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Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4

Cadernos PDE

VOLUME I
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS
DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009
A EDUCAÇÃO DE ALUNOS SURDOS NA REDE REGULAR DE ENSINO
DE MISSAL SOB A PERSPECTIVA DE PROFESSORES E TRADUTORES-
INTÉRPRETES DE LIBRAS

Iara Junges1
Loraine Alcântara2

Resumo

Este estudo tem por objetivo a reflexão acerca do processo de educação e inclusão
de alunos surdos na rede regular de ensino de Missal. O trabalho faz parte do
Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, do governo do Estado do
Paraná. Para a implementação do projeto contou-se com a participação de
tradutores-intérpretes de Libras – Língua Brasileira de Sinais e professores das
turmas regulares que têm alunos surdos em suas classes. Tendo em vista a
orientação das políticas oficiais vigentes, que recomendam a educação com base na
proposta bilíngue, objetiva-se identificar na prática pedagógica a aplicação dessa
proposta e sua eficácia na educação deste público. Para tal, buscou-se promover a
reflexão sobre a mediação do professor no processo de apropriação dos conteúdos
escolares por alunos surdos no contexto da escola regular. Assim, além dos
instrumentos utilizados para a coleta de dados, tais como: questionários,
observações, análise documental, entrevistas com professores, tradutores-
intérpretes, alunos surdos e seus familiares, foi constituído um Grupo de Estudos
envolvendo tradutores-intérpretes e professores da rede regular de ensino, o qual
promoveu vários encontros objetivando refletir sobre o tema tendo em vista uma
proposta pedagógica que compreenda o aluno surdo como sujeito que percebe o
mundo por meio da experiência visual, o que pressupõe a valorização da língua de
sinais no processo de ensino. O resultado da pesquisa apontou avanços nas
políticas públicas que se referem à elaboração de leis que regulamentam a inclusão,
porém se observou que a inclusão de alunos surdos está em processo apresentando
alguns limites e muitas possibilidades.

Palavras chave: inclusão; aluno surdo; professores; tradutores-intérpretes.

1
Professora da Rede Municipal de Ensino de Missal na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental e Pedagoga na Rede Estadual de Ensino. Professora PDE/2009;
2
Orientadora: Professora e Tradutora-Intérprete de Libras – IES: Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE) – Centro de Educação Comunicação e Artes – Cascavel-PR, especialização em
Educação de Pessoas com Necessidades Educativas Especiais na Educação Inclusiva.
1 Introdução

A inclusão de alunos com deficiência no sistema regular de ensino é


atualmente uma das principais diretrizes das políticas públicas educacionais, em
todos os níveis de ensino. Nesse sentido, vários estudos vêm demonstrando as
possibilidades, as dificuldades e as limitações que o tema impõe, especialmente
quando se trata da educação da pessoa surda.
Diante disso, o grande desafio posto para os educadores é a reflexão sobre
a prática pedagógica não apenas no sentido de se constituir como instrumento de
transmissão de conhecimentos, mas, acima de tudo, concebendo-a como um
processo de mediação conduzido por docentes capazes de compreender a
diversidade humana.
A escolha por esse tema está ligada à necessidade de aprofundar os
conhecimentos nessa área, para desenvolver o meu papel de pedagogo de forma
mais qualitativa, além de compreender melhor a relação ensino-aprendizagem, em
especial, com os alunos surdos matriculados no Colégio Estadual Padre Eduardo
Michelis, no município de Missal, onde atuo como profissional da educação.
O objetivo deste trabalho foi o de analisar e compreender o processo de
aprendizagem e de inclusão, percebendo assim as limitações e as necessidades
para avançar no processo em andamento, que está alicerçado em uma vasta
legislação.
Para compreender o processo de inclusão é que foi desenvolvida esta
pesquisa, inicialmente do tipo bibliográfica, prosseguindo para a descritiva. No
estudo da pesquisa descritiva utilizou-se da pesquisa etnográfica ao limitar o estudo
no âmbito do Colégio Estadual Padre Eduardo Michelis, Ensino Fundamental, Médio
e Normal, o qual é uma instituição escolar pública que atende uma demanda de três
alunos surdos que estão no processo de inclusão no ensino regular e contam com a
atuação de um tradutor-intérprete de Libras durante as aulas.
Foram realizados estudos descritivos com pesquisa documental e para a
coleta de dados utilizou-se de entrevistas com tradutores-intérpretes de Libras e
professores do ensino regular, potencializados com Grupo de Estudos dos
profissionais envolvidos na pesquisa, visando analisar o processo de inclusão desse
público, bem como as possibilidades pedagógicas e necessidades evidenciadas em
seus discursos.
Os dados coletados foram registrados e analisados de forma qualitativa,
tendo um olhar teórico com base nos autores que discutem a formação da
identidade surda, a apropriação da língua portuguesa como segunda língua do
surdo, que propõem a mediação do professor do ensino regular concomitantemente
com a atuação dos tradutores-intérpretes e a interação entre os alunos surdos e
ouvintes no contexto da educação inclusiva.
Ao analisar as teorias que embasam a educação dos surdos, dentro de uma
perspectiva inclusiva, entende-se que haverá uma compreensão maior desse
processo tão discutido. No entanto, a despeito de toda regulamentação legal,
existem ainda barreiras que impõem limitações no processo ensino-aprendizagem e
no relacionamento interpessoal para efetivar o ensino desse público de forma
qualitativa atendendo as suas necessidades e potencialidades.

2 A instituição em estudo e seu processo de Inclusão Educacional

A pesquisa foi desenvolvida no Colégio Estadual Padre Eduardo Michelis,


Ensino Fundamental, Médio e Normal, que é uma instituição escolar pública,
fundada no ano de 1965. Atualmente, conta com 1.050 alunos regularmente
matriculados. O atendimento é ofertado em três turnos, perfazendo o total de 34
turmas de classes regulares do Ensino Fundamental, Médio e de Formação de
Docentes. Dispõe também de duas turmas de Sala de Recursos, atendendo alunos
de 5ª a 8ª série, nas quais é realizado um trabalho de natureza pedagógica em que
o professor complementa o ensino, em pequenos grupos e de forma individualizada,
utilizando recursos pedagógicos adequados a cada necessidade educacional
especial.
A escola possui ainda uma Sala de Apoio para as disciplinas de matemática
e português, atendendo alunos de 5ª série, com o objetivo de minimizar as
dificuldades específicas que os alunos apresentam nestas áreas do conhecimento.
Como atividade extracurricular e pluralinguística de Língua Estrangeira Moderna são
oferecidas no contraturno, como opções, a língua alemã e espanhola.
Entre os alunos matriculados no ensino regular, encontram-se três alunos
surdos que, embora contem com a atuação do tradutor-intérprete de Libras durante
as aulas, ainda se deparam com barreiras que impõem limitações, seja no
relacionamento interpessoal, seja no processo ensino aprendizagem e na realização
das avaliações que se referem aos conteúdos de cada disciplina, nas quais os
professores precisam considerar a especificidade desse público, principalmente
quanto ao uso da língua de sinais, uma vez que ela constitui ferramenta fundamental
para a elaboração discursiva sendo ela a sua língua natural.
O colégio Padre Eduardo Michelis passou a atender alunos surdos no ano
de 1991, visto que neste ano, com base na Resolução 1634/91, foram implantadas a
Classe Especial e o Centro de Atendimento Especializado para alunos com
deficiência mental e auditiva, assim denominadas na época. Os alunos
frequentavam apenas esta sala, não participavam da sala regular. A professora do
Centro de Atendimento Especializado para alunos com deficiência auditiva fazia
parte do quadro de servidores da rede municipal de ensino.
A forma de trabalho era o oralismo, o que implicava na prática do ensino da
leitura labial. Para efetivar a matrícula eram necessários exames de audiometria,
encaminhamento psicológico e análise por parte da assistente social. Segundo a
professora que atendia os alunos na época, os pais vinham com um único objetivo:
que os filhos aprendessem a falar. A ela cabia, principalmente, estimular a fala.
Explorava-se a lateralidade, higiene, partes do corpo e socialização, porém, o ensino
das disciplinas escolares não era significativo. Forçava-se a criança a fazer leitura
labial e copiar os movimentos labiais, e em seguida, deviam escrever as palavras
associando gravuras à palavra escrita correspondente. Com as repetições e
movimentos fonoarticulatórios a criança acabava aprendendo a emitir algumas
palavras. Era necessária uma postura corporal para a criança ter condições de fazer
uma leitura labial, afinal, o objetivo era ensinar a “ouvir”.
Além disso, no oralismo os alunos eram estimulados a diferenciar sons por
meio do uso de instrumentos de percussão, músicas, sons onomatopéicos, barulhos
da natureza e a própria fala humana. A despeito disso, estudos da época vinham
demonstrando que as crianças surdas, dependendo do tipo de perda auditiva, só
sentiam a vibração, não definiam o som.
Em 1995, relata a professora, iniciou o movimento da Comunicação Total 3.
Esta corrente propunha a utilização de todos os recursos que facilitassem a
comunicação oral, inclusive o uso de alguns sinais da Libras colocados na estrutura
da língua portuguesa. Os recursos financeiros para o atendimento destes alunos
eram em parceria, Estado e Município.
Em 1998, com a Resolução nº4017/98, foi autorizado o atendimento
especializado na área de deficiência auditiva na Escola Municipal Renascer, no
município de Missal, que passou a atender alunos da Educação Infantil e Ensino
Fundamental séries iniciais. Na ocasião, conforme relata a professora, já havia uma
preocupação em relação à educação bilíngue. A proposta bilíngue recomenda o
acesso a duas línguas no contexto escolar, considerando a língua de sinais como
língua natural do surdo, por meio da qual são ensinados os conteúdos, e a língua
portuguesa escrita, como segunda língua.
Os alunos frequentavam a escola em período integral, sendo que num turno
ensinava-se Libras e no outro os conteúdos previstos no currículo. No entanto a
professora do ensino regular não tinha conhecimento da língua de sinais e não se
contava, na época, com a presença de tradutor-intérprete de Libras.
Segundo um aluno surdo matriculado na escola naquela época, quando
indagado sobre as aulas do ensino regular comentou que a professora era muito
querida, porém “não sabia nada”. A professora se empenhava para compreender e
ser compreendida pelo aluno, mas não era o suficiente para estabelecer uma
comunicação.
A inclusão de alunos surdos no Colégio Padre Eduardo Michelis nas séries
regulares iniciou em 2007, contudo, somente em 2009 foram contratados tradutores-
intérpretes de Libras. Em 2009, foi celebrado um convênio entre os municípios de
Missal e Itaipulândia, o qual estabeleceu que o município de Itaipulândia
disponibilizaria a estrutura do CAES – Centro de Atendimento Especializado em
Surdez para os alunos de Missal, acordo previsto no artigo 2º da lei nº 1000/2009:

Artigo 2º - Para consecução do objeto do Convênio o município de


Itaipulândia cederá à estrutura do CAES que funcionará junto a Escola
Municipal Carlos Gomes, para que o Município de Missal desloque os seus

3
“A Comunicação Total advoga o uso de um ou mais desses sistemas, juntamente com a língua
falada, com o objetivo básico de abrir canais de comunicação adicionais” (Capovilla 1998, p.1483).
alunos até a referida escola, para participarem das aulas de Libras, para
aprendizado e integração com os alunos do Município de Itaipulândia.

Para assegurar a frequência desses alunos, o convênio previu ainda que o


transporte seria de responsabilidade do município de Missal e que no turno
contrário, os alunos frequentariam a sala regular no município de origem.
As entrevistas com pais de alunos surdos revelam que é muito forte o desejo
de “ensinar o filho a ouvir”. Os pais entrevistados eram todos ouvintes, com domínio
insatisfatório da Libras. Várias mães relataram que a causa da surdez do filho foi a
rubéola, adquirida nos três primeiros meses da gestação. A intenção de submeter o
filho ao implante coclear é o anseio da grande maioria. Porém, os pais dos
adolescentes surdos admitem que o filho não aceita. A preocupação dos pais é
também em relação à dependência, acreditando que o filho poderá não ter
condições de prover o próprio sustento.
Os pais das crianças menores revelam dificuldades para impor limites ao
filho. Comunicam-se com linguagem própria, incluindo a leitura labial e gestos. Os
pais das crianças com idade de um ano a um ano e meio demonstraram
preocupação com o desenvolvimento cognitivo do filho. Estão frequentando aulas de
Libras para possibilitar maior comunicação com o filho.
Diante dessa realidade e analisando o contexto no Colégio Padre Eduardo
Michelis, Ensino Fundamental, Médio e Normal, verifica-se que o processo de
inclusão vem acontecendo de forma tímida. Até o momento, observa-se que a busca
de soluções e a promoção da acessibilidade está ligada à matrícula dos alunos
surdos na escola. As adaptações estruturais e curriculares vêm sendo realizadas na
medida do possível pela equipe escolar, contudo, são ainda insuficientes diante das
necessidades.
Assim, a escola vem assumindo um papel cada vez mais amplo e que exige
consciência e empenho de todos. Cabe ao Estado destinar recursos para prover
condições concretas de infra-estrutura e formação dos docentes a fim de que se
possa alcançar a qualidade necessária para a educação de todos. Compete à escola
envolver a comunidade, não numa perspectiva de voluntariado, tema fortemente
estimulado pela mídia para fazer a sociedade civil assumir o papel do Estado, mas
tornando-a partícipe do constante processo de construção do projeto político
pedagógico da instituição.
A educação escolar é um direito assegurando a todos as crianças e
adolescentes, sem nenhuma distinção, conforme prevê o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Este documento legal preconiza que a criança e o adolescente têm
direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, sendo
garantida a todos a igualdade de condições de acesso e permanência com
qualidade, na escola. Entre outros direitos, o documento garante o “atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular” (BRASIL, 1990).
Devido a esse entendimento, no Brasil, o número de educandos com
deficiência que frequentam escolas regulares teve um progressivo aumento,
passando de 43 mil para 306 mil nos últimos dez anos, de acordo com dados do
Ministério da Educação (MEC), isso representa um aumento de 500%. O MEC
argumenta que a inclusão do aluno surdo com outras crianças, além de auxiliar no
desenvolvimento, ainda promove a diversidade, não havendo nenhuma restrição
para que todos os alunos estejam na mesma escola (BRASIL, 2008).
A inclusão educacional tem ocupado um espaço destacado nas reflexões
sobre a escolarização das crianças com necessidades especiais, tenham elas
deficiência ou não, pois o conceito de inclusão se estende também àquelas pessoas
que possuem necessidades educacionais especiais transitórias, sem que
necessariamente apresentem alguma deficiência. Porém, a escola, inserida no
contexto da sociedade capitalista, reflete uma tendência à homogeneização, super
valorização de padrões e, por conseguinte, muitas vezes desconsidera as
especificidades dos sujeitos no campo educacional. Compreender a diversidade de
necessidades e manifestações se faz necessário e é o grande desafio posto para os
educadores.
A necessidade de atendimento pedagógico especializado requer que o
ensino se dê por vias diferenciadas e o professor deve estar atento aos instrumentos
e meios que permitam a aprendizagem dos conteúdos científicos por todos os
alunos, pois conforme aponta a educadora Mantoan:

Diante dessas novidades, a escola não pode continuar ignorando o que


acontece ao seu redor nem anulando e marginalizando as diferenças nos
processos pelos quais forma e instrui seus alunos. E muito menos
desconhecer que aprender implica ser capaz de expressar, dos mais
variados modos, o que sabemos, implica representar o mundo a partir de
nossas origens, de nossos valores e sentimentos. (MANTOAN, 2003, p.17).

Vislumbramos vasta legislação referente à inclusão, mas esta por si só não


garante o acesso. É imperativo, acima de tudo, entender a educação inclusiva como
uma responsabilidade coletiva, que envolve o poder público, a sociedade e, em
especial a comunidade escolar, e que a sua concretização exige a eliminação do
preconceito, o que implica na mudança de atitudes.

3 Fundamentação Teórica

3.1 História da pessoa surda

Para melhor compreender a trajetória da inclusão da pessoa surda faz-se


necessário um breve histórico. Segundo Veloso e Maia Filho (2009, p.27), existem
registros sobre a história dos surdos que nos remetem a 4000 a.C - 355 a.C, quando
no Egito os surdos eram considerados como seres enviados por deuses, e por esse
fato deveriam ser protegidos e eram adorados devido à crença de que eles se
comunicavam, em segredo, com os seres superiores. Porém, não havia nenhuma
intervenção educativa destinada aos mesmos.
Já no período 485 – 420 a.C, segundo o filósofo Heródoto, os surdos foram
considerados como seres castigados pelos deuses. Na China, por volta de 483-485
a. C., os surdos eram lançados ao mar, sacrificados em nome de um deus. Na
Grécia, no período de 480 – 425 a.C, os surdos eram condenados à morte, sendo
lançados do alto de rochedos e os que porventura viessem a sobreviver, viviam na
miserabilidade, como escravos.
No ano de 384 a.C, conforme os autores supramencionados, começaram as
discussões acerca da educabilidade dos surdos, porém, nesse ano, Aristóteles os
julgou incapazes de pensar, por não possuírem linguagem. Em 476 d.C, os surdos
foram proibidos de comungar na igreja devido ao fato de não poderem se confessar,
portanto, recebiam tratamento diferenciado dos demais cidadãos da época. Devido a
sua deficiência não tinham direito à herança, ao voto e ao casamento entre surdos.
Em 483 – 527 d.C, em Roma, os surdos eram considerados enfeitiçados,
castigados e, em razão disso, eram abandonados, escondidos pela família,
escravizados ou jogados ao rio. Mais tarde foi criado o Código Justiniano, o qual
passou a diferenciar os graus de surdez, mas ainda não se aviltava a possibilidade
de educá-los. Somente em 1500 Giralmo Cardano afirmou ser possível ensinar os
surdos através da escrita e da língua de sinais, o qual resolveu estudar a surdez por
ter tido um filho surdo.
Em 1560, Melchor de Yebra escreveu um livro com o alfabeto manual da
época, ilustrado. Dezenove anos mais tarde outro alfabeto ilustrado foi divulgado na
Itália. Porém, somente quem sabia falar adquiria direito a herança naquele período.
Em 1579, o alfabeto manual foi introduzido em vários países, havendo alterações
apenas no que se refere à ortografia e cultura. Em 1700, Johann Conrad Amman,
um médico suíço, publicou um método de ensino que aliava a fala e leitura labial,
considerava que a língua de sinais “atrofiava a mente”.
No ano de 1741, Jacob Rodrigues Pereira, considerado o primeiro professor
espanhol de surdos, conseguiu oralizar sua irmã surda, utilizando a fala e exercícios
auditivos. Em 1778, foi fundada a primeira escola de oralismo puro na Alemanha.
L’Epée, em 1759, passou a ensinar alunos surdos usando a língua de sinais. Ele
defendia a língua de sinais como sendo um meio de comunicação e de
desenvolvimento do pensamento. Apesar dos ensinamentos de L’Epée, foram
fundadas, em 1760, na Europa, várias escolas que procuravam oralizar crianças
surdas. (VELOSO E MAIA, 2009, p.22 e p. 33)
Em meados de 1802, Jean Gaspard Itard interessou-se em conhecer as
causas da surdez, compreendia-a como uma doença a ser erradicada ou diminuída,
pois somente dessa forma a pessoa surda poderia ter acesso ao conhecimento.
Para seus estudos utilizou-se de vários métodos, como ressalta Éden Veloso e
Valdeci Maia Filho:

1. Dissecou cadáveres de surdos; 2. Aplicou cargas elétricas nos ouvidos de


surdos; 3.Furou membranas timpânicas de alunos (um aluno morreu por
este motivo); 4. Fez várias experiências e publicou artigos sobre uma
técnica especial para colocar cateteres no ouvido de pessoas com
problemas auditivos, tornando-se famoso e dando nome à Sonda de Itard;
5. Fraturou o crânio de alguns alunos; 6. Infeccionou pontos atrás das
orelhas deles; 7. Usou sanguessugas dentro dos ouvidos. (VELOSO e
MAIA, 2009, P.35)

Alexander Melville Bell, em 1846, desenvolveu um método de ensino que


utilizava ilustrações dos lábios, garganta, língua e dentes, a fim de que os alunos se
apropriassem dos movimentos e emitissem os sons representados. Éden Veloso e
Valdeci Maia Filho expõem o seguinte a respeito dos métodos utilizados por Jean
Gaspard Itard:

Professor de surdos, especialista em problemas auditivos, queria criar o que


chamava de “Fala visível” ou “Linguagem visível”, sistema que utilizava
desenhos dos lábios, garganta, língua, dentes e palato para que os surdos
repetissem os movimentos e os sons indicados pelo professor. Era um
conjunto de símbolos, cada qual representando a posição da boca na
pronúncia das vogais e consoantes. (VELOSO e MAIA, 2009, P.39)

No Brasil, segundo Vilela (2011), a história da educação de surdos tem início


com a decisão de Dom Pedro II, que encarregou ao Marquês de Abrantes a tarefa
de organizar uma comissão para a criação de um instituto destinado à educação de
surdos-mudos. Assim, em 1857 foi aprovada a Lei nº 939 que destinou verba para a
criação do Instituto além de uma pensão anual para cada um dos dez alunos
admitidos.
Para a educação desses alunos, Dom Pedro II trouxe um surdo francês
chamado Edward Huet, o qual, segundo a autora, propôs um trabalho baseado na
Língua de Sinais. Acredita-se que em razão de ter sido aluno de Clerc no Instituto
Francês, Huet utilizava os sinais e a escrita na educação dos alunos surdos no
Instituto brasileiro, além de ter sido o instrutor da Língua de Sinais Francesa no
Brasil.
Como demonstra Vilela (2011), o instituto foi chamado inicialmente de
Imperial Instituto de Surdos-Mudos, em 1956 recebeu o nome de Instituto Nacional
de Surdos Mudos e em 1957 de Instituto Nacional de Educação de Surdos. Teve,
nesse contexto, uma proposta curricular contemplando disciplinas como o
português, aritmética, história, geografia, linguagem articulada e leitura sobre os
lábios para os que tivessem aptidão.
A autora relata que Huet deixou o Instituto em 1862 e que o cargo de diretor
foi ocupado pelo Dr. Manuel de Magalhães Couto, o qual não era especialista na
área o que levou o Instituto a ser considerado asilo de surdos, após uma inspeção
governamental realizada em 1868. Em seguida o cargo de diretor passou a ser
ocupado por Tobias Leite, momento a partir do qual foi estabelecida
obrigatoriamente a aprendizagem da linguagem articulada e da leitura dos lábios.
Em 1880 foi realizado o Congresso de Milão, com representantes de várias
nacionalidades, desses apenas uma pessoa surda esteve presente. Nesse
Congresso foi discutida e reafirmada a necessidade do uso da língua oral no ensino
das pessoas surdas, desconsiderando, dessa forma, as discussões sobre o uso da
língua de sinais. A partir daí os professores surdos foram demitidos e passou a
imperar o oralismo. (VELOSO E MAIA, 2009, p.45)
A partir do Congresso de Milão o método oralista tornou-se dominante e a
Língua de Sinais passou a ser rejeitada, sendo que em razão disso o
desenvolvimento dos surdos sofreu sérias consequências. Este método visava fazer
com que o surdo falasse, acreditando que apenas a partir dessa aquisição seria
possível o desenvolvimento cognitivo, emocional e social do surdo, equiparando-o
dessa forma a um membro do mundo ouvinte.
Porém, apenas um pequeno número de surdos que perderam a audição de
forma precoce conseguiu ser oralizado a ponto de ser plenamente compreensível
devido a dificuldade de articular corretamente as palavras. Mesmo os que
conseguiram ser oralizados, acabaram sentindo-se inibidos para comunicar-se com
pessoas que não pertenciam a seu círculo social. Muitos deles acabaram mantendo-
se alijados de um nível apropriado de leitura e escrita e por consequência em
apropriar-se dos conhecimentos de outras matérias escolares. (COPAVILLA, 2001,
p.1481 e 1482)
A partir da década de 1960 houve várias tentativas para desenvolver
métodos e equipamentos que dessem conta de obter melhores resultados no
desenvolvimento dos surdos, porém nenhum deles empreendeu sucesso no sentido
de possibilitar ao surdo a aquisição e o desenvolvimento da linguagem de forma
plena. (COPAVILLA, 2001, p.1482)
Em decorrência da insatisfação com os resultados, o movimento
comunicação total, propunha a retomada das concepções que utilizavam a língua de
sinais, porém, associava a mesma com a língua oral. Segundo Moura (1993), a
comunicação total visa à utilização tanto de sinais extraídos da língua de sinais
quanto de elementos da língua falada. Assim, valendo-se da estrutura da língua
portuguesa, tudo o que é falado poderia ser acompanhado por elementos visuais.
Isso facilitaria, num primeiro momento, a aquisição da língua oral e em seguida, a
aquisição de leitura e da escrita.
Vários autores, a exemplo de Sanches (1990) e Dorziat (1997), relatam que
o maior problema desta corrente é a utilização simultânea de duas línguas – o
português e a língua de sinais, ou seja, introduz-se elementos gramaticais de uma
língua na estrutura de outra, resultando numa terceira modalidade.
Nesse sentido, Dorziat expõe o seguinte:

Como não existem na língua de sinais componentes da estrutura frasal do


Português (preposição, conjunção, etc.), são criados sinais para expressá-
los. Além disso, utilizam-se marcadores de tempo, de número e de gênero
para descrever a língua portuguesa através de sinais. A isto se chama de
Português sinalizado. Outra estratégia utilizada pela Comunicação Total é o
uso de sinais na ordem do Português, sem, no entanto, usar marcadores,
como no Português sinalizado. O que existe em ambos os casos é um
ajuste da língua de sinais à estrutura da língua portuguesa (DORZIAT,
1997, p. 16).

O que se evidencia, tanto no oralismo quanto na comunicação total, é a


concepção de pessoa surda, vista como um ser incompleto, distinto do padrão social
e que, portanto, precisa ser normalizado, ou seja, é necessário que a pessoa surda
se torne capaz de ouvir e falar, por essa razão persistiram, nas duas propostas, as
atividades de treinamento de fala e de audição.
Segundo Éden Veloso e Valdeci Maia Filho (2009), no Brasil, em 1977, foi
criada uma organização intitulada FENEIDA - Federação Nacional de Educação e
Integração dos Deficientes Auditivos, que se propunha a reabilitar deficientes
auditivos. Em 1984 foi fundada a Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos
– CBDS . Em 1987 foi fundada a FENEIS – Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos, sendo uma reestruturação da antiga FENEIDA. Em 1997,
teve início o acesso à exibição de legenda na televisão – closed caption.
No ano de 1998, a Lei Estadual nº 12.095/98 oficializou a Língua Brasileira
de Sinais no Estado do Paraná, antes mesmo de ser reconhecida em âmbito
nacional. Essa lei marcou uma mudança na política educacional do Paraná, que
antes estava calcada no oralismo e vinha progressivamente aderindo à nova
proposta (PARANÁ, 1998). A primeira edição da revista da FENEIS foi lançada em
1999 (VELOSO E MAIA, 2009).
Com a regulamentação, da Lei Estadual nº 12.095/98 em 2003, surgiu a
necessidade da oferta da educação bilíngue no Estado, o que impulsionou a oferta
dos serviços de apoio de Instrutores de Libras (PARANÁ, 2003). A educação
bilíngue compreende uma situação linguística que envolve o uso de duas línguas
distintas na comunicação e no ensino: a língua de sinais – Libras e a língua
portuguesa (FERNANDES, 2006).
Nesse sentido, Lodi e Harrison (1998) demonstram a importância de a
escola oferecer à criança surda oportunidade de adquirir a sua primeira língua e de
se constituir como sujeito linguístico, da mesma maneira como essa oportunidade é
oferecida à criança ouvinte.
Lacerda (1998), afirma que “o modelo de educação bilíngue contrapõe-se ao
modelo oralista porque considera o canal visogestual de fundamental importância
para a aquisição de linguagem da pessoa surda”. Diz ainda a referida autora que o
bilinguísmo “contrapõe-se à comunicação total porque defende um espaço efetivo
para a língua de sinais no trabalho educacional”, por isso advoga que cada uma das
línguas apresentadas ao surdo mantenha suas características próprias e que não se
“misture” uma com a outra.
Em 2005, com a promulgação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002
(BRASIL, 2002), regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
houve o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como meio legal de
comunicação e expressão dos surdos, ressaltando, dessa forma, tratar-se de um
sistema linguístico de natureza visual-motora, que tem uma estrutura gramatical
própria e que constitui um sistema de transmissão de idéias e fatos oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil. Ficou também determinado que a Libras
deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos
de Fonoaudiologia (BRASIL, 2005).
No ano de 2006 teve início o primeiro curso de graduação em Letras Libras
na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC- em Florianópolis – SC- com
nove pólos em outros Estados.
Vários avanços foram conquistados no que se refere a educação e inclusão
de pessoas surdas, porém ainda são grandes os desafios a serem enfrentados,
especialmente no campo da formação de professores e na compreensão relativa
aos processos de apropriação da pessoa surda. Ora, os surdos, em regra, não
apresentam dificuldades cognitivas, necessitam sim do acesso aos conhecimentos
científicos por meio do canal espacial visual.

3.2 Tradutor-intérprete da língua de sinais

A função do tradutor-intérprete da língua de sinais passou, com o advento da


inclusão das pessoas surdas, a ter um papel significativo no contexto social. Desta
forma, verifica-se a necessidade de contar com esse profissional em diversos
espaços sociais. Para poder desempenhar a sua função com qualidade, é
necessário que esse profissional tenha uma formação adequada e, além disso, seja
observado o seu espaço de atuação, vez que há uma diferença entre o tradutor-
intérprete de língua de sinais e o tradutor-intérprete escolar.
Os profissionais que atuam, nos segmentos judiciários, meios de
comunicação, em órgãos administrativos e hospitalares dentre outros são
denominados intérpretes de língua de sinais. Segundo Quadros, (2004) o
profissional que realiza interpretação em espaços educacionais (escolas,
universidades, faculdades) é denominado intérprete educacional.
Em conformidade com a ilustre autora Damázio (2007), o profissional
tradutor-intérprete:

É a pessoa que, sendo fluente em Língua Brasileira de Sinais e em Língua


Portuguesa, tem a capacidade de verter em tempo real (interpretação
simultânea) ou, com um pequeno espaço de tempo (interpretação
consecutiva), da Libras para o Português ou deste para a Libras. A tradução
envolve a modalidade escrita de pelo menos uma das línguas envolvidas no
processo (Damázio, 2007, p. 49).

Dessa forma, tradutor-intérprete é a denominação dada a quem interpreta de


uma língua para outra. O tradutor-intérprete da língua de sinais é a pessoa que
interpreta uma determinada língua de sinais para outra língua, ou de outra língua
para uma determinada língua de sinais.
O tradutor-intérprete precisa ouvir/ver o texto, seja oral ou escrito em uma
língua e passar para a outra língua. Para que isso seja possível é necessária
habilidade e agilidade na interpretação. Eis aí um dos questionamentos acerca da
atuação do tradutor-intérprete: se o mesmo interpreta na literalidade o que foi dito ou
faz essa tradução de acordo com a sua compreensão. Nesse sentido Damázio
(2007) aduz:

Segundo o código de ética da atuação do profissional tradutor e intérprete -


que é parte integrante do Regimento Interno do Departamento Nacional de
Intérpretes da FENEIS/Federação Nacional de Educação e Integração dos
Surdos - cabe a esse profissional agir com sigilo, discrição, distância e
fidelidade à mensagem interpretada, à intenção e ao espírito do locutor da
mensagem. (MEC/SEESP, 2001). Esta postura profissional exige disciplina
e uma clara consciência de seu papel. Assim sendo, o intérprete deve ter
uma estabilidade emocional muito grande e todo aquele que almeja assumir
essa função precisa ter consciência dessas condições e buscar formas de
desenvolvê-la (Damázio, 2007, p. 50).

A atividade de tradução-interpretação surgiu a partir de ações ligadas ao


voluntariado e vem crescendo como atividade profissional na medida em que houve
maior inserção e participação de pessoas surdas nos diferentes setores da
sociedade.
Porém, somente quando a língua de sinais foi reconhecida como língua
oficial, as pessoas surdas passaram a ter força para exigir a promoção do acesso
nas escolas e na sociedade. Por conta dessa necessidade, diversos setores sociais
vêm se mobilizando no sentido de promover a interação entre surdos e ouvintes, por
meio da crescente oferta de cursos de Libras, especialmente nas instituições de
ensino, que objetivam fazer com que essa manifestação linguística torne possível a
inclusão qualitativa de pessoas surdas.
No Brasil, em conformidade com a publicação do MEC, em 2004 a qual foi
intitulada O Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua
Portuguesa, a atuação do intérprete teve início aproximadamente nos anos 80 e
ocorria principalmente no campo religioso. Somente a partir do final dos anos 90,
instituições organizadas iniciaram discussões acerca da atuação profissional do
tradutor-intérprete em outros espaços, destacando aspectos relevantes sobre ética
profissional.
Em abril de 2002, com a aprovação da Lei Federal nº 10.436, houve o
reconhecimento da língua brasileira de sinais como língua oficial das comunidades
surdas brasileiras e, consequentemente, a figura do profissional tradutor-intérprete
ganhou espaço no cenário educacional brasileiro, intensificando a necessidade da
formação desse profissional.
Porém, dominar a língua brasileira de sinais pressupõe não apenas o
domínio dos sinais característicos da mesma, pressupõe, acima de tudo, o
conhecimento de aspectos linguísticos e culturais dos usuários dessa modalidade,
pois para que a interação comunicativa ocorra com qualidade várias escolhas
lexicais, estruturais, semânticas e pragmáticas devem ser utilizadas. Além disso, o
que é dito em português deve ser interpretado, por meio da Libras, da forma mais
apropriada e fidedigna possível evitando que esse processo se torne uma releitura
do intérprete. Para que isso ocorra, o intérprete precisa ter clareza de que é
necessário muito estudo e conhecimento técnico. Portanto, o ato de interpretar
envolve processos altamente complexos. Sobre isso Damázio (2007) assevera:

(...) o tradutor-intérprete deve conhecer com profundidade, cientificidade e


criticidade sua profissão, a área em que atua, as implicações da surdez, as
pessoas com surdez, a Libras, os diversos ambientes de sua atuação a fim
de que, de posse desses conhecimentos, seja capaz de atuar de maneira
adequada em cada uma das situações que envolvem a tradução, a
interpretação e a ética profissional (Damázio, 2007, p. 51).

Dessa forma, o tradutor-intérprete deve dominar além da língua falada no


seu país, a língua de sinais, tendo qualificação para o exercício da função e,
preferencialmente, formação na área específica de atuação.
Neste sentido, o intérprete que cedeu entrevista para a realização do
presente trabalho relata que uma das dificuldades apresentadas na atuação em
turmas do Ensino Fundamental séries finais, Ensino Médio e na Formação de
Docentes é a falta de uma formação especifica, ou seja, que a sua atuação se dê
nas áreas de sua formação.
A sua formação, muitas vezes, se dá somente em uma disciplina com
pequena carga horária ou são pessoas graduadas em pedagogia e que participaram
de alguns cursos esparsos, de curta duração. A despeito da fragilidade dessa
formação, conforme relata o intérprete, vêem-se obrigados a atuar nos mais diversos
cursos e disciplinas nos quais não possuem domínio científico apropriado, já que na
língua de sinais é recorrente o uso de classificadores4.
Além disso, a Lei 10.436/02, em seu artigo 4º, parágrafo único, dispõe que a
língua de sinais “não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa”.
Contudo, ressalta-se que para que o aluno surdo entenda a estrutura da língua
portuguesa escrita, o professor deve ter uma formação adequada e ser conhecedor
da língua de sinais.
Assim, tendo em vista a inexistência de cursos de graduação para formação
de tradutores-intérpretes, a maior parte dos intérpretes que atuam hoje na educação
não possui formação adequada. As pessoas que atuavam como voluntários nas
igrejas, amigos ou familiares que aprendiam alguns sinais com os surdos logo
passavam a atuar como intérpretes, tendo ou não formação em nível superior – e
quando tinham algum curso de graduação, este não era para formação de
intérpretes nem de licenciatura.
Os cursos de Letras-Libras, destinados à formação de professores e de
tradutores-intérpretes de Libras, são recentes e ainda não há a oferta de vagas para
suprir a demanda no Brasil, pois somente algumas capitais e poucas cidades
oferecem o referido curso.
Segundo Quadros (2004), há diferentes níveis de formação de intérpretes
para surdos, desde o nível secundário ao nível de mestrado, em todos eles há
pessoas que buscam conhecimento para tornarem-se profissionais mais
qualificados. A autora explica ainda que essa variação revela o desenvolvimento
sócio-cultural da comunidade surda, sendo que a preocupação em formar
intérpretes surge a partir da participação ativa da comunidade surda na comunidade
em que está inserida. Portanto, “é interessante observar que, enquanto a
comunidade surda não constitui um grupo com identidade sócio-cultural-política, o
intérprete não se constitui enquanto profissional”.
Lacerda (2004), salienta que o intérprete de língua de sinais é ainda pouco
conhecido no âmbito acadêmico e afirma que são escassos os estudos existentes

4
Classificador: em Libras, assim como em ASL, os Classificadores funcionam como partes dos
verbos em uma sentença, sendo estes chamados verbos de movimento ou de localização (BRITO,
1995).
no Brasil e no mundo, seja no que se refere ao intérprete de maneira ampla, seja em
relação ás pesquisas que remetam ao intérprete educacional.
Quadros (2004), define que “o interprete educacional é aquele que atua
como profissional intérprete de língua de sinais na educação”.
Assim, o intérprete educacional tem por função precípua ser o mediador do
discurso entre os professores e os alunos surdos, fazendo uso da língua de sinais e
do português por meio do processo de interpretação e tradução. Atualmente, com o
crescente processo de inclusão, a atuação do tradutor-intérprete tem se tornado
necessária para que o aluno surdo possa compreender e se apropriar do conteúdo
explorado em sala de aula, procurando, dessa forma, garantir o acesso e a
permanência, com qualidade, do aluno surdo na escola.
No que se refere à função, às atribuições desse profissional em sala de aula
ainda não se tem posicionamento pacífico, pois estudos revelam que, muitas vezes,
o seu papel é confundido com o de professor, o que não deve ocorrer. O intérprete
deve ser o mediador do discurso proferido entre professor e aluno surdo. Muitas
vezes os equívocos ocorrem por parte dos próprios alunos surdos, que se dirigem
ao intérprete para solucionar eventuais dúvidas sobre o conteúdo não
compreendido, e este por sua vez incorpora a função de esclarecê-las, eximindo o
professor dessa tarefa.
Com esse comportamento, o intérprete contribui para inculcar a idéia
errônea de que o aluno é do intérprete e não do professor, tornando quase que
natural o fato de o professor delegar ao intérprete a responsabilidade de ensinar os
conteúdos. Nesse sentido, Lacerda (2004, p. 03), com base no estudo de Stewart
and Kluwin, realizado e 1996, afirma que:

Em relação ao papel do intérprete em sala de aula, se verifica que ele


assume uma série de funções (ensinar língua de sinais, atender a
demandas pessoais do aluno, cuidados com aparelho auditivo, atuar frente
ao comportamento do aluno, estabelecer uma posição adequada em sala de
aula, atuar como educador frente a dificuldades de aprendizagem do aluno)
que o aproximam muito de um educador (LACERDA , 2004, p. 03).
Outro aspecto relevante é que o aluno passa a ter uma relação de
dependência com o intérprete, constituindo fator extremamente negativo, vez que tal
atuação deve contribuir para a emancipação do aluno surdo.
Para que se possa avançar em direção à superação das dificuldades
mencionadas, além da realização de estudos sobre o tema, são necessárias ações
do Estado, especialmente no que se refere à formação do intérprete e à definição de
sua atuação.

4 Dados coletados na entrevista com tradutores-intérpretes educacionais

Em entrevista realizada com tradutores-intérpretes educacionais, do


município de Missal, procuramos explicitar aspectos referentes ao processo de
tradução e interpretação, suas impressões, dificuldades e anseios. Os relatos a
seguir foram transcritos partindo do que foi dito em entrevista, procurando manter a
literalidade do discurso apresentado. Denominaremos os participantes como
tradutor-intérprete 1, 2, 3 e 4.
O tradutor-intérprete 1 relata, quando questionado sobre as dificuldades e
anseios percebidos no seu trabalho, sentir necessidade de “Políticas Públicas mais
eficazes, que além de aprovar leis que dêem suporte pedagógico e financeiro para
que elas se tornem concretas e também de pessoas mais acessíveis à mudanças,
pois a maioria continua excluindo os alunos surdos. Percebo que já houve um
avanço muito significativo nos últimos anos, mas ainda existe aquele pequeno grupo
de surdos, auxiliados por um mínimo de ouvintes, lutando pelos seus direitos,
direitos estes que já são garantidos em sua maioria por leis, mas que na prática não
acontecem”.
E prossegue dizendo: “acho que não é falta de informação, mas de
aceitação, pois se espera até o momento em que se tem contato com surdo para
verificar o quê e como fazer (comunicação), dar aula, qual é o papel do professor e
do tradutor-intérprete, como o surdo aprende, como avaliá-lo, isso quando o
profissional é dedicado. Se não o for, continua reclamando da vida, das aulas, do
tradutor-intérprete, dos surdos, dos ouvintes, da escola e é claro, continua não
fazendo nada nem mesmo acessar algo na internet sobre o assunto”.
“Assim, os profissionais que trabalham com os surdos, seja professor,
tradutor-intérprete, até os surdos e os ouvintes, devem pedir e cobrar da escola que
peça ajuda ao professor bilíngue que trabalhar no CAES e/ou na escola do seu
município. Este deve ser o profissional que deverá orientar os profissionais,
referente ao trabalho de inclusão do surdo. Se isso não for possível, deverão
procurar outros que tenham competência pra isso”!
Percebe ainda como sendo os maiores problemas “a falta de tradutores-
intérpretes, a qual está sendo sanada aos poucos pelo poder público; ética
profissional entre professor regente e tradutor-intérprete; falta de conhecimento e
fluência na língua de sinais, vocabulário restrito e falta de cursos de
aperfeiçoamento”.
“O professor regente acha que o tradutor-intérprete é responsável pela
aprendizagem do surdo, quando na verdade ele é o elo de comunicação e a
responsabilidade da aprendizagem do surdo é do professor, bem como de adaptar o
que for necessário em relação a sua aula, lembrando ainda que todos os alunos são
diferentes, independente de ter uma limitação ou não; resistência à mudança do
professor nas adaptações que são estritamente necessárias”.
“Acredito que, se houver bom entrosamento, confiança, respeito e aceitação
das adaptações necessárias entre professor e tradutor-intérprete, todos os alunos da
turma aprendem. Isso sim é respeito às diferenças”!
O tradutor-intérprete 2 explicita a sua experiência: “Comecei trabalhar no
ano de 2003, como tradutor-intérprete. No começo não foi nada fácil, e ainda não é.
As mesmas dúvidas e angústias continuam presentes. Não temos nenhum apoio no
nosso trabalho, se o aluno surdo consegue entender o conteúdo o mérito é todo do
professor, mas se o aluno não entende é porque o tradutor-intérprete não sabe
transmitir a idéia do professor. A falta de cursos ofertados pelo governo também é
um fator negativo da profissão, temos que nos virar da forma que encontramos”.
“A maioria dos tradutores-intérpretes são graduados em alguma disciplina,
mas na sala de aula temos que interpretar todas as disciplinas. Às vezes nos
deparamos com algum conteúdo que não fazemos muita ideia do que trata. Algumas
vezes até sentimos vontade de sair correndo da sala de aula, ai não temos com
quem falar e a quem recorrer. Mas não é só de coisas ruins que se vive essa
profissão, também tem muitas coisas boas. É muito gratificante ver nos olhos do
aluno surdo o prazer que ele tem em estarmos ali na sua frente servindo a cada dia,
mesmo sendo mais lento do que os demais alunos. É muito bom ser e sentir-se útil
para alguém”.
“Amo o que faço, luto e luto muito pela minha profissão e pelos direitos dos
nossos alunos surdos”.
“Na nossa escola até foi bem aceita a presença dos tradutores-intérpretes e
dos surdos, mas ainda encontramos algumas resistências, porque alguns
professores, no momento da escolha das turmas, quando ficam sabendo que têm
surdos e tradutor-intérprete preferem trocar e não aceitam trabalhar. Alguns alegam
abertamente que não querem mesmo. Em minha opinião, a não aceitação é a falta
de conhecimento e orientação, sobre as leis e a própria Libras”.
“Como o surdo não aprende a língua portuguesa igual aos ouvintes ele é
taxado de incapaz, desatento, bagunceiro. Mas, a prática mostra que se for
respeitada sua dificuldade e primeiro houver um esforço para fazer com que ele
adquira a língua 1, a língua portuguesa será uma consequência”.
“Os ouvintes, quando iniciam seus estudos, já têm conhecimento do
português, ainda que esse uso seja informal, pois a falam em suas famílias. O surdo
não tem a língua portuguesa e não tem a língua de sinais, ou seja, não tem língua
definida, apenas tem um código de comunicação criado por ele e sua família”.
“Quando este surdo chega à escola, ele é tratado como se fosse ouvinte ou
então se deseja que ele atinja, com igual tempo, um conhecimento mais amplo
sobre a língua portuguesa. Assim, os profissionais que atuam na escola precisam ter
claro que primeiramente é necessário que se ofereça condições para que o aluno
surdo desenvolva a língua de sinais, que é sua língua natural”.
“Percebe-se que as práticas e posicionamentos em relação às necessidades
linguísticas dos surdos, envolve duas línguas. Não se trata de apenas trocar a língua
por meio da qual são transmitidos os conteúdos ou de utilizar alguns critérios de
avaliação mais justos que visem respeitar a diferença linguística que irá garantir ou
orientar uma nova abordagem, mas a compreensão do sujeito surdo em sua
totalidade sócio-histórico-cultural”.
O tradutor-intérprete 3 assevera que “Sabemos que há um avanço
considerável na inclusão do surdo no ensino regular, mas sabemos também que
essa inclusão ainda não é satisfatória, porque nos deparamos com a insatisfação de
ambas as partes: do surdo, que quer interagir com os colegas e professores e para
isso, precisa contar com a atuação do tradutor-intérprete; esse profissional, que
muitas vezes, despreparado, encontra possibilidades restritas para o
desenvolvimento do seu trabalho. Tem baixa remuneração e difícil acesso à
formação e recursos referentes a sua área de atuação.
“Outro aspecto a ser considerado é a atuação do tradutor-intérprete em
eventos, como, por exemplo, em palestras. Geralmente é dispensada atenção e
certos cuidados aos palestrantes, porém se esquecem de oferecer um simples copo
de água para o tradutor-intérprete que ali atua”.
“Além disso, a falta de ética do tradutor-intérprete também causa transtornos
no aprendizado do aluno surdo. Esse profissional precisa ser fiel quando estiver
interpretando o conteúdo repassado pelo professor, na comunicação que o aluno
surdo estabelece com o seu professor e com os colegas. Em outros espaços, como,
por exemplo, no ambiente de trabalho, essa atuação também deve ser
fundamentada na ética profissional”.
“O aluno surdo apresenta ou demonstra insatisfação diante de situações que
ocorrem no dia a dia. Há um desrespeito quando o tradutor-intérprete está atuando e
as pessoas passam na sua frente, interferindo na compreensão e na sequência do
discurso interpretado, visto que há cortes na comunicação, que é essencialmente
visual”.
“A atuação do tradutor-intérprete fica comprometida quando a sala é
tumultuada por conversas paralelas, tirando o foco do conteúdo principal. Além
disso, sabemos que os conteúdos são planejados para ouvintes e muitos
professores não possuem o hábito de utilizar exemplos ou estratégias visuais, que
facilitam a compreensão do aluno surdo”.
O tradutor-intérprete 4 considera que “o aluno surdo compreende o conteúdo
tanto quanto os ouvintes, expõem suas opiniões e angústias, sente-se valorizado
como ser humano e interage com os colegas”.
Relata que alguns professores se preocupam com o aprendizado do aluno
surdo, preparando aulas expositivas com recursos visuais , preparam provas
diferentes, com alternativas, não especificamente para o aluno surdo, mas também
para os demais. Assim, verifica-se que muitos professores tratam o aluno surdo com
igualdade em relação aos demais, além disso, a equipe pedagógica da escola em
que atuo, muitas vezes preocupada com a aprendizagem em sala, traz materiais
alternativos para trabalhar em sala de aula”.
Observa ainda que “por ser algo novo, a inclusão de surdos, em minha
opinião, tem muita coisa a ser melhorada, mas o bom é que estamos no caminho
certo. Cada um está fazendo sua parte, isso que é gratificante, ao menos todos
estão tentando”.
Relata ainda outros aspectos sobre a inclusão: “O aluno inicia a
alfabetização sem ter nenhuma língua, nem Libras, nem Português, causando-lhe
um atraso nesse processo; tradutores-intérpretes que não possuem formação e nem
frequentam cursos de capacitação; o professor às vezes acaba atribuindo atividades
extras ao tradutor-intérprete, confundindo-o com um auxiliar; alguns tradutores-
intérpretes se sentem professores do aluno surdo, traduzindo sua opinião em
relação ao conteúdo, o que não deve ocorrer; falta de um planejamento adequado
tendo em vista aulas com recursos visuais, sendo este um recurso positivo tanto
para os surdos quanto para os ouvintes; falha no processo avaliativo; falta de
tradutor-intérprete em sala de aula; professores que tratam o aluno surdo com
piedade; falta de comunicação entre professor, aluno surdo e colegas da turma, o
que exigiria, no mínimo, o conhecimento de sinais básicos da Libras, como: oi, bom
dia, tudo bem?”.

4.1 O aluno surdo em sala: limites e necessidades sob a ótica dos professores
do ensino regular

Para iniciarmos essa discussão, devemos partir do contexto escolar, para


isso, realizamos entrevistas com professores da rede regular de ensino que
trabalham com turmas com alunos surdos inclusos. O questionário proposto buscou
obter respostas em relação às principais dificuldades enfrentadas e sobre a forma de
avaliação do aluno frente aos conteúdos trabalhados.
Acerca da forma de avaliação dos alunos surdos os professores declararam
considerar atividades realizadas em casa, a participação do aluno, desenhos, a
matéria em dia, o cuidado com o material. Um dos professores salientou que não há
diferenças no processo avaliativo do aluno surdo em relação aos demais alunos da
sala.
Observa-se, porém, que através desse discurso, os professores revelam
que, muitas vezes, os critérios de avaliação se distanciam dos conteúdos científicos
explorados em sala e passam a ser privilegiados aspectos meramente atitudinais, ou
seja, atribui-se nota para o aluno surdo que apresenta bom comportamento, sem
que se procure saber se de fato ele se apropriou do conteúdo escolar. Ou, como
disse um dos entrevistados, não se faz qualquer distinção entre a avaliação
realizada por alunos surdos em relação à dos ouvintes.
Em relação às principais dificuldades apresentadas, foi destacado, com
maior ênfase, a dificuldade na comunicação entre professor e aluno surdo, colegas
ouvintes e colega surdo.
Na sequência, apresenta-se alguns trechos das entrevistas realizadas com
nove professores que atuam em turmas que têm inclusão de alunos surdos, todas
contando com a atuação do profissional tradutor-intérprete.
Sobre seguinte questionamento “Qual a maior dificuldade encontrada nesse
processo de inclusão?” obteve-se as seguintes respostas:
Professor 1: “A compreensão das atividades mesmo com o
acompanhamento do tradutor-intérprete. Outra dificuldade é a inclusão,
especificamente, com a adaptação à turma e ao colégio”.

Professor 2: “A falta de capacitação para nós professores, por mais que


busquemos, esse é um longo processo. Porém, acredito que a inclusão é válida,
tanto para o aluno incluso, quanto para a turma que o recebe. Além disso, é válida
também para nós professores, que crescemos profissionalmente e como pessoa
com o processo da inclusão”.

Professor 3: “Existem várias dificuldades, mas a maior delas, no meu ponto


de vista, é a dificuldade do aluno com necessidades especiais de se aceitar da
maneira como é, e neste processo surgem outras dificuldades como, por exemplo, a
relação com os colegas de turma”.

Professor 4: “A falta de cursos e de preparo para poder interagir e entender


melhor os alunos”.

Professor 5: “Em saber se ele entendeu ou não através do tradutor-


intérprete, ou se ele não entendeu por não ter condições de interagir nas discussões
filosóficas”.
Professor 6: “A comunicação com o aluno surdo. Por exemplo, numa
exposição de um trabalho proposto em sala de aula, não consegui perceber se ele
realmente não havia entendido o conteúdo. Ficou difícil até para realizar a tradução,
pois o conteúdo de Biologia tem muitas palavras complexas e fica difícil ser
interpretado pela Libras”.

Professor 7: “Creio que seja a mesma de todos nós educadores: não fomos
preparados para essa nova experiência; não tivemos nenhuma e formação
específica para trabalhar com esse público alvo”.

Professor 8: “De nossa parte, entender o mundo deles e da parte deles, de


se comunicar conosco. Na parte musical só sentem a vibração, o que dificulta o seu
entendimento e penso que o interesse fica prejudicado”.

Professor 9: “A maior dificuldade, sem dúvida, é o número muito grande de


alunos ouvintes na sala, o que inviabiliza uma maior dedicação ao aluno surdo, e de
certa forma, torna-se mais difícil um conhecimento efetivo das capacidades deste
aluno”.

Em relação ao questionamento “Como você consegue avaliar efetivamente o


que o aluno surdo aprendeu?” os professores expuseram os seguintes aspectos:

Professor 1: “Encontro dificuldades, principalmente nas provas ou atividades


discursivas, pela maneira como a escrita se apresenta, considerando que para o
aluno surdo o português é como uma segunda língua. Eu considero mesmo a idéia
geral, e não me atento aos erros ortográficos ou de concordância, porém faço
apontamentos para que o aluno possa rever”.
Professor 2: “É possível avaliar sim. No entanto, devemos levar em
consideração a forma pela qual avaliamos o aluno surdo e tentar generalizá-la para
os demais alunos da sala, como uma maneira de não causar constrangimentos”.
Professor 3: “Difícil, pelo que escreve, devido à dificuldade em entendê-los.
Não consigo interagir. É preocupante”.
Professor 4: “Nas avaliações, o que ele escreve é aquilo que ele realmente
sabe, ele não copiou de outro. Também peço para intérprete traduzir como se fosse
uma avaliação oral”.
Professor 5: “Tenho muita dificuldade. Mesmo com auxílio do tradutor-
intérprete não tenho certeza se aluno aprendeu o conteúdo”.
Professor 6: “Não consigo avaliar efetivamente, por se tratar de uma
realidade totalmente adversa. Primeiramente, porque o vocabulário escrito é
fragmentado a uma ou outra classe gramatical, e também porque o aprendizado não
se expressa pela oralidade”.
Professor 7: “É difícil, pois a comunicação é restrita. No desenho, pintura e
escultura são possíveis. Tratando-se de música e relatórios fica mais difícil”.
Professor 8: “Sim. A partir do momento em que eu passo a conhecer o aluno
e identificar as suas capacidades e também seus limites, eu passo a ter melhores
condições de avaliar se ele realmente aprendeu”.
Professor 9: “Através das aulas práticas e escritas. Temos o intérprete que
acompanha as nossas aulas”.

Como podemos observar, apesar da vasta discussão acerca da inclusão,


existem ainda vários limites que devem ser analisados para que se encontre novas
formas de encaminhamento pedagógico. Assim sendo, não basta termos a inclusão
garantida em lei, discutida no campo teórico por meio da publicação em livros,
artigos e produções acadêmicas, se efetivamente, não utilizarmos esse
conhecimento para mudarmos a nossa prática docente, tendo em vista a efetivação
de ações que garantam a remoção das barreiras e o significativo avanço no
processo ensino aprendizagem.

4.2 Grupo de Estudos para estudo e reflexão sobre a inclusão do aluno surdo

O Grupo de Estudos foi composto por vários encontros e teve o objetivo de


promover a reflexão sobre a mediação do professor no processo de apropriação dos
conteúdos escolares por alunos surdos no contexto da escola regular. Com a
perspectiva de compreender melhor a educação de surdos e seus processos de
aprendizagem, contribuindo assim, com a formação continuada dos profissionais
que ali atuam.
O trabalho foi coletivo com envolvimento do grupo, mostrando
possibilidades, caminhos e estratégias na busca de mudança de concepção. O
estudo aconteceu em encontros destinados aos professores da rede regular de
ensino e tradutores-intérpretes de Libras que atuam na rede regular de ensino, por
meio de textos previamente selecionados, com discussões e debates, na
perspectiva de fundamentar a prática pedagógica. O Grupo de Estudos foi
transformado em projeto de extensão da UNIOESTE, campus de Cascavel, com a
carga horária de 40 horas.

5 Análise dos dados da pesquisa

Algumas considerações em relação ao que foi exposto pelos profissionais


entrevistados merecem destaque. Percebe-se certa unanimidade entre os discursos,
alguns pontos comuns de insatisfação e de necessidades se evidenciam. Entre eles,
podemos destacar o fato de que a função do professor regente não está clara para
este quando se trata de alunos surdos. Alguns professores são dedicados, como
ressalta o entrevistado nº 1, o que pressupõe afirmar que nem todos os professores
têm preocupação com o processo ensino-aprendizagem, com o como o aluno surdo
aprende, com o planejamento da aula a ser dada, com os recursos a serem
utilizados ou com a avaliação.
Além disso, a dedicação, por si só, não é elemento suficiente para que o
professor possa desenvolver uma aula tendo em vista a aprendizagem da totalidade
de seus alunos. É imprescindível a formação continuada com temas relacionados às
diferentes áreas do conhecimento e para estudo e reflexão sobre os processos de
aprendizagem dos alunos com e sem deficiência, pois segundo Vigotski (1989), as
leis que regem o desenvolvimento da criança com deficiência são as mesmas leis
que regem o desenvolvimento da criança sem deficiência.
Assim, deduz-se que é em razão do desconhecimento e despreparo que
ocorre a prática da renúncia de turma quando verificada a presença de aluno surdo,
como denuncia o entrevistado nº 2. Isso parece revelar a não aceitação e a
insegurança que o professor experimenta ao se deparar com essa nova situação.
A falta de formação inicial e contínua 5 foi apontada pelos entrevistados como
um entrave no desenvolvimento da função do professor, do tradutor-intérprete e dos
demais profissionais envolvidos na educação. Destacou-se ainda, a ausência de
diálogo entre os profissionais especializados e professores. Além disso, outro ponto
crucial levantado foi a carência de formação específica para os tradutores-
intérpretes.
Sem a devida formação, o tradutor-intérprete se sente inseguro, pois
apresenta limitação lexical e não possui fluência em Libras, o que compromete
profundamente a compreensão e apropriação do conteúdo escolar pelo aluno surdo.
Ressaltou-se que muitos profissionais têm formação específica em uma área do
conhecimento, porém precisam interpretar aulas nas mais diversas áreas do
currículo.
A confusão sobre a função que cabe a cada profissional também merece
destaque, pois se depreende, a partir das entrevistas, que muitas vezes o professor
atribui ao tradutor-intérprete a tarefa de ensinar e avaliar o aluno surdo, sendo essa
a função precípua da atividade docente. O tradutor-intérprete, por sua vez, acaba
por assumir tal responsabilidade, justamente por não ter clareza sobre o seu papel
de mediador da comunicação.
Além do que foi exposto, destacou-se ainda aspectos relacionados aos
encaminhamentos metodológicos que, na maioria das vezes, desconsideram a
especificidade do aluno surdo, o qual percebe o mundo por meio da experiência
visual, pois “a língua de sinais faz parte da experiência vivida da comunidade surda.
Como artefato cultural, ela também é submetida à significação social.” (SÁ, 2006, p.
108).
Assim, tendo em vista os aspectos apontados, podemos perceber que muito
ainda há para avançar. Fazem-se necessárias mais discussões, maior compreensão
e empenho dos professores para que o processo ensino aprendizagem se efetive
em sala de aula. Os professores precisam perceber o aluno surdo como capaz de
aprender assim como os demais e empreender esforços para utilizar-se de
encaminhamentos que auxiliem os alunos a se apropriarem dos conteúdos, função
que a eles cabe.

5
Por formação contínua entende-se “a formação dos professores dotados de formação inicial profissional, visando o seu
aperfeiçoamento pessoal e profissional. A formação contínua visa o aperfeiçoamento dos saberes, das técnicas, das atitudes
necessárias ao exercício da profissão de professor. (FORMOSINHO, 1991, p.237).
O poder público, por sua vez, precisa ofertar formação aos tradutores-
intérpretes para que eles passem a dominar a Libras, tendo condições de interpretar
os conteúdos explorados pelos professores em sala, com coerência, fluência e ética.

6 Conclusão

Ao concluir esta etapa da pesquisa, pois acreditamos que ela terá


continuidade na vida acadêmica e profissional, busca-se continuamente novas
teorias para fundamentar a inclusão, com qualidade, dos alunos surdos.
Analisando os resultados da pesquisa neste ambiente escolar, percebe-se a
necessidade de aprofundamento teórico por meio de uma formação continuada que
atenda a especificidade desses alunos.
O estudo da historicidade da educação de surdos nas diferentes sociedades
conduziu, a compreensão de que eles sempre existiram, e em diferentes momentos
foram submetidos a preconceitos e eram até rejeitados em alguns ambientes.
A necessidade de comunicação exigiu por parte destes indivíduos a busca
por alguma forma de interação com o meio e com a sociedade. A família sempre se
mostrou preocupada com as limitações impostas ao filho surdo e quando chegava à
idade escolar as barreiras se ampliavam, diante da dificuldade de comunicação
entre aluno e professor, desconhecedor da língua de sinais.
As conquistas sociais e de políticas públicas garantiram o acesso à escola e
o direito à educação deste público no contexto da escola regular; no entanto, as
possibilidades de permanência do surdo nesse ambiente, para uma efetiva
aprendizagem, com a mediação de qualidade e com o uso de diferentes recursos
que garantam o conhecimento científico, estão em processo de implantação e
merecem um esforço dos profissionais envolvidos, das próprias pessoas surdas e do
poder público.
Considerando que várias pesquisas e discussões vêm sendo realizadas
acerca das dificuldades e limitações que orientam a inserção da pessoa com
necessidades especiais e analisando a realidade exposta do Colégio Padre Eduardo
Michelis, percebe-se que a formação dos professores para trabalhar
com o aluno surdo encontra ainda muitas limitações, pois os professores sentem-se
despreparados para receber este aluno em sala, por esse motivo muitas vezes o
aluno é considerado não seu, mas do tradutor-intérprete de Libras.
A escola também precisa ser espaço de interação social, o que será possível
com a apropriação da Libras nas relações de aprendizagem. O profissional da
educação precisa compreender a surdez como diferença e entender que os alunos
surdos, como os ouvintes, apresentam algumas dificuldades. No caso do aluno
surdo tem um agravante, a língua portuguesa é sua segunda língua.
É fundamental a compreensão por parte do professor que a Língua de Sinais
é uma língua natural, como postula Fernandes, (2004) com organização em todos os
níveis gramaticais, e sua produção é realizada através de recursos gestuais e
espaciais, sua percepção é realizada por meio da visão, sendo uma língua de
modalidade visual-espacial.
Neste sentido, percebe-se que da mesma forma que a oralidade reflete na
aprendizagem do aluno ouvinte, a língua de sinais organiza, de forma lógica, as
idéias do aluno surdo, o qual reproduz na escrita a estrutura gramatical da Libras.
Assim, encontram-se produções textuais distintas daquelas produzidas por alunos
ouvintes. Com isso e em função de práticas avaliativas sem critérios diferenciados
nos aspectos da produção escrita o aluno surdo, muitas vezes é marginalizado no
contexto escolar. Pela falta de conhecimento referente a esse processo de
apropriação do surdo é que as dificuldades que se revelam no português escrito são
vistas como problemas patológicos (FERNANDES, 2002).
Apesar da atuação do tradutor-intérprete minimizar a barreira comunicativa
na rede regular de ensino, as questões metodológicas ainda deixam a desejar, visto
que os profissionais da educação, em sua grande maioria, ignoram aspectos
culturais e sociais que fazem parte do processo educacional, deixando o aluno
surdo, muitas vezes, à margem da escola.
Quando o aluno surdo chega à escola ele é tratado igual ao ouvinte ou então
se deseja que ele atinja com igual tempo um conhecimento mais amplo sobre a
língua portuguesa, se nem mesmo sabe a língua de sinais. Assim, os profissionais
de educação precisam ter claro que primeiramente é necessário que se ofereça
condições para que ele desenvolva a língua de sinais, que é sua língua natural.
Considerando que ao chegar a escola o aluno surdo não tem uma língua
definida e frequentou aulas com instrutor surdo no CAES - Centro de Atendimento
Especializado em Surdez, é mister o apoio do tradutor-intérprete na relação de
aprendizagem entre aluno e professor regente, ainda é imprescindível que o
professor tenha clareza que o surdo não será um ouvinte e sua escrita será
diferente.
Seu cérebro se organiza em relação à linguagem na estrutura da língua de
sinais na qual é possível o raciocínio e aprendizagem equiparada aos ouvintes, mas
a maneira como isso acontece e é expresso, são bem diferentes que dos ouvintes.
Por meio da análise dos relatos, bem como da fundamentação teórica
podemos compreender que se faz primeiramente necessário, uma sólida formação
continuada a todos os professores da Rede Pública Municipal, dos tradutores-
intérpretes, fomentando discussões acerca do que é a inclusão, quem é o aluno
incluso, estudar aspectos referentes ao desenvolvimento humano, ao processo de
ensino aprendizagem, para que os professores compreendam e percebam os alunos
com deficiência como capazes de aprender e se desenvolver como os demais.
A Inclusão está assegurada em diferentes legislações, nos cabe buscar
metodologias e recursos para viabilizar a aprendizagem dos conhecimentos
científicos para possibilitar ao aluno surdo os mesmos direitos dos ouvintes, da
continuidade na educação, na interação social e a posteriori uma inserção no
mercado de trabalho.

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