Imprevisibilidade e arbitrariedade: Não é possível
saber onde e quando ocorrerá um atentado.
c) Gravidade ou espetacularidade: Nesta
característica se enquadra armas de destruição em massa, uma
vez que estas em mão de terroristas, mais do que o número de
mortes e ferimentos causaria extensos traumas em função dos
resultados externos.
d) Caráter Amoral e de Anomia: Os terroristas tendem
a demonstrar completo desprezo e indiferença pelos valores morais
vigentes. Assume-se que, mesmo o sofrimento e a morte de
eventuais inocentes são justificáveis em nome da causa que
defendem.

2.2. Tipologia do Terrorismo

Definir tanto a natureza quanto as características do terrorismo,


diferenciar os velhos dos novos atos de terror é tarefa complexa porque complexas
são as diversas causas e origens do terrorismo. Na geopolítica internacional, os
olhares sobre o terrorismo tampouco continuam os mesmos. Por exemplo, os
"freedom fighters" antes considerados como heróis da resistência afegã em luta
contra os soviéticos são, hoje, vistos como concentração de barbárie.
Nem sempre foram as mesmas as reações da sociedade
internacional em face das ações do terror contra o poder e também do terror contra
os mais fracos. Nem a Ku Klux Klan e nem a Milícia de Michigan, com suas mortes
enterradas no esquecimento da opinião pública, conseguem ser menos lembradas
que o virulento terror congolês. Paradoxalmente o mais esquecido de todos, o
terrorismo no Congo mata por dia aproximadamente duas mil e quinhentas pessoas,
bem próximo do correspondente ao número de mortos ocorrido numa das torres do
World Trade Center.
Num mundo globalizado, o terrorismo adquire novos contornos,
desterritorializando-se, desvinculando-se até de qualquer identidade reconhecida e
alargando o leque das vítimas potenciais a uma escala global. O terrorismo
transnacional pode ser considerado como um novo tipo de terrorismo. O que é novo
atualmente é o fato da tecnologia estar a colocar nas mãos de indivíduos e grupos
desviantes poderes destrutivos que antes estavam reservados aos Estados (NYE
JR., J. 2005. P 229).
Nesse sentido, o novo terrorismo é por vezes identificado com a
privatização da guerra e da tecnologia da mesma: ele é o terrorismo transnacional
que usa a internet como meio de comunicação e gestão das suas redes, assim como
arma de combate. De uma maneira geral, podemos ter os seguintes tipos de
terrorismo:

A) Terrorismo Repressivo: Usa-se de atos de violência terrorista


para dominar ou restringir certos grupos sociais, ou mesmo uma população
inteira, considerados indesejáveis ou inadequados. O inicio da revolução
francesa se enquadra nesse tipo.
B) Terrorismo Separatista: De elevada violência, trata-se de uma
categoria que busca renunciar à comunidade política na qual estão formalmente
inseridos. Um exemplo é a situação do Quebec em relação ao Canadá.
C) Terrorismo Narco-Criminal: O cultivo, processamento, transporte
e distribuição de narcóticos é, provavelmente, o maior gerador de violência
política e de crimes comuns no mundo, porém, além de seu potencial
criminógeno tradicional, serve-se também de métodos terroristas, urbanos e
rurais, que garantem seus lucros.
D) Terrorismo Religioso: Os terroristas também procuram substituir
o sistema político vigente, mas os valores articulados são primordialmente, de
natureza sagrada, enraizados em laços ancestrais e na religião. Aum Shinrikyo
esse grupo utiliza de armas de destruição em massa.

2.3. Terrorismo no Direito Internacional

O estudo do terrorismo, na atualidade, assume especial relevo, na


medida em que estamos diante de uma crime que, via de regra, extrapola os limites
das fronteiras territoriais nacionais. Trata-se de delito cuja prevenção e repressão
interessam, sobretudo, à comunidade internacional, tendo em vista que os seus
efeitos não se limitam mais ao Estado em que foi cometido. É o chamado terrorismo
internacional.
Com efeito, ao analisarmos os atentados de 11 de setembro de 2001,
constatamos o grau de perplexidade que tal ação destruidora causou sobre toda
população mundial. O mundo se deu conta que todos são alvo potenciais de uma
ação daquela magnitude.
Na lei da selva das relações internacionais, em que conflitos integram o
seu quotidiano, há tempos deveriam estar prontos os arranjos para o pacto social a
favor do entendimento contra o terrorismo internacional em suas variadas
manifestações. Todavia, é impossível criar o pacto social na vigência do estado de
natureza, na desordem das relações internacionais em que um país apoiado pela
força de seus exércitos julga sem ser julgado, condena sem ser condenado; tem a
coragem de proclamar "cada nação tem uma decisão a tomar. Ou está conosco ou
com os terroristas" Tal contexto repete a velha política maniqueísta do bem e do
mal.
As vítimas podem estar na Espanha, nos Estados Unidos, em Israel,
na Itália, em todo lugar. E o que é pior: não se sabe mais quem são os autores, na
medida em que os grupos terroristas muitas vezes não possuem uma base territorial,
encontrando-se dispersos por vários países, sendo a Internet uma grande aliada no
planejamento das ações delituosas.
Assim, dificilmente se sabe quem serão as vítimas das ações, e com
muita dificuldade se descobre quem são seus autores. Muitas vezes nem sequer há
o planejamento das ações, sendo os atentados praticados de inopino. Basta lançar
os olhos sobre os atentados praticados pelos homens-bomba em Israel. A situação
assume maior gravidade quando constatamos que o modus operandi desses grupos
foi aperfeiçoado, constando eles com o emprego de agentes químicos ou biológicos
(é por estarem cientes destes traumas potenciais que grupos terroristas estariam
desenvolvendo armas biológicas baseadas em patogênicos como a toxina do
botulismo e os bacilos da varíola e antraz, intenso e prolongamento sofrimento. O
mesmo raciocínio vale para o dispositivo de fissão nuclear vulgarmente chamado
“bomba suja”, de limitado poder de destruição, mas significativo potencial de
contaminação radiativa, e seus perversos efeitos).
Foi-se o tempo, portanto, em que as ações terroristas se
circunscreviam aos limites territoriais do Estado, em quem os criminosos possuíam,
em geral, sua base territorial no local de suas ações, e cujo modus operandi se
circunscrevia às práticas delituosas comuns.

4
Discurso do Presidente George W. Bush, no Congresso dos Estados Unidos da América, em 20 de
setembro de 2001.
O conceito de terrorismo há muito vem sendo discutido no direito
internacional. Trata-se de tema bastante complexo, dada a amplitude de condutas
que o termo pode abarcar. No direito internacional, conforme assinala Sarah Pellet,
“nenhuma convenção internacional definiu o termo ‘terrorismo’. Um estudo rápido
destes diferentes textos permite afirmar que o terrorismo foi, frequentemente,
abordado em função de suas consequências. Assim, as diferentes definições não
chegaram a explicar as múltiplas facetas do fenômeno terrorista.
A primeira Convenção de Genebra de 1917 previa, em seu art. 1º, ‘Na
presente Convenção, a expressão ‘atos terroristas’ quer dizer fatos criminosos
dirigidos contra o Estado, e cujo objetivo ou natureza é de provocar o terror em
pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou no público. Em seguida, esta
convenção enumerou, em seu art. 2º, os fatos criminosos em causa. Mas se a
enumeração foi vivamente criticada por alguns, ela simplesmente não explica
completamente a noção de terrorismo. As convenções internacionais ulteriores
foram redigidas da mesma forma, sem procurar definir tal noção .
Embora não haja uma definição do que seja o terrorismo, a
Organização das Nações Unidas procurou editar diversas resoluções sobre o tema,
tais como a Resolução n.1.373 do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 28
de setembro de 2001, na qual estabeleceu que “todo Estado membro tem a
obrigação de abster-se de organizar, instigar, colaborar ou participar de atos
terroristas em outro Estado ou concordar com atividades organizadas dentro de seu
território cujo objetivo seja a execução de tais atos: impedir e suprimir o
financiamento de atos terroristas; negar refúgio seguro para aqueles que financiem,
planejem, apóiem ou cometam atos terroristas; apoiar um ao outro no processo de
investigação ou procedimentos criminais relacionados com o financiamento ou apoio
a atos terroristas, inclusive colaborando no processo de obter evidências que sejam
necessárias para estes procedimentos; observar com preocupação a estreita ligação
entre o terrorismo internacional e o crime organizado transnacional, drogas ilícitas,
lavagem de dinheiro, o tráfego ilegal de armas e a movimentação ilegal de material
nuclear, substâncias químicas e biológicas e outras igualmente mortais, e sob este
aspecto enfatizar a necessidade de aprimorar a coordenação de esforços a nível
nacional, sub-regional, regional e internacional.
Conforme Damásio E. de Jesus, essa Resolução, de certa forma, “veio
completar o determinado no Convênio Internacional para a Repressão do
Financiamento ao Terrorismo (Resolução n. 54/109, da Assembléia Geral, de 9 de
dezembro de 1999).Esse Convênio Objetivava fazer frente ao terrorismo e, ainda
que as medidas adotadas não previsse mecanismos de acompanhamento, as
instituições financeiras apoiaram e manifestaram-se pela elaboração de diretrizes e
de um sistema de auto-avaliação capazes de conferir eficácia a elas, atuando na
eliminação do financiamento do terror. Intensificaram-se, nos últimos anos, os
esforços no sentido de elaborar instrumentos jurídicos internacionais mais eficazes.
Um enfoque concentrado e global traçou normas de ação para atentados terroristas,
alguns deles considerados crimes de lesa-humanidade; para tais crimes, uma
jurisdição especial: a Corte Penal Internacional, fundada no Estatuto de Roma e com
vigência a partir de 1º de julho de 2002”. O autor cita outras Resoluções exageradas
pela ONU: Resolução n.49/60, de 9 de dezembro de 1994; e n.52/165, de 15 de
dezembro de 1997.
Essa visão do terrorismo atual como predominantemente motivado por
questões de alcance geopolítico global – principalmente ligadas ao fundamentalismo
religioso – parece ser bastante consensual entre as ciências sociais e políticas (cf.
TURK, 2004), o que contribui para mascarar outros tipos de terrorismo, tal como o
terrorismo de Estado e o terrorismo associado a motivos nacionalistas. Essa
perspectiva tem, também, como conseqüências, um quadro interpretativo que
enxerga nas ações terroristas de organizações racistas e xenófobas uma agregação
de indivíduos que partilham uma mesma visão extremista do mundo – um exemplo
da aplicação desse quadro é o caso dos responsáveis pelo bombardeamento de
Oklahoma City, em 1995. E, por sua vez, essa etiqueta pode levar a que esses
grupos reajam ao estigma apoiando as atividades de grupos terroristas, mesmo que
não se envolvam diretamente nas mesmas
Convém aqui mencionar que o Tribunal Penal Internacional foi incluído
em nosso ordenamento constitucional pela EC n.45/2004, que acrescentou o § 4º ao
art.5º da CF, cujo teor é o seguinte: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal
Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Referido tribunal foi
criado pelo Estatuto de Roma, em 17 de julho de 1998, o qual foi subscrito pelo
Brasil. Trata-se de instituição permanente, com jurisdição para julgar genocídio,
crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão, e cuja sede se encontra em
Haia, na Holanda. Os crimes de competência desse tribunal são imprescritíveis,
dado que atendam toda humanidade. O tratado foi aprovado pelo Decreto
Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, antes, portanto, de sua entrada em vigor,
que acorreu em 1º de julho de 2002. A jurisdição internacional é residual e somente
se instaura depois de esgotada a via procedimental interna do país vinculado. No
tocante a essa corte, há quem entenda que a leitura do art. 5º, n. 1, do Estatuto de
Roma não autoriza Expressamente a concluir pela jurisdição do tribunal Penal
Internacional para o crime de terrorismo internacional, tendo o dispositivo limitado
taxativamente seu campo de atuação, que se circunscreverá aos delitos: crimes de
genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, constituindo o princípio
da reserva legal uma barreira para a inclusão do terrorismo internacional nesse rol.

2.4. Terrorismo no Direito Pátrio

Como vimos anteriormente, constitui tema bastante tormentoso a


definição do terrorismo, dada a diversidade de condutas que o termo pode abranger.
O terrorismo foi regulamentado pela Lei n. 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei
de Segurança Nacional). Como já dissemos, à época em que foi editado o
mencionado diploma legal, em plena ditadura militar, via de regra o terrorismo ficava
circunscrito ao Estado em que era praticado. Assim, o combate ao terrorismo era
acima de tudo uma questão de ordem interna do Estado. Embora parte da doutrina
sustente que há ofensa ao princípio da legalidade, em face de sua descrição
genérica, entende-se que o terrorismo, atualmente, encontra-se tipificado no art. 20
da Lei de Segurança Nacional. Como efeito, não existia nenhuma ofensa ao
princípio da reserva legal nessa previsão normativa. É que, embora o seu tipo
definidor seja aberto, isso se justifica plenamente diante da imensa variedade
operacional com que essa conduta pode se revestir, sendo impossível ao legislador
antever todas as formas de cometimento de ações terroristas. Considerando que o
bem jurídico não pode ficar sem proteção, já que a própria Constituição Federal
tutela o direito à vida, à segurança, ao patrimônio, entre outros (art.5º, caput), o largo
alcance da elementar em questão é perfeitamente aceitável. Por consequência,
incide a Lei dos Crimes Hediondos sobre conduta tipificada no art. 20 da Lei n.
7.170/83, sem que esta padeça de qualquer vício de inconstitucionalidade.
Vejamos o teor deste dispositivo legal: “Devastar, saquear, extorquir,
roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar
explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político
ou para abtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas
clandestinas ou subversivas. Pena de 3 a 10 anos de reclusão”. Após fazer uma
enumeração de hipóteses específicas (devastar, saquear, extorquir, roubar...), insere
uma formulação genérica (... ou atos de terrorismo), a qual deve ser interpretada no
sentido de alcançar outros casos semelhantes aos anteriormente elencados. Assim
são atos de terrorismo todos os verbos constantes do tipo e também qualquer outro
assemelhado a essas condutas (qualquer outro ato de terrorismo). Trata-se de crime
de ação múltipla ou de conteúdo variado, de forma que basta a prática daquelas
ações, desde que por inconformismo político ou com o fim de obter fundos que
visem a manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas, para
que o crime se configure. Organizações políticas clandestinas são aquelas
constituídas ilegalmente; as organizações políticas subversivas são aquelas que não
se submetem às leis ou às autoridades constituídas, pretendem destruir ou
transformar a ordem política, social e econômica estabelecida.
Heleno Cláudio Fragposo, ao analisar a legalidade da previsão do
crime de terrorismo no art. 28 da revogada Lei n.6.620, de 17 de dezembro de 1978,
sustentava que “não existe uma ação delituosa específica denominada terrorismo.
Essa expressão se aplica a várias figuras de ilícito penal, que se caracterizam por
causar dano considerável a pessoas e coisas, na perspectiva do perigo comum; pela
criação real ou potencial de terror ou intimidação, e pela finalidade político-social.
(...) O intérprete de nossa lei é levado à perplexidade, com o emprego, na conduta
típica referente ao art. 28, da expressão ‘praticar terrorismo’ (...). Sendo, como é, o
princípio da reserva legal, entre nós, constitucional, é obvio que definir crime através
das expressões ‘praticar terrorismo’ viola a Carta Magna. A lei, porém, emprega
outras expressões. Temos devastar, incendiar, depredar ou praticar atentado
pessoal e sabotagem. Qualquer dessas ações pode constituir crime de terrorismo”³.
Dessa forma, embora o autor entenda que a conduta de “praticar terrorismo” seja
bastante genérica, inviabilizando a aplicação prática do dispositivo legal nesse
aspecto, de outro lado, em consonância com o nosso posicionamento, entende que
os demais verbos do tipo penal já constituíram o crime em estudo. E, conforme
assinala Sarah Pellet, “um estudo rápido mostra que a maior parte das legislações
internas considera que os atos terroristas, na sua maioria, são infrações do direito
comum que ganham uma característica terrorista em razão das motivações de seus
autores. Se esta motivação consiste em atentar gravemente contra as bases e
princípios fundamentais do Estado, destruí-las, ou ameaçar a população, trata-se de
atentado terrorista”.
Segundo o artigo1º, a Lei n. 7.170/83 prevê crimes que lesam ou
expõem a perigo de lesão, sendo tutelada a segurança nacional: (I) a integridade
territorial e a soberania nacional; (II) o regime representativo e democrático, a
Federação e o Estado de Direito; (III) a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Esses são os objetos da tutela penal. Assim, as ações violentas perpetradas pelos
grupos territoriais devem lesar ou expor a perigo de lesão um daqueles bens
jurídicos elencados pela Lei de Segurança Nacional.
Tendo em vista a objetividade jurídica do crime de terrorismo, discute-
se se poderia ser qualificado como delito de natureza política. No que tange ao
sujeito ativo, qualquer pessoa pode praticar o crime em estudo. Trata-se de crime
comum. Convém notar que não estamos diante de um crime de concurso
necessário, ao contrário do crime de quadrilha ou bando, de forma que não se exige
que as ações sejam praticadas por um grupo.
Assim, o ato de terrorismo pode ser praticado por uma única pessoa,
embora, eventualmente, ela possa pertencer a uma organização política. O delito
será imprescritível quando for praticado por grupo armado, civil ou militar, e visar
abalar a ordem constitucional e o Estado Democrático (CP, art.5º, XLIV). Grupo
armado pressupõe duas ou mais pessoas, não se confundindo com quadrilha ou
bando.
No que concerne ao sujeito passivo, este figura o Estado, interessado
na preservação de suas instituições, seu arcabouço constitucional e a convivência
pacífica e harmônica da população assentada em seu espaço territorial. O terrorismo
constitui atentado à República Federativa do Brasil e à autodeterminação da
sociedade como um todo, que tem direito à preservação da segurança física,
psicológica, institucional e jurídica, que compõem a ordem constitucional e o Estado
Democrático de Direito.
De acordo com o disposto no art. 30 da Lei de Segurança Nacional,
“compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta Lei, com
observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal Militar, no que
não colidem com disposições desta Lei, ressalvada a competência originária do
Supremo Tribunal Federal nos casos previstos na Constituição”. Dessa forma, na
vigência deste dispositivo legal, a competência para o julgamento dos crimes de
terrorismo era da Justiça Militar, ainda que o autor fosse civil, observando-se o
disposto no CPPM. Sucede que, com a vigência da constituição Federal de 1988,
aos juízes federais passou a competir o processamento e julgamento dos “crimes
políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou
interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da
Justiça Eleitoral”, não mais vigorando, portanto, o art. 30 da Lei n. 7.710/83. Assim,
competirá à Polícia Federal a investigação dos crimes de terrorismo; ao Ministério
Público Federal a propositura de competente ação penal; à Justiça Federal o seu
processamento e Julgamento.
O artigo 5º, XLIII, da CF exigiu tratamento penal mais severo para o
terrorismo, considerando-o crime inafiançável e insuscetível de anistia ou graça.

3 CONCLUSÃO

Pela difícil definição do terrorismo e por suas várias vertentes é difícil


sancioná-lo, se tornando algo vago, levando a uma clara omissão legislativa no que
específica o delito de terrorismo perante o Direito Penal, a nossa Constituição
Federal repudia o ato de terrorismo, só citando este no que diz respeito ao seu
emprego como ferramenta de relações internacionais (art. 4º, VIII), ou no que pertine
a utilização deste como a forma de expressão social no seio da própria sociedade
brasileira (art. 5º, XLIII e XLIV).
Com as novas evoluções tecnológicas o terrorismo se torna algo fácil
de expansão por todo o mundo, por isso, o Conselho de Segurança da ONU tem um
papel tão importante que garanta os Direitos Humanos.
O "11 de setembro" simbolizou uma tentativa de inversão das posições
perpetrador-vítima entre o Ocidente e o Oriente que pode inclusive ter abalado a
dicotomia perpetrador-vítima. Alguns autores consideram que a violência simbólica
desse evento teve um potencial emancipatório, no sentido de iniciar uma crítica do
presente, da geopolítica global atual e de todo e qualquer poder hegemônico. Outros
são mais pessimistas e antecipam uma escalada de violência até ao uso das armas
de destruição massiva. O inculcar do medo do uso de armas de destruição massiva
na população (por si mesmo, um ato de terrorismo psicológico), tem servido para
legitimar atos de violência hegemônica extremos que, todavia, não são denominados
de terrorismo.
Essa perspectiva unilinear do terrorismo é geradora de pânico moral e
de medidas de sobre-regulação social que contribuem para legitimar e,
simultaneamente, mascarar a expansão do imperialismo americano. No entanto,
pensamos que existem, atualmente, alguns sinais positivos de crítica a essa
perspectiva. Esses sinais são expressos nas manifestações de milhares de pessoas
contra a guerra no Iraque, nas representações do terrorismo como fenômeno
complexo e multifacetado nas diversas formas de cultura popular, e nas análises
críticas dos cientistas sociais, cujo questionamento resiste à imposição de uma
perspectiva redutora, unidimensional e perigosa, que tenta colocar a ciência ao
serviço de interesses geopolíticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONANATE, L. 1986. Terrorismo político. In : Bobbio, N.; Matteucci, N. & Pasquino, G.


(orgs.). Dicionário de política. 2ª ed. Brasília : UNB.

Breves considerações sobre a prevenção ao terrorismo no Brasil e no Mercosul, palestra


proferida na sede da Escola Superior do Ministério Público, em 5 de outubro de 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, legislação penal especial, vol 2. São Paulo :
Saraiva, 2010.

DEGAUT Pontes, Marcos Rosa. "Terrorismo: Críticas, Tipologia e Presença nas Relações
Internacionais." Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, Brasília, Fevereiro de
1999, p. 37 a 88.

Discurso do Presidente George W. Bush, no Congresso dos Estados Unidos da América,


em 20 de setembro de 2001.

NAGENGAST, C. Violence, Terror, and the Crisis of The State. Annual Review of
Anthropology, Palo Alto, v. 23, p. 109-36, 1994 Oct. P 203

NYE JR., J.. Understanding International Conflicts : An Introduction to Theory and History.
5th ed. New York : Pearson Education.2005

Revista Forense volume 403.

SANÍN, F. G.. Internal Conflict, Terrorism and Crime in Colombia. Journal of International
Development, Bognor Regis, v. 18, n. 1, p. 137-150, Jan.2006. p148

SANTOS, Boaventura dos. Santos. Terrorismo : dois discursos. Visão, Porto, 21.jul, 2005.
VERGUEIRO, Luiz Fabrício Thaumaturgo. Terrorismo e Crime Organizado. Maio de 2006;
in: Consultor Jurídico. http://www.conjur.com.br/2006-mai-
22/terrorismo_crime_organizado_objetivos_diferentes. acesso em 30/04/2010.

FRAGOSO, Claudio Heleno. Terrorismo e criminalidade política, Rio de Janeiro, Forense,


1981, p. 98-99

BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Coord. Terrorismo e direito, cit., p. 15-16

Você também pode gostar