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09/02/2008

CAPÍTULO IV

PESQUISAS PSICOLÓGICAS EM
CIRURGIA PLÁSTICA
"Oh! Menina vai ver
nesse almanaque, vai
ver onde tudo
começou... "
Chico Buarque de Holanda, Almanaque.

Desenvolvimento das pesquisas

A
pesar de a Psicologia e CP compartilharem de processos interativos
recíprocos quanto à auto-imagem e auto-estima, poucas pesquisas
da relação entre uma e outra têm sido feitas ou publicadas em
periódicos de Psicologia. Neste capítulo a diversidade de pesquisas ficará bem
evidente, bem como a falta de unidade de significação entre elas. Também têm
sido pouco estudados os impactos socioeconômicos em relação à procura da
atração física interpessoal. (DEATON & LANGMAN, 1986; GIDDON, 1983).
GIILLIES & MILLARD (1957), ao citarem ROE (1887) e KOLLES
(1911), haviam relatado grandes alterações psicológicas nos pacientes
submetidos a procedimentos cirúrgicos reparadores ou estéticos, além de uma
evidente reintegração desses mesmos pacientes com o seu ambiente externo.
Segundo BULL & RUNSEY (1988), ABEL (1952) estudou setenta e
quatro pacientes que eram desfigurados faciais. Todos tinham a crença de que
a deformidade era responsável pelos insucessos na vida. A grande maioria se
queixava de discriminações no ambiente de trabalho ou em outras situações
sociais. A atribuição de causalidade, neste estudo, é bem ilustrada. Os
pacientes localizaram a fonte do insucesso: deformidade facial.
MEYER (1964), estudando a psicologia de pacientes do sexo
masculino que procuraram a CP, percebeu uma grande incidência de

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pacientes esquizóides e esquizofrênicos que esperavam da CP muito mais do
que ela poderia oferecer concretamente. Tinham uma grande dificuldade de
relacionamento familiar e desejavam desfazer se da identificação paterna
através da retirada ou alteração de traços faciais.
Segundo BULL & RUNSEY (1988), KNORR, EDGERTON &
HOOPES (1967) pesquisaram as principais dificuldades de seiscentos e
noventa e dois pacientes que procuraram CP 1. Os pesquisadores declararam
que uma das mais freqüentes queixas feitas por eles foi a dificuldade quanto
ao desenvolvimento de relações duradouras de amizade.
Os pesquisadores HIRSCHENFANG et al. (1969) observaram que
vinte e cinco pacientes internos e externos com paralisia facial tinham queixas
quanto à dificuldade em fazer amizades. Todos alegaram falta de
oportunidades para o casamento, fraqueza para constituir família e problemas
quanto à obtenção de empregos (BULL & RUNSEY,1988).
Segundo BULL & RUNSEY (1988), ANDREASI & NORRIS (1972)
estudaram nove mulheres e onze homens severamente queimados (idades
entre 18 e 60). Todos eles disseram que eram objeto de piedade e curiosidade.
Também houve referência a certeza de que chamariam a atenção (atenção
indesejada) e de que receberiam perguntas ou comentários malévolos.
GOIN et al. (1976) realizaram um estudo prospectivo em vinte
mulheres assintomáticas, sem distúrbios psiquiátricos ou psicológicos, que
fizeram lifting, apontando que 60% dessas pacientes confessaram que os
motivos declarados na avaliação pré-cirúrgica eram insinceros (falsos). A
maioria delas apresentou o verdadeiro motivo no pós-operatório. Alguns
desses motivos reais foram: medo de envelhecer, problemas no casamento,
desejo de conquistar uma melhor posição profissional. Naquelas cuja
motivação não mudou (sinceridade mantida), constatou-se que admitiram
desde o início a intenção de modificar o padrão de relacionamento
interpessoal, considerado de má qualidade.
Esta descoberta importante de GOIN et al. (1976) de que existe uma
diferença entre as motivações declaradas no pré e pós-cirúrgico está de
acordo com as conclusões de THOMSON et al. (1978). O alto número de
motivações falseadas (mascaradas) não interferiu na satisfação demonstrada

1Os autores não discriminaram o grupo e o tipo de CP procurada.


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com o resultado cirúrgico. Exemplificando: uma paciente que, no fundo,
pretendia uma ascensão profissional, mesmo sendo frustrada tal expectativa,
não apresentou diminuição no grau de satisfação com o resultado cirúrgico.
O aumento da CPE tem levado a uma crescente preocupação com
seus aspectos psicológicos ou psiquiátricos, principalmente as motivações dos
candidatos à CPE. THOMSON et al. (1978) consideraram o paciente de
rinoplastia como um protótipo, pois a rinoplastia é um dos procedimentos
cirúrgicos mais procurados. A posição centralizada do nariz no rosto e
visibilidade de vários ângulos são as explicações mais razoáveis para essa
procura. O nariz é elemento de destaque nas fotografias de perfil e a parte do
rosto na qual tende a ocorrer um maior índice de somatização. Descobriram
também que a grande maioria dos pacientes de rinoplastia (90 a 95%) está
satisfeita/muito satisfeita com os resultados, apresentando melhoras na auto-
estima e nos relacionamentos interpessoais.
Partindo da hipótese básica de que a CPE altera a posição de
passividade e retração perante a vida, para a de atividade e participação,
BELFER et al. (1979) estudaram quarenta e dois pacientes e perceberam
correlação positiva entre a plástica e os eventos significativos da vida
(casamento, ascensão profissional, maior aceitação social e divórcio). A
grande maioria dos pacientes (36) apresentava forte dominação dos pais e
necessidade de encerrar situações interpessoais conflituosas de forma rápida.
Os autores observaram em sua amostra de pacientes uma exagerada
preocupação com a aparência e que esta poderia melhorar após a CP.
Revelaram que a maior parte dos pacientes de CPE a procuram para alterar
traços ou feições que lhes causam constrangimento, atenção indesejada,
comentários desagradáveis, ou ainda, para ganhar aceitação social ou
aumentar suas oportunidades profissionais.
Interessado nos efeitos sociais do desfiguramento facial,
MACGREGOR (1982) resumiu seus estudos sobre a atração física ou
interpessoal:
1) as características físicas exercem uma grande influência no
mundo psicológico e social;
2) existem recompensas e tratamentos diferenciados para aqueles
que são fisicamente atraentes;

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3) os conceitos de beleza e feiúra são variáveis de uma cultura para
outra e de uma época para outra, mas existem "padrões" universais daquilo
que é agradável para os olhos e para as mãos (RECTOR & TRINTA, 1990);
4) qualidades consideradas agradáveis aumentam a atratividade
interpessoal, sexual, as oportunidades de trabalho e as oportunidades na vida;
5) indivíduos bonitos tendem a atrair para si julgamentos favoráveis
sobre seu caráter, que seriam bem diferentes se eles fossem feios: por essa
razão, as transgressões ou delitos causados por pessoas "belas/atraentes"
tendem a ser avaliados de forma menos negativa (AMARAL, 1986). Outro
exemplo refere-se ao comportamento de ajuda: indivíduos "bonitos" tendem a
receber mais ajuda, comparados a outros não tão "belos" (GOLDSTEIN, 1983);
6) existe o estereótipo da atratividade: pessoas fisicamente
atraentes são vistas como sendo de mais personalidade, com mais
possibilidade de sucesso e com mais inteligência;
7) em função dos avanços técnicos da CP, não se é obrigado a ficar
com o rosto herdado ou aquela aparência que a natureza "deu" ou algum
acidente causou/estragou. O mesmo é válido para as posições dos dentes,
através de correções ortodônticas. As feições faciais não são mais um "fato da
vida" e sim algo que pode ser mudado para melhor;
8) existe o perigo de acreditar-se que a CP poderá resolver os
problemas da vida, como panacéia para os conflitos humanos. Isso já foi
discutido por AMARO (1985), que se referiu ao possível conluio entre o
cirurgião e os desejos do paciente, na medida em que o primeiro queira ganhar
dinheiro de qualquer forma.
GIDDON (1983), preocupado com o alto custo das correções
cirúrgicas e/ou ortodônticas, reforçou a necessidade de mais pesquisas na
área. A sugestão oferecida pelo pesquisador é que haja uma correta
compatibilização entre oferta e procura pelos serviços dos especialistas. Três
formas de barateamento dos procedimentos são possíveis:
1) aumento do número de profissionais;
2) redução da demanda e
3) aumento dos impostos sobre os produtos voltados à Beleza.

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A arrecadação excedente do item 3 seria aplicada em pesquisas ou
para permitir um aumento no número de cirurgias ou colocação de aparelhos
para as classes menos favorecidas economicamente.
GROENMAN & SAÜER (1983) escreveram que existem dois tipos
básicos de pesquisas em CP:
1) Clínico-psiquiátrico (Reino Unido);
2) Clínico-psicológico (EUA e Europa).
O primeiro está interessado no desenvolvimento de traços
psicopatológicos, como a esquizofrenia ou dismorfofobia (CONNOLY &
GIPSON, 1978); o segundo tipo de pesquisa investiga as motivações,
expectativas, auto-imagens, ajustes pós-operatórios e satisfações com os
resultados cirúrgicos, o que está de acordo com um dos papéis que o
psicólogo pode desempenhar, já descrito (Capítulo II) por DEATON &
LANGMAN (1986).
AMARO (1985), dentro da Psicanálise Kleiniana, afirma que os
testes psicológicos, as entrevistas, os estudos e as pesquisas poderiam
fornecer elementos mais seguros para uma verdadeira cirurgia reparadora,
entendida como aquela que tornará o paciente apto a desenvolver qualquer
atividade humana, sem despertar atenção indesejada sobre sua aparência.
Para AMARO (1985), as oposições estão presentes no mundo atual:
bem x mal, esquerda x direita, igual x diferente e, no campo da estética, o belo
e o feio, existindo uma oposição existencial do homem: luta-se para ser igual
mas, ao mesmo tempo, para ser diferente. Existem diferenças com a
conotação geral de desvantagem. Exemplos: um nariz torto, um lábio leporino
ou uma orelha do tipo abano constituem um estado diferente com
desvantagens frente aos "iguais", pois despertam atenção indesejada ou
sentimentos de rejeição ou dó.
Na opinião de AMARO (1985), existem pelo menos três soluções
básicas para tratar dos problemas dos "diferentes": soluções cirúrgicas,
psicológicas e sociais. Assim, por exemplo, um portador de lábio leporino
encontraria na CPR a melhor forma de conduzi-lo ao grupo dos "iguais"; a
fobia receberia o tratamento da dessensibilização sistemática na psicoterapia
comportamental (WOLBERG, 1967) e, finalmente, os neuróticos, os
alcoólatras e outras minorias sociais fundariam associações anônimas para

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não se sentirem "diferentes" e, dessa forma, terem a percepção de serem
"iguais" 2.
Por ser um artigo relativamente longo, é necessário extrair as idéias
principais de AMARO (1985), quanto aos critérios na escolha de candidatos à
CPR:
1) os candidatos devem ser examinados por uma equipe
multidisciplinar;
2) os aspectos econômicos e sociais caracterizarão o candidato e o
tipo de cirurgião que ele procurará;
3) a CPR tem por objetivo contribuir para a função reparadora da
personalidade, ao mesmo tempo em que dá ao homem mais uma opção de
reparação concreta;
4) é fundamental separar a verdadeira da falsa reparação e, para
isso, o cirurgião deverá estar atento aos aspectos bio-psico-sociais de si
próprio e do candidato à CP, atualizar-se cientificamente e estar com firme
propósito de realizar uma verdadeira reparação que contribuirá para o
desenvolvimento da personalidade do paciente.
Com relação às abordagens dessas pesquisas, FONSECA (1985)
classificou-as em três tipos: Fisiológicas, Fenomenológicas e Psicanalíticas.
No tipo fisiológico, o conceito de imagem corporal é articulado com funções
vitais. O segundo tipo considera o corpo tal qual é conhecido e vivenciado pela
pessoa. As representações não serão vinculadas necessariamente com suas
funções corporais, pois dependerão sempre do momento existencial da
pessoa. A última abordagem, a Psicanalítica, tenta desvendar a imagem
corporal que é desconhecida, inconsciente para o sujeito 3. A maioria das
pesquisas psicológicas em CPE pertencem a essa categoria.

2 BERSCHEID & WALSTER (1973) descrevem que algumas tentativas para verificar até que
ponto as semelhanças físicas estão ligadas à atração interpessoal resultaram em correlações
positivas, mas que é difícil interpretá-las como de causa-efeito. As poucas pesquisas
realizadas indicam que as semelhanças são fatores atrativos e que as diferenças diminuem as
possibilidades de estabelecimento de relações interpessoais.
3O teste da Figura Humana de Karen Machover foi utilizado em dezesseis crianças de 7 a 12
anos (de ambos os sexos), portadoras de asma, por KOLCK (1987), deixando supor que
qualquer doença física ( alteração corporal ) sempre trará possibilidade de mudança na
imagem corporal. Assim, as crianças com asma provavelmente farão desenhos com o
pescoço e tronco (local dos pulmões) em destaque, evidenciando a área focal do conflito pelo
qual ela passa; pessoas com problemas cardiovasculares poderão apresentar figuras com o
coração ou área do peito em relevo. Pode-se ver, aqui, mais uma forma de pesquisa
psicológica (teste projetivo), não ligada diretamente à CPE, mas envolvendo o corpo e sua
representação gráfica.
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AMARAL (1986) fez um estudo que versou sobre a influência de
diferentes graus de deformidades faciais, congênitas e adquiridas na auto-
avaliação (auto-conceito), na avaliação dos outros (hetero-conceito) e na
realização acadêmica dentro e fora da escola. Foram sujeitos-alvo trinta e seis
pré-adolescentes escolares, entre 6 e 12 anos, de ambos os sexos e nível
econômico baixo. As crianças eram portadoras de deformidades faciais (face
atípica) de diferentes graus e causas. Através da escala de diferencial
semântico (DS), do desenho da auto-imagem e da imagem do outro, tentou
deixar claro que:
1) a aparência física não é um indicador de traço de personalidade,
não sendo, portanto, preditivo do comportamento;
2) a aparência física, para a Psicologia Contemporânea, é uma
importante variável psicossocial;
3) a interação social é determinada sobretudo pela imagem da
pessoa;
4) a imagem da pessoa (real ou idealizada) pode ser decomposta
em: a) auto-imagem, b) auto-conceito, c) hetero-imagem e d) hetero-conceito;
5) para WRIGHT, citado por AMARAL (1986), a aparência física é
uma característica de superfície, apontando para a necessidade de ir- se além
dela;
6) a correção cirúrgica da deformidade pode ajudar na melhoria da
auto e hetero-imagem;
7) os desempenhos dos estudantes não têm relação de causa-efeito
com suas respectivas deformidades faciais;
8) a face atípica não pode ser considerada como um elemento de
desfiguramento da personalidade;
9) todo preconceito de que a deformidade facial é estigmatizante
deve ser eliminado.
DEATON & LANGMAN (1986) afirmam que as pesquisas
psicológicas na área da CP relacionam a auto-imagem, a auto-percepção e os
sentimentos de auto-estima com a nova aparência. A CP teria a função de
aumentar tais sentimentos. Os pesquisadores mostraram, dessa forma, que o
papel do psicólogo pode ir além do recrutamento, seleção ou da terapia dos

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candidatos, pois podem aumentar a sensibilidade dos cirurgiões plásticos para
os assuntos psicológicos.
FONSECA (1988) realizou uma investigação, na abordagem
psicanalítica, com vinte mulheres que passaram pela mastectomia, utilizando
entrevistas e o Rorschach - teste projetivo clássico de personalidade e
inteligência - em que pôde obter, entre outros elementos, dados de vivência
corporal e da imagem do corpo. Concluiu que a retirada dos seios ou de
apenas um, incluindo parte dele, é suficiente para desencadear fortes reações
de perda ou luto nas pacientes. O autor relatou que a grande maioria das
pacientes declararam alterações na identidade sexual. Para ele, esses dados
só podem ser estudados pelos seus efeitos diretos (entrevistas) ou indiretos
(projeção). Claro que a mastectomia não é uma CPE mas a investigação desse
autor, bem como seu método, são apropriados na pesquisa da auto-imagem e
vivência corporal.
GODEFROY et al. (1988) consideraram o pedido por CPE como um
sintoma histérico, apontando que 20 a 90% (SIC!) dos indivíduos que
procuram esse tipo de intervenção sofrem de desajustes psíquicos que
incluem uma má adaptação social e personalidade obsessiva ou esquizóide.
Os pesquisadores hipotetizaram um movimento regressivo em torno da
dimensão neurótica que está associado ao pedido por cirurgia estética, com a
possibilidade de um narcisismo profundo que falhou em manter intacta a
imagem do self.
HANSSON et al. (1988) estudaram o estilo cognitivo e as defesas
psicológicas de mulheres, em vários grupos compostos segundo a tabela 1:

Tabela 1 - Composição dos grupos e resultados dos testes segundo


HANNSON et al.(1988)4.

ANOREXIA BULIMIA MAMOPLASTIA GRUPO


REDUTORA CONTROLE

número de 25 29 31 56
mulheres

Teste de
Dependência pouca muita pouca dependência

4 A tabela é fruto de elaboração pessoal e tem como objetivo clarear os resultados do autor.
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Psicológica dependência dependência dependência média
de
Rod & Frame

1- hiper- 1 - sinais de 1 - problemas


sensibilidade ao depressão e relacionados à
Teste MCT formato corporal isolamento social identidade sexual não relatado
(sinais e (muito freqüentes) e
psiquiátricos) 2 - necessidade e 2 - freqüência de
de repressão aos 2 - pouco controle sinais de repressão
impulsos dos impulsos semelhante ao grupo
controle

O grupo-controle também foi composto por sujeitos do sexo


feminino. Todos os grupos foram submetidos ao processo de dependência
psicológica com o Teste de Rod & Frame e ao Teste de Defesa Psicológica
com o Meta Contrast Technique (MCT). Os resultados, indicados na tabela 1,
mostraram que as bulímicas são as que dependem mais do campo do que os
outros grupos. As anoréxicas e as que passaram pela mamoplastia redutora
são mais independentes do campo. O MCT revelou ainda que é muito
freqüente o sinal de depressão e isolamento nos sujeitos bulímicos, ao passo
que os sujeitos anoréxicos mostraram sinais de sensibilidade para ficarem
marginais. Esse dado pode ser compreendido como uma necessidade de
isolamento social. As anoréxicas demonstraram menos sinais de repressão
interna. As do grupo de mamoplastia assemelharam-se às anoréxicas no
aspecto da manifestação mais freqüente de sinais de hipersensibilidade do
grupo controle, mas não diferiram dele com relação à repressão.
ROBIN (1988) submeteu onze homens e onze mulheres, todos
adultos, pacientes de rinoplastia, e vinte e dois sujeitos do grupo controle ao
General Health Questionaire, a fim de evidenciar a rede de repertórios, a
escala de masculinidade e feminilidade. Os sujeitos de rinoplastia percebem
suas aparências como similares e subestimam suas próprias aparências na
mesma medida em que os sujeitos do grupo controle. Em relação à
masculinidade e feminilidade, o pesquisador observou que os pacientes
apresentam uma identidade sexual comprometida se comparados ao grupo
controle, pois a grande maioria esperava aumento do ítens relacionados ao ser
homem/mulher com a rinoplastia. Estes sujeitos-controle apresentam graus

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variados em relação a sintomas psiquiátricos. É sugerido que os sintomas
psiquiátricos devem fazer parte da "síndrome do pedido por rinoplastia". Testes
repetidos 6 meses após a cirurgia (inclusive no grupo-controle) e mostraram
que uma melhora na aparência facial pode levar à uma redução dos sintomas
psiquiátricos. Não houve mudança nos sujeitos-controle de rinoplastia.
SCALINI et al. (1988) estudaram o psicodinamismo da CP com uma
amostra de quarenta e dois sujeitos italianos (quinze homens e vinte e sete
mulheres, com idade média de 22,5 anos), que solicitaram rinoplastia por
razões estéticas. Todos os sujeitos sofriam de algum sintoma neurótico ou
psicótico na personalidade, verificando-se a ausência de desordens
semelhantes na amostra normal de controle. Enquanto a maioria dessas
características permanecem subclínicas, o teste Rorschach provou ser um
instrumento psicotécnico efetivo na clarificação dos motivos por CP.
SIMON-CONSUEGRA et al. (1988) conduziram um estudo de
quarenta mulheres entre 18 a 35 anos, sendo 35 delas casadas, que iam
submeter-se ao processo de lipoaspiração e à mamoplastia corretiva. Os
resultados mostraram que os sujeitos do estudo sofriam de feiúra
psicopatológica (100%), complexo de inferioridade, ansiedade, tristeza, insônia
e bulimia (93%). As candidatas manifestaram hipersensibilidade à críticas, o
que as levava a não participar de eventos sociais e a não relacionar-se
sexualmente. Essas atitudes resultaram, para os sujeitos, em uma vida de
insatisfação e isolamento social. A questão de possíveis comportamentos
suicidas, abordada pelos pesquisadores, sugere a necessidade de cuidados
médicos, psicológicos e psiquiátricos para esse perfil de pacientes plásticos.
YATES (1988) apresentou o caso de duas mulheres bulímicas (uma
de 19 e outra de 20 anos) que fizeram CP com o objetivo de tornar seus
corpos mais aceitáveis. A cirurgia foi significativa, mas seu efeito foi temporário
no tocante à remissão dos sintomas bulímicos.
SCHWEITZER (1989) fez várias avaliações psiquiátricas de
pacientes na fase pré-cirúrgica de CPE ou reparadora facial. O resultado
dessas investigações afirmou que aproximação flexível e criativa junto aos
pacientes pode resultar em uma compreensão autêntica dos problemas
relacionados com a auto-imagem e o corpo. O psiquiatra alertou para aquilo
que ele denominou de “Problemas potenciais dos pacientes”, verdadeiros

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sinais vermelhos detectados no pedido de uma CPE. Esses problemas podem
ser: defeito mínimo na aparência, pedidos recorrentes de cirurgias plásticas,
sentimentos de perseguição ou diagnósticos psiquiátricos (esquizofrenia). O
sigilo exigido pelos homens que procuram a CPE e o paciente em crise
existencial são dignos de maior cuidado por parte dos cirurgiões plásticos, a
fim de não errarem no diagnóstico.
BIRTCHNELL (1990) procurou mostrar os fatores motivacionais para
a mamoplastia, tanto de redução como de aumento do volume dos seios. O
autor entrevistou quarenta mulheres entre 16 a 50 anos que estavam numa
lista de espera para a referida cirurgia. O resultado da avaliação do
questionário mostrou que o grupo que desejava mamoplastia redutora continha
mais solteiras e mulheres que moravam sozinhas e que estavam longe de suas
famílias de origem. No grupo, cujo pedido era a mamoplastia de aumento do
volume, havia um contingente significativo de separadas e divorciadas. A
motivação predominante era se sentirem menos envergonhadas e
embaraçadas com suas roupas. Em ambos os grupos, as mulheres desejavam
ser mais femininas.
LE-GOUES (1990) explorou o psicodinamismo da CP, em particular
a imagem do corpo e a auto-imagem e como esses conceitos aparecem antes
da intervenção plástica. Neste contexto, o pedido de mudança corporal sempre
teve dois aspectos: o anatômico e o psicológico, que devem ser separados
para melhor entendimento. Esta divisão é que permite o oferecimento de ajuda
e aconselhamento psicológicos antes da cirurgia. O autor mostrou que parte
das vítimas de acidentes ou indivíduos com óbvios defeitos físicos procuram
remediar os resultados advindos do desfiguramento. Esses indivíduos
procuram uma nova identidade ou suporte psicológico através da mudança da
imagem de seus corpos. Basicamente eles desejam CP a fim de: aparentar
maior simpatia por si próprios, reparar uma ferida narcísica, mudar o aspecto
corporal que é fonte de sofrimento ou possuir uma imagem corporal que traga
prazer ou aumento da auto-estima.
SCHOUTEN (1991) examinou a concepção estética da CP no
contexto atual para determinar os motivos e auto-conceitos (dinâmicos) do
comportamento do consumidor - o paciente plástico, no seu aspecto simbólico.
A transição de papéis, as diversas identidades sexuais, as fantasias

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românticas, o controle do parceiro, a eficácia corporal e jogo de identidade são
os elementos usados pelos pacientes (não informou o tipo de pesquisa, nem o
número de pacientes que passaram pela entrevista) que procuram a CP. O
autor mostrou que as atividades de consumo, entre as quais a consulta com o
cirurgião ou realização de algum evento plástico, são importantes para o
desenvolvimento e manutenção do status-quo e harmonia da concepção de si
mesmo.
No 1o CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA HOSPITALAR
(1992), realizado em São Paulo - Capital, houve a apresentação de dois
trabalhos diretamente ligados à CP (mamoplastia), com estruturas
semelhantes de pesquisa: ambos buscaram seus dados usando a entrevista
semi-dirigida; o teste da Figura Humana (MACHOVER) e o Crown-Crisp
Experimental Índex (CCEI) em pacientes que procuravam a mamoplastia (fase
pré-cirúrgica) no Hospital da Clínicas (SP), a saber:
1) CURY (1992) avaliou cinco pacientes que passaram pela
mastectomia e pôde concluir que é de fundamental importância a reconstrução
mamária posterior (o seio é um atributo de feminilidade), independente da
técnica reconstrutiva empregada; e
2) FARAGÓ et al. (1992), dentro do campo da CPE, avaliaram
cinqüenta e três pacientes que se submeteram à mamoplastia primária,
objetivando a caracterização psicológica dessas pacientes. Os resultados
puderam evidenciar que a maioria das pacientes são jovens sem filhos, ou com
um (no máximo), pessoas decididas e auto-centradas, com dificuldades na sua
sexualidade e nas quais existe uma falta de confiança nos contatos sociais. O
CCEI apontou resultado significativo para a "fobia" e "obsessividade",
enquanto traços da neurose.

Comentários sobre as pesquisas

Uma rápida leitura deste capítulo nos mostrará um painel


cronológico extremamente diversificado. O “desfile” de autores, bem como a
diversidade de assuntos abordados por eles, não foi por acaso. Nosso objetivo

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foi também explicitar a complexidade inerente ao campo da aparência
interpessoal 5.
Desde que GROENMAN & SAÜER (1983) classificaram as
pesquisas em dois grandes grupos (Psiquiátrica e Psicológica), poucos
esclarecimentos teóricos foram feitos. As três abordagens dentro do grupo de
pesquisas Psicológicas, propostas por FONSECA (1985), foram ampliadas, ao
nosso ver, com os estudos de AMARAL (1986), pois trouxeram à área o quarto
tipo: os estudos psicossociais ligados à deformidade facial, aparência física e
desempenho acadêmico. A decomposição da imagem da pessoa (real ou
idealizada) em quatro subcategorias representa um acréscimo teórico, pois
articula conceitos individuais com o ambiente em que a pessoa está inserida
(realização acadêmica).
Muitos dos pesquisadores mencionados infelizmente não
apresentaram, de forma clara, a teoria específica que os guiou. Alguns não
tiveram o cuidado de divulgar o número de sujeitos que participaram da
pesquisa, a metodologia ou teoria empregadas nos seus estudos. Essa
ausência de clareamento metodológico tem resultado em estudos isolados,
pesquisas pouco esclarecedoras e tentativas tímidas de compreensão do
campo que, infelizmente, não têm continuidade no tempo e no espaço.
A diversidade de pesquisas, bem como a variedade de técnicas
empregadas (inventários, questionários, entrevistas, testes projetivos), e
estudos prospectivos ou comparativos são indicadores positivos de que o
estudo do comportamento, em Psicologia Social, ligado à primeira impressão é
altamente complexo. Essa ampla gama de achados empíricos passa sempre
pelos valores culturais e sociais em que a pesquisa é realizada.
Apesar da complexidade, a grande maioria das pesquisas ou
achados empíricos aborda as dificuldades encontradas pelas pessoas ou
pelos pacientes no tocante à área das relações interpessoais, que passam
pela aparência corporal ou facial. A ampla variedade de comportamentos
derivados da deformidade facial ou daqueles que se sentem em desvantagens
com relação à aparência foram descritos: atenção indesejada; distúrbios em
relação ao primeiro contato com as pessoas; retraimento ou isolamento social;

5Um questionamento que sempre esteve presente durante a elaboração deste capítulo foi: até
que ponto os pesquisadores estão sendo guiados pelas suas intuições ou por pressões
implícitas ou explícitas da mídia que valorizam tais informações ou achados ?.
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dificuldades em fazer amizades ou em mantê-las, problemas sexuais ou
profissionais e correlação positiva com sintomas psiquiátricos sub-clínicos.
Segundo BULL & RUNSEY (1988), SORELL & NOWAK (1981)
defenderam melhor comunicação entre os pesquisadores ligados à aparência
facial ou corporal, com o objetivo de concentração e compilamento dos dados.
Os autores discutiram que a diversidade de métodos, teorias, estilos de
pesquisas e variação no objeto das mesmas (pessoa e sua deformidade,
pessoa e sua auto-imagem, relação de amizade e casamento, motivação para
CP ou estilo de enfrentamento da atenção indesejada) necessitam passar por
comparações interculturais, esclarecimento teórico e continuidade de
pesquisas.
BULL & RUNSEY (1988) procuraram por uma estrutura teórica que
pudesse abarcar os resultados das pesquisas na área da Psicologia da
Aparência Facial. Estavam atrás de um esqueleto teórico que pudesse
justificar os achados. Ficou evidente que, pelo menos por enquanto, tal
estrutura não existe. Para os autores, nenhuma teoria merece ainda o primeiro
lugar, pois não alcançou a base integrativa dos dados. Para os autores, as
denominadas teorias explicativas e, entre elas a Teoria da Atribuição de
Causalidade, merecem destaque por revisar os achados dos pesquisadores e
também procurar uma unidade de significação entre elas.

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