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Minha vida....

Ontem pela segunda vez vi um filme (Meu Nome Não é Jhonny),


onde fala da degradação de um rapaz, levado por uma vida
desregrada, compulsiva, intensa associada ao uso de drogas.
A única diferença que identifiquei do protagonista desta história
verídica para mim é que ele teve uma família que nunca o ensinou
o que é certo ou errado, o que é dentro da lei e o que é fora da lei,
nunca teve limite imposto pela família.
Fui criado com religião, limites, ciência do que é certo e errado, o
que é dentro e o que é fora da lei, mas isso não é uma garantia
para que não haja desvios de conduta. Minha personalidade
sempre foi de confronto, desafios e rebeldia. Nunca aceitei um
não às minhas vontades e por muitas vezes infringia as regras em
prol delas. Sempre, é claro, pagava o preço. Reprovação no
colégio, perda do direito de me divertir, e por aí vai. Mas como
sempre levei estas coisas como transitórias nunca aprendi com os
castigos impostos pela minha mãe e pela vida. Levei uma vida
sem me importar com o que estava plantando, muita menos sem
pensar que um dia iria ter que colher tudo. Usei drogas
compulsivamente, ingeri bebida alcoólica em quantidades fora do
aceitável, coisas estas que só alimentavam mais a minha ânsia de
transgredir em prol das minhas vontades insanas.
Já era adulto, e nada podia me conter nesta busca, através das
transgressões, do que achava que era “bom” sem nunca me
questionar se o “bom” era correto. Minha vida foi acontecendo,
não conseguia estudar direito, abandonei colégios no meio do ano,
por que já tinha a certeza de que iria repetir, comecei a trabalhar,
abandonei alguns empregos, arrumei, com ajuda de parentes,
outros, mas todos só para sustentar inicialmente o que chamava de
diversão e que depois se tornou em vício, pois o divertido só
acontecia quando estava drogado. Casei, e casei achando que sería
uma forma de dar algum jeito, de ter algum controle sobre minha
vida. Claro, não adiantou. Não passava pela minha mente
entorpecida que eu só teria uma chance se parasse de consumir
drogas e beber. Entre brigas conjugais e separações tive duas
filhas, e mesmo assim não aceitava que precisaria parar de fazer
uso destas substâncias para então ser uma pessoa feliz, “normal”,
ter paz. Eu pensava que eu tinha paz quando eu me entorpecia de
maconha, quando na verdade eu ficava num estado de inércia
intelectual, emocional, física e espiritual. Eu me sentia feliz
quando estava bebendo e cheirando, eu me sentia feliz até demais.
Hoje sei que felicidade em demasia é euforia e que após de uma
euforia sempre vem uma depressão. Normal ? Achava isso tudo
muito normal, pensava que eu era só uma pessoa que tinha o
direito de, vez ou outra, “chutar o pau da barraca”. Mas eu já
tinha meus 29 anos e comecei com esta história de “chutar o pau
da barraca” aos 15 anos de idade. Eu não colocava nada na frente
do meu prazer, só que meu prazer era sempre auto - destrutivo.
Espiritualidade? Não, está parte é melhor pular, não queria e nem
me importava com isso. Como sair disso ? Renunciar a minha
vontade ? Nunca aprendi isso. Quando queria fazer algo eu fazia,
não importavam as conseqüências. Quando queria sair com
amigos, viajar, sair com uma garota, me divertir, enfim, eu fazia
tudo, mesmo que gastasse todo o meu dinheiro. Principalmente
entrar em favelas, cheirar, beber e arranjar uma garota de
programa ou qualquer outra que estivesse disponível querendo
apenas sexo. Dinheiro ? Para mim sempre foi algo que só
viabilizava o MEU prazer. Então esta lição sobre renunciar para
ganhar à frente, eu nunca me permiti aprender.
Nesta época, eu, por conta de muitos desacertos e com minha vida
totalmente descontrolada, eu resolvi pedir ajuda ao AA
(Alcoólicos Anônimos). Com uma restrição, é claro, tinha que ser
do meu jeito. Pensava que o meu problema estava no consumo
abusivo de álcool e cocaína, não achava necessário e nem queria
parar de fumar maconha. Mesmo sabendo que consumia entre 200
a 300 gramas da droga por mês. Para uma pessoa que, por incrível
que pareça, trabalhava, tinha filhos, casado, esposa “careta”, ou
seja, não tinha mais “roda de amigos”, era uma quantidade
absurda de maconha. Gastava uma quantia enorme de dinheiro
para sustentar este vício, e como não podería deixar de ser, ele
vinha sempre em primeiro lugar ( meu prazer ). E foi assim que
ingressei no AA do Largo do Machado. No início, freqüentava as
reuniões todos os dias, e fui ficando limpo de álcool e cocaína.
Logo veio a prepotência e achei que não era mais necessário ir
todo dia. Fiquei limpo por sete meses, recaí quando indo à uma
festa acompanhado da minha sogra e minha ex-esposa, achei que
podería beber um vinho socialmente, até por que, vinho nunca foi
minha bebida preferida, não por gosto, mas por que achava uma
bebida muito fraca para eu “entortar”. Portanto achei que
conseguiria beber socialmente. Isso até aconteceu do início da
festa até a hora de ir embora. O problema é que para um cara
como eu, qualquer dose de bebida, seja ela qual for, é como se
abrisse a porta do inferno, a boca de uma fera adormecida e com
fome. A vontade de cheirar foi absurda e obsessiva. Antes mesmo
de sair da festa já estava maquinando como iria fazer para
conseguir cheirar sem que minha ex-esposa percebesse. Deixei ela
e minha sogra em casa primeiro e depois de ter deixado meu
cunhado, fui rapidamente ao bar onde comprava cocaína.
Comprei, cheirei no carro, e veio imediatamente a vontade de
beber mais, era um círculo vicioso de um viciado. Comprei dez
latas de cerveja e ao chegar em casa fui imediatamente
questionado pela cerveja que comprara. O fato de demorar para
deixar o meu cunhado foi totalmente ignorado por conta da
quantidade de bebida que havía comprado. Meu argumento foi o
mesmo que eu usaria nas próximas vezes para me auto enganar :
“já que bebi um “vinhozinho” o que tem beber mais um pouco ? É
só hoje !!!” O problema é que minha ex-esposa foi dormir, a
cerveja acabou, saí pela madrugada para comprar mais e
aproveitei para cheirar mais. Nesta saída para comprar mais do
meu “prazer” e “sofrimento” por pouco não morri ou fui baleado.
No bar onde estava aconteceu um tiroteio entre policiais a paisana
bebendo e se desentendendo. Alguns morreram, outros saíram
feridos e eu por uma fração de segundos fui salvo por acaso, o
que hoje entendo que tenha sido a mão de Deus. Nem preciso
dizer que tudo voltou à estaca zero, com uma importante
diferença, eu tentava não beber para não cheirar porque já sabia o
que me esperava: uma noite inteira usando sem parar, gastando
um dinheiro que não tinha para gastar, obsessão sexual, idas e
vindas de favelas e etc... . Após tudo isso sentia uma dor na alma
que mais parecia como uma espada cortando devagar a minha
carne. Tentava do meu jeito e claro, sem sucesso, mais uma vez
controlar o incontrolável, o que já havía saído do controle há
muitos anos atrás, administrar o meu uso. Para quem não
conseguia administrar a sua própria vida, como sería possível
administrar o uso de drogas e alcool ? Esta via crucis durou mais
2 anos e aos 31 anos eu cheguei no meu limite de sofrimento,
joguei a toalha, pedi ajuda e mais importante, abri mão de fazer as
coisas do meu jeito. Voltei para o AA e ingressei no NA
( narcóticos anônimos ). Tudo que me falavam para fazer eu fazia,
tudo que me falavam para não fazer, eu não fazia. Eu só queria
não usar nunca mais, só que me falavam que era apenas “só por
hoje”, só por um dia, pois uma vida inteira era muito para quem
vivia para usar drogas e usava drogas para viver. Fui, pela
primeira vez, obediente em alguma coisa pelo motivo certo :
preservação da minha vida, interrupção do meu sofrimento e
degradação social. No início não sabia que só o fato de parar eu
começaria a ganhar, e saber exatamente o que são os sentimentos
de paz, felicidade, tristeza, raiva, frustração e etc... . Me sentia um
recém nascido num emaranhado de sentimentos que por muitos
anos eu anestesiara e consequentemente deixei de crescer como
homem e ser humano. Bastaram alguns meses limpo e
freqüentando as reuniões para me dar conta que não bastava
apenas estar sóbrio, eu precisava crescer, aprender o que
negligenciei por dezesseis anos da minha vida, e o mais
interessante era que eu queria, coisa fundamental, pois quando
não se quer, nada acontece. Primeiro deve – se querer parar de
usar e depois precisamos querer crescer. Para tal precisei entrar
em contato profundo comigo mesmo. Pedia ajuda nos grupos que
freqüentava, agregando sessões de terapia. Costumo dizer que
esta decisão em conjunto com estas ações foram fundamentais
para fazer com que hoje, oito anos após, eu não pense nem um
segundo em voltar a beber ou me drogar.
As coisas erradas que plantei, fui pouco a pouco, colhendo e
aceitando que, para cada coisas que colhia sentia dor e
desconforto emocional. Não podería ser diferente, como se diz :
“como fazer um omelete, sem quebrar os ovos”? Hoje, minhas
filhas agradecem, eu sou grato, minha mãe não chegou a ter que
me visitar em clinicas de viciados ou me levar cigarros na cadeia
(neste momento meus olhos se enchem de lágrimas), ou mesmo
me visitar num hospital por conta de uma overdose. Tenho certeza
que se continuasse tudo isso, e muito mais, iria acontecer. Talvez
não suportaria dar tamanho desespero e sofrimento para minha
mãe.
Hoje sou um homem, mas tenho sempre que estar atento, pois
ainda sou, e nunca deixarei de ser, compulsivo, egocêntrico e
obsessivo, mas dentre estes três, a compulsão é o tipo de desvio
comportamental que mais me aflige. O importante, graças a Deus,
NA e minha boa vontade, é que estou limpo e ciente que preciso
aprender muito sobre vida, e este aprendizado só acabará quando
chegar o fim dela.
Agradeço à Deus, aos companheiros de NA, minha mãe, minha
ex - esposa que nunca me abandonou, meus irmãos, minha
cunhada Leila e à alguns amigos do trabalho que se fizeram
presente e solidários nesta minha busca pela sobriedade,
crescimento e me ajudam até hoje. Minhas filhas, que são a prova
mais concreta que existe amor incondicional, hoje estão em minha
vida onde elas devem estar, em primeiro lugar. Assim vou
seguindo, errando, acertando, procurando me perdoar e pedir
perdão, comemorando cada dia que amanhece e anoitece.

Marcus Avillez do Amaral


14/7/2008
7 anos 7 meses e 20 dias “limpo”

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