Você está na página 1de 167

Cerrados

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E
BIOSSEGURANÇA
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Embrapa Cerrados
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E
BIOSSEGURANÇA

Editores Técnicos
Fábio Gelape Faleiro
Solange Rocha Monteiro de Andrade

Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
2009
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:

Embrapa Cerrados
BR 020, Km 18, Rodovia Brasília/Fortaleza
Caixa Postal 08223
CEP 73310-970 – Planaltina, DF
Fone: (61) 3388-9898 – Fax: (61) 3388-9879
http://www.cpac.embrapa.br
sac@cpac.embrapa.br

Embrapa Informação Tecnológica


Parque Estação Biológica – PqEB s/n.° – Plano Piloto
CEP 70707-901 – Brasília-DF
Fone (61) 3448-4236 – Fax (61) 3340-2753
www.sct.embrapa.br
vendas@sct.embrapa.br

Coordenação editorial Editoração eletrônica


Fernanda Vidigal Cabral de Miranda Leila Sandra Gomes Alencar

Revisão de texto Capa


Fernanda Vidigal Cabral de Miranda Jussara Flores de Oliveira
Francisca Elijani do Nascimento Renato Berlim Fonseca
Jussara Flores de Oliveira Fotos
Embrapa Cerrados
Normalização bibliográfica
Rosângela Lacerda de Castro 1ª edição
Projeto gráfico 1ª impressão (2009): 1.000 exemplares
Jussara Flores de Oliveira

Todos os direitos reservados.


A reprodução não autorizada desta publicação, no
todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais
(Lei n° 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP


Embrapa Cerrados

B616 Biotecnologia, transgênicos e biossegurança /


editores técnicos: Fábio Gelape Faleiro, Solange Rocha Monteiro
de Andrade. – Planaltina, DF : Embrapa Cerrados, 2009.
183 p. : il.
ISBN 978-85-7075-050-1
1. Engenharia genética. 2. Planta transgênica. 3. Organismo
geneticamente modificado. 4. Melhoramento genético. I. Faleiro, Fábio
Gelape. II. Andrade, Solange Rocha Monteiro de.
631.5233 - CDD 21
©Embrapa 2009
AUTORES

ANDRÉ NEPOMUCENO DUSI


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Pesquisador da Embrapa Hortaliças
dusi@cnph embrapa.br

AUSTECLINIO LOPES DE FARIAS NETO


Engenheiro Agrônomo, D.Sc.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
auster@cpac.embrapa.br

CLAUDETE TEIXEIRA MOREIRA


Engenheira Agrônoma, M.Sc.
Pesquisadora da Embrapa Cerrados
claudete@cpac.embrapa.br

DEISE MARIA FONTANA CAPALBO


Engenheira de Alimentos, D.Sc.
Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente
deise@cnpma embrapa.br

FÁBIO BUENO DOS REIS JUNIOR


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
fabio@cpac.embrapa.br

FÁBIO GELAPE FALEIRO


Engenheiro Agrônomo, D.Sc.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
ffaleiro@cpac.embrapa.br

FRANCISCO JOSÉ LIMA ARAGÃO


Engenheiro Agrônomo, D.Sc.
Pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
aragao@cenargen.embrapa.br
IÊDA DE CARVALHO MENDES
Engenheira Agrônoma, Ph.D.
Pesquisadora da Embrapa Cerrados
mendesi@cpac.embrapa.br

JOSÉ FRANCISCO DE FERRAZ TOLEDO


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Embrapa Soja
toledo@cnpso.embrapa.br

MARIA JOSÉ AMSTALDEN MORAES SAMPAIO


Engenheira Agrônoma, Ph.D.
Pesquisadora da Embrapa-Sede
zeze.sampaio@embrapa.br

MARIANGELA HUNGRIA
Engenheira Agrônoma, Ph.D.
Pesquisadora da Embrapa Soja
hungria@cnpso.embrapa.br

MÔNICA CIBELE AMÂNCIO


Advogada e Bióloga, M.Sc.
Analista da Embrapa Transferência de Tecnologia
monica.amancio@embrapa.br

NELSON DOS SANTOS E SILVA


Químico
Assistente da Embrapa Cerrados
nelson.chemie@gmail.com

NEYLSON EUSTÁQUIO ARANTES


Engenheiro Agrônomo, D.Sc.
Pesquisador da Embrapa Soja
neylson@epamiguberaba.com.br

PLÍNIO ITAMAR DE MELLO DE SOUZA


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
plinio@cpac.embrapa.br

SÉRGIO ABUD DA SILVA


Biólogo
Técnico Agrícola da Embrapa Cerrados
abud@cpac.embrapa.br
SOLANGE ROCHA MONTEIRO DE ANDRADE
Bióloga, D.Sc.
Pesquisadora da Embrapa Cerrados
solange@cpac.embrapa.br
Dedicamos este livro aos pesquisadores, professores e estudantes que
trabalham com biotecnologia, transgênicos e biossegurança,
levando o Brasil ao mais elevado nível de
competência científica e tecnológica.
APRESENTAÇÃO

Este livro é um dos produtos científicos do I Seminário sobre


Biotecnologia e Engenharia Genética e II Seminário sobre Transgênicos
e Biossegurança realizados na Embrapa Cerrados, na ocasião
da comemoração dos seus 30 anos. Nesses seminários foram
debatidos temas atuais relacionados à biotecnologia moderna e aos
transgênicos, os avanços e as perspectivas das pesquisas envolvendo
o desenvolvimento de transgênicos, os diferentes aspectos técnicos
e legais relacionados à biossegurança e , por último, os trabalhos
realizados na Embrapa e mais especificamente na Embrapa Cerrados.

Atualmente, a mídia está sendo bombardeada por inúmeras


reportagens sobre a biotecnologia e os produtos transgênicos, muitas
vezes sem o devido embasamento técnico-científico. As informações
repassadas para a sociedade, muitas vezes, são deturpadas por
ideologias, medo, sensacionalismo e pela própria desinformação. Nesse
sentido, os seminários realizados na Embrapa Cerrados e a edição
deste livro tiveram como principais objetivos aprofundar a discussão
sobre o tema e apresentar os trabalhos realizados na Embrapa e as
potencialidades da tecnologia em benefício da sociedade.

José Robson Bezerra Sereno


Chefe-Geral da Embrapa Cerrados
SUMÁRIO

Capítulo 1
Biotecnologia e Transgênicos ............................................................... 15

Capítulo 2
Engenharia Genética - Estado da Arte .................................................. 31

Capítulo 3
Breve Histórico da Biossegurança dos Transgênicos .......................... 49

Capítulo 4
A Biossegurança Ambiental .................................................................. 61

Capítulo 5
Biossegurança Alimentar ....................................................................... 77

Capítulo 6
Aspectos Legais da Pesquisa com Transgênicos no Brasil ................. 89

Capítulo 7
A Rede de Biossegurança da Embrapa .............................................. 109
Capítulo 8
As Plantas Transgênicas e a Microbiota do Solo ................................ 119

Capítulo 9
A Importância da Avaliação da Fixação Biológica do Nitrogênio em Soja

Transgênica com Resistência ao Glifosato ......................................... 147

Capítulo 10
O Programa de Melhoramento de Soja Transgênica para o

Cerrado ................................................................................................ 169


CAPÍTULO 1

BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
FÁBIO GELAPE FALEIRO
SOLANGE ROCHA MONTEIRO DE ANDRADE
BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS

A Biotecnologia, conceitualmente, sendo uma ciência de natureza


é a união da biologia com a multidisciplinar.
tecnologia. É um conjunto de
Apesar de o termo biotecnologia ser
técnicas que utiliza os seres vivos
no desenvolvimento de processos novo, o princípio é muito antigo. Por
e produtos que tenham uma exemplo, a utilização da levedura
função econômica e (ou) social. na fermentação da uva e do trigo
A biotecnologia envolve várias para produção de vinho e do pão
áreas do conhecimento e, em (Fig. 1) vem de muitos anos antes
conseqüência, vários profissionais, de Cristo.

Fig. 1. Levedura, uva, trigo, pão e vinho.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 17


Com a evolução da ciência em da hereditariedade (como as
seus diversos setores, inúmeras características passam de geração
metodologias biotecnológicas têm para geração) em 1865, James
sido sistematizadas, aumentando Watson e Francis Crick (Fig. 3) com
seus benefícios econômicos, a descoberta da estrutura do DNA
sociais e ambientais. Vários (ácido desoxirribonucléico, molécula
cientistas tiveram, com suas responsável pela informação genética
descobertas, grande importância de cada ser vivo) em 1953.
para a evolução e sistematização
A partir da descoberta da estrutura
da biotecnologia. Por exemplo,
Louis Pasteur com a descoberta dos do DNA, houve uma revolução
microrganismos em 1861 (Fig. 2). Tal na área da genética e biologia
descoberta revolucionou a medicina molecular, surgindo, então, a
com a produção das vacinas e biotecnologia moderna, que
trouxe aplicações para a melhoria consiste na manipulação controlada
de processos e técnicas industriais e intencional do DNA por meio
e agropecuárias que utilizam os das técnicas de engenharia
microrganismos. No Brasil, Oswaldo genética. Utilizando tais técnicas,
Cruz foi um importante seguidor foram possíveis a produção de
de Louis Pasteur (Fig. 2). Quase insulina humana em bactérias e
90 anos depois de sua morte, o desenvolvimento de inúmeras
é lembrado em cada canto do plantas transgênicas a partir da
território nacional, embora tenha década de 1980.
tido, na época, a incompreensão
As várias técnicas relacionadas à
de seus contemporâneos por causa
biotecnologia têm trazido, via de
de suas campanhas sanitárias,
regra, benefícios para a sociedade
que tornaram a vacinação uma
(Fig. 4 e 5). As fermentações
prática corriqueira e de extrema
industriais na produção de
importância no Brasil.
vinhos, cervejas, pães, queijos e
Outros cientistas que merecem vinagres; a produção de fármacos,
destaque dentro da biotecnologia são vacinas, antibióticos e vitaminas; a
Gregor Mendel (Fig. 3), considerado utilização de biocidas no controle
o ‘pai da genética’, com a descoberta biológico de pragas e doenças; o

18 BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
uso de microrganismos visando à das plantas; o desenvolvimento de
biodegradação de lixo e do esgoto; plantas e animais melhorados por
o uso de bactérias fixadoras de meio de técnicas convencionais de
nitrogênio e fungos micorrízicos melhoramento genético e também a
para a melhoria de produtividade transformação genética.

a b

c d

Fig. 2. Louis Pasteur (a); microrganismos (b); Oswaldo Cruz (c);


vacinação (d).

Fig. 3. Mendel e seus experimentos (a); Watson e


Crick e a estrutura do DNA (b). b

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 19


Fermentações
industriais
Produção de Cultura de
fármacos tecidos e células

Melhoramento
Clonagem
genético
Biotecnologia
Análises do
Produção DNA
das vacinas

Controle Transformação
biológico genética
Uso de
microrganismos
na agricultura

Fig. 4. Principais técnicas relacionadas à


biotecnologia.

Vinhos, cerveja, pães,


queijos, vinagres
Antibióticos
e vitaminas
Biodegradação

Plantas e animais
melhorados Multiplicação de
geneticamente recursos genéticos
Biotecnologia
Vacinas para o Testes de
homem e animais paternidade
dométicos
Plantas e animais
Biocidas transgênicos

Bactérias fixadoras
de nitrogênio e fungos
micorrízicos

Fig. 5. Principais
P i i i produtos
d t dad biotecnologia.
bi t l i

20 BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
A transformação genética, como rompida pela transformação genética,
uma das técnicas da biotecnologia abrindo novas possibilidades para o
moderna, é definida como sendo melhoramento genético. Mediante a
a introdução controlada de ácidos transformação, é possível transferir,
nucléicos (genes) em um genoma para as plantas, genes isolados de
receptor por meio da tecnologia plantas de outras espécies ou mesmo
do DNA recombinante. O DNA é o de microrganismos e de animais, o
constituinte celular que contém a que pode trazer vantagens para a
informação genética responsável por agricultura, meio ambiente, medicina
todas as características (fenótipo) e também para a pesquisa básica
de determinado organismo, sendo a no estudo da informação genética.
base do dogma central da biologia A transformação genética amplia
molecular (Fig. 6). consideravelmente a disponibilidade
de genes desejáveis e diminui o
A informação genética do tempo gasto para obtenção das
DNA é herdada dos parentais plantas melhoradas. A importância
depois do cruzamento entre e os avanços das pesquisas com os
eles. Os melhoristas de plantas transgênicos e a engenharia genética
e de animais utilizam-se dessa é o tema central do Capítulo 2.
capacidade de cruzamento para
gerar novos organismos com Diferentes técnicas de
características fenotípicas de transformação genética foram
interesse. Aproximadamente 50 % estabelecidas, recentemente, com
do aumento da produtividade das o desenvolvimento da cultura
culturas de soja, milho, arroz e trigo de tecidos e da engenharia
é atribuído a combinações gênicas genética. Essas técnicas podem
no DNA originadas de cruzamentos ser divididas em duas categorias:
realizados em programas de indireta e direta e são baseadas no
melhoramento genético. Esses procedimento para a transferência
de genes.
cruzamentos somente podem ser
feitos entre organismos da mesma Na transferência indireta, para realizar
espécie ou de espécies muito a transformação, utiliza-se um vetor,
relacionadas geneticamente, em como Agrobacterium tumefaciens e
virtude da barreira estabelecida pela Agrobacterium rhizogenes (Fig. 7).
compatibilidade sexual. Essa barreira é Esses vetores são bactérias que

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 21


possuem a capacidade de transferir engenharia genética, retirando os
naturalmente para as plantas parte genes nocivos à planta para colocar
de seu DNA, induzindo-as a sintetizar no lugar os genes de interesse,
substâncias para seu crescimento. mantendo-se a capacidade de
Depois dessa descoberta, cientistas transferência do DNA da bactéria
alteraram o DNA da bactéria por para a planta.

Ambiente

DNA RNA Proteínas

Fenótipo

Fig. 6. DNA como base do dogma central da biologia molecular.

Agrobacterium

T-DNA

Plasmídeo
Região Ti
vir
Célula transformada

Fig. 7. Transferência indireta.

22 BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
Na transferência direta, são usados membrana celular, permitindo a
métodos físicos ou químicos que entrada do DNA e sua integração
objetivam romper a barreira da ao genoma. A microinjeção permite
parede celular e(ou) da membrana a introdução do DNA diretamente
plasmática para a livre penetração dentro do núcleo. Entretanto, é uma
do DNA na célula. Numerosos técnica que exige muito treinamento
sistemas de transformação para a manipulação do aparelho,
direta já foram descritos, entre sendo utilizada, sobretudo, para
eles, a aceleração de partículas, a transformação de células de
polietilenoglicol, eletroporação, animais.
lipossomos, micro e macroinjeção
Além do método de transformação
(Fig. 8).
propriamente dito, outras etapas
O método de aceleração de estão envolvidas na obtenção de
partículas consiste em “dar um um organismo transgênico, como
tiro” de DNA nas células-alvo de o isolamento e a caracterização do
transformação. Para isso, foram gene de interesse, a construção do
desenvolvidos aparelhos de alta cassete de expressão, a introdução
pressão a gás que “empurram” e a incorporação do gene, a
micropartículas de ouro ou regeneração e a seleção das células
tungstênio cobertas com o DNA transformadas, a aclimatação e
de interesse para as células-alvo. os diferentes testes genotípicos e
Essas partículas penetram nas fenotípicos com os transgênicos.
células e liberam o DNA, que é Essas etapas envolvem tecnologias
integrado ao genoma da célula. de engenharia genética e
Os métodos de transformação por também a cultura de tecidos.
polietilenoglicol e eletroporação Para realizar a transformação
utilizam principalmente protoplastos genética de determinada espécie,
(células vegetais sem a parede é essencial que todo o processo
celular), que ficam em contato com de regeneração e de seleção das
o DNA de interesse. O uso de um células transformadas mediante a
“detergente” (polietilenoglicol) ou cultura de tecidos esteja otimizado
de pulsos elétricos (eletroporação) (Fig. 9). Diferentes estratégias
induz a formação de poros na podem ser utilizadas em cada etapa

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 23


da transformação genética, sendo testes devem ser realizados em
que a escolha da mais adequada laboratório, casa de vegetação e
depende da espécie, do tipo de no campo (Fig. 10), bem como
explante usado e do objetivo da as várias normas de segurança
transformação. devem ser respeitadas. Embora
a base do trabalho de avaliação
Logicamente, a tecnologia de de riscos seja a mesma, não se
transformação genética não pode fazer generalizações, pois
se encerra com a obtenção do cada transgênico e sua utilização
transgênico que expresse a apresentam especificidades
característica-alvo. Para que o que devem ser conhecidas,
transgênico seja efetivamente caracterizadas e sempre
incorporado ao sistema produtivo, levadas em consideração.
é necessário que ele não Portanto, para a liberação, cada
apresente riscos à saúde e ao transgênico deve ser avaliado
ambiente. Portanto, rigorosos individualmente.

Biobalística Eletroporação

Microinjeção

Célula transformada

Fig. 8. Métodos de transformação direta.

24 BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
Calo Organogenese
Células-alvo
Alongamento
Transgênico Aclimatação

Enraizamento
Seleção

Fig. 9. Regeneração e seleção de células transformadas mediante técnica de cultura de


tecidos.

Fig. 10. Testes de plantas transgênicas no


laboratório, casa de vegetação e campo.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 25


Todas as etapas para obtenção de alimentar, a criação de novas
transgênicos são regulamentadas pragas e plantas daninhas, a
pela lei. Existe um arcabouço produção de substâncias tóxicas
legal (Fig. 11) e uma nova Lei de a organismos não-alvo, as
Biossegurança, sancionada no perturbações de comunidades
dia 24 de março de 2005, os quais bióticas, os efeitos adversos a
serão detalhados no Capítulo 6. processos dos ecossistemas. Todos
os riscos devem ser considerados
De modo geral, os riscos vão desde na análise caso a caso de cada
a fase laboratorial até o destinatário transgênico. Nos capítulos 3, 4 e
final do produto, passando por 5, são relatadas mais informações
danos ao ecossistema. Entre os sobre a biossegurança dos
principais cuidados, podem-se transgênicos.
citar o fluxo gênico, a segurança

Lei de
Biossegurança
n°8.974/1995 MP
n° 2.191/2001
Legislações
Decreto
Estaduais Decreto
n° 1.752/1995
Rotulagem
Nova Lei de
n° 4.074/2003
Biossegurança
Lei nº
Lei 10.8.14
10.688/2003
/2003
Lei de Lei Lei n°
RET Agrotóxicos Ambiental
IN 2002 10.165/2000
n°7.802/1989 n° 6.938
/1981 Resolução IN Ibama
305 Conama /2003
2002

Fig. 11. Arcabouço legal para obtenção de transgênicos.

26 BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
Na Embrapa, existe uma rede homem ou ao meio ambiente e
de pesquisa para estudar trouxeram, via de regra, benefícios
a biossegurança de quatro à sociedade. Entre os benefícios
transgênicos. O propósito da dos transgênicos, podem-se
Embrapa é gerar conhecimentos citar aqueles relacionados à
na área de biossegurança agricultura (plantas tolerantes a
considerando todos os riscos pragas, doenças e herbicidas,
potenciais dos transgênicos com maior tempo de prateleira,
relacionados à saúde humana e ao mais produtivas, tolerantes a
meio ambiente. Tais conhecimentos áreas pouco adaptadas ao cultivo
vão municiar os tomadores de e com maior valor nutricional); à
opinião, desenvolvendo protocolos medicina (produção de vacinas
e métodos para uma avaliação e fármacos em planta, aumento
eficiente dos riscos. A rede de da produção de compostos
biossegurança da Embrapa, terapêuticos) e à pesquisa básica
além de trabalhar diretamente na (entendimento dos processos
questão de biossegurança, tem de armazenamento, expressão e
como função capacitar o Estado regulação da informação genética)
para atuar efetivamente nessa o que traria benefícios a produtores,
nova área do conhecimento. consumidores e também ao meio
Nos capítulos 7, 8, 9 e 10, são ambiente. Na Fig. 12, estão alguns
relatadas mais informações sobre exemplos de plantas transgênicas.
o trabalho realizado na Embrapa
e, particularmente, na Embrapa Existem diferentes explicações para
Cerrados. a pressão contra os transgênicos
como questões comerciais,
Considerando todos os cuidados interesses de mercados ligados
com a biossegurança de a indústrias de agroquímicos e a
transgênicos, até o momento, desinformação.
os produtos desenvolvidos com
base nessas técnicas na área As informações repassadas para
de fármacos e agricultura foram a sociedade sobre a biotecnologia
produzidos e comercializados moderna, muitas vezes, são
sem evidência de danos ao deturpadas por ideologias, medo,

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 27


sensacionalismo e pela própria agricultura mais produtiva, saudável
desinformação. Atualmente, a e sustentável, menos dependente
mídia está sendo bombardeada do uso de agroquímicos, além de
com inúmeras reportagens sobre propiciar benefícios a diferentes
a biotecnologia e os produtos setores da sociedade. A evolução
transgênicos. Esse assunto da ciência biotecnológica
é, às vezes, vulgarizado, visto está caminhando a passos
que políticos, advogados, largos e pode-se dizer que a
jornalistas e até sindicalistas estão biotecnologia moderna ainda
falando sobre um tema que é é uma criança, considerando
essencialmente técnico. Nesse todas as potencialidades e o que
sentido, é necessário leitura muito ainda vai ser descoberto. Nesse
crítica sobre todas as reportagens sentido, é estratégico para o
que envolvem a biotecnologia Brasil aumentar o investimento em
e os produtos transgênicos. ciência e tecnologia e desobstruir
Certas perguntas devem ser tudo o que tem dificultado as
feitas: Quem escreveu o artigo?, pesquisas. Tais pesquisas têm
Qual o sistema estudado?, Qual assumido uma importância
metodologia foi utilizada?, Quais cada vez maior nas tomadas de
os interesses envolvidos?, Quais
decisão sobre todos os assuntos
os pontos negativos e positivos?, A
relativos a transgênicos. Assim, é
reportagem é baseada em critérios
necessário que a sociedade não
técnicos e científicos?
seja contra a biotecnologia e os
É inquestionável que a transgênicos, mas sim contra tudo
biotecnologia, incluindo as o que dificulta as pesquisas como
tecnologias de transformação o baixo investimento em ciência e
genética, é hoje uma das tecnologia e processos altamente
ferramentas de grande importância burocráticos que impedem o seu
para o desenvolvimento de uma andamento.

28 BIOTECNOLOGIA E TRANSGÊNICOS
Fig. 12. Alguns exemplos de plantas transgênicas: soja tolerante a herbicidas;
milho e algodão resistentes a insetos; feijão, mamão e batata resistentes a
vírus; tomate e alface resistentes a fungos; arroz, brócolis, milho e tomate
com melhores qualidades nutricionais; tomate com maior tempo de prateleira;
plantas ornamentais com características diferenciadas.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 29


CAPÍTULO 2

ENGENHARIA GENÉTICA –
ESTADO DA ARTE
FRANCISCO JOSÉ LIMA ARAGÃO
ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE

O melhoramento de plantas o tempo necessário para obter


iniciou-se por volta de 8 mil novas variedades, bem como para
a 10 mil anos atrás quando o gerar novas fontes de variabilidade
homem pré-histórico começou a genética. Entre essas tecnologias,
ter as primeiras tentativas bem- pode-se mencionar a indução de
sucedidas de cultivo. Desde então, mutação por tratamentos químicos
o homem vem domesticando as ou físicos.
plantas, escolhendo aquelas mais
Com o avanço do conhecimento
adequadas ao cultivo, melhores,
em genômica, novas ferramentas
maiores e mais bonitas para sua
advindas da biologia celular e
alimentação e para a produção de
molecular têm sido adicionadas
fibras. Essa seleção, associada para direcionar os cruzamentos
às necessidades de plantio, controlados, com o uso de
cultivo, colheita e armazenamento, marcadores moleculares e,
exerceu uma pressão seletiva nas finalmente, transferir genes
espécies cultivadas, diferenciando entre espécies sexualmente
as linhagens cultivadas de seus incompatíveis, com o uso da
parentes silvestres. engenharia genética, o que tem
No início do século XX, com permitido ampliar as possibilidades
de estratégias que podem ser
a redescoberta das leis da
utilizadas pelos programas de
hereditariedade, anteriormente
melhoramento.
formuladas por Gregor Mendel em
1865, o melhoramento de plantas Os principais objetivos do
teve grande impulso e, durante o melhoramento genético são:
último século, transformou-se em resistência a doenças e a
uma disciplina bastante complexa. insetos; adaptação aos estresses
Novas técnicas foram incorporadas ambientais; e melhoria da
ao melhoramento genético e qualidade nutricional. No entanto,
contribuíram bastante para diminuir o objetivo mais importante é o

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 33


aumento da segurança no cultivo nova tecnologia foi a produção
de plantas, ou seja, o incremento de insulina humana em bactéria.
da probabilidade de uma colheita Hoje, mais de 400 genes de
com sucesso. Nesse sentido, proteínas com potencial para
plantas mais resistentes a pragas, o uso terapêutico na medicina
mais produtivas e nutricionalmente humana e veterinária já foram
melhoradas e tolerantes a obtidos. Mais de 30 desses
estresses ambientais, como seca, genes foram introduzidos em
frio e solos salinos, contribuem organismos transgênicos que
significativamente para a segurança geraram medicamentos aprovados
alimentar da sociedade, direta e utilizados em várias partes do
ou indiretamente dependente da mundo.
produção agrícola.
Os genes que controlam ou estão
A engenharia genética, que envolvidos na determinação de
permite a manipulação do material certas características importantes
genético dos organismos, surgiu para a agricultura podem ser
em 1972, quando cientistas da isolados de qualquer organismo e
Universidade de Stanford, nos introduzidos em qualquer espécie
Estados Unidos, conseguiram ligar vegetal. Depois de sua clonagem
seqüências de DNA de Escherichia e caracterização, o gene de
coli a do Simian papiloma virus. interesse deverá ser introduzido no
Em virtude desse resultado, o líder genoma da planta hospedeira. A
do projeto, Dr. Paul Berg, ganhou transformação genética de vegetais
o Prêmio Nobel em 1980. Como superiores tem tido avanços
conseqüência dessas pesquisas, consideráveis nas últimas duas
o primeiro organismo transgênico décadas. Foram desenvolvidos
E. coli, contendo seqüências sistemas de transformação para
de DNA de Xenopus laevis, foi praticamente todas as espécies
produzido em 1973. Com isso, agrícolas importantes. Atualmente,
abriram-se as portas para transferir os métodos mais empregados são
certas características próprias a introdução de genes mediada
de um organismo para outro. A por Agrobacterium e o processo
primeira utilização comercial dessa biobalístico.

34 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


A obtenção de plantas transgênicas até o momento, o desenvolvimento
pela introdução de genes, de estratégias contra doenças
mediada por Agrobacterium, virais. Sanford e Johnson (1985)
baseia-se na capacidade de essas foram os primeiros a trabalhar
bactérias transferirem seqüências com a possibilidade de obtenção
específicas do seu DNA para o de resistência a patógenos em
genoma vegetal. Esse sistema plantas geneticamente modificadas
é relativamente simples e, em contendo seqüências genômicas
muitos casos, eficiente e de baixo dos próprios patógenos. Na
custo. Usualmente, os tecidos verdade, esse conceito já vem
transformados devem passar sendo empregado há pelo menos
por uma etapa de cultura in vitro, duas décadas, num processo
visando à regeneração de uma chamado de premunização, no qual
planta transgênica completa. uma planta é propositadamente
Outras espécies de bactérias dos infectada por uma estirpe fraca
gêneros Rhizobium, Sinorhizobium de um vírus para obtenção de
e Mesorhizobium também podem tolerância contra estirpes fortes
ser utilizadas para transferência (MULLER; COSTA,1977; COSTA;
de genes exógenos para células MULLER, 1980).
vegetais. Além disso, vírus têm
sido, igualmente, utilizados para Desde o primeiro exemplo, em
introdução e expressão de genes 1986, de resistência a vírus em
em plantas (CHUNG et al., 2006). uma planta transgênica (fumo)
transformada com a capa protéica
O sistema biobalístico consiste do vírus-do-mosaico-do-tabaco
na utilização de micropartículas, (Tobacco mosaic virus - TMV)
aceleradas a altas velocidades (POWELL et al., 1986), mais de
para carrear e introduzir genes em uma centena de publicações têm
células e tecidos. A partir dessas sido apresentadas, relatando a
células e tecidos, podem-se obter
obtenção de plantas geneticamente
plantas transgênicas férteis.
modificadas resistentes a vírus dos
A maior contribuição da engenharia mais variados grupos. Diferentes
genética para a geração de plantas estratégias têm sido empregadas.
resistentes a doenças tem sido, Brevemente, pode-se listar: (1)

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 35


expressão da capa protéica; (2) virus - PRSV), nos Estados Unidos.
uso de satélites; (3) RNA sense Várias outras plantas têm sido
e antisense; (4) RNAs defectivos; liberadas para comercialização nos
(5) expressão da replicase; Estados Unidos, como abóboras
(6) expressão de proteínas do resistentes aos vírus WMV
movimento; (7) expressão de (Watermelon mosaic virus), ZYMV
anticorpos (plantbodies) (WILSON, (Zucchini yellow mosaic virus) e
1993; TAVLADORAKI et al., 1993; CMV (Cucumber mosaic virus)
GRUMET, 1995). As estratégias e batatas resistentes aos vírus
mais utilizadas foram expressão/ PLRV (Potato leafroll virus) e PVY
co-supressão da capa protéica, (Potato virus Y). (TEPFER, 2002).
RNA antisense. Entretanto, A Embrapa Recursos Genéticos
mais recentemente, o uso de e Biotecnologia, a Embrapa Arroz
RNA interferentes (RNAi) tem-se e Feijão, a Embrapa Hortaliças, a
mostrado mais eficiente que todas Embrapa Mandioca e Fruticultura
as outras estratégias, prometendo e a Embrapa Milho e Sorgo têm
ser a mais empregada nos gerado plantas transgênicas
próximos anos. Recentemente, para resistência a viroses. Essas
obtiveram-se feijoeiros plantas estão sendo avaliadas
transgênicos altamente resistentes pelos programas de melhoramento
ao vírus BGMV (Bean golden (ARAGÃO et al., 1998, 2001;
mosaic geminivirus) expressando ROMANO et al., 2001; EHRENFELD
um fragmento de RNA de dupla et al., 2004; SOUZA JÚNIOR
fita do gene viral AL1. Todas essas et al., 2005; BONFIM et al., 2007).
estratégias têm sido empregadas As avaliações de segurança dessas
com maior ou menor grau de plantas para o meio ambiente
sucesso para determinados e saúde humana e animal têm
grupos de vírus. As primeiras sido alvo de estudos na Rede de
plantas disponibilizadas para o Biossegurança da Embrapa.
setor produtivo foram: o fumo, No entanto, as primeiras plantas
resistente ao TMV, na China, e o transgênicas a ocupar grandes áreas
mamoeiro resistente ao vírus-da- são aquelas tolerantes a herbicidas.
mancha-anelar (Papaya ring spot Essas plantas têm sido utilizadas

36 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


no manejo de ervas daninhas (6) alterar componentes estruturais
que podem ser combatidas mais (PUNJA, 2001). Recentemente,
facilmente com a aplicação de nosso grupo gerou plantas de
herbicidas não seletivos. Distintos alface tolerantes a Sclerotinia por
genes têm sido introduzidos para meio da expressão do gene do
obtenção de resistência a vários oxalato descarboxilase isolado
herbicidas: atrazina (gene mutado de Flamulina velutipes. A enzima
psbA), bromoxinil (gene bnx), oxalato descarboxilase, presente
glifoninato de amônio (gene pat ou nas plantas transgênicas, degrada
bar), sulfunilureas e imidazolinonas o ácido oxálico, o fator mais
(genes als ou ahas mutados), importante de virulência do fungo
glifosato (genes epsps e aroA) e (DIAS et al., 2006).
2,4-D (gene tfdA). Cerca de 71 % Várias estratégias têm sido
das plantas transgênicas cultivadas propostas para obtenção de
atualmente contêm genes para resistência a insetos que são
resistência a herbicidas (JAMES, pragas nos sistemas agrícolas.
2005). Em geral, essas estratégias estão
Grande número de estratégias relacionadas à expressão de
tem sido gerado para resistência genes de proteínas que alteram o
a fungos. Embora ainda não ciclo de vida ou são letais para os
existam plantas em processo insetos: inibidores de proteinases,
de comercialização com essas inibidores de amilases, lectinas.
características, já existem Até o momento, a utilização do
variedades em pré-melhoramento. gene Bt (Cry) tem sido a estratégia
As principais estratégias utilizadas mais eficiente e amplamente
buscam expressar: (1) proteínas utilizada comercialmente. O gene
hidrolíticas (glucanases, Bt codifica uma toxina da bactéria
quitinases); (2) proteínas dos Gram-positiva do solo Bacillus
patógenos (defensinas, osmotinas); thuringiensis. Muitos genes isolados
(3) proteínas heterólogas dessa bactéria produzem inclusões
antimicrobianas (tioninas, cristalinas de um potente inseticida
defensinas, peroxidases, lisozimas); (δ-endotoxinas) chamado de toxina
(4) fitoalexinas (restaverol); (5) além cristal (Cry) ou toxina citolítica
de inibir a virulência do patógeno; e (Cyt). Três espécies de plantas

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 37


geneticamente modificadas têm feijão resistente a carunchos e café
sido comercialmente cultivadas resistente a brocas.
contendo genes Bt, milho, algodão
e batata. No entanto, genes Bt A engenharia genética tem
têm sido introduzidos e avaliados sido utilizada, também, como
em grande número de espécies, ferramenta para tornar as plantas
tais como: soja, maçã, arroz, melhoradas nutricionalmente.
álamo, alfafa, cana-de-açúcar, Os fatores nutricionais têm tido
uva e tomate. Cerca de 15 % dos sua concentração aumentada,
cultivos comerciais com plantas sobretudo, as vitaminas e
geneticamente modificadas são aminoácidos essenciais. Por sua
feitos com plantas que contêm vez, fatores antinutricionais são
o gene Bt, sendo cultivados nos
reduzidos ou removidos, como o
Estados Unidos, China, África do
fitato (myo-inositol hexa-kisfosfato)
Sul, Indonésia e Austrália.
das sementes. Tal projeto tem sido
A redução na aplicação de feito/executado pela Embrapa,
inseticidas e de aumento de que tem buscado obter plantas
produtividade tem sido observada de soja com menor teor de fitato.
em vários países em culturas Recentemente, foi obtida uma
com os genes Bt (PRAY et al., linhagem de soja na qual o gene
2002; QAIM; ZILBERMAN, 2003). da mio-inositol 1-fosfato sintase foi
Além disso, tem-se observado silenciado, apresentando redução
que, devido ao menor ataque de de 95 % na quantidade de fitato
pragas em plantas de milho-Bt, presente nos grãos (NUNES et al.,
ocorreu diminuição de fungos
2006). Há, igualmente, estudos
e conseqüente redução da
para caracterizar genes de enzimas
contaminação com micotoxinas
das rotas metabólicas da síntese
(Fig. 1), que são substâncias
de vitaminas (C, A e E) e de
cancerígenas (CHRISPEEL;
óleos essenciais. O projeto mais
SADAVA, 2003).
avançado para o desenvolvimento
Na Embrapa, genes Bt têm sido de plantas com maior teor de
isolados e caracterizados. Outros vitaminas é do arroz-dourado ou
genes e estratégias são avaliados Golden Rice (Fig. 2). As sementes
para obtenção de plantas, como desse arroz possuem a capacidade

38 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


de acumular cerca de 1,6 mg/g de RICE PROJECT, 2007). O consumo
β-caroteno (pró-vitamina A). Isso desse arroz poderá minimizar
ocorre porque, nessas plantas, problemas de deficiência de
foram introduzidos dois genes vitamina A e, conseqüentemente,
adicionais, da enzima fitoene os problemas de deficiência
sintase (PSY) e caroteno desaturase visual e cegueira em países em
(CRTI) (PAINE et al., 2005; AL- desenvolvimento cuja alimentação
BABILI; BEYER, 2005; GOLDEN é deficiente nessa vitamina.

Fig. 1. Milho resistente a insetos devido à expressão do gene Bt de Bacillus thuringiensis.


À esquerda, pode-se ver uma espiga de milho transgênico e, à direita, uma espiga de um
milho não-transgênico. As espigas do milho transgênico são menos atacadas pelos insetos
que, além de causar danos diretos aos grãos, abrem portas para a entrada de fungos. No
milho transgênico, observa-se menor ataque de insetos e menor incidência de fungos e,
conseqüentemente, redução da contaminação com micotoxinas.

Foto: Francisco J. L. Aragão

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 39


a b
Fig. 2. Grãos de arroz dourado (Golden Rice) com alto teor de pró-vitamina A (a) e grãos de
arroz não transformados geneticamente (b). O arroz dourado tem coloração amarelada em
virtude da presença de pró-vitamina A.
Cortesia: The Golden Rice Humanitarian Board.

Os estresses pelo déficit ao estresse hídrico e à baixa


hídrico, baixa temperatura e alta temperatura. O gene DREB1A foi
concentração salina nos solos introduzido em algumas espécies,
têm sido amplamente estudados. mostrando que pode conferir alta
Vários genes têm sido isolados, tolerância ao estresse hídrico. A
caracterizados e introduzidos introdução desse gene em trigo
em plantas geneticamente pelo CIMMYT (México) demonstrou
modificadas. Um desses genes, que as plantas foram capazes de
que é um elemento de resposta à tolerar um período de 15 dias sem
desidratação (DRE), demonstrou ter irrigação, em condições de campo,
papel importante na regulação da apresentando apenas redução no
expressão de genes em resposta turgor das folhas. Genes DREB

40 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


têm sido introduzidos em plantas Developments, uma “joinventure”
de soja e de trigo com a finalidade das empresas Florigene da
de obter plantas mais tolerantes Austrália e a japonesa Suntory
ao déficit hídrico. Experimentos (CHANDLER, 2003; FLORIGENE
realizados na Universidade de FLOWERS, 2007).
Viçosa demonstraram que a
As tecnologias para a produção
expressão do gene BiP (chaperone
de proteínas heterólogas
binding protein) isolado de soja em
recombinantes, atualmente
plantas transgênicas de fumo com
comercializadas, têm-se
acumulação da proteína foi capaz
baseado na cultura de células de
de conferir grande tolerância à
mamíferos in vitro ou produção
condição de falta de irrigação por
em microrganismos. Atualmente,
um período de 4 semanas (ALVIM
a utilização de plantas e animais
et al., 2001). Esse gene está agora
transgênicos tem demonstrado
sendo manipulado e introduzido
ser bastante eficiente para a
em várias leguminosas, como
produção de diferentes proteínas
soja, feijão e feijão-de-corda, na
recombinantes em larga escala
Embrapa Recursos Genéticos e
e a custo reduzido, além de
Biotecnologia.
ter recebido aceitação pelas
Um dos produtos mais agências de regulamentação.
interessantes gerados pela O uso de plantas transgênicas
moderna biotecnologia que para a produção de proteínas
chegaram ao mercado são as flores recombinantes deverá prover
com novos padrões de coloração. uma fonte segura, renovável e
Isso é um dos fatores críticos custo reduzido para a produção
no melhoramento de espécies de proteínas biologicamente
floriculturais. Cravos transgênicos ativas e em larga escala. Além
com flores nas cores púrpura, disso, a utilização de plantas
lavanda e violeta (Fig. 3) foram permite expressar proteínas
desenvolvidos e estão atualmente bioquimicamente complexas
sendo comercializados na América que não podem ser produzidas
do Norte, Austrália e Japão pela de forma economicamente
empresa International Flower viável em cultura de células ou

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 41


microrganismos, podendo tornar- não processados faz com que as
se uma opção para o agronegócio. plantas e animais transgênicos
O significativo baixo custo em tenham um custo mais efetivo do
capital e custos operacionais que outros sistemas de produção
para a produção de compostos de proteínas recombinantes.

Fig. 3. Cartaz do dia das mães anunciando a venda de flores de cravos


transgênicos modificados para terem novos padrões de coloração.
Cortesia de Steve Chandler, Florigene, Austrália.

42 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


O desenvolvimento de plantas qual foram endereçadas. Além
transgênicas com novas disso, a fermentação bacteriana
características é considerado freqüentemente resulta na produção
atualmente uma das mais de agregados insolúveis e são
importantes aplicações da necessários gastos significativos
tecnologia do DNA recombinante. para solubilizar esses agregados
Por meio dessa técnica, as e recuperar a estrutura da proteína
plantas podem ser geneticamente nativa. Por sua vez, o processo de
modificadas, basicamente com fermentação em si requer grandes
duas finalidades: (a) melhoramento investimentos de capital. Ao
de suas características contrário dos sistemas bacterianos
agronômicas e qualidades de expressão de proteínas, os
nutricionais; (b) uso das plantas sistemas eucarióticos permitem o
como reatores biológicos para a processamento e a modificação dos
produção de biomoléculas (LEITE produtos. O sistema de expressão
et al., 1999, 2000). eucariótico mais antigo baseia-se
na utilização de leveduras, sendo
As plantas apresentam vantagens
as espécies Saccharomyces
em potencial em relação aos
cerevisae e Pichia pastoris as mais
sistemas baseados em fermentação
utilizadas. Esses sistemas são tão
microbiana, células animais e
econômicos quanto os bacterianos,
animais transgênicos. Proteínas
mas as proteínas sintetizadas são
heterólogas expressas em
freqüentemente hiperglicosiladas e,
bactérias, geralmente, retêm o
quando produzidas em altos níveis,
resíduo de metionina, derivado
são instáveis e insolúveis.
do sistema de tradução, na sua
extremidade amino-terminal. Nas As plantas transgênicas estão
proteínas expressas em eucariotos, sendo testadas, também, para a
entretanto, essa metionina em produção de antígenos vacinais.
geral faz parte de sinais de Enquanto os sistemas baseados
endereçamento específicos, na amplificação de vírus em
que são retirados quando essas plantas apresentam capacidade
proteínas são introduzidas no de expressar apenas pequenos
compartimento celular para o domínios antigênicos fusionados

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 43


às proteínas da capa viral, plantas flores com longa vida de prateleira;
transgênicas podem expressar plantas mais precoces e com
antígenos de maior complexidade arquitetura modificada; aumento
estrutural, sem perda de suas da eficiência fotossintética e do
propriedades imunogênicas uso de nutrientes; flores e frutos
originais. Diversas abordagens com modificação de aroma e
têm sido usadas para obtenção sabor; plantas produtoras de
de vacinas a partir de plantas, biopolímeros; plantas macho-
sendo as “vacinas comestíveis” estéreis; modificações metabólicas
as mais promissoras, pela para produção de substâncias de
redução nos custos e facilidade alto valor agregado (engenharia
de administração, uma vez que metabólica); eliminação de
dispensariam todos os recursos componentes alergênicos e
necessários para a produção antinutricionais.
e distribuição das vacinas
Embora haja 90 milhões de
(LANGRIDGE, 2000). Cerca de
hectares atualmente plantados
200 produtos (em particular
com plantas transgênicas, apenas
MAbs) estão em fase de avaliação
algumas poucas espécies são
clínica e muitos outros em fase de
cultivadas, como soja, algodão,
desenvolvimento pré-clínico (fases
canola e milho. Praticamente,
I e II; veja exemplos em http://www.
todas as variedades cultivadas
lsbc.com; http://www.meristem.
são derivadas de linhagens
com; http://www.cobento.com;
desenvolvidas por grandes
http://www.sigmaaldrich.com/;
empresas multinacionais. As
http://www.chlorogen.com/; http://
exceções são o mamão resistente
www.planetbiotechnology.com/;
ao vírus-da-mancha-anelar,
http://www.mpt.monsanto.com/;
desenvolvido pela Cornell University
http://www.neorx.com/).
e cultivado no Havaí desde 1998,
Muitas outras características vêm e o algodão-Bt resistente à lagarta,
sendo manipuladas para agregar desenvolvido pela Academia de
valor aos cultivos e melhorar seu Ciências Agrícolas da China e
manejo nos ambientes agrícolas, cultivado em várias partes daquele
tais como: obtenção de frutos e país. Na realidade, o algodão

44 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


chinês foi o primeiro exemplo Por causa dessa situação,
de um produto da moderna alguns projetos chegaram a ficar
biotecnologia totalmente produzido paralisados por aproximadamente 4
em um país em desenvolvimento. anos, o que levou muitas empresas
O exemplo chinês mostra que é a transferir seus experimentos para
possível haver desenvolvimento de países vizinhos, como a Argentina.
novas biotecnologias nos sistemas Há mais de uma década, o plantio
públicos de pesquisa, desde que de sementes transgênicas já é
haja as condições necessárias, uma realidade em países de todos
tais como pessoal bem formado os continentes onde se realiza
e treinado, investimento e
agricultura, sem que qualquer
legislação compatível com a
problema para a saúde humana
pesquisa agropecuária de ponta.
tenha sido observado (WORLD
Entretanto, nos últimos 9 anos,
HEALTH ORGANIZATION, 2005).
estabeleceu-se, em nosso país, um
Espera-se que a nova Lei de
emaranhado de leis e dispositivos
Biossegurança (Lei 11.105, de 24
infralegais que criaram um quadro
de março de 2005, regulamentada
extremamente burocrático e
apenas cerca de 8 meses depois
complexo, impossibilitando a
pesquisa, no campo, com plantas pelo decreto 5.591, de 22 de
geneticamente modificadas. novembro de 2005) solucione
Apesar de o Brasil contar com alguns dos conflitos anteriores
um quadro altamente qualificado e que o País possa, finalmente,
de cientistas, não tem tido seu retomar seu lugar de destaque na
potencial plenamente aproveitado pesquisa biotecnológica agrícola.
em virtude da falta de investimento É fundamental que o Brasil tenha
no sistema público, baixa interação domínio de uma tecnologia que já
com o setor privado e uma é uma realidade em vários países
legislação confusa e incompatível e que tem grandes impactos
com o desenvolvimento científico sociais e econômicos para aqueles
nessa área. Isso levou o País a um países que a dominam ou que
grande atraso em relação a outras estarão totalmente dependentes de
nações. tecnologia estrangeiras. Espera-se

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 45


que o forte atraso enfrentado pela ARAGÃO, F. J. L.; VIANNA, G. R.;
pesquisa brasileira seja de alguma ALBINO, M. M. C.; DIAS, B. B. A.;
forma mitigado pela agilidade dos FARIA, J. C. Transgênico resistente a
geminivirus. Biotecnologia Ciência &
órgãos regulatórios. É preciso que
Desenvolvimento, Uberlândia, v. 19, p.
haja equilíbrio na legislação a fim
22-26, 2001.
de permitir presteza e celeridade
BONFIM, K.; FARIA, J. C.; NOGUEIRA,
nas avaliações dos processos, para
E. O. P. L.; MENDES, E. A.; ARAGÃO,
dar competitividade aos cientistas
F. J. L. RNAi-Mediated resistance to
brasileiros, ao mesmo tempo em bean golden mosaic virus in genetically
que ofereça a segurança que a engineered common bean (Phaseolus
sociedade demanda. vulgaris). Molecular Plant-Microbe
Interaction, v. 20, p. 717-726, 2007.
Referências CHANDLER, S. F. Commercialization of
genetically modified ornamental plants.
AL-BABILI, S.; BEYER, P. Golden Rice:
Journal of Plant Biotechnology, v. 5,
five years on the road: five years to go?
p. 69-77, 2003.
Trends in Plant Science, v. 10, p. 565-
573, 2005. CHRISPEELS, M. J.; SADAVA,
D. E. Plants, genes, and crop
ALVIM, F. C.; CAROLINO, S. M. B.;
biotechnology. 2th ed. Boston: Jones
CASCARDO, J. C. M.; NUNES, C.
and Bartlett Publishers, 2003. 562 p.
C.; MARTINEZ, C. A.; OTONI, W.
C.; FONTES, E. P. B. Enhanced CHUNG, S.-M.; VAIDYA, M.; TZFIRA,
accumulation of BiP in transgenic T. Agrobacterium is not alone: gene
plants confers tolerance to water stress. transfer to plants by viruses and other
Plant Physiology, v. 126, p. 1042-1054, bacteria. Trends in Plant Science, v.
2001. 11, p. 1-4, 2006.

ARAGÃO, F. J. L.; RIBEIRO, S. G.; COSTA, A. S.; MULLER, G. W. Tristeza


BARROS, L. M.; BRASILEIRO, A. C. M.; control by cross protection. Plant
MAXWELL, D. P.; RECH, E. L.; FARIA, Disease, v. 64, p. 538-541, 1980.
J. C. Transgenic beans (Phaseolus DIAS, B. B. A.; CUNHA, W. G.; MORAIS,
vulgaris L.) engineered to express viral L. S.; VIANNA, G. R.; RECH, E. L.;
antisense RNAs showed delayed and CAPDEVILLE, G.; ARAGÃO, F. J. L.
attenuated symptoms to bean golden Expression of an oxalate decarboxylase
mosaic virus. Molecular Breeding, v. 4, gene from Flammulina sp. in transgenic
p. 491-499, 1998. lettuce (Lactuca sativa) plants and

46 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


resistance to Sclerotinia sclerotiorum. BONACORSSI, E. D.; EL-DORRY, H.
Plant Pathology, v. 55, n. 2, p. 187-193, F.; ARRUDA, P. Expression of correctly
2006. processed human growth hormone in
seeds of transgenic tobacco plants.
EHRENFELD, N.; ROMANO E.;
Molecular Breeding, v. 6, p. 47-53, 2000.
SERRANO, C.; ARCE-JOHNSON, P.
Replicase mediated resistance against MULLER, G. W.; COSTA, A. S. Tristeza
Potato Leafroll Virus in potato Desirée control in Brazil by preimunization
plants. Biological Research, v. 37, p. with mild strains. Proceedings of the
71-82, 2004. International Society of Citriculture, v.
3, p. 868-877, 1977.
FLORIGENE Flowers. Disponível em:
<http://www.florigene.com>. Acesso NUNES, A. C. S.; VIANNA, G. R.;
em: 19 mar. 2007. CUNEO, F.; AMAYA-FARFÁN, J.;
DE CAPDEVILLE, G.; RECH, E. L.;
GOLDEN Rice Project. Disponível em:
ARAGÃO, F. J. L. RNAi-mediated
<http://www.goldenrice.org/index.
silencing of the myo-inositol-1-
html>. Acesso em: 19 mar. 2007.
phosphate synthase gene (GmMIPS1)
GRUMET, R. Genetic engineering for in transgenic soybean inhibited seed
crop virus resistance. HortScience, v. development and reduced phytate
30, p. 449-456, 1995. content. Planta, v. 224, n. 1, p. 125-132,
2006.
JAMES, C. Situação global das
lavouras geneticamente modificadas PAINE, J. A.; SHIPTON, C. A.;
(GM) comercializadas: 2005. Ithaca: CHAGGAR, S.; HOWELLS, R. M.;
ISAAA, 2005. 46 p. (ISAAA. Relatório, KENNEDY, M. J.; VERNON, G.;
34). WRIGHT, S. Y.; HINCHLIFFE, E.;
ADAMS, J. L.; SILVERSTONE, A. L.;
LANGRIDGE, W. H. R. Edible vaccines.
DRAKE, R. Improving the nutritional
Scientific American, v. 283, p. 48-53, value of Golden Rice through increased
2000. pro-vitamin A content. Nature
LEITE, A.; CORD NETO, G.; VETTORE, Biotechnology, v. 23, p. 482-487, 2005.
A. L.; YUNES, J. A.; ARRUDA, P. The POWELL, P. A.; NELSON, R. C. de
prolamins of sorghum, coix and millets. B.; HOFFMANN, N.; ROGERS, S. G.;
In: SHEWRY, P. R.; CASEY, R. (Ed.). FRALEY, R. T.; BEACHY, R. N. Delay
Seed proteins. Dordrecht: Kluwer of disease development in transgenic
Academic Publisher, 1999. p. 141-157. plants that express the tobacco mosaic
LEITE, A.; KEMPER, E. L.; SILVA, M. virus coat protein gene. Science,
J.; LUCHESSI, A. D.; SILOTO, R. M. P.; v. 232, p. 738-743, 1986.

ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE 47


PRAY, C. E.; HUANG, J.; HU, R.; SOUZA JÚNIOR, M. T.; NÍCKEL, O.;
ROZELLE, S. Five years of Bt cotton in GONSALVES, D. Development of
China: the benefits continue. The Plant transgenic papayas expressing the
Journal, v. 31, p. 423-430, 2002.
coat protein gene from a Brazilian
PUNJA, Z. K. Genetic engineering isolate of Papaya ringspot virus (PRSV).
of plants to enhance resistance Fitopatologia Brasileira, v. 30, p. 360-
to fungal pathogens: a review of 368, 2005.
progress and future prospects.
TAVLADORAKI, P.; BENVENUTO,
Canadian Journal of Plant
E.; TRINCA, S.; DE MARTINS, D.;
Pathology, v. 23, p. 216-235, 2001.
CATTANEO, A.; GAREFFI, P. Transgenic
QAIM, M.; ZILBERMAN, D. Yield plants expressing a functional single-
effects of genetically modified crops chain Fv antibody are specially
in developing countries. Science, protected from virus attack. Nature,
v. 299, p. 900-902, 2003. v. 366, p. 469-472, 1993.

ROMANO E.; FERREIRA, A.; TEPFER, M. Risk assessment of virus-

MONTE, D.; BRAVO-ALMONACID, resistant transgenic plants. Annual

F.; MELO, P.; MENTABERRY, A.; Review Phytopathology, v. 40, p. 467-

TORRES, A. C. Extreme resistance 491, 2002.

to two Brazilian strains of Potato WILSON, T. M. A. Strategies to


vírus Y (PVY) in transgenic potato, protect crop plants against viruses:
cv. Achat, expressing the PVYo coat pathogen-derived resistance blossoms.
protein. Horticultura Brasileira, Proceedings of the National Academy
v. 19, p. 118-122, 2001. of Sciences of the United States of
America, v. 90, p. 3134-3141, 1993.
SANFORD, J. C.; JOHNSON, S.
A. The concept of parasite-derived WORLD HEALTH ORGANIZATION.
resistance: deriving resistance Modern food biotechnology, human
genes from the parasite own health and development: an evidence-
genome. Journal of Theoretical based study. Geneva: WHO Library,
Biology, v. 115, p. 395-405, 1985. 2005. 79 p.

48 ENGENHARIA GENÉTICA - ESTADO DA ARTE


CAPÍTULO 3

BREVE HISTÓRICO DA BIOSSEGURANÇA


DOS TRANSGÊNICOS

SOLANGE ROCHA MONTEIRO DE ANDRADE


FÁBIO GELAPE FALEIRO
BREVE HISTÓRICO DA BIOSSEGURANÇA
DOS TRANSGÊNICOS
Durante a evolução, a espécie cruzamento de indivíduos, esses
humana deixou seu comportamento estudos passaram a ser realizados
nômade, fixando-se em locais com base científica, originando a
mais protegidos e com maior ciência e a arte do melhoramento
facilidade de coleta de alimentos. genético. Utilizando técnicas de
Com o tempo e a necessidade, melhoramento, foram obtidas
o homem começou a coletar e a todas as cultivares de milho, soja,
plantar espécies vegetais a partir algodão, canola, batata e demais
da identificação e da seleção espécies de importância econômica
de indivíduos mais saborosos, encontradas hoje.
saudáveis, produtivos, resistentes,
úteis e que apresentassem O melhoramento genético vegetal
uniformidade de dormência e de visa à obtenção de plantas mais
tempo de maturação de semente, produtivas, adaptadas a diferentes
procedendo-se à domesticação agroecossistemas, resistentes a
dessas espécies. Durante esse doenças e a pragas e com maior
processo, grande parte das qualidade nutricional. O grande
espécies úteis com características desafio atual é produzir alimentos
agronômicas reproduzíveis, maior em quantidade e qualidade e,
uniformidade e produtividade ao mesmo tempo, minimizar o
foram domesticadas de forma impacto ambiental, reduzindo
empírica (ORGANIZATION FOR o uso de defensivos agrícolas.
ECONOMIC CO-OPERATION AND Grandes avanços foram obtidos
DEVELOPMENT, 1993). Entretanto, pelo melhoramento genético
no início do século XX, após a com a finalidade de aumentar
redescoberta das leis de Mendel, a produtividade das culturas e,
do desenvolvimento dos estudos conseqüentemente, diminuir o
básicos da hereditariedade e do preço dos alimentos (BARROS et
uso da estatística para seleção e al., 2001).

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 51


Esses resultados de produtividade (COHEN et al., 1972) transferiram
foram possíveis graças à o gene de resistência múltipla
pesquisa agrícola nas áreas de a antibióticos para a bactéria
melhoramento genético vegetal Escherichia coli. Na mesma
e ambiental, assim como o época, Jackson e colaboradores
desenvolvimento de técnicas de (JACKSON et al., 1972) criaram
manejo das culturas. No entanto, uma molécula híbrida de DNA
apesar desses grandes avanços, contendo o genoma completo do
o melhoramento convencional Vírus Simia 40 e um segmento de
continua apresentando algumas DNA responsável pelo metabolismo
dificuldades decorrentes da ligação da galactose em Escherichia coli.
gênica e da incompatibilidade A comunidade científica mundial
interespecífica. Para eliminar ficou alerta às possibilidades
tais limitações, a transformação ilimitadas que as novas ferramentas
genética surgiu como uma estavam trazendo e seus
ferramenta extremamente útil, imprevisíveis impactos na saúde
visto que permite a introdução humana e ambiental. Assim,
de um único gene de interesse de maneira espontânea, houve
diretamente em cultivares-elite. O praticamente uma moratória no
uso de ferramentas da engenharia
gene a ser introduzido pode ser
genética até que houvesse
oriundo da mesma espécie ou de
mecanismos adequados para
outras espécies, permitindo, dessa
aferir a segurança dessas técnicas
forma, a quebra das barreiras
para a saúde humana e ambiental.
impostas pela incompatibilidade
Em 1974, como conseqüência
sexual entre as diferentes espécies,
dessas preocupações, foi
além de eliminar o efeito das
realizada a Conferência de
ligações gênicas indesejadas
Asilomar sobre as Moléculas de
(ANDRADE, 2003).
DNA Recombinante, ocasião em
A preocupação com a segurança que foram discutidos os critérios
de OGMs surgiu logo no início de de segurança, principalmente,
sua utilização, quando, na década barreiras biológicas e físicas, para
de 1970, Cohen e colaboradores os experimentos com OGMs,

52 BREVE HISTÓRICO DA BIOSSEGURANÇA DOS TRANSGÊNICOS


bem como os critérios éticos Nos artigos 16 e 19, dedicados à
para regular esses experimentos, biotecnologia, é requerida uma
além de recomendações para o divisão justa e eqüitativa dos
controle de descartes de material benefícios gerados pelo uso dos
e padronização da metodologia recursos genéticos. Isso inclui
(BERG et al., 1975; BERG, 2004). meios de prover facilidades e
A partir dessa conferência, financiamento para a transferência
diversos organismos internacionais de tecnologias e acesso aberto às
discutiram e desenvolveram informações e técnicas científicas.
regras de biossegurança, cujos A soberania sobre os recursos
fundamentos básicos objetivam genéticos significa que ninguém
assegurar o avanço dos processos pode remover espécies vegetais,
tecnológicos e proteger a saúde animais ou microrganismos de um
humana, animal e ambiental. país sem o prévio consentimento
desse país (BORÉM, 2005).
Um dos momentos relevantes
dessas discussões ocorreu em Já o artigo 15 refere-se ao Princípio
1992, quando, por iniciativa da da Precaução, colocando o
Organização das Nações Unidas seguinte:
– ONU, houve a Convenção de com o fim de proteger o meio
Diversidade Biológica – CB, que ambiente, o princípio da precaução
deverá ser amplamente observado
ficou conhecida como ECO-92. pelos Estados, de acordo com
Nesse evento, convencionou-se suas capacidades. Quando houver
ameaça de danos graves ou
que todos os países signatários irreversíveis, a ausência de certeza
tomassem medidas para preservar científica absoluta não será utilizada
como razão para o adiamento de
a diversidade das espécies nativas medidas economicamente viáveis
e cultivadas, considerando o valor para prevenir a degradação ambiental
(MYHR; TRAAVICK, 2002).
intrínseco dessas espécies como
material para desenvolver novo Assim, a preocupação com o risco,
produto de interesse econômico. principalmente em mantê-lo dentro
Assim, nessa convenção, foi de um grau de segurança aceitável,
reconhecida a soberania de cada levou a comunidade internacional a
país sobre seus recursos genéticos adotar gradativamente o Princípio
(BRAUN; AMMAN, 2002). da Precaução como princípio ético

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 53


orientador e jurídico motivador 2005; MYHR; TRAAVICK, 2002;
da ação humana. Com isso, a BRAUN; AMMAN, 2002).
determinação do nível de risco
Esse protocolo foi ratificado por
aceitável é uma responsabilidade
50 países em 2002 e, desde essa
científica e política, sendo avaliado
época, tem sido o alicerce para o
caso a caso e por cada país
desenvolvimento das bases legais
(MINARÉ, 2005).
e administrativas de biossegurança
Em 2000, um novo encontro na em diversos países (UNITED
Venezuela estabeleceu as bases NATIONS ENVIRONMENTS
para a normatização internacional PROGRAMME, 2003). Assim,
do desenvolvimento dos OGMs, resumidamente, a biossegurança
em especial, no que tange ao de OGMs estuda os impactos
movimento desses organismos dessas tecnologias por meio de
vivos entre países. O Protocolo de leis, procedimentos e diretivas
Cartagena, como ficou conhecido, discutidas mundialmente, porém
regulamenta a transferência, a aplicadas de modo específico em
manipulação e o uso de OGMs que cada país.
podem ter efeito na biodiversidade Com referência aos impactos
e saúde humana e, fazendo sobre a saúde humana e animal,
referência explícita ao Princípio da várias instituições ligadas à
Precaução, considerando-o como pesquisa, à saúde humana e ao
princípio-guia para transferência de ambiente buscaram métodos para
OGMs em situações consideradas avaliação de riscos de organismos
de potencial risco de redução geneticamente modificados
ou de perda da biodiversidade. e publicaram documentos
Basicamente, o Princípio da orientadores (INTERNATIONAL
Precaução deve ser aplicado LIFE SCIENCES INSTITUTE,
quando houver incerteza científica 2001; INSTITUTE OF FOOD
de danos sobre o meio ambiente, TECHNOLOGISTS, 2005; FAO,
e os países devem adotar, nesse 1996, 2001; WORLD HEALTH
caso, procedimentos para prevenir ORGANIZATION, 2000). Com isso,
e evitar esses danos (BORÉM, desenvolveram-se os princípios

54 BREVE HISTÓRICO DA BIOSSEGURANÇA DOS TRANSGÊNICOS


de equivalência substancial e país (ORGANIZATION FOR
de precaução e a análise de ECONOMIC CO-OPERATION
risco, utilizados como base para AND DEVELOPMENT, 1993). No
os estudos de biossegurança entanto, com a possibilidade de
(LAJOLO; NUTTI, 2003). introdução de novas características
em uma planta, o fator segurança
O termo segurança alimentar surgiu
alimentar passou a receber mais
na Europa, a partir da Primeira
atenção (ORGANIZATION FOR
Guerra Mundial, com a conotação
ECONOMIC CO-OPERATION AND
de Segurança Nacional, em virtude
DEVELOPMENT, 1993).
da necessidade de formação de
estoques estratégicos de alimentos, A utilização de estudos
uma vez que a soberania de um toxicológicos convencionais
país dependia, entre outros fatores, para avaliação de segurança
da sua capacidade de auto- alimentar tornou-se particularmente
suprimento (PONTES et al., 2003). complicada quando se deparou
Posteriormente, na Segunda Guerra com a dificuldade de estudar os
Mundial, foi agregada a noção do efeitos dos alimentos irradiados na
direito humano à alimentação. Na alimentação animal. Análises com
década de 1970, houve um foco na animais eram um dos principais
qualidade, principalmente, no que pontos de suporte aos estudos
se referia à segurança dos aditivos de compostos como pesticidas,
alimentares. Nos anos 1980, a fármacos, produtos químicos
preocupação era com os resíduos e aditivos alimentares. Esses
de agrotóxicos e irradiação de elementos são bem caracterizados,
alimentos. de pureza conhecida, não possuem
Atualmente, a preocupação é valor nutritivo e apresentam baixa
com os alimentos transgênicos. exposição humana. Os estudos
Entretanto, apesar de todos eram realizados com doses
esses enfoques, não há registro superiores às esperadas para
de um processo de avaliação os níveis de exposição humana,
de segurança alimentar visando a identificar qualquer
formalmente reconhecido por efeito adverso de importância para
algum órgão federal de qualquer a saúde (ORGANIZATION FOR

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 55


ECONOMIC CO-OPERATION AND proteína codificada pelo gene
DEVELOPMENT, 1993). introduzido.

No entanto, a utilização desses 3. As conseqüências indiretas dos


estudos para avaliação de alimentos efeitos de qualquer (quaisquer)
é limitada. Os alimentos são novo(s) produto(s) ou níveis
misturas complexas de compostos alterados de produto(s) já
e caracterizados por uma grande existente(s) no metabolismo do
variação na composição química e no organismo, levando à presença
valor nutricional. Assim, nos estudos de novos compostos ou níveis
toxicológicos, deve-se levar em alterados de compostos já
conta a necessidade da manutenção existentes.
do balanço nutricional, bem como
4. As conseqüências das mutações
evitar os efeitos não relacionados ao
causadas no processo de
material analisado (WORLD HEALTH
introdução genética no
ORGANIZATION, 2000).
organismo, tais como a
Segundo a Organização das interrupção de seqüências
Nações Unidas para Agricultura codantes ou controle ou
e Alimentação – FAO (1996), ativação de genes latentes,
as considerações em relação à levando à presença de novos
segurança alimentar de OGMs componentes ou níveis alterados
incluem: de componentes existentes.

1. As conseqüências diretas 5. As conseqüências da


de alteração nos níveis de transferência do gene para a flora
expressão de genes existentes gastrointestinal pela ingestão
pela introdução do novo gene do alimento geneticamente
ou modificações genéticas modificado (AGM) e (ou)
causadas por ele. alimentos derivados deles.

2. As conseqüências diretas (por 6. Potencial efeito adverso


exemplo, efeitos antinutricionais, na saúde associado ao
tóxicos ou alergênicos) da microrganismo geneticamente
presença, nos alimentos, da modificado pelo alimento.

56 BREVE HISTÓRICO DA BIOSSEGURANÇA DOS TRANSGÊNICOS


Considerações finais BERG, P. Asilomar and recombinat
DNA. 2004. Disponível em: <http://
Pode-se dizer que o cultivo nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/
comercial de plantas geneticamente articles/berg/index.html>. Acesso em:
10 nov. 2006.
modificadas gerou preocupações
referentes ao impacto ambiental BERG, P.; BALTIMORE, D.; BRENNER,
que elas poderiam causar. No S.; ROBLIN III, R. O.; SINGER, M. F.
entanto, essas preocupações foram Summary statement of the Asilomar
Conference on Recombinat DNA
exaustivamente discutidas em
Molecules. Proceedings of the
fóruns internacionais, quando se
National Academy of Sciences of the
avaliaram os verdadeiros riscos que
United States of America, v. 72, p.
uma nova tecnologia pode trazer, 1981-1984 , 1975.
confrontando-os com os benefícios e
BORÉM, A. Impactos da biotecnologia
com as tecnologias existentes. Com
na biodiversidade. Biotecnologia
isso, vários órgãos internacionais
Ciência & Desenvolvimento,
instituíram normas a ser seguidas, Uberlândia, v. 34, p. 22-28, 2005.
principalmente, no que se refere
BRAUN, R.; AMMAN, K. Biodiversity:
ao impacto sobre a biodiversidade,
the impact of biotechnology.
embora cada país tenha sua própria Encyclopedia of Life Support
legislação a esse respeito. Systems, Oxford, p. 1-17, 2002.

Referências
COHEN, S. N.; CHANG, A. C. Y.;
HSU, L. Nonchromosomal antibiotic
ANDRADE, S. R. M. Transformação resistance in bacteria: genetic
de plantas. Planaltina, DF: Embrapa transformation of Escherichia coli by
Cerrados, 2003. 28 p. (Embrapa R-factor DNA. Proceedings of the
Cerrados. Documentos, 102). National Academy of Sciences of the
United States of America, v. 69, p.
BARROS, J. R. M. de; RIZZIERI,
2110-2114 , 1972.
J. A. B.; PICCHETI, P. Os efeitos
da pesquisa agrícola para o FAO. Biotechnology and food
consumidor: relatório final. São Paulo: safety. Rome, 1996. 27 p. (FAO. Food
FIPE, 2001. Disponível em: <http:// and Nutrition Paper, 61). Disponível
www22.sede.embrapa.br/eventos/ em: <ftp://ftp.fao.org/es/esn/food/
simpacto/barros/barros.pdf>. Acesso biotechnology.pdf>. Acesso em: 16
em: 17 nov. 2004. maio 2005.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 57


FAO. Evaluation of allergenicity of segurança. São Paulo: SBAN, 2003.
genetically modified foods. Rome, 112 p.
2001. 27 p. (Report of a joint FAO/WHO
MINARÉ, R. L. O princípio da
Expert Consultation on Allergenicity of precaução. Biotecnologia Ciência &
Foods Derived from Biotechnology). Desenvolvimento, Uberlândia, v. 34, p.
Disponível em: <http://www.fao.org/es/ 65-66, 2005.
ESN/food/pdf/allergygm.pdf>. Acesso
em: 16 maio 2005. MYHR, A. I.; TRAAVIK, T. The
precautionary principle: scientific
INSTITUTE OF FOOD uncertainty and omitted research
TECHNOLOGISTS. Expert report on in the context of GMO use and
biotechnology food: backgrounder, release. Journal of Agricultural and
safety assessment of biotech foods. Environmental Ethics, v. 15, p. 73-86,
Disponível em: <http://www.ift.org/pdfs/ 2002.
expert/biotech/iftbiotechsafety-b.pdf>.
ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-
Acesso em: 10 maio 2005.
OPERATION AND DEVELOPMENT.
INTERNATIONAL LIFE SCIENCES Safety evaluation of foods produced
INSTITUTE. Method development by modern biotechnology:
in the relationship to regulatory concepts and principles. Paris, 1993.
requirements for the detection of Disponível em: <http://www.oecd.org/
GMOs in the food chain. Belgium, dataoecd/57/3/1946129.pdf >. Acesso
Brussels, 2001. Disponível em: <http:// em: 30 maio 2005.
www.gmsciencedebate.org.uk/topics/
PONTES, A.; SANTOS, P.; ALEIXO,
forum/pdf/0080f.pdf>. Acesso em: 10 L. F. Segurança de alimentos
maio 2005. geneticamente modificados. In:
JACKSON, D. A.; SYMONS, R. H.; BORÉM, A.; GIÚDICE, M. P.;
BERG, P. Biochemical method for COSTA, N. M. B. (Ed.). Alimentos
inserting new genetic information into geneticamente modificados. Viçosa:
DNA of simian virus 40: cirular SV40 UFV, 2003. p. 95-105.
DNA molecules containing lambda UNITED NATIONS ENVIRONMENTS
phage genes and galactose operon of PROGRAMME. Highligts of some
Escherichia coli. Proceedings of the of the basic requirements of the
National Academy of Sciences of the Cartagena Protocol on Biosafety.
United States of America, v. 69, p. 2003. Disponível em: <http://www.
2904-2909, 1972. biodiv.org/doc/notifications/2003/ntf-
LAJOLO, F. M.; NUTTI, M. R. 2003-127-cop-en.pdf>. Acesso em: 16
Transgênicos: bases científicas da sua nov. 2004.

58 BREVE HISTÓRICO DA BIOSSEGURANÇA DOS TRANSGÊNICOS


WORLD HEALTH ORGANIZATION. Consultation on Foods Derived from
Safety aspects of genetically modified Biotechnology). Disponível em: <http://
foods of plant origin. Rome, 2000. 36 www.fao.org/es/ESN/food/pdf/gmreport.
p. (Report of a joint FAO/WHO Expert pdf>. Acesso em: 16 nov. 2004.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 59


CAPÍTULO 4

A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
SOLANGE ROCHA MONTEIRO DE ANDRADE
FÁBIO GELAPE FALEIRO
A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL

Introdução Risco de desenvolvimento


As grandes preocupações
de “superplantas”
com as plantas transgênicas
daninhas
no ambiente se referem O aparecimento de plantas
principalmente aos impactos daninhas resistentes a herbicidas
das tecnologias Bt (resistência começou a ser documentado no
a insetos) e HT (tolerância a início dos anos 1970, principalmente
herbicidas). Segundo Carpenter para os herbicidas atrazina e
et al. (2002), que realizaram um paraquat, bem como outros de
estudo comparativo baseado em larga escala (SANDERMANN,
referências bibliográficas, são 2006). Nessa época, o glifosato
nove as principais considerações a foi classificado dentro do grupo
respeito do impacto ambiental das com baixa probabilidade de induzir
lavouras de soja, milho e algodão resistência, quando comparado
transgênicos, as quais podem ser a outros herbicidas contendo
resumidas da seguinte maneira: sulfoniluréias e imidazolinonas, que
(a) risco da variedade cultivada ou foram classificados de alto risco.
silvestre “transformada” tornar-se Já foram descritas 90 espécies
uma espécie daninha invasora; (b) de plantas daninhas para o
desenvolvimento de resistência desenvolvimento de resistência a
pelo uso maciço da tecnologia; (c) herbicidas que induzem a inibição
possibilidade de escape gênico de acetolactato sintase (ALS) e 65
(transferência vertical e horizontal); para resistência a atrazina. Nesses
(d) efeito adverso sobre espécies 30 anos de uso de glifosato, a
não-alvo e benéficas; (e) impactos resistência natural já foi descrita,
nos sistemas de produção no entanto apenas para 16
vegetal (CARPENTER et al., 2002; espécies (Tabela 1) (SANVIDO et
MARGARIDO, 2003). al., 2006). Essa questão será mais

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 63


bem discutida no próximo tópico. Desenvolvimento de
Acredita-se que essa baixa indução
de resistência é em virtude das resistência pelo uso
propriedades químicas do herbicida intensivo da tecnologia
e do seu modo de ação (SANVIDO
et al., 2006). A alta adesão mundial dos
produtores ao plantio de soja
Segundo Sandermann (2006), a resistente ao glifosato representou a
evolução de biótipos de plantas maior adoção de uma tecnologia na
daninhas resistentes pode história da agricultura (SANKULA;
ocorrer por três processos: (1) BLUMENTHAL, 2004). Embora
mutantes dentro da população; isso demonstre que a tecnologia
(2) transferência de genes entre apresenta grandes vantagens
as populações ou espécies para o agricultor, sucinta também
(introgressão); (3) mecanismos preocupações a respeito da
de resistência de genes únicos possibilidade de indução de plantas
ou múltiplos. Entretanto, as daninhas resistentes ao glifosato
experiências com o cultivo de pelo uso inadequado da tecnologia.
organismos geneticamente É conhecido que as populações
modificados – OGMs tolerantes a de plantas daninhas são, em
herbicidas estão demonstrando geral, heterogêneas. Assim, dentro
que o aparecimento de plantas da população podem ocorrer
daninhas resistentes a herbicidas indivíduos sensíveis ao herbicida
ocorre não por modificação e indivíduos mutantes resistentes
genética, mas pelo manejo da para essa característica. No entanto,
cultura e do herbicida utilizado sob uma pressão de seleção pelo
pelo produtor (SANVIDO et al., uso excessivo de herbicida, essa
2006). Segundo Heap (1997), resistência natural pode dominar
para evitar o desenvolvimento de a população – ao selecionar os
plantas daninhas resistentes, o indivíduos resistentes – e, com
produtor deve cultivar as plantas o tempo, o banco de sementes
HT em rotação com cultivares do solo, sugerindo a ocorrência
convencionais ou resistentes a da indução de resistência na
diferentes tipos de herbicidas. população (SANDERMANN, 2006).

64 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
Tabela 1. Espécies de plantas daninhas resistentes ao glifosato.

Ano de Espécie de planta Local de Referência


divulgação daninha ocorrência
1984 Convolvulus arvensis EUA Ducan e Weller, 1987
1996 Lolium rigidum Austrália Heap et al., 2005; Owen e
1998 EUA Zelaya, 2005
2001 África do Sul
1997 Eleusina indica (L) Gaertn. Malásia Heap et al., 2005; Owen e
Zelaya, 2005
2000 Amaranthus tuberculatus EUA Owen e Zelaya, 2005
2001 Abtilon theophrasti EUA Duke, 2005; VanGessel,
2001
2000 Conyza canadensis (L.) Cronq EUA Heap et al., 2005; Owen e
Zelaya, 2005
2001 Lolium multiflorum Chile Heap et al., 2005; Owen e
2003 Brasil Zelaya, 2005
2004 EUA
2002 Dipiclitera chinensis Leste da Ásia Owen e Zelaya, 2005
2003 Plantago Lanceolata África do Sul Heap et al., 2005
2003 Conyzia bonaneriensis L. África do Sul Heap et al., 2005
2004 Espanha
2004 Commelina communis EUA Owen e Zelaya, 2005
2004 Ipomea ssp. EUA Owen e Zelaya, 2005
2004 Chenopodium album EUA Owen e Zelaya, 2005
2004 Ambrosia artemisifolia L. EUA Heap et al., 2005
2005 Amaranthus palmeri S, Wats EUA Heap et al., 2005
Fonte: Adaptado de Cerdeira e Duke (2006) e Sandermann (2006).

O glifosato é um herbicida de tenha sido classificado como um


largo espectro e baixo impacto herbicida com baixo risco de induzir
ambiental e praticamente não causa o desenvolvimento de resistência
danos às espécies cultivadas, em plantas daninhas, essa
por isso sempre apresentou boa resistência tem sido demonstrada
aceitação entre os produtores. para algumas espécies (Tabela
Entretanto, nos Estados Unidos, 1). Porém, somente três casos
sua utilização cresceu seis vezes foram associados ao uso de
de 1992 a 2002, principalmente OGMs (CERDEIRA; DUKE, 2006;
em virtude da adoção dos OGMs SANDERMANN, 2006). No Brasil,
(CERDEIRA; DUKE, 2006). Embora não há descrição de espécies

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 65


resistentes ao glifosato, mas utilizado, sendo a provável hipótese
algumas são de difícil controle da ausência de resistência verificada
pelo herbicida: Chamaesyce até o momento.
hirta, Commelina Benghalensis,
A manutenção de refúgios
Spermacoce latifolia Aubl,
permite que insetos susceptíveis
Euphorbia heterophylla, Richardia
sobrevivam e cruzem com os
brasiliensis Gomes e Ipomea ssp.
insetos resistentes, diluindo
(CERDEIRA; DUKE, 2006).
a quantidade dos alelos de
Assim como a resistência a resistência e evitando o crescimento
herbicidas, a principal ameaça da quantidade de indivíduos
referente às plantas Bt, ou seja, homozigotos para esse alelo
resistentes a insetos, é a potencial (CHRISTOU et al., 2006; OMOTO;
indução da resistência na MARTINELLI, 2004). Outras
população de insetos selvagens em possibilidades para não detecção
decorrência da pressão de seleção da resistência são: (1) possibilidade
pelo uso intensivo dessas plantas. do inseto possuir mais de um
Essa seleção poderia ocorrer por alvo interno para a toxina; (2)
mutações naturais ou sintéticas, baixa adaptação ao ambiente do
perda de proteases que ativam a inseto resistente; (3) a resistência
toxina no trato intestinal do inseto, verificada em condições de
alta atividade proteolítica de enzimas laboratório não reflete a realidade
degradadoras das toxinas e outros dos campos experimentais dos
(CHRISTOU et al., 2006). Entretanto, OGMs (CHRISTOU et al., 2006;
após nove anos de liberação OMOTO; MARTINELLI, 2004).
comercial do algodão e cinco
anos do milho, não foi observado
Resistência por fluxo
desenvolvimento de resistência
gênico
nos insetos-alvo (CHRISTOU et al.,
2006; OMOTO; MARTINELLI, 2004). A introgressão é o movimento
Segundo Christou et al. (2006), o de um gene ou de genes de
plantio de cultivares convencionais uma planta doadora para outra
com cultivares Bt (refúgios) é um sexualmente compatível de um
manejo altamente recomendado e genótipo diferente (espécies,

66 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
variedades ou biótipos diferentes) relevante na população selvagem.
por polinização seguida de No caso da canola resistente a
cruzamentos entre o híbrido dentro herbicida, cultivada há anos no
da população até a estabilidade do Canadá, não foram encontradas
gene na população (CERDEIRA; evidências de que esse cultivo
DUKE, 2006). Esse fluxo gênico tenha espalhado resistência
ocorre se as plantas doadoras na população selvagem de
e receptoras crescerem perto o canola. Embora estudos tenham
suficiente para a troca de pólen, demonstrado o aparecimento
pois, embora o pólen possa viajar de resistência dupla e tripla e
longas distâncias, seja por meio do herbicidas dentro da população
vento, insetos ou outros animais selvagem de canola, isso não
polinizadores, sua viabilidade conduziu ao aparecimento de
decresce com o tempo e as voluntárias multirresistentes,
condições ambientais. Ademais, sugerindo que o controle químico e
para ocorrer o fluxo gênico, é (ou) o manejo das plantas daninhas
necessário que ambas as espécies/ tem sido eficiente para evitar esse
variedades estejam na época de problema (SANVIDO et al., 2006).
floração e receptivas para o pólen
A preocupação principal da
(CERDEIRA; DUKE, 2006).
indução de resistência ao glifosato
Segundo Sanvido et al. (2006), era a possibilidade de haver
existe um consenso dentro transferência mediada por pólen,
da comunidade científica que ou seja, a ocorrência de fluxo
pode haver fluxo gênico entre gênico ou introgressão. No entanto,
as variedades transgênicas e as o aparecimento de espécies
espécies selvagens compatíveis resistentes está ocorrendo como
sexualmente. Estudos com canola conseqüência da pressão de
no Canadá demonstraram essa seleção pelo uso exagerado de
possibilidade. No entanto, esse glifosato (CERDEIRA; DUKE, 2006;
fluxo ocorre na mesma proporção SANDERMANN, 2006). Entretanto,
apresentada pelas espécies não- especialistas não consideram esse
transgênicas. A questão é se esse efeito catastrófico, pois pode ser
transgene causaria um impacto evitado pelo manejo correto do

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 67


herbicida e pela utilização de outros Bt. Espécies não-alvo são
herbicidas ou tratos culturais, definidas como as espécies que
conforme verificado no caso da não são propósito direto do uso
canola (SANVIDO et al., 2006; de um pesticida particular (VAN
CERDEIRA; DUKE, 2006). LEEWEN; HERMENS, 1999). A
resistência a insetos, característica
Em ambientes naturais, em 10
introduzida nas plantas Bt, é
anos de plantio de OGMs, não
expressa pelas proteínas Cry do
foi observada nenhuma extinção
de espécies selvagens pela Bacillus thuringiensis (Bt) e tem
introgressão de resistência de como alvo lagartas da ordem
transgenes dentro da população. No lepidóptera, principalmente as
caso de resistência a herbicidas, não espécies Ostrinia nubilis (lagarta-
é esperado que a introgressão dessa européia) e Diabrotica spp. (larva-
característica confira algum benefício de-diabrótica), para o milho Bt; e
de seleção, pois dificilmente esses Pectinophora gossypiella, Alabama
genes teriam características seletivas argillacea, Helliothis virescens
dentro do ambiente natural. No (lagarta das maçãs) e Hillicoverpa
entanto, a resistência a insetos zea no algodão Bt (BOBROWISKI
poderia aumentar a adaptação et al., 2003). Contudo, existe a
às pragas naturais da população preocupação sobre seu efeito sobre
selvagem (SANVIDO et al., 2006). outras espécies de lepidópteros não-
Avaliações do impacto de OGMs alvo, como a borboleta monarca.
na população selvagem são difíceis
No caso específico de toxidez
de ser realizadas, pois envolvem
direta, os organismos não-alvo
múltiplos aspectos e necessitam de
precisam ingerir a proteína expressa
vários anos de estudo.
pelas plantas Bt, por meio de uma
das seguintes exposições (Fig. 1):
Efeito em espécies não- (1) ingestão direta de amostras da
alvo e benéficas planta (folhas, pólen); (2) ingestão
O efeito de plantas transgênicas de insetos alimentados com as
sobre as espécies não-alvo plantas Bt; (3) exposição ambiental
tem sido bastante discutido, (resíduos vegetais da plantas Bt no
principalmente para as plantas solo) (SANVIDO et al., 2006).

68 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
Ingestão direta
(folha, pólen)

Herbívoros alvo

Inimigos
Planta
naturais
Herbívoros
não-alvo

Ambiente
(resíduos vegetais)
Fig. 1. Rotas de exposição a inimigos naturais de diferentes níveis tróficos a plantas produ-
toras de proteínas inseticidas.
Fonte: Adaptado de Sanvido et al., 2006.

da disponibilidade dos herbívoros


Resultados de vários estudos alvos da tecnologia. No entanto, a
realizados nos últimos anos não maioria dos predadores naturais se
demonstraram evidências de efeitos alimenta de várias espécies e, no
provenientes da toxidez direta da campo, buscam outras espécies
proteína Cry, expressa em plantas para se alimentar quando há
Bt sobre os inimigos naturais não- uma diminuição de uma espécie
alvo em campos experimentais particular. Assim, a ocorrência de
(SANVIDO et al., 2006). Segundo
efeito indireto não está somente
os autores, existem mais evidências
relacionada ao plantio do OGM, mas
de que as plantas Bt são mais alvo
a qualquer manejo para controle
específicas e apresentam menor
da praga, pois todos reduzem a
efeito colateral sobre espécies não-
disponibilidade dos insetos alvo
alvo que os inseticidas utilizados
e, conseqüentemente, afetam a
atualmente (SANVIDO et al., 2006).
população de inimigos naturais.
Efeitos indiretos sobre os inimigos
naturais (predadores) nos plantios de As plantas tolerantes a herbicida
milho Bt ocorreram pela diminuição são consideradas sem efeito

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 69


direto em espécies não-alvo, são decorrentes de um efetivo
pois a tolerância a herbicida é sistema de controle das plantas
uma característica normalmente daninhas, podendo ocorrer com
expressa em plantas. São também outros tipos eficientes de manejo
conhecidas por não terem (SANVIDO et al., 2006).
propriedades tóxicas. Entretanto,
apresentam impactos ambientais Caso da borboleta monarca
indiretos em razão das alterações
nas práticas culturais (SANVIDO Estudos em laboratório alimentando
et al., 2006). larvas de borboleta monarca
com grandes quantidades de
Um estudo da Farm Scale pólen da variedade de milho Bt
Evaluations – FSE realizado na demonstraram um efeito devastador
Inglaterra demonstrou que houve
no crescimento delas e morte após
uma queda da biomassa de plantas
quatro dias de exposição (LOSEY
daninhas nos campos de beterraba
et al., 1999; JESSÉ; OBRYCKI,
e canola resistentes a herbicidas
2000). No entanto, estudos
e, conseqüentemente, diminuiu
posteriores levando em
a densidade de insetos, que, por
consideração a possibilidade
sua vez, afetaram negativamente a
de exposição das larvas dessa
população de pássaros da região.
borboleta ao pólen do milho em
As conclusões desse estudo
condições de campo demonstraram
consideram que o uso de plantas
resistentes a herbicida afetam a que existe uma diferença temporal
biodiversidade das regiões rurais entre a época de polinização
(SQUIRE et al., 2003; CHAMPION (disponibilidade de pólen) e a
et al., 2003). No entanto, embora presença da larva em campo
o manejo de plantas resistentes (SEARS et al., 2001; OBERHAUSER
a herbicidas permita um maior et al., 2001), bem como uma menor
controle das plantas daninhas, densidade de pólen que a utilizada
qualquer sistema de manejo em laboratório (PLEASANTS et al.,
dessas pragas, quando bem 2001; HELMICH et al., 2001). Os
aplicado, também terá a mesma diversos autores concluíram que o
conseqüência. Assim, os resultados risco do milho Bt para a borboleta

70 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
monarca é negligível, pois os impactos ambientais de cada
resultados obtidos em laboratório ingrediente ativo do pesticida.
com altas doses de CRY1AB não Para ser obtido, multiplica-se a
refletem a disponibilidade de quantidade de ingrediente ativo
proteína para as borboletas em utilizado por hectare de cultivo
campo (SANVIDO et al., 2006). do OGM. A metodologia calcula
e compara o EIQ para plantios
Impactos nos sistemas convencionais e transgênicos
de produção vegetal e agrega o valor para níveis
nacionais. A quantidade de
Uma das grandes questões
pesticida utilizada nas áreas
no âmbito ambiental se refere
convencionais e transgênicas,
ao impacto dessas culturas na
em cada ano, foi comparada à
utilização de pesticidas, ou seja, o
plantio das culturas OGMs atuais quantidade que seria utilizada
aumenta ou diminui o uso de caso todo o cultivo tivesse sido
pesticidas? convencional em cada ano,
durante o período de 1996 a 2004.
Segundo James (2005), houve uma Segundo Brookes e Barfoot (2005),
redução cumulativa no ingrediente as lavouras OGM contribuíram
ativo de pesticidas de 172.500 t para uma significativa redução
entre 1996 a 2004, equivalente a no impacto ambiental global da
um decréscimo de 14% no impacto produção agrícola (Tabela 2). O
ambiental associado ao uso de uso de herbicida para a soja HT
pesticidas nas lavouras (Tabela caiu 4 % (Tabela 2). No entanto, em
2). Entretanto, esses números
alguns países, houve um aumento
precisam ser avaliados conforme o
relativo do uso de glifosato
tipo de OGM e do local onde ele é
referente aos níveis históricos de
introduzido.
uso. O maior ganho ambiental
O uso de pesticida é medido pelo foi referente ao algodão Bt, que
Quociente de Impacto Ambiental apresentou uma queda de 15 %
– EIQ, desenvolvido por Kovach no uso de inseticidas desde 1996
et al. (1992), e integra os vários (BROOKES; BARFOOT, 2005).

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 71


Tabela 2. Impacto global das alterações no uso de herbicidas e inseticidas
de culturas transgênicas, 1996-2004.

% alteração de
Alteração no
Alterações no uso ingrediente % alteração no
Trato uso do pesticida
EIQ campo ativo de pesti- EIQ footprint
(milhões Kg)
cida

Soja HT -41,4 -4,11 -3,8 -19,4


Milho HT -18,0 -503 -2,5 -3,4
Algodão HT -24,7 -1.002 -14,5 -21,7
Canola HT -4,8 -252 -9,7 -20,7
Milho Bt -6,3 -377 -3,7 -4,4
Algodão Bt -77,3 -3.463 -14,7 -17,8
Total -172,5 -9.708 -6,3 -13,8
HT: resistente a herbicida (glifosato); Bt: resistente a insetos (gene do Bacillus
Thurigiensis).
Fonte: Adaptado de Brookes e Barfoot, 2005.

Sankula et al. (2005) avaliaram os nos Estados Unidos, encontrou


impactos de plantas transgênicas resultados um pouco diferentes.
no uso de herbicidas nos Estados A metodologia utilizada dividiu-
Unidos e calcularam que houve se em três etapas: (1) coleta dos
uma queda de 23 mil toneladas dados da área plantada com
no uso de pesticidas durante o culturas HT e Bt na base do USDA;
ano de 2004, representando uma (2) coleta dos dados das áreas
diminuição de 34 % comparado de plantio não convencional das
com 2003. Cerca de 11 % da culturas estudadas; (3) cálculo da
redução é referente ao uso de diferença, baseado na premissa
plantas resistentes a insetos, e o de que um acre não cultivado
restante é conseqüência do uso de com OGM receberia o mesmo
plantas resistentes a herbicidas. volume de aplicações de pesticidas
que um acre plantado com uma
Entretanto, Benbrook (2004), cultivar não-transgênica. Por fim,
utilizando outra metodologia e a diferença na quantidade de
avaliando os impactos somente pesticida aplicado por acre para

72 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
cada cultura transgênica durante de Biossegurança foi aprovada
um ano é multiplicado pela somente em 2005, e a CTNBio,
quantidade de acres plantados que é responsável pelas avaliações
durante aquele ano. técnicas para liberação de plantios
para pesquisa e comerciais, foi
Baseado nesse cálculo, Benbrook
regulamentada somente no final
(2004) concluiu que o uso das três
desse ano. A Embrapa desenvolve
culturas (soja, algodão e milho)
um projeto de biossegurança
resistentes a herbicidas aumentou
alimentar e ambiental de alguns
o uso do produto em 5%, enquanto
OGMs produzidos pela Empresa.
o uso de cultivares Bt diminuiu
São eles: soja RR, algodão Bt,
em 5 % o uso de inseticidas. O
batata, mamão e feijão resistentes
mesmo autor se refere que nos
a vírus. Esse projeto finalizou em
três primeiros anos de cultivo
2008, e os resultados serão em
(1996 a 1998) houve uma queda
breve divulgados.
no uso do glifosato, mas a partir de
1999 houve uma inversão no uso,
provavelmente porque as plantas
Referências
daninhas desenvolveram resistência BENBROOK, C. Genetically engineered
ao glifosato. crops and pesticide use in the United
States: the first nine years. BioTech

Considerações finais Infonet, 2004. (Technical Paper, 7).


Disponível em: <http://www.ucsusa.
Pode-se dizer que existem org/assets/documents/food_and_
environment/Benbrook.pdf>. Acesso
diversos estudos que geraram
em: 13 nov. 2006.
dados substanciais a respeito
do impacto ambiental de OGMs. BOBROWSKI, V. L.; FIUZA, L.
M.; PASQUALI, G.; BODANESE-
Embora existam alguns dados
ZANETTINI, M. H. Genes de Bacillus
controversos, os resultados thuringiensis: uma estratégia para
obtidos até o momento não conferir resistência a insetos em
demonstram evidência científica plantas. Ciência Rural, Santa Maria,
de efeito no ambiente. Os estudos v. 34, p. 843-850, 2003.
desenvolvidos no Brasil ainda são BROOKES, G.; BARFOOT, P. GM
incipientes, uma vez que a Lei crops: the global economic and

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 73


environmental impact: the first nine in transgenic crops. Trends in Plant
years 1996-2004. AgBioForum, v. 8, Science, v. 11, p. 302-308, 2006.
p. 187-196, 2005.
HEAP, I. M. The occurrence of
CARPENTER, J.; GOODE, T.; herbicide-resistant weeds world-wide.
HAMMIG, M.; ONSTAD, D.; SANKULA, Pesticide Science, v. 51, p. 235-243,
S. Comparative environmental 1997.
impacts of biotechnology derived HELLMICH, R. L.; SIEGFRIED, B. D.;
and traditional soybean, corns, and SEARS, M. K.; STANLEY-HORN, D.
cotton crops. Indianapolis: Council E.; DANIELS, M. J.; MATTILLA, H. R.;
for Agriculture Science and Technology, SPENCER, T.; BIDNE, K. G.; LEWIS, L.
2002. 42 p. C. Monarch larvae sensitivity to Bacillus
CERDEIRA, A. L.; DUKE, S. O. The thuringiensis-purified proteins and
current status and environmental pollen. Proceedings of the National
impacts of glyphosate-resistance crops: Academy Sciences of the United
a review. Journal of Environmental States of America, Washington, v. 98,
Quality, Madison, v. 35, p. 1633-1658, p. 11925-11930, 2001.
2006. JAMES, C. Executive summary of
global status of commercialized
CHAMPION, G. T.; MAY, M. J.;
Biotech/GM crops: 2005. Ithaca:
BENNET, S.; BROOKS, D. R.; CLARK,
ISAAA, 2005. 11 p. (ISAAA. Briefs, 34).
S. J.; DANIEIS, R. E.; FIRBANK, L.
G.; HAUGHTON, A. J.; HAWES, C.; JESSE, L. C. H.; OBRYCKI, J. J. Field
HEARD, M. S.; PERRY, J. N.; RANDLE, deposition of Bt transgenic corn pollen:
Z.; ROSSAL, M. J.; ROTHERY, P.; lethal effects on the monarch butterfly.
SKELLERN, M. P.; SCOTT, R. J.; Oecologia, Berlin, v. 125, p. 241-248,
SQUIRE, G. R.; THOMAS, M. R. Crop 2000.
management and agronomic context of KOVACH, J.; PETZOLDT, C.; DEGNI,
the farm scale evaluations of genetically J.; TETTE, J. A method to mesure the
modified herbicice-tolerant crops. environmental impact of pesticides.
Philosophical Transactions of the New York’s Food and Life Sciences
Royal Society of London, Series Bulletin, Geneva, n. 139, 1992.
B-Biological, London, v. 358, p. 1801- Disponível em:<http://www.nysaes.
1818, 2003. cornell.edu/pubs/fls/OCRPDF/139.pdf>.
CHRISTOU, P.; CAPELL, T.; KOHLI, Acesso em: 17 nov. 2006.
A.; GATEHOUSE, J. A.; GATEHOUSE, LOSEY, J. E.; RAYOR, L. S.; CARTER,
A. M. R. Recent development and M. E. Transgenic pollen harms monarch
future prospects in insect pest control larvae. Nature, v. 399, p. 214, 1999.

74 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
MARGARIDO, L. A. C. Riscos e States of America, Washington, v. 98,
incertezas dos cultivos transgênicos p. 11919-11924, 2001.
sob a perspectiva agroecológica. In:
SANDERMANN, H. Plant
COSTA, M. F. B.; COSTA, M. A. F.
biotechnology: ecological case studies
(Org.). Biossegurança de OGM: on herbicide resistance. Trends in
saúde humana e ambiental. Rio de Plant Science, v. 11, p. 324-328, 2006.
Janeiro: Papel Virtual, 2003. p. 68-80.
SANKULA, S.; BLUMENTHAL,
OBERHAUSER, K. S.; PRYSBY, M. D.; E. Impacts on US agriculture
MATTILLA, H. R.; STANLEY-HORN, biotechnology-derived crops planted
D. E.; SEARS, M. K.; DIVELY, G.; in 2003: na update of elevencase
OLSON, E.; PLEASANTS, J. M.; LAM, studies. National Center for Food and
W. F. K.; HELLMIC, R. L. Temporal and Agricultural Policy, Washington, 2004.
spatial overlap between monarch larvae Disponível em: <http://www.agbios.
and corn pollen. Proceedings of the com/docroot/articles/04-365-001.pdf>.
National Academy Sciences of the Acesso em: 17 nov. 2006.
United States of America, Washington,
SANKULA, S.; MARMON, G.;
v. 98, p. 11913-11918, 2001.
BLUMENTHAL, E. Biotechnology-
OMOTO, C.; MARTINELLI, S. derived crops planted in 2004: impacts
Resistência de insetos a plantas on US Agriculture. National Center
geneticamente modificadas. In: for Food and Agricultural Policy,
BORÉM, A. (Ed.). Biotecnologia e Washington, 2005. Disponível em:
meio ambiente. Viçosa: Folha de <http://www.ncfap.org/whatwedo/
Viçosa, 2004. p. 273-310. pdf/2004biotechimpacts.pdf>. Acesso
OWENM, D. K.; ZELAYA, I. A. em: 30 nov. 2006.
Herbicide-resistant crops and weed SANVIDO, O.; STARK, M.; ROMEIS,
resistance to herbicides. Pest J.; BIGLER, F. Ecological impacts of
Management Science, v. 61, p. 301- genetically modified crops: experiences
311, 2005. from ten years of experimental field
research and commercial cultivation.
PLEASANTS, J. M.; HELLMINCH,
Agroscope Reckenholz-Tãnikon
R. L.; DIVELY, G. P.; SEARS, M. K.;
Research Station ART, Zurich, 2006.
STANLEY-HORN, D. E.; MATTILLA,
Disponível em: <http://www.art.admin.
H. R.; FOSTER, J. E.; CLARK, P.;
ch/dms_files/03017_de.pdf>. Acesso
JONES, G. D. Corn pollen deposition
em: 30 nov. 2006.
on milkweeds in and near cornfields.
Proceedings of the National SEARS, M. K.; HELLMINCH,
Academy Sciences of the United R. L.; SATANLEY-HORN, D. E.;

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 75


OBERHAUSER, K. S.; PLEASANTS, I. P.; FIRBANK, L. G. On rationale
J. M.; MATTILLA, H. R.; SIEGFRIED, and interpretation of the farm scale
B. D.; DIVELY, G. P. Impacts of Bt corn evaluations of genetically modified
pollen on monarch butterfly populations: herbicide-tolerant crops. Philosophical
a risk assessment. Proceedings of the Transactions of the Royal Society of
National Academy Sciences of the London, Series B-Biological, London,
United States of America, Washington, v. 358, p. 1779-1799, 2003.
v. 98, p. 11937-11942, 2001. VAN LEEWEEN, C. J.; HERMENS, J.
SQUIRE, G. R.; BROOKS, D. R.; M. L. Risk assessment of chemicals:
BOHAR, D. A.; CHAMPION, G. T.; an introduction. Dordrecht: Kluwer
DANIEIS, R. E.; HAUGHTON, A. J.; Academic Publishers, 1999. 374 p.
HAWES, C.; HEARDS, M. S.; HILL, VAN GESSEL, M. J. Glyphosate-
M. O.; MAY, M. J.; OSBORN, J. L.; resistant houseweed from Delaware.
PERRY, J. N.; ROY, D. B.; WOIWOD, Weed Science, v. 49, p. 703-705, 2001.

76 A BIOSSEGURANÇA AMBIENTAL
CAPÍTULO 5

BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR
SOLANGE ROCHA MONTEIRO DE ANDRADE
FÁBIO GELAPE FALEIRO
BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR

Introdução avaliação de toxicidade aguda oral


em camundongos, de homologia
Quais são os verdadeiros riscos estrutural da proteína com toxinas
dos alimentos transgênicos para protéicas conhecidas e do
a saúde humana? Logicamente, potencial alergênico e equivalência
não se pode generalizar uma nutricional. Essa bateria de testes é
resposta. Entretanto, é possível extremamente rigorosa e somente
dizer que o risco é menor do que o os organismos transgênicos estão
de outro tipo de alimento liberado sujeitos a ela.
para consumo humano que não
passou por testes tão rigorosos Equivalência Substancial
quanto os transgênicos. Em 2002, (ES)
a Organização Mundial da Saúde
(OMS) divulgou documento no O Princípio da Equivalência
qual afirmava que alimentos Substancial, cunhado em 1993
transgênicos liberados no mercado pela Organization for Economic
internacional passaram por Cooperation and Development
diversos testes e não apresentavam (OECD), Comunidade Européia,
riscos para a saúde humana. considera que os organismos
Nenhum efeito foi detectado na existentes e seus produtos
saúde da população dos países derivados podem ser utilizados
nos quais foram liberados. É como parâmetro comparativo
importante salientar que alimentos na avaliação de segurança
transgênicos, antes da liberação de alimentos geneticamente
para a alimentação humana, são modificados (AGMs), uma
submetidos a uma bateria de vez que esses alimentos
testes, como os de caracterização possuem um histórico de uso
da proteína expressada, de seguro (ORGANIZATION FOR
digestibilidade in vitro e de ECONOMIC CO-OPERATION

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 79


AND DEVELOPMENT, 1993). acerca da proteína expressa são
Isso é, todo alimento utilizado é requeridos (p.e., alergenicidade,
presumivelmente seguro a não ser digestibilidade). No último cenário,
que um perigo significativo tenha serão necessárias avaliações
sido identificado. Com base nesse complementares, utilizando
conceito, avaliam-se similaridades técnicas mais sofisticadas, como
e diferenças entre os AGMs em proteoma e metaboloma (LAJOLO;
comparação a seus análogos NUTTI, 2003; WATANABE; NUTTI,
considerados saudáveis (WORLD 2002).
HEALTH ORGANIZATION, 2000). O
Entretanto, a equivalência
objetivo é garantir que os alimentos
substancial é apenas uma análise
transgênicos sejam tão seguros
preliminar que não garante
quanto os análogos convencionais.
a segurança, mas auxilia na
Cenários possíveis: identificação de similaridades
e diferenças entre o alimento
1) AGM ou derivado é
convencional e o alimento
substancialmente equivalente
geneticamente modificado, que,
ao análogo convencional
posteriormente, é submetido a
quanto à composição, aspectos
análises toxicológicas adicionais
agronômicos e toxicológicos.
(WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2) AGM ou derivado é equivalente 2000; WATANABE; NUTTI, 2002).
ao análogo convencional, exceto Tais análises são importantes
por algumas poucas diferenças porque podem ocorrer efeitos
claramente definidas. não intencionais que alteram a
composição e o valor nuticional
3) AGM ou derivado não é
do alimento, podem ocorrer,
equivalente ao análogo
também, efeitos antinutricionais ou
convencional.
tóxicos (LAJOLO; NUTTI, 2003).
No primeiro cenário, não são Assim, todo alimento transgênico
necessários estudos adicionais. No é submetido a um processo de
segundo, a característica estaria análise de risco antes de ser
relacionada ao gene inserido. liberado para o consumo humano
Nesse caso, estudos adicionais ou animal.

80 BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR
A liberação de um alimento se considerar que a introdução
geneticamente modificado ocorre de uma seqüência estranha
caso a caso e para isso o AGM pode causar efeitos intencionais
em questão precisa ser analisado e não-intencionais, previsíveis
por avaliação preliminar de perigo, ou não, pois a incorporação do
em que se analisa, além da DNA no genoma pode interferir
Equivalência Substancial, o aspecto na expressão de outros genes,
nutricional e toxicológico. podendo alterar o metabolismo
da planta. Além disso, o produto
Conceitos de risco e da expressão do DNA é uma
perigo proteína que pode ter efeito tóxico,
alergênico, antinutricional ou
Antes de se discutir cada etapa mesmo alterar o valor nutricional do
da análise de risco, é necessária alimento.
a compreensão dos conceitos de
risco e de perigo. A Organização Efeito do DNA
Mundial de Saúde (WHO-World recombinante (DNArec)
Health Organization) juntamente
Dentro desse contexto,
com a Food and Agriculture
é possível identificar qual é o
Organization (FAO) definiram
perigo e o risco de um alimento
perigo como a presença do
transgênico. Um dos primeiros
agente causador de danos, isso
pontos a ser discutido é a hipótese
é, o agente nocivo capaz de
de haver perigo na ingestão do
causar algum efeito prejudicial;
DNArec introduzido no alimento,
e risco como a probabilidade de e a possibilidade de haver uma
ocorrência do agente (WATANABE; transferência horizontal desses
NUTTI, 2002; LAJOLO; NUTTI, genes para bactérias intestinais ou
2003). Como exemplo, pode-se mesmo para as células do intestino.
considerar perigo a presença de O DNA é constituído de seqüências
uma casca de banana jogada na de nucleotídeos e cada nucleotídeo
calçada; e risco, a probabilidade de apresenta uma base nitrogenada
alguém pisar na casca e sofrer um (adenina, guanina, citosina e
tombo. Em relação a OGMs, pode- timina), um açúcar (pentose) e um

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 81


radical fosfato. Considerando que genes marcadores de plantas
o DNA recombinante inserido nos geneticamente modificadas”.
alimentos não difere quimicamente Nesse encontro, com base
do DNA constituinte dos alimentos nas considerações sobre a
que ingerimos diariamente, complexidade das etapas
conclui-se que a degradação do necessárias para a transferência
DNA recombinante não difere da horizontal, concluiu-se que
degradação do DNA normalmente não existiam evidências de
ingerido por meio dos alimentos transferência de genes de plantas
não-transgênicos. Além disso, a para microrganismos no trato
quantidade de DNArec ingerida é 20 gastrointestinal. Para suceder tal
mil vezes menor que a quantidade transferência, seria necessária a
de DNA normalmente ingerido ocorrência das seguintes etapas:
uma dieta diária. Também deve-se
1) O DNA vegetal teria de ser
lembrar que o processamento dos
liberado da célula/tecido vegetal
alimentos – seja industrial, seja
e não ser degradado (sobreviver)
doméstico – costuma reduzir o no ambiente gastrointestinal,
DNA em fragmentos menores que exposto ao ácido gástrico e às
200 pares de base, os quais são nucleases.
facilmente fagocitados e digeridos
pelas células do intestino (LAJOLO; 2) O microrganismo receptor teria
NUTTI, 2003). Assim, a FAO e de estar competente para a
OMS consideram que a simples transformação.
ingestão do DNA recombinante não 3) O microrganismo receptor
é perigosa, pois ingerimos DNA teria de se ligar ao DNA a ser
diariamente em nossa dieta (FAO, transferido.
1996).
4) O DNA teria de penetrar a
parede celular e translocar-se
Transferência horizontal através da membrana celular do
Em 1993, a OMS organizou microrganismo.
um workshop sobre “Aspectos 5) O DNA teria de continuar
relacionados à saúde dos íntegro ao sistema de restrição/

82 BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR
modificação desenvolvido pelo componente dele e envolve uma
microrganismo para degradar o resposta anormal do sistema
DNA estranho. imunológico do corpo. O tipo mais
comum de alergia a alimentos
6) O DNA teria de ser integrado
é o mediado pela produção
ao genoma ou plasmídios do
de anticorpos específicos, as
hospedeiro, o que requer a
imunoglobulinas E específicas
homologia de pelo menos 20
(IgE). Em uma resposta alérgica
pares de base em ambas as
mediada por IgE, os primeiros
extremidades do DNA a ser
sintomas ocorrem alguns minutos
transferido, possibilitando a
ou horas após a ingestão do
recombinação genética.
alimento e exposição do corpo
O Conselho da FAO (1996) ao agente alergênico. Algumas
concordou com decisão do alergias comuns mediadas por
workshop de 1993, ponderando IgE são as induzidas por pólen,
que, embora a transferência do esporos, pêlos de animais,
DNA para as bactérias do trato picadas de insetos e alguns tipos
intestinal seja remota, em caso de alimentos. Existem também
de genes que poderiam afetar a respostas alergênicas mediadas por
saúde humana ou animal, como é reações celulares, que, em geral,
o caso da resistência a antibióticos, ocorrem cerca de 8 horas após a
esses não deveriam ser utilizados ingestão do alimento, por exemplo,
em alimentos geneticamente a alergia ao glúten (FAO, 2001).
modificados. O conselho também
Respostas alergênicas mediadas
considerou que o princípio da
por IgE afetam de 10 % a 25 %
Equivalência Substancial (ES)
da população de países em
deveria ser uma etapa-chave
desenvolvimento, embora as
no processo de avaliação da
alergias causadas por alimentos
segurança alimentar (FAO, 1996).
afetem menos de 2,5% da
população. As crianças são
Alergenicidade mais atingidas que os adultos
A alergia a um alimento é e, segundo dados da FAO/
uma reação adversa a algum WHO, crianças abaixo de 3 anos

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 83


respondem por cerca de 5 % a 8 % Algumas espécies de vegetais e
das reações alérgicas a alimentos frutas frescas também apresentam
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, reações alérgicas tipicamente na
2000). região da boca e da faringe; no
entanto, as proteínas alergênicas
Um ponto importante é que quase
desses alimentos são instáveis
todos os alergênicos alimentares
quando aquecidas ou digeridas
são proteínas, as quais podem estar
(FAO, 2001).
distribuídas em diferentes partes
da planta e serem influenciadas A resposta alérgica mediada por
por fatores ambientais. No entanto, IgE ocorre após a ingestão do
não existe uma propriedade única alimento, de modo que a proteína
que caracterize um alergênico alergênica induz a produção de
potencial, embora a maioria dos um anticorpo específico IgE, que
alergênicos possua uma série tornará o indivíduo sensível à
de características comuns. São
ingestão daquele alimento. Assim,
elas: (1) resistência à digestão;
o indivíduo passa por uma primeira
(2) resistência ao processamento;
exposição ao alimento antes de
(3) peso molecular de 10 kDa a
demonstrar uma reação alérgica
70 kDa; (4) presença no alimento
a ele. A resposta alérgica varia
em concentrações acima de 1 %;
de moderada a severa, pois cada
(5) seqüência de aminoácidos com
indivíduo responde de maneira
homologia a outros alergênicos
diferente ao indutor da alergia.
conhecidos (ORGANIZATION FOR
No entanto, indivíduos altamente
ECONOMIC CO-OPERATION AND
sensíveis podem responder a
DEVELOPMENT, 2002).
quantidades pequenas, como
Segundo o Codex Committee on microgramas, e a resposta pode
Food Labelling, uma unidade do ocorrer em minutos. O tratamento
Codex Alimentarius, existe uma para indivíduos alérgicos é via
série de alimentos que pode causar
dietas específicas com restrição ao
alergias, sendo que amendoim, soja,
alimento alergênico (FAO, 2001).
leite, ovos, peixes, crustáceos, trigo
e castanhas são responsáveis por Baseado no exposto, a
90 % das reações alérgicas. preocupação com o potencial

84 BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR
alergênico dos organismos Mundial de Saúde. Essa árvore de
geneticamente modificados é decisões, largamente adotada pela
bastante alta. Por conta disso, indústria de alimentos derivados
diversas discussões internacionais da biotecnologia, considera a
têm sido realizadas. Em 1996, origem do gene, a homologia
o Conselho Internacional de de seqüência com alergênicos
Biotecnologia de Alimentos e o conhecidos, a ligação imunoquímica
Instituto de Alergia e Imunologia do da proteína produzida com IgE
International Life Science Institute de soro sanguíneo de indivíduos
(ILSI) desenvolveu uma árvore conhecidamente alérgicos ao
de decisões sobre o potencial organismo doador do gene
alergênico (Fig. 1), revisada introduzido e as características
posteriormente, em 2001, por um fisioquímicas dessa proteína
conselho da FAO e da Organização (METCALFE et al., 1996; FAO, 2001).

Fonte do gene
(alergênica)

SIM NÃO
Homologia de seqüência Homologia de seqüência
SIM
NÃO NÃO

Ensaio com soro Ensaio com soro geral


específico

SIM SIM Resistência à pepsina e


modelos animais

SIM NÃO
+/+ -/-
Possivelmente +/-
alta baixa
alergênico
Probabilidade de alegenicidade

Fig. 1. Árvore de decisão sobre o potencial alergênico

Fonte: Adaptado de FAO, 2001.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 85


Essas características facilitam ao calor ou processamento
a identificação do potencial são considerados menos
alergênico do produto transgênico, preocupantes (WORLD HEALTH
embora nenhum critério, ORGANIZATION, 2000).
separadamente, seja suficiente para
confirmar a alergenicidade de uma Análise de risco
proteína. Os critérios relevantes na
utilização da árvore de decisão são: A análise de risco de OGMs é
um procedimento com diferentes
1) Fonte do gene transferido: etapas: (i) a avaliação do risco; (ii)
atenção particular no caso de a o gerenciamento do risco; e (iii) a
fonte do gene conter alergênicos comunicação do risco (LAJOLO;
conhecidos. NUTTI, 2003). Essa análise é
2) Homologia da seqüência: a baseada em metodologias científicas
seqüência de aminoácidos de que buscam a sistematização das
muitas proteínas alergênicas é informações de determinado perigo
facilmente acessada. e auxiliam no processo de avaliação
3) Imunorreatividade da nova de risco e na adoção de medidas
proteína: caso a proteína seja para minimizá-lo ou eliminá-lo
derivada de uma fonte alergênica (LAJOLO; NUTTI, 2003).
conhecida ou tenha homologia
Interessante notar que várias
de seqüência com algum
plantas utilizadas na alimentação
alergênico, então a reatividade
humana são tóxicas quando
ao IgE do soro sanguíneo de
digeridas cruas, por exemplo, a
indivíduos alérgicos ao alimento
mandioca, a batata, a soja e outras
é determinada.
leguminosas. No entanto, após o
4) Efeito do pH e(ou) digestão: processamento, o efeito tóxico é
a maioria dos alergênicos são eliminado, assim, a mera presença
resistentes ao suco gástrico e a de um componente tóxico numa
proteases digestivas. variedade vegetal não elimina sua
5) Estabilidade ao processamento utilização (ORGANIZATION FOR
ou aquecimento: alergênicos ECONOMIC CO-OPERATION AND
de alimentos susceptíveis DEVELOPMENT, 1993).

86 BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR
Considerações finais METCALFE, D. D.; ASTWOOD, T.
D.; TOWNSEND, R.; SAMPSON,
Assim, do ponto de vista alimentar, H. A.; TAYLOR, S. L.; FUCHS, R. L.
o nível de segurança dos alimentos Assessment of the allergenic potential
of foods derived from genetically
geneticamente modificados (AGMs)
engineered crop plants. Critical
é muito alto, uma vez que esses Reviews in Food Science and
alimentos são submetidos a uma Nutrition, v. 36, p. 165-186, 1996.
bateria de testes extremamente
ORGANIZATION FOR
rigorosa. Com isso, é possível ECONOMIC CO-OPERATION
dizer que o risco que um alimento AND DEVELOPMENT. Safety
transgênico oferece pode ser evaluation of foods produced by
considerado menor que o de outro modern biotechnology: concepts
tipo de alimento liberado para and principles. Paris, 1993.
Disponível em: <http://www.oecd.org/
consumo humano que não passa por
dataoecd/57/3/1946129.pdf >. Acesso
uma bateria de testes tão rigorosa.
em: 30 maio 2005.

Referências ORGANIZATION FOR ECONOMIC


CO-OPERATION AND
FAO. Biotechnology and food safety. DEVELOPMENT. Safety assessment
Rome, 1996. 27 p. (FAO. Food and of new food: results of an OECD
Nutrition Paper, 61). Disponível em: <ftp:// survey of serum banks for allergenecity
ftp.fao.org/es/esn/food/biotechnology. testing, and use of databases. France,
pdf>. Acesso em: 16 maio 2005. 2002. SG/ICGB (1997)1/Final.
Disponível em: <http://www.olis.oecd.
FAO. Evaluation of allergenicity of
org/olis/1997doc.nsf/43bb6130e5e
genetically modified foods. Rome,
86e5fc12569fa005d004c/656a6ffd5
2001. 27 p. (Report of a joint FAO/WHO
ec500d0c1256b6e00372ca1/$FILE/
Expert Consultation on Allergenicity of
JT00121603.PDF>. Acesso em: 31
Foods Derived from Biotechnology).
maio 2005.
Disponível em: <http://www.fao.org/es/
ESN/food/pdf/allergygm.pdf>. Acesso WATANABE, E.; NUTTI, M. R.
em: 16 maio 2005. Alimentos geneticamente modificados:
avaliação de segurança e melhorias
LAJOLO, F. M.; NUTTI, M. R.
Transgênicos: bases científicas da sua de qualidade em desenvolvimento.
segurança. São Paulo: SBAN, 2003. Revista Brasileira de Milho e Sorgo,
112 p. Sete Lagoas, v. 1, n. 1, p. 1-14, 2002.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 87


WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Expert Consultation on Foods
Safety aspects of genetically Derived from Biotechnology). Disponível
modified foods of plant origin. Rome, em: <http://www.fao.org/es/ESN/food/pdf/
2000. 36 p. (Report of a joint FAO/ gmreport.pdf>. Acesso em: 30 maio 2005.

88 BIOSSEGURANÇA ALIMENTAR
CAPÍTULO 6

ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM


TRANSGÊNICOS NO BRASIL
MÔNICA CIBELE AMÂNCIO
ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM
TRANSGÊNICOS NO BRASIL
Histórico surgiram a partir de 1998, quando
a Comissão Técnica Nacional de
As atividades envolvendo Biossegurança (CTNBio), mediante
organismos geneticamente o Comunicado 54, de 1º de outubro
modificados (OGM) e seus de 1998 e a Instrução Normativa
derivados são reguladas pelas 18/1998, publicou parecer técnico
normas estabelecidas na legislação prévio conclusivo, no qual aprovava
brasileira de biossegurança. o pedido de liberação comercial
No Brasil, a primeira norma a tratar da soja geneticamente modificada
desse assunto foi a Lei 8.974, de tolerante ao herbicida à base
5 de janeiro de 1995. Essa norma de glifosato (a chamada “soja”
tinha por objetivo regulamentar, da RR), apresentado pela empresa
maneira mais completa possível, Monsanto do Brasil Ltda. A
os aspectos de biossegurança aprovação da CTNBio não trazia
relacionados ao desenvolvimento de como exigência a realização do
produtos geneticamente modificados Relatório de Impacto Ambiental
e seus derivados no País. (EIA/Rima).

Todavia, a evolução das discussões A competência da CTNBio para


acerca da adoção dos transgênicos retirar a exigência da elaboração
no Brasil, principalmente após do EIA/Rima foi imediatamente
os conflitos entre a legislação questionada na Justiça, mediante
de biossegurança e a legislação ação civil pública impetrada pelo
ambiental, levou à necessidade Instituto de Defesa do Consumidor
de uma reestruturação em nossa (Idec), o que resultou na abertura
legislação sobre a matéria. de um amplo e polêmico processo
Os problemas em relação à de discussão a respeito da adoção
aplicação da Lei 8.974/1995 ou não dessa tecnologia no País.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 91


A questão era extremamente Todo esse processo acabou
polêmica e teve desdobramentos por gerar um verdadeiro caos
tanto no âmbito do Poder Judiciário, regulatório, que praticamente
como no do Executivo e Legislativo, paralisou a pesquisa e o
em uma discussão que envolveu desenvolvimento dessa tecnologia
toda a sociedade brasileira. no Brasil. Na tentativa de solucionar
o problema, o governo federal
Fruto de toda essa polêmica, foi
enviou ao Congresso Nacional
editado no País um conjunto de
um projeto de lei, fruto da
leis e dispositivos infralegais que
discussão com os diversos atores
acabou por gerar um quadro
envolvidos, propondo uma nova
regulatório extremamente
regulamentação para o assunto no
burocrático e complexo.
Brasil.
No Brasil, até março de 2005, desde
Após um ano e meio de intensas
a concepção de um projeto de pes-
e acaloradas discussões, esse
quisa para gerar determinado pro-
duto geneticamente modificado até projeto foi finalmente aprovado
que ele conseguisse ser efetivamen- no Congresso Federal. Em 24 de
te comercializado, fazia-se neces- março de 2005, o Presidente da
sário percorrer um longo caminho, República sancionou a Lei 11.105,
com um número elevado de licenças a nova Lei de Biossegurança
e autorizações que deviam ser solici- no Brasil, posteriormente
tadas a diferentes órgãos do governo regulamentada pelo Decreto 5.591,
ao longo do processo (Fig. 1). de 22 de novembro de 2005.

92 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


não-biopesticidas
TR

Parecer P. Técn. Conclusivo

Parecer p. técn. conclusivo


(sem impacto ambiental)

(com impacto ambiental)

Exp. Campo (Loap)


Macrozoneamento

Autorização campo
Autorização lab.
Lei Biossegurança

Ibama / MMA
Registro lab.

Mapa (Atec)

Licenciamento
e Lei Ambiental

Ibama / MMA
Mapa

I, II - (LALC)
EIA / Rima
EIA
CTNBio

Protocolo de Cartagena
CQB

Conama
P&D - Plantas (I)

Rotulagem
Produto
Biotecnologia / Biossegurança
CTNBio P. Cult.
Regulamentação no Brasil

Anvisa Ibama DDIV Registro Sem.


MS MMA Mapa Mapa??
(RET) CTNBio CQB

Registro
Lei Biossegurança

e Lei Agrotóxicos

Produto
e Lei Ambiental
Biopesticidas

Licenciamento labs., cveg., Anvisa??


exp. campo pequenos (2 ha),
(PIP)

Ibama??
exp. campo maiores (5 ha),
campos de multipl. sementes Macrozoneamento
3 fases mais licenças acima
Mult. Sementes

Fig. 1. Arcabouço legal vigente no Brasil até 2005, mostrando a complexidade de autorizações
e licenças necessárias para aprovação de atividades envolvendo OGM e seus derivados.
Fonte: Sampaio, 2004.

Principais aspectos sobre a construção, cultivo,


da nova legislação de produção, manipulação, transporte,

biossegurança brasileira1 transferência, importação,


exportação, armazenamento,
pesquisa, comercialização,
A Lei nº 11.105/2005 estabelece consumo e liberação no meio
normas de segurança e ambiente, e descarte de OGM e
mecanismos de fiscalização seus derivados no País. (Art. 1º).

1
As implicações da Lei 11.105/2005 para o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco não
serão tratadas nesta obra, em virtude da especificidade e características próprias da matéria.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 93


Como desdobramento dessa lei, Modelo institucional
editou-se posteriormente o Decreto brasileiro para o
Regulamentador 5.591/2005, novas
desenvolvimento de
instruções normativas da CTNBio,
atividades envolvendo
bem como a Medida Provisória
transgênicos
327/2006 e o Decreto 5.950/2006
(as duas últimas normas referentes
Comissões Internas de
à pesquisa em áreas próximas
Biossegurança (CIBio)
às unidades de conservação
brasileiras). A primeira imposição da legislação
de biossegurança sobre o desen-
É importante ressaltar que, por
volvimento de atividades envolven-
se tratar de legislação nova e
do OGM ou seus derivados é que
ainda em fase de aplicação,
novas alterações no texto da Lei essas atividades não podem ser
11.105/2005 já são discutidas no feitas por pessoas físicas, de manei-
Congresso Nacional. ra autônoma. É necessário ser uma
pessoa jurídica, seja ela pública ou
Todas essas normas regulamentam privada, para obter as autorizações
as atividades envolvendo necessárias para o desenvolvimento
transgênicos no Brasil, sejam desse tipo de atividade.
elas para pesquisa ou para
comercialização. Seguindo Uma vez que a instituição decide
os princípios básicos de trabalhar com esse tipo de
biossegurança, a avaliação tecnologia, a primeira atitude a
da segurança, tanto alimentar ser tomada, de acordo com a
como ambiental de um produto lei, é a criação, em seu âmbito
geneticamente modificado, deve ser interno, de uma Comissão Interna
feita desde o momento em que ele é de Biossegurança (CIBio), além
trabalhado dentro de um laboratório da indicação de um técnico
até a sua efetiva colocação no principal responsável para cada
mercado consumidor. A nossa projeto específico (art. 17 da Lei
legislação sobre o tema estabelece 11.105/2005) e cap. II da Resolução
as regras para que isso seja feito. Normativa 1/2006 da CTNBio).

94 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


Essa comissão irá exercer a Instituída a CIBio, o primeiro passo
importante função de cuidar para a realização de qualquer
dos aspectos relacionados à atividade envolvendo OGM e seus
biossegurança dos projetos dentro derivados por uma determinada
daquela instituição e tem suas instituição é conseguir a autorização
competências definidas no art. 18 para tanto junto à Comissão
da Lei 11.105/2005. Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) (§3º do art. 2º da lei)2.
Compete a ela, entre outras,
capacitar recursos humanos
Comissão Técnica Nacional de
sobre questões de biossegurança,
Biossegurança (CTNBio)
fiscalizar o funcionamento
das instalações sob sua A CTNBio é uma instância
responsabilidade em termos de colegiada multidisciplinar de
biossegurança, manter o registro caráter consultivo e deliberativo,
e acompanhamento de todas as vinculada ao Ministério da Ciência e
atividades envolvendo OGM e Tecnologia.
seus derivados na sua instituição Sua composição antiga de 18
e notificar os órgãos responsáveis membros, prevista pela Lei nº
em caso de acidentes, bem como 8.974/1995, foi alterada para 27.
tomar as primeiras providências Destes, 12 são cientistas de notório
cabíveis para evitar efeitos saber científico e técnico, em efetivo
adversos. Além, é claro, de exercício profissional (3 da área de
relacionar-se diretamente com a saúde humana, 3 da área animal,
CTNBio para obter as autorizações 3 da área vegetal e 3 da área de
necessárias ao desenvolvimento de meio ambiente), 9 representantes
projetos e atividades que envolvam dos Ministérios envolvidos com a
OGM e seus derivados. questão3, 1 especialista em defesa

2
Essa autorização é o chamado Certificado de Qualidade em Biossegurança – CBQ. As regras para
sua emissão foram determinadas pela CTNBio na Resolução Normativa 1, de 20 de junho de 2006.

3
São eles: Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Ministério da Saúde, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Ministério da Defesa, Secretaria Especial de Aqüicultura, e
Pesca e Ministério das Relações Exteriores.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 95


do consumidor, 1 em saúde, 1 em cientista de cada uma das áreas
meio ambiente , 1 em biotecnologia, mencionadas na lei (saúde humana,
1 em agricultura familiar e 1 em animal, vegetal e meio ambiente).
saúde do trabalhador.
O quórum para tomada de decisões
Todos os membros da CTNBio pela CTNBio foi estabelecido no
devem ter o grau de doutor e Decreto 5.591/2005, cujo parágrafo
destacada atividade profissional único do art. 19 estabelece que
nas áreas de biossegurança, as decisões da CTNBio serão
biotecnologia, biologia, saúde tomadas com votos favoráveis da
humana e animal ou meio maioria absoluta de seus membros,
ambiente. Tais exigências reforçam exceto nos processos de liberação
o caráter técnico da comissão comercial de OGM e derivados,
e conferem maior segurança às
para os quais se exigirá que a
decisões por ela tomadas, levando-
decisão seja tomada com votos
se em conta a complexidade
favoráveis de pelo menos dois
e tecnicidade das questões
terços dos membros.
relacionadas à análise de risco de
OGM e derivados. Assim, para que a CTNBio tome
uma decisão em qualquer processo
Cada membro da CTNBio tem
relativo ao uso de OGM e seus
um suplente, que participa dos
derivados para a pesquisa, serão
trabalhos na ausência do titular
necessários 14 votos favoráveis
e pode votar nesse caso. Os
membros da CTNBio têm mandatos a essa decisão. Já quanto às
de 2 anos, renováveis por até mais decisões em processos relativos
dois períodos consecutivos. ao uso comercial de OGM e seus
derivados, serão necessários 18
O presidente da CTNBio é votos favoráveis para que a decisão
designado, entre seus membros,
seja tomada.
pelo Ministro da Ciência e Tecnologia,
e as reuniões dessa comissão são Destacam-se entre as competências
instaladas com 14 membros, incluído da CTNBio (artigo 14 da Lei
pelo menos um representante 11.105/2005):

96 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


• Estabelecer normas para pesquisa e de uso comercial de
as pesquisas com OGM e OGM e seus derivados, a qual
derivados de OGM. tem caráter vinculativo para os
demais órgãos e entidades da
• Proceder à análise da avaliação
administração.
de risco, caso a caso,
relativamente a atividades e Entre essas competências, o ponto
projetos que envolvam OGM e crucial está no inciso XX do art.
derivados. 14, que diz textualmente ser da
competência da CTNBio identificar
• Autorizar, cadastrar e
atividades e produtos decorrentes
acompanhar as atividades de
do uso de OGM e seus derivados
pesquisa com OGM ou derivado
de OGM, nos termos da potencialmente causadores de
legislação em vigor. degradação do meio ambiente ou
que possam causar riscos à saúde
• Autorizar a importação de OGM humana.
e seus derivados para atividade
de pesquisas. Isso não significa que os OGMs
ou seus derivados não estão
• Prestar apoio técnico consultivo mais sujeitos ao licenciamento
e de assessoramento ao CNBS ambiental. O que o legislador fez foi
na formulação da Política apenas colocar um ponto final nas
Nacional de Biossegurança de discussões acerca da competência
OGM e seus derivados. para tomar esse tipo de decisão.
• Emitir os Certificados de
A CTNBio continuará efetuando
Qualidade em Biossegurança
a análise de risco dos processos
(CQB) para o desenvolvimento
a ela submetidos em relação ao
de atividades envolvendo OGM
uso de OGM e derivados, caso a
e seus derivados.
caso. Haverá situações em que ela
• Emitir decisão técnica, caso a identificará as atividades e produtos
caso, sobre a biossegurança decorrentes do uso desses OGMs
de OGM e seus derivados ou derivados como não sendo
no âmbito das atividades de potencialmente causadoras de

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 97


degradação do meio ambiente Secretaria Especial de Aqüicultura e
ou que possam causar riscos à Pesca da Presidência da República.
saúde humana e outras em que a
Destacam-se entre suas
comissão identificará esse perigo.
competências:
Nesses casos, caberá aos órgãos
ambientais fazer o licenciamento • Fiscalizar as atividades de
ambiental. pesquisa de OGM e seus
derivados.
O disposto no inciso XX do art. 14 é
reforçado pelos §2º e §3º do art. 16, • Registro e fiscalizar a liberação
e pelo art. 37 da Lei 11.105/2005. comercial de OGM e seus
derivados (nesses casos, esses
A Lei 11.105/2005 também
órgãos poderão estabelecer
fortaleceu o trabalho da CTNBio ao
normas próprias para efetuar
estabelecer que seu parecer vincula
o registro, autorização,
os demais órgãos da Administração
fiscalização e licenciamento
Pública.
ambiental desses produtos,
com exigências adicionais
Órgãos e Entidades de Registro e
além das apresentadas à
Fiscalização
CTNBio. Entretanto, tais
Os órgãos e entidades de registro exigências somente poderão
e fiscalização a que se refere ser efetuadas no sentido de
a Lei 11.105/2005 são aqueles adequar as decisões da CTNBio
vinculados ao Ministério da Saúde aos procedimentos, meios
(no caso, a Agência Nacional e ações em vigor aplicáveis
de Vigilância Sanitária – Anvisa), aos produtos convencionais,
Ministério da Agricultura, Pecuária conforme estabelece o §1º do
e Abastecimento (no caso, a art. 53 do Decreto 5.591/2005.
Coordenação de Biossegurança Não se pode olvidar que as
do Mapa), Ministério do Meio decisões da CTNBio são
Ambiente (no caso, o Instituto sempre vinculantes para esses
Brasileiro do Meio Ambiente e órgãos do ponto de vista
Recursos Renováveis – Ibama) e da técnico da biossegurança).

98 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


• Emitir autorização para a implementação da Política Nacional
importação de OGM e seus de Biossegurança no Brasil (art. 8º
derivados para uso comercial da lei).
(essa competência passa a ser
Ao CNBS compete a fixação
exclusiva desses órgãos, tendo
de princípios e diretrizes para a
em vista que a lei concedeu à
ação administrativa dos órgãos
CTNBio apenas a competência
para autorizar a importação para e entidades federais com
realização de pesquisas). competências sobre as questões
de biossegurança no País, bem
• Subsidiar a CTNBio na definição como a tomada de decisão, em
de quesitos de avaliação de determinados casos, em relação
biossegurança de OGM e seus a pedidos de liberação para
derivados. uso comercial de OGM e seus
derivados.
Conselho Nacional de
Biossegurança (CNBS) Deve-se relembrar que, no caso
de decisões técnicas quanto ao
Uma das inovações da Lei uso de OGM e seus derivados
11.105/2005 em relação à para a realização de pesquisas, as
antiga Lei de Biossegurança é decisões da CTNBio são sempre
a criação do Conselho Nacional soberanas, não cabendo ao CNBS
de Biossegurança (CNBS). Esse se manifestar.
Conselho é formado por 11
Ministros de Estado4 e vinculado à Em relação ao uso comercial de
Presidência da República, sendo OGM ou seus derivados, o CNBS
um órgão de assessoramento se manifestará em três ocasiões:
superior do Presidente da (i) quando a CTNBio assim
República para a formulação e solicitar, quanto aos aspectos

4
Os membros do CNBS são os seguintes: Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da
República (Presidente do CNBS), Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, Ministro de Estado
do Desenvolvimento Agrário, Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministro
de Estado da Justiça, Ministro de Estado da Saúde, Ministro de Estado do Meio Ambiente, Ministro
de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministro de Estado das Relações
Exteriores, Ministro de Estado da Defesa e Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência
da República.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 99


da conveniência e oportunidade Da pesquisa à
socioeconômicas e do interesse comercialização dos
nacional (inciso II, §1º do art. 8º); transgênicos no Brasil: o que
(ii) quando ele próprio avocar o dispõe a lei
processo para decidir em última e
definitiva instância sobre a questão Da pesquisa em regime de
(inciso III, §1º do art. 8º); ou (iii) contenção
quando algum dos órgãos de
Conforme dito anteriormente, a
fiscalização e registro citados na
primeira providência da instituição
lei entrarem com recurso sobre a
que deseje realizar pesquisa com
decisão da CTNBio de liberação
transgênicos no Brasil é a criação
comercial de OGM e derivados (§7º
de sua Comissão Interna de
do art. 16).
Biossegurança (CIBio).
O CNBS se reunirá sempre que
Uma vez feito isso, essa comissão
convocado pelo Ministro de Estado
deve solicitar autorização à CTNBio
Chefe da Casa Civil da Presidência
para o desenvolvimento das
da República, que o preside, ou
atividades envolvendo OGM e seus
mediante provocação da maioria
derivados, que a concede mediante
dos seus membros, ou seja, seis a emissão do chamado Certificado
ministros de Estado. de Qualidade em Biossegurança
As reuniões são instaladas com a (CQB). As regras para obtenção
presença de seis de seus membros desse certificado são estabelecidas
e as decisões só são tomadas pela própria CTNBio, por meio da
com votos favoráveis da maioria Resolução Normativa 1, de 20 de
absoluta. junho de 2006.

Os ministros de Estado membros O Certificado de Qualidade em


do CNBS podem ser substituídos Biossegurança é concedido para
por seus respectivos Secretários- a instituição, que deve indicar e
Executivos nas reuniões do detalhar as estruturas físicas de
Conselho, de acordo com o sua responsabilidade para as quais
Decreto 5.591/2005. o CQB será concedido. Ao longo

100 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


do desenvolvimento da pesquisa, nas subcomissões setoriais ou
esse certificado pode ser extendido extraordinárias para as quais o
a outras instalações, mediante um processo foi distribuído, será
novo pedido da CIBio à CTNBIO, encaminhado ao plenário da
cujas regras estão estabelecidas na CTNBio para deliberação (arts. 28 a
Resolução Normativa 1/2006. 31 do Decreto 5.591/2005).

Para obtenção do Certificado de Deve-se ressaltar que, em qualquer


Qualidade em Biossegurança, a hipótese, se requerida por um
CIBio da instituição interessada de seus membros e aprovada
encaminha o pedido à CTNBio. por maioria absoluta, a CTNBio
poderá realizar audiências públicas,
O requerimento deve ser
garantida a participação da
protocolado na Secretaria-Executiva
sociedade civil (art. 43, I do Decreto
da CTNBio e, depois de autuado
5.591/2005).
e devidamente instruído, deverá
ter seu extrato prévio publicado no A CTNBio sempre realiza uma
Diário Oficial da União e divulgado análise caso a caso dos pedidos
no Sistema de Informações de a ela submetidos, quaisquer que
Biossegurança – SIB, que foi sejam eles. Ela poderá, a seu
criado pela Lei 11.105/2005. O critério, solicitar informações
processo será então distribuído a complementares ao processo, que
um dos membros da CTNBio para deverão ser fornecidas pela CIBio
relatoria e elaboração de parecer. da instituição.
O parecer será submetido a uma
ou mais subcomissões setoriais Após a análise do processo, a
permanentes ou extraordinárias CTNBio poderá conceder ou não o
da CTNBio5, para formação e certificado. Caso não o conceda, a
aprovação do parecer final. O requerente poderá interpor recurso
parecer final, após sua aprovação administrativo.

5
De acordo com o art. 17 do Decreto 5.591/2005, a CTNBio constituirá subcomissões setoriais
permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal e na área ambiental, e
poderá constituir subcomissões extraordinárias, para análise prévia dos temas a serem submetidos ao
plenário.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 101


Em caso de aprovação do CQB, a Caso o pedido submetido pela
instituição estará autorizada a iniciar CTNBio não seja aprovado,
as suas pesquisas, que sempre se caberá recurso administrativo.
iniciam em regime de contenção, Caso seja aprovado, os testes a
ou seja, aquelas realizadas em campo poderão ser realizados pela
laboratórios ou em casas de instituição requerente.
vegetação, onde há um maior
O §3º do art. 14 da Lei 11.105/2005
controle sobre as condições de
estabelece que, no caso de decisão
biossegurança dos experimentos.
técnica favorável sobre a biosse-
gurança no âmbito da atividade
Da pesquisa a campo
de pesquisa, a CTNBio remeterá o
Com o desenvolvimento dos processo respectivo aos órgãos e
experimentos, se os resultados entidades de registro e fiscalização
forem positivos, será necessário do Ministério do Meio Ambiente,
testar o comportamento do produto Saúde e Agricultura e Secretaria Es-
geneticamente modificado a campo, pecial de Aqüicultura e Pesca, para
principalmente do ponto de vista da o exercício de suas atribuições.
sua segurança ambiental e para a No caso de decisões a respeito de
realização de seu comportamento atividades de pesquisa com OGM
agronômico. Também será e derivados, isso significa dizer que
necessário o plantio do transgênico o processo será encaminhado para
a campo para a geração do esses órgãos apenas para cumprir
material necessário à avaliação da as funções fiscalizatórias, uma vez
segurança alimentar dele. que apenas essa competência é
atribuída a esses órgãos, conforme
Para tanto, novamente a CIBio
previsto no inciso I do art. 16 da lei.
da instituição interessada deverá
apresentar o pedido de liberação Já em relação às decisões no
planejada no meio ambiente de âmbito do uso comercial de OGM
OGM junto à CTNBio, seguindo os e seus derivados, a competência
procedimentos estabelecidos na dos órgãos e entidades de registro
Resolução Normativa 6, de 6 de e fiscalização é ampliada, conforme
novembro de 2008. será visto a seguir.

102 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


Da liberação comercial do OGM caso de liberação comercial de
OGM e seus derivados (art. 33 do
Uma vez concluídos os testes
Decreto 5.591/2005).
a campo do OGM em relação à
segurança ambiental e avaliação Outra é que as audiências públicas
agronômica, assim como concluída para ouvir a sociedade civil poderão
a avaliação alimentar do OGM, o ser realizadas tanto a pedido de
próximo passo será o pedido de um dos membros da CTNBio
liberação pré-comercial ou a própria como por parte comprovadamente
liberação comercial do transgênico. interessada na matéria objeto
da decisão (art. 43, II do Decreto
Deve-se ressaltar que os testes a
5.591/2005).
campo não são realizados apenas
uma única vez. São necessários Essa comissão procederá a
pelo menos dois anos de testes e análise do ponto de vista técnico
avaliações em diferentes regiões do processo, devendo realizar
edafoclimáticas do País, para audiências públicas para ouvir
realmente se garantir a segurança a sociedade sobre a questão.
dos dados a serem apresentados à Em relação aos aspectos da
CTNBio. conveniência e oportunidade
Os pedidos de liberação pré- socioeconômicas e do interesse
comercial ou liberação comercial nacional do processo, a CTNBio
do OGM são feitos novamente pela poderá solicitar ao Conselho
CIBio junto à CTNBio e seguem Nacional de Ministros (CNBS)
os procedimentos previstos na que se manifeste especificamente
Roslução Normativa 5, de 12 de sobre essa questão (inciso II,
março de 2008, com algumas §1º do art. 8º).
especificidades da legislação.
Da mesma forma que nos outros
Uma delas é que o processo deve, casos, em caso de parecer
obrigatoriamente, ser analisado favorável da CTNBio para a
por todas as subcomissões liberação comercial, essa deve
permanentes da CTNBio (vegetal, encaminhar o processo para os
animal e de saúde humana) no órgãos de fiscalização e registro.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 103


Só que, ao contrário do que reparar integralmente tais danos,
acontece nas decisões relacionadas independentemente de culpa. A
à pesquisa, havendo divergência responsabilidade civil aqui atribuída
desses órgãos quanto à decisão é a responsabilidade objetiva,
da CTNBio sobre a liberação seguindo o exemplo de nossa
comercial do OGM ou seus legislação ambiental.
derivados, eles podem apresentar
Em relação à responsabilidade
recurso ao Conselho Nacional de
administrativa, a lei estabeleceu
Biossegurança (CNBS) no prazo de
diferentes tipos de sanções para
até 30 dias após a publicação da
possíveis infrações às normas
decisão técnica da CTNBio (§7º do
previstas na legislação de biosse-
art. 16 da Lei 11.105/2005). Nesses
gurança, entre elas a imposição de
casos, caberá ao CNBS decidir em
última e definitiva instância sobre a multas. Essas multas terão seus cri-
questão. térios, valores e aplicação definidos
pelos órgãos e entidades de regis-
tro e fiscalização referidos na lei,
Outras disposições
mas poderão variar de R$ 2.000,00
Dada a importância da matéria e a R$ 1.500.000,00. Em relação à
os riscos potenciais envolvidos, o responsabilidade criminal, a Lei
legislador cuidou de estabelecer, na 11.105/2005 tipificou determinadas
própria Lei 11.105/2005, situações ações como sendo crime e esta-
em que poderão ser atribuídas beleceu suas respectivas penas.
responsabilidades tanto no âmbito Destaca-se, entre essas, o fato de
civil e administrativo, como também ser crime a liberação ou o descarte
na esfera criminal. de OGM no meio ambiente, bem
Em relação à responsabilidade civil, como a produção, armazenamento,
essa lei estabelece a obrigação de transporte, comercialização, impor-
o responsável por danos ao meio tação ou exportação de OGM ou
ambiente e a terceiros que possam seus derivados em desacordo com
ser causados pelo desenvolvimento as normas estabelecidas pela CTN-
de atividades envolvendo OGM Bio e pelos órgãos de fiscalização e
e seus derivados indenizar ou registro.

104 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


Outra questão importante que ficou Reforçando essa posição, o
definitivamente regulada pela Lei art. 35 da referida lei autorizou
11.105/2005, em suas disposições definitivamente a produção e
finais e transitórias, foi a questão comercialização de sementes de
da liberação comercial da soja cultivares de soja geneticamente
geneticamente modificada tolerante modificada tolerantes a glifosato
ao herbicida glifosato, ocorrida no registradas junto ao Registro
Brasil em 1998. Nacional de Cultivares do Ministério
da Agricultura, Pecuária e
O art. 30 dessa lei estabeleceu
Abastecimento.
que os OGMs que tivessem
obtido decisão técnica da Além da soja, outro OGM que teve
CTNBio favorável a sua liberação seu registro e comercialização
comercial até a entrada em vigor liberados a partir da entrada em
da Lei 11.105/2005 poderiam ser vigor da Lei 11.105/2005 foi o
registrados e comercializados, algodão geneticamente modificado
salvo manifestação contrária do resistente a insetos, também
CNBS, que teria um prazo de 60 conhecido como “algodão Bt1”, de
dias para isso. propriedade da empresa Monsanto
do Brasil Ltda. Isso porque ele foi
A soja geneticamente modificada
liberado pela CTNBio sob a égide
tolerante ao herbicida glifosato
da Lei 8.974/95, mediante o Parecer
enquadra-se exatamente nessa
Técnico Prévio Conclusivo 513/2005
categoria e, como não houve
e cuja decisão não foi contestada
manifestação contrária do CNBS
pelo CNBS.
em relação à sua liberação
comercial, no prazo que lhe foi Também cuidou o legislador
concedido, a partir da entrada em de garantir a continuidade das
vigor da Lei 11.105/2005, essa atividades que vinham sendo
questão foi definitivamente resolvida realizadas no Brasil envolvendo
no Brasil, regularizando uma OGM e derivados nos últimos anos.
situação que já vinha ocorrendo de Essa garantia foi estabelecida
maneira ilegal no País desde muitas quando a Lei 11.105/2005 dispôs
safras anteriores à edição dessa lei. que todos os certificados de

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 105


qualidade em biossegurança, Enquadrando-se, portanto,
comunicados, decisões técnicas na definição de produto afim
e atos normativos da CTNBio de agrotóxicos, as plantas
tomados durante a vigência da Lei geneticamente modificadas com
8.974/95 permanecem em vigor, características biocidas passaram,
desde que não contrariem as a partir de 2001, também a ser
disposições na nova legislação de reguladas pelos dispositivos
biossegurança (art. 32 da lei). contidos na legislação de
agrotóxicos.
Outro grande avanço conseguido
em relação a essa matéria foi o fim Uma dessas exigências era a
da aplicação da Lei 7.802/1989 (Lei obtenção do chamado Registro
de Agrotóxicos) aos OGMs e seus Especial Temporário (RET) para
derivados, exceto para os casos OGM, cuja concessão foi regulada
em que eles sejam desenvolvidos pela Instrução Normativa Conjunta
para servir de matéria-prima para a 02/2002 do Mapa, a Instrução
produção de agrotóxicos (art. 39 da Normativa 24/2002 do IBAMA e a
Lei 11.105/2005). Resolução RDC 57/2002 da Anvisa.

A experiência mostrou que esse


Essa decisão foi muito importante,
processo era extremamente
especialmente do ponto de vista
burocrático, ocasionando
do avanço da pesquisa de alguns
consideráveis atrasos no
OGMs no Brasil. Antes dela,
desenvolvimento de pesquisas
havia o entendimento por parte
no Brasil. Cite-se o exemplo do
do Judiciário brasileiro de que
experimento da Empresa Brasileira
determinados tipos de OGMs que
de Pesquisa Agropecuária
estavam sendo desenvolvidos
(Embrapa) com o mamão
no Brasil (especificamente os
geneticamente modificado
resistente a vírus causadores de
resistente ao vírus-da-mancha-
doenças) enquadravam-se na
anelar, que ficou paralisado entre os
definição de afins de agrotóxicos
anos de 2001 a 2003.
dada pelo art. 2º, I, (a) da Lei
7.802/89, que regula a pesquisa e o Com o fim da exigência da aplica-
registro de agrotóxicos no País. ção da Legislação de Agrotóxicos

106 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


para aqueles OGMs e seus deriva- para o desenvolvimento de
dos que não sejam desenvolvidos pesquisas envolvendo OGM e
especificamente para servir de seus derivados no Brasil, uma
matéria-prima para a produção de vez que desburocratizou, em
agrotóxicos, houve uma desburocra- muito, o processo em relação às
tização considerável no processo de necessárias autorizações para tais
obtenção das necessárias licenças pesquisas, dando mais agilidade
para pesquisa de OGM no Brasil, ao sistema e evitando os entraves
sem, ressalte-se, em momento que até então vinham sendo
algum, comprometer a segurança enfrentados pelos pesquisadores
necessária para o desenvolvimento brasileiros.
desse tipo de atividade. Isso porque
todos os projetos envolvendo esses A edição desse novo marco legal
produtos continuam a ser rigorosa- surgiu também para dar maior
mente analisados pela CTNBio em transparência e confiabilidade em
relação à sua segurança, tanto para torno das decisões de liberação
o meio ambiente como para a saúde comercial de OGM e seus
humana. derivados.

No entanto, essas promessas


Considerações finais só se tornarão realidade com a
A Lei 11.105/2005 e seu efetiva atuação do Poder Executivo
regulamento surgiram na tentativa nesse sentido. A experiência
de colocar fim ao verdadeiro caos tem mostrado que os atores
regulatório em torno da questão envolvidos na correta aplicação
de biossegurança que imperava da legislação de biossegurança
no País após os desdobramentos vêm demonstrando levar em conta
da decisão da CTNBio de muito mais aspectos políticos
liberar comercialmente a soja ou ideológicos do que os reais
geneticamente modificada tolerante interesses da sociedade brasileira.
ao herbicida glifosato.
Questões políticas ou ideológicas
A aprovação dessa lei devem ser deixadas de lado,
representou uma grande vitória entendendo-se que o papel

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 107


da CTNBio ou o dos órgãos janeiro de 1995, e a Medida Provisória
e entidades de fiscalização e no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e
registro não é excludente, mas sim os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei
no 10.814, de 15 de dezembro de 2003,
complementar.
e dá outras providências. Diário Oficial
Ambos são órgãos do poder [da] República Federativa do Brasil,
público e devem buscar atuar de Brasília, DF, 25 mar. 2005.

forma conjunta, tendo como único BRASIL. Decreto nº 5.591, de 22 de


objetivo o de garantir a correta novembro de 2005. Regulamenta
avaliação da segurança ambiental dispositivos da Lei no 11.105, de 24 de
março de 2005, que regulamenta os
de um determinado OGM ou
incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da
derivado antes que ele venha a ser
Constituição, e dá outras providências.
utilizado no Brasil.
Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23
Referências nov. 2005.

BRASIL. Lei nº 11.105, de 24 de CTNBio. Pesquisa de relação de


março de 2005. Regulamenta os certificados de qualidade em
incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 biossegurança concedidos pela
da Constituição Federal, estabelece CTNBio. 2006. Disponível em: <http://
normas de segurança e mecanismos www.ctnbio.gov.br/index.php/content/
de fiscalização de atividades que view/2267.html>. Acesso em: 30 nov.
envolvam organismos geneticamente 2006.
modificados – OGM e seus derivados,
cria o Conselho Nacional de SAMPAIO, M. J. A. Legislação de
Biossegurança – CNBS, reestrutura biossegurança no Brasil: cenário
a Comissão Técnica Nacional de atual. 2004. Palestra proferida na oficina
Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre de trabalho “Trajetórias e implicações
a Política Nacional de Biossegurança da regulamentação de biossegurança
– PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de no Brasil”. (CGEE, 16.12.2004)

108 ASPECTOS LEGAIS DA PESQUISA COM TRANSGÊNICOS...


CAPÍTULO 7

A REDE DE BIOSSEGURANÇA DA
EMBRAPA
ANDRÉ NEPOMUCENO DUSI
DEISE MARIA FONTANA CAPALBO
MARIA JOSÉ AMSTALDEN MORAES SAMPAIO
A REDE DE BIOSSEGURANÇA DA EMBRAPA

Desde os anos 1990, o Brasil pela pesquisa e que oferecessem


vem discutindo sobre os riscos e padrões de estudo altamente
benefícios potenciais oferecidos confiáveis para uso pelos
pelos organismos geneticamente tomadores de decisão e para o
modificados – OGMs. Segurança, público em geral.
competitividade, desenvolvimento,
Assim, em 2002, a Embrapa
propriedade intelectual estão entre
aprovou o projeto Rede de
os tópicos principais discutidos por
Biossegurança: Organismos
cientistas, indústrias proponentes,
Geneticamente Modificados –
organizações não-governamentais
– ONGs, representantes do governo BioSeg para gerar protocolos e

e órgãos regulamentadores, para informação científica, utilizando


mencionar alguns. como modelo as plantas
geneticamente modificadas – PGMs
Nesse cenário, a Empresa Brasileira estudadas pela Empresa.
de Pesquisa Agropecuária
– Embrapa reconheceu a As PGMs da Embrapa e o
necessidade de contribuir mais Projeto BioSeg
intensamente no processo de
desenvolvimento de OGMs. O conjunto de PGMs desenvolvidas
A Embrapa dá maior ênfase à pela Embrapa, com vários
avaliação de riscos ambientais parceiros, incorpora características
e segurança alimentar desses específicas determinadas pelos
organismos, especialmente pela diferentes genes inseridos em
carência de resultados gerados cultivares brasileiras. Essas PGMs
no País e pela importância de se devem atender aos requisitos de
dispor de protocolos de avaliação biossegurança estabelecidos por lei
cuidadosamente desenhados e assegurar que apresentarão níveis

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 111


adequados de segurança alimentar pelo Bean golden mosaic virus
e ambiental, contribuindo com a (BGMV).
sustentabilidade agrícola.
• Mamão (Carica papaya L.)
São muitos os OGMs sendo resistente à mancha-anelar
desenvolvidos pela Embrapa nos causada pelo Papaya ringspot
seus 37 centros de pesquisa, mas virus (PRSV).
apenas as PGMs cujos eventos
• Soja (Glycine max L.) tolerante a
elite estavam identificados até 2001
herbicida (glifosato).
participam da BioSeg. Ademais,
as PGMs selecionadas atendem Os elementos-chave da BioSeg
a, pelo menos, um dos seguintes são:
critérios: apresentam possibilidade
1. Desenvolver e implementar
de ser produzidas em vários protocolos de biossegurança
sistemas de produção em âmbito por meio de uma rede dinâmica,
nacional ou regional; necessitam de envolvendo capacidades
atenção especial pela presença de já instaladas nos países
parentes silvestres ou plantas para pertencentes ao quadro da
as quais há especial cuidado com Embrapa e de instituições
relação a fluxo gênico; utilizam uma parceiras.
diversidade de processos na cadeia
produtiva como alimento. 2. Promover a comunicação
cientifica entre áreas de
Assim, fazem parte da BioSeg: conhecimento complementares.

• Algodão (Gossypium hirsutum L. 3. Favorecer uma revisão rápida


var. latifolium Hutch) resistente a e freqüente das metodologias
insetos. e análises propostas pela Rede
para as PGMs; incorporar novos
• Batata (Solanum tuberosum L.)
aspectos de segurança para o
resistente ao mosaico causado
ser humano e para o ambiente,
pelo Potato virus Y (PVY).
tão logo eles sejam detectados
• Feijão (Phaseolus sp.) resistente por qualquer grupo nacional ou
ao mosaico-dourado causado internacional.

112 A REDE DE BIOSSEGURANÇA DA EMBRAPA


Estrutura do Projeto mídia, entre outras atribuições.
BioSeg Atualmente, os membros do
CG são: Deise Maria Fontana
O projeto foi desenhado de Capalbo (coordenadora da
forma a promover a cooperação. Bioseg), Maria José Amstalden
A gerência, administrativa e de Sampaio (coordenadora-adjunta
pesquisa é baseada em: da Bioseg), Marilia Regini Nutti
(coordenadora-adjunta da
1. Um Comitê Externo
Bioseg), Eliana Maria Gouveia
– coordenado pela
Fontes (líder do PC Algodão),
Superintendência de P&D da
André Nepomuceno Dusi (líder
Embrapa – que acompanha o
do PC Batata), Josias Corrêa de
desenvolvimento técnico e os
Faria (líder do PC Feijão), Paulo
resultados obtidos.
Ernesto Meissner filho (líder do
2. Um Comitê Gestor – CG PC Mamão), Mariângela Hungria
composto por um coordenador (líder do PC Soja), Edison Sujii
e dois coordenadores adjuntos, (co-líder do PC Algodão), Paulo
cada um dos líderes de Projetos Eduardo de Melo (co-líder do
Componentes – PC da Rede e PC Batata), Murillo Lobo Júnior
seu co-líder, e dois secretários (co-líder do PC Feijão), Jorge
executivos, em um total de 15 Luiz Loyola Dantas (co-líder do
membros. O CG acompanha PC Mamão), Iêda de Carvalho
o desembolso de recursos, Mendes (co-líder do PC Soja),
Edson Watanabe (secretário-
participa e promove reuniões
executivo do CG) e Mônica
interativas das áreas de
Cibele Amâncio (secretária-
pesquisa, apresenta relatórios
executiva do CG).
de desempenho, orienta e
garante a implementação de 3. Líderes de Projeto Componente
normas e regulamentações – PC (um para cada PGM
pelos laboratórios envolvidos em estudo na Rede) que
na Rede, prepara dossiês e são responsáveis pelo grupo
formulários para autoridades de trabalho daquele PGM
de governo e contato com a especifico, que realiza e relata

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 113


os experimentos definidos e não-alvo, além da biodiversidade
coordena todas as atividades associada à cultura. Os estudos
gerenciais no âmbito de cada são realizados dentro da área
PC. cultivada de cada uma das
plantas em estudo, analisando-
Inicialmente baseados na
se os efeitos no ambiente acima
necessidade de gerar os dados
e abaixo do solo, considerando
requeridos pela Comissão Técnica o sistema de produção em uso
Nacional de Biossegurança – e o agroecossistema específico
CTNBio para a liberação comercial da cultura. O grupo que estuda a
de cada um dos produtos, o grupo segurança alimentar analisa fatores
também identifica necessidades como: composição do produto
de treinamento e capacitação dos a ser utilizado como alimento
membros da equipe, buscando (grão, fruto ou tubérculo), efeitos
suprir as demandas por melhor do processamento e cozimento,
esclarecimento da população. A expressão de proteínas em
BioSeg se apóia, até o momento, função do novo DNA (efeitos na
na capacidade já instalada de 12 funcionalidade, potencial tóxico e
centros de pesquisa da Embrapa alergenicidade) e outros aspectos.
estabelecidos em várias regiões Ensaios de laboratório e campo
do Brasil. Ademais, reconhecidos são propostos segundo o sistema
cientistas de universidades e regulatório brasileiro para cada
instituições de pesquisa nacionais caso. Os estudos de segurança
e internacionais têm apresentado ambiental e alimentar poderão ser
valiosa colaboração. Todos ampliados em função da natureza
juntos, eles constituem um grupo das diferenças ou impactos
multidisciplinar que se dedica observados.
ao estudo dos cinco produtos
indicados anteriormente – algodão, Atividades já realizadas
batata, feijão, mamão e soja.
Em face do embate legal originado
O grupo que estuda a segurança em 2001 com a determinação
ambiental avalia o impacto de judicial da necessidade de
cada PGM a organismos alvo e licenciamento ambiental para

114 A REDE DE BIOSSEGURANÇA DA EMBRAPA


condução de ensaios em campo, Embrapa e de instituições de
as atividades da Bioseg que licenciamento e fiscalização
dependiam de autorização em biossegurança de PGM,
específica, como a liberação como o Instituto Brasileiro do
planejada no meio ambiente, Meio Ambiente e dos Recursos
sofreram um atraso. Os estudos Naturais Renováveis – Ibama e a
só foram retomados ao fim de Comissão Técnica Nacional de
2003, com as autorizações para os Biossegurança — CTNBio, foi
ensaios de mamão, feijão e batata realizado em Brasília, em junho de
(Fig. 1). 2005, o Primeiro Curso de Análise
de Risco de Plantas Geneticamente
No âmbito da Bioseg, dando Modificadas (Fig. 2). Um segundo
continuidade ao propósito de curso ocorreu em agosto de 2005
qualificação de pessoal da em Campinas, SP.

Fig 1. Ensaios de campo de batata


(Embrapa Hortaliças, DF), feijão (Embrapa
Arroz e Feijão, GO) e mamão (Embrapa
Mandioca e Fruticultura, BA).

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 115


Ainda em junho de 2005, foi de todos os PCs da Bioseg e teve
promovido em Campinas o primeiro como objetivo uma discussão e
encontro de toda a equipe do revisão de todos os protocolos que
projeto que atua em atividades estão utilizados nos diferentes PCs.
ligadas à segurança ambiental Um encontro da área alimentar foi
de PGM (Fig. 3). O encontro, realizado em setembro de 2005,
denominado Workshop Ambiental, no Rio de Janeiro, com o mesmo
reuniu mais de 40 participantes objetivo.

Fig. 2. Encerramento do Primeiro Curso de Análise de


Risco de Plantas Geneticamente Modificadas, Brasília,
junho de 2005.

Fig. 3. Equipe da Bioseg presente no Workshop Ambien-


tal realizado em junho de 2005, em Campinas, SP.

116 A REDE DE BIOSSEGURANÇA DA EMBRAPA


Resultados esperados macroprogramas da Embrapa têm
sido encaminhadas ao CG para
Com o desenvolvimento da BioSeg, uma análise preliminar. A SPD tem
alguns resultados e impactos também sugerido que a Bioseg
podem ser esperados. Como seja mais abrangente que o projeto
impactos diretos, a Embrapa atual e envolva todo o trabalho
contará com dados suficientes com OGM na Embrapa. Entretanto,
para submeter às autoridades esse tópico ainda carece de uma
nacionais para consideração
maior discussão entre CG da
sobre a segurança (alimentar e
Bioseg e a SPD para que se tenha
ambiental) de algumas das PGMs
o melhor encaminhamento da
em estudo, permitindo, inicialmente,
questão.
a experimentação em campo, e,
posteriormente, que seja pleiteada
a liberação comercial em fase
Considerações finais
posterior. Como impactos indiretos, O rápido avanço da biotecnologia
uma vez estabelecida, a Rede, com moderna moldará as próximas
a experiência adquirida, será um décadas em seu desenvolvimento
grupo de referência para futuras econômico. Com a autorização de
consultas nacionais, capaz de testes em campo de vários OGMs
rapidamente organizar discussões (grãos, produtos e derivados),
e preparar um cenário de impactos os cientistas aprenderão mais
previsíveis para outros OGMs que
sobre como manejar os riscos e
vierem a ser desenvolvidos.
as implicações socioeconômicas
Ao longo do desenvolvimento do uso de OGM. Os países
do projeto, a Bioseg vem em desenvolvimento estão se
recebendo uma demanda da capacitando para avaliar as
Superintendência de Pesquisa aplicações dessa tecnologia em
e Desenvolvimento – SPD para seu território, o que levará cada
suporte na avaliação da carteira um desses países a desenvolver
de projetos da Embrapa. Todas as um formato mais adequado para
propostas de projeto que envolvem a discussão dos aspectos de
OGMs que são submetidas aos biossegurança com a sociedade.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 117


Nos últimos 15 anos, no Brasil, visando a permitir um salto no
muitos outros itens foram desenvolvimento dos trabalhos com
associados ao uso da modificação OGMs.
genética em plantas, de tal forma
Uma rede de biossegurança,
que, ultimamente, as discussões
como a BioSeg, que vem sendo
politizadas dominam o cenário
desenvolvida pela Embrapa, pode
e os princípios e resultados da
fortalecer a busca por soluções a
ciência raramente prevalecem nas
problemas críticos, endereçando-os
considerações finais. Ao mesmo
com maior segurança para predizer
tempo em que os diferentes setores
os impactos potenciais, positivos
da sociedade estão discutindo
e negativos, para o ambiente e a
esses tópicos, acontece a expansão
alimentação.
da área plantada com PGM,
indicando que a análise de risco
ambiental se tornará uma ciência
Agradecimentos
proativa em vez de ser reativa. O projeto em Rede BioSeg é
financiado pela Embrapa (vinculada
Os próximos anos, em particular
ao Ministério da Agricultura,
para o caso do Brasil, serão
Pecuária e Abastecimento) e pela
um período de desafios para
Finep/Fundo de Biotecnologia
se atender às necessidades
(agência financiadora vinculada ao
de melhor capacitação de
Ministério de Ciência e Tecnologia).
pesquisadores (incluindo em
áreas de conhecimento como Os autores agradecem aos
análise de risco e monitoramento membros do projeto por sua
de experimentos em campo), colaboração em diferentes etapas
e também aos investimentos, de desenvolvimento da Bioseg.

118 A REDE DE BIOSSEGURANÇA DA EMBRAPA


CAPÍTULO 8

AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A
MICROBIOTA DO SOLO
FÁBIO BUENO DOS REIS JUNIOR
IÊDA DE CARVALHO MENDES
AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO
SOLO
Introdução genes têm sido inseridos em
grande número de culturas a fim de
Em apenas um grama de solo que expressem novas e desejáveis
podem ser encontradas cerca características. Esses genes e seus
de 10 mil espécies de bactérias produtos, eventualmente, serão
(TORSVIK; OVREAS, 2002). liberados nos solos, possibilitando
Sem dúvida, o maior celeiro de oportunidades de ocorrer interação
genes no planeta reside na fração com a comunidade microbiana
microbiana da biodiversidade. (Fig. 1). Donegan et al. (1995)
Os microrganismos presentes no sugerem que alterações não
solo representam papel-chave esperadas nas características
na ciclagem de nutrientes e na das plantas, resultantes de
manutenção de sua fertilidade, modificações genéticas possam,
além de desempenhar funções igualmente, causar impacto
como agente de controle biológico sobre a microbiota do solo.
de doenças e pragas da agricultura, Sendo assim, as comunidades
biorremediadores de poluentes, microbianas, associadas a plantas
promotores de crescimento geneticamente modificadas, podem
de plantas. Esses organismos ser diferentes das plantas que não
podem apresentar, também, alto sofreram modificações.
valor biotecnológico, sendo um
manancial de fármacos, corantes, O desenvolvimento e o uso
enzimas e ácidos orgânicos, entre de plantas transgênicas têm
muitos outros produtos ainda promovido acalorado debate
inexplorados. público nos últimos anos. As
plantas transgênicas representam
As primeiras plantas transgênicas uma promessa para incrementar o
foram desenvolvidas ainda nos desenvolvimento do setor agrícola.
anos 1980. Desde então, diferentes No entanto, seu potencial para

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 121


apresentar riscos indesejáveis plantas sobre a comunidade
não é completamente conhecido. microbiana do solo é uma das
Infelizmente, os organismos do áreas mais carentes de informações
solo nem sempre são lembrados quando o assunto é biossegurança.
nos debates e nos estudos Na maioria dos casos, isso
que envolvem o uso de plantas acontece em razão das dificuldades
transgênicas e seus riscos inerentes aos estudos que
potenciais. O potencial impacto, envolvem esses organismos.
direto ou indireto, do uso dessas

Planta transgênica
com gene RH expresso
em todos os tecidos

Transgene
Ex: gene RH

Resíduos Plantio direto


Transgene na superficie

Cultivo convencional
Exsudados radiculares Transgene misturado
Transgene na rizosfera ao solo

Fig. 1. Possíveis locais de interação entre transgenes e a comunidade microbiana do solo.


RH, gene que confere tolerância a hebicida.
Fonte: Adaptado de Dunfield e Germida (2004).

122 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


Além de o sistema solo ser nos procedimentos de avaliação
extremamente complexo e de impacto e a determinação de
heterogêneo, é impossível para os variações que possam ocorrer
pesquisadores, com a utilização naturalmente são fatores-chave
de métodos microbiológicos para uma boa interpretação dos
clássicos, cultivar ou identificar a resultados.
grande maioria dos microrganismos
É importante salientar que as
presentes. No entanto, com o
plantas transgênicas e os sistemas
auxílio de avanços metodológicos,
agrícolas em que elas serão
especialmente a introdução de
técnicas de biologia molecular, introduzidas demandam avaliações
novas estratégias para o estudo caso a caso. A complexidade
das comunidades microbianas e o dos solos e a multiplicidade de
possível efeito do cultivo de plantas papéis desempenhados pelos
transgênicas sobre elas têm sido microrganismos forçam os
desenvolvidas e utilizadas. pesquisadores a fazer escolhas
como quais as espécies ou grupos
Com o auxílio dessas técnicas, e quais as funções ou propriedades
nos últimos anos, tem-se visto um deverão ser mais bem examinados.
incremento no número de estudos
dedicados a observar os possíveis Além do efeito direto decorrente da
efeitos de plantas transgênicas expressão da proteína introduzida
sobre os microrganismos do solo durante a transformação, existe a
(DUNFIELD; GERMIDA, 2004; probabilidade de aparecimento de
MOTAVALLI et al., 2004; BRUINSMA efeitos não esperados que resultam
et al., 2003). Todavia, é preciso da inserção do transgene no
ressaltar que nenhuma técnica é genoma. Se essa inserção ocorrer
infalível, e a aplicação de estudos no meio de uma região codificadora
polifásicos dará uma visão mais de proteína, sua expressão pode
apropriada dos efeitos das plantas ser inviabilizada. Se o transgene for
geneticamente modificadas inserido entre uma região promotora
quando comparada ao uso de uma e uma região codificadora, essa
metodologia isolada. Aliados a isso, região poderá ficar sob a regulação
o uso de controles apropriados do promotor que acompanha o

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 123


transgene, modificando dessa • O que já é conhecido sobre
maneira o padrão de expressão a comunidade microbiana
daquele gene (RUMJANEK et presente e suas funções-chave
al., 2005). Caso uma proteína no solo? Existe algum grupo
vital não seja mais produzida, a ou processo particularmente
sobrevivência do organismo estará importante, dominante ou
em risco. Todavia, além dessa vulnerável?
situação extrema, é possível que
• Qual é a natureza e qual
haja alteração na síntese de outras é a origem do(s) gene(s)
proteínas que podem se refletir introduzido(s) na planta?
nas vias metabólicas, produzindo Quando e em qual(is) órgão(s)
modificações imprevisíveis esse gene será expresso?
(RUMJANEK et al., 2005). Nesse
cenário, cada transgênico deve ser • O modo de ação do material
estudado não só quanto à eficiência genético inserido age sobre
da característica introduzida, como um organismo específico ou
também quanto à possibilidade de confere-lhe uma propriedade
impacto ambiental e de segurança mais geral que pode afetar uma
gama maior de organismos?
alimentar decorrentes das
alterações inesperadas (CELLINI et • Como se dá a exposição dos
al., 2004). microrganismos do solo ao
produto da transformação
Para estudos de impacto do uso
genética? Quão longa é essa
de plantas transgênicas sobre
exposição?
os microrganismos do solo,
Bruinsma et al. (2003) apresentam As respostas a essas perguntas
as seguintes questões a serem devem ajudar a determinar quais
consideradas: microrganismos do solo ou
processos podem ser afetados
• Quais são as condições
pela introdução de uma planta
ambientais em que as plantas
transgênica específica. Porém,
transgênicas serão introduzidas
nosso conhecimento sobre os
(tipo de solo, pH, vegetação
efeitos potenciais ainda será
nativa)?

124 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


incompleto e efeitos inesperados por serem acessíveis experimental-
não podem ser descartados. mente e apresentarem característi-
Portanto, alguns parâmetros podem cas importantes e reconhecidas no
ser verificados em todos os casos, sistema solo. São eles:
a fim de englobar mudanças no
• Fungos micorrízicos: as
solo não ligadas diretamente à
associações micorrrízicas
previsão obtida com as repostas
podem ser bastante sensíveis
àquelas cinco perguntas anteriores.
a diversos fatores, incluindo
Deve-se identificar e buscar perturbações físicas, uso
grupos de microrganismos de fertilizantes e alterações
específicos e processos que nas espécies de plantas em
aparentemente possam ser determinada área.
susceptíveis à introdução de
uma planta transgênica, levando • Bactérias diazotróficas
em consideração a origem e (fixadoras de N2): também são
a função do gene inserido e o sensíveis a alterações que
conhecimento do ambiente em que ocorrem no sistema solo. Têm
papel de destaque no ciclo
essas plantas serão introduzidas.
do N e vários métodos estão
Seria interessante utilizar, também,
disponíveis para que possam
análises mais gerais que pudessem
ser estudadas.
detectar efeitos fora do escopo dos
grupos e processos previamente • Bactérias nitrificadoras: o
escolhidos. Tais análises deveriam processo de nitrificação,
avaliar a comunidade microbiana importante na ciclagem do N
em sua totalidade, de preferência do solo, parece ser limitado a
com uma combinação de um número restrito de bactérias
metodologias. Se essas análises autotróficas (HOOPER, 1990)
revelassem efeitos inesperados, e estresses ambientais podem
esses poderiam ser examinados afetar severamente sua atividade
mais detalhadamente. (ATLAS; BARTHA, 1998).

Bruinsma et al. (2003) citam alguns • Fungos decompositores: a


grupos como potenciais indicadores baixa redundância desse

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 125


grupo de organismos, sua Entre os potenciais efeitos do uso
sensibilidade e a importância de plantas transgênicas sobre
do processo de degradação a microbiota do solo, estão:
da lignina são características alterações na atividade e na
de um bom indicador (BODDY; diversidade de microrganismos
WATKINSON, 1995). em resposta a mudanças na
quantidade e na composição de
• Antagonistas (Pseudomonas
exsudados radiculares; alterações
spp.; Trichoderma): alterações
provocadas por mudanças no
nas populações desses manejo como aplicações de
organismos podem ter pesticidas e preparo do solo;
implicações importantes para mudanças genéticas e funcionais
a dinâmica de populações nos resultantes da transferência
solos (GYAMFI et al., 2002). horizontal de genes das plantas
No Brasil, alguns trabalhos transgênicas para microrganismos
envolvendo questões de do solo (DUNFIELD; GERMIDA,
biossegurança e plantas 2004; MOTAVALLI et al., 2004).
transgênicas estão sendo
conduzidos no campo. Esses Plantas transformadas
trabalhos são muito recentes, já para exsudação de novos
que as normas que regem esses
compostos
estudos foram definidas há pouco Oger et al. (2000) estudaram
tempo. Por essa razão, ainda não plantas modificadas (Lotus
existem resultados disponíveis corniculatos cv. Rodéo) para a
de estudos conduzidos no País. produção de opinas. As opinas
Portanto, neste capítulo, serão são geralmente compostos de
apresentados os resultados de baixo peso molecular, derivados
trabalhos conduzidos por diversos de aminoácidos ou açúcares,
pesquisadores estrangeiros, e podem ser utilizadas como
focando os parâmetros avaliados e fonte de nutrientes por algumas
as técnicas utilizadas para analisar bactérias. O estudo de Oger et
as comunidades microbianas. al. (2000) é baseado na seguinte

126 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


possibilidade: a exsudação de plantas pode ser reversível. Os
opinas pelas plantas transgênicas resultados apresentados nesse
favorece o crescimento de trabalho mostram que, mesmo
microrganismos que utilizam pequenas alterações, como a
esses compostos, garantindo produção de um simples composto
a eles uma vantagem seletiva adicional pela planta, podem levar a
sobre a porção da comunidade mudanças na microflora bacteriana
microbiana incapaz de utilizá-los. associada. No caso desse tipo de
Esses autores trabalharam com transformação em que existe uma
plantas transformadas (produtoras população microbiana que pode
de opinas) e não-transformadas ser claramente definida como alvo,
de Lotus corniculatus cv. Rodéo, foi possível demonstrar o efeito
em um experimento de casa de do cultivo de transgênicos apenas
vegetação. Depois de 20 semanas, avaliando essas populações, o
a contagem de bactérias totais que, no entanto, não elimina a
em meio de cultura foi similar possibilidade de efeitos sobre
para todos os tratamentos. No outros grupos microbianos,
entanto, o número de utilizadores especialmente, quando se
de opinas foi maior (até 475 vezes) considera a cadeia trófica
presente na comunidade do solo
ao redor do sistema radicular
(RUMJANEK et al., 2005).
das plantas transgênicas. A
remoção das plantas não levou
ao desaparecimento do padrão Plantas transgênicas
observado após a introdução das
resistentes a doenças
linhagens modificadas, pelo menos, As primeiras plantas transgênicas,
durante o período do experimento modificadas com a intenção de
(22 semanas). No entanto, melhorar a resistência contra
quando as plantas transgênicas bactérias fitopatogênicas nativas
foram substituídas pelas plantas- do solo, foram as batatas
controle, o número de utilizadores transformadas para produzir
de opinas tendeu a decrescer a Lisozima-T4, uma enzima
ao longo do tempo, mostrando bactereolítica detectada em
que o efeito produzido por essas diversas espécies de plantas,

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 127


buscando resistência contra Erwinia produtoras de AIA (ácido-indol-3-
carotovora subsp. atroseptica acético). Sete espécies de bactérias
(DÜRING et al., 1993). A princípio benéficas antagonistas a E.
descobriu-se que várias outras carotovora e a Verticillium dahliae,
bactérias ou fungos também são que representavam 9,7 % de todas
sensíveis a lisozima T4 in vitro as 124 antagonistas identificadas,
(DE VRIES et al., 1999). Dessa foram isoladas apenas das plantas-
maneira, a expressão da lisozima controle.
T4 apresenta potencial para
Em outro trabalho, Lottman et al.
promover alterações na estrutura
(2000) avaliaram o comportamento
das comunidades microbianas do
de duas estirpes de bactérias
solo.
antagonistas e produtoras de AIA,
Lottman et al. (1999) avaliaram Serratia grimesii L16-3-3
populações de bactérias do solo (isolada apenas de plantas controle
num experimento no qual foram e sensível a lisozima-T4 in vitro –
utilizadas duas linhagens (DL4 e LOTTMAN et al., 1999) e Pseudomonas
DL5) de plantas produtoras da putida QC14-3-8 (isolada de
T4 / lisozima; uma outra linhagem plantas de batata transgênicas e
(DC1) carregando a mesma tolerantes a lisozima – T4 in vitro
construção gênica, mas sem o – LOTTMAN et al., 1999). Essas
gene responsável pela produção bactérias com marcadores de
da lisozima e a variedade parental resistência à rifampicina foram
não transgênica DES como controle inoculadas em plantas de batata
não transformado. Os resultados transgênicas produtoras de
obtidos mostraram que o número lisozima-T4 (linhagem DL5), em
de bactérias aeróbias, associadas controle transgênico sem o gene
à rizosfera de plantas transgênicas da lisozima (linhagem DC1) e na
produtoras de lisozima, não linhagem-controle não transformada
foi significativamente diferente (DES). Avaliando a presença das
daquele obtido das plantas- estirpes inoculadas na rizosfera das
controle. O mesmo foi observado plantas pela contagem em placas
para populações de bactérias e a diversidade total de bactérias,
com propriedades antifúngicas e utilizando a técnica de eletroforese

128 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


em gel com gradiente desnaturante diferentes, com o intuito de buscar
(DGGE), os autores concluíram complementaridade entre elas. Na
que não houve efeito negativo da primeira abordagem, a abundância
lisozima-T4 sobre as bactérias da relativa das espécies bacterianas
riozosfera, incluindo aquelas que na rizosfera foi determinada com
foram inoculadas. Na verdade, base no cultivo e na caracterização
durante o período de florescimento, de isolados por análises do perfil
foram encontradas mais colônias de ácidos graxos; na segunda,
de Pseudomonas putida, tolerantes permitiu analisar o perfil catabólico
à lisozima, associadas à linhagem das comunidades utilizando
transgênica DL5. Nesse caso, microplacas Biolog GN (GARLAND;
os autores constataram que MILLS, 1991); e, na terceira,
a produção de lisozima pode fragmentos amplificados do gene
incrementar o estabelecimento de da região 16S rRNA, provenientes
bactérias tolerantes e, se essas do DNA total extraído da rizosfera
bactérias tiverem propriedades das plantas, foi analisado pela
antagonistas, podem promover técnica de DGGE ou por clonagem
efeitos sinergísticos. e seqüenciamento.

Heuer et al. (2002) conduziram A média do tamanho das


outro estudo de campo, em populações bacterianas na rizosfera
duas áreas distantes, por três das plantas, ao longo de dez
anos, mostrando que a estrutura coletas, não foi estatisticamente
da comunidade microbiana da diferente entre as linhagens
rizosfera de plantas transgênicas produtoras de lisozima e as
de batata T4-lisozima, linhagem plantas controle. O perfil catabólico
DL4, diferenciava-se de uma potencial da comunidade
segunda linhagem transgênica microbiana associada à rizosfera da
(DL5), do controle transgênico linhagem DL4 foi significativamente
sem o gene da lisozima (DC1) e da diferente das demais linhagens.
linhagem controle não transformada Bandas de DGGE, específicas
(DES). Nesse trabalho, as para linhagens produtoras de
comunidades bacterianas foram lisozima ou para plantas controle,
analisadas sob três abordagens não foram observadas, indicando

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 129


que linhagens diferentes ou detectadas diferenças no número
a produção de lisozima não e na diversidade das bactérias;
afetaram a abundância de no entanto, esses efeitos não
espécies bacterianas na rizosfera. pareceram ser resultado direto da
Diferenças na composição de produção da lisozima (LOTTMANN;
espécies ou gêneros, acessados BERG, 2001; HEUER et al., 2002).
com o seqüenciamento, não foram Os autores concluíram que o
consistentes. Porém, comparadas efeito da lisozima foi apenas
a outras linhagens, notou-se um fator menor comparado às
grande abundância do gênero mudanças naturais que ocorreram
Pseudomonas na rizosfera de DL4 nas comunidades microbianas
(HEUER et al., 2002). Os autores dos solos (HEUER et al., 2002).
desse trabalho destacaram que Essa conclusão foi baseada em
fatores ambientais tiveram maior resultados de vários projetos
influência sobre a estrutura da relacionados, oferecendo uma
comunidade microbiana do que a quantidade robusta de dados,
natureza transgênica das plantas. em virtude da natureza polifásica
As diferenças apresentadas pela das metodologias aplicadas,
linhagem DL4 parecem estar mais da utilização de controles
ligadas a outras características (testemunhas) necessários e de
dessas plantas que apresentaram análises ao longo de várias épocas
significativamente uma biomassa e anos.
radicular reduzida, colmos mais
Cowgill et al. (2002) estudaram
curtos e folhas menores em plantas
o efeito, sobre microrganismos
jovens, além de um progresso mais
do solo, do cultivo de plantas de
rápido de senescência em plantas
batata transgênica com expressão
mais velhas.
de cistatinas (inibidores cisteína
Nessa série de estudos, nos proteinase) que conferem
quais foram aplicados métodos resistência parcial a nematóide de
dependentes do cultivo dos cisto. No primeiro ano de estudo,
microrganismos e métodos foram avaliadas duas linhagens
independentes de cultivo (métodos transgênicas (D6/7 e D5/13)
de biologia molecular), foram que continham seqüências que

130 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


codificavam para uma cistatina foi observada uma alteração
presente em ovos de galinha na estrutura da comunidade
(CEWc) (URWIN et al., 2001). microbiana em algumas situações.
Já no segundo ano, a linhagem Na última coleta, a quantidade de
transgênica (D9/31) continha uma ácidos graxos relativos a fungos
versão modificada da cistatina foi incrementada na rizosfera
encontrada em arroz (Oc-IΔD86) da linhagem D6/7. Porém, não
(URWIN et al., 2001). Também foram encontrados ácidos graxos
no segundo ano, foram feitas de fungos em solo de rizosfera
comparações entre o cultivo da linhagem D5/13, sugerindo
da linhagem transgênica e a que o crescimento de fungos foi
utilização de nematicidas à base de significativamente inibido pelo
carbamato. Durante os dois anos, a cultivo dessa linhagem (COWGILL
cultivar Desirée, não transformada, et al., 2002). No segundo ano
foi utilizada como controle. As de estudo, a quantidade total de
plantas foram cultivadas em solo ácidos graxos foi reduzida nos
infestado com nematóides-de-cisto tratamentos contendo plantas
das espécies Globodera pallida e G. transgênicas ou onde o carbamato
rostochiensis. A atividade (medida foi aplicado. Os ácidos graxos
por meio da respiração basal) e a relacionados aos fungos foram
estrutura da comunidade microbiana reduzidos apenas nos tratamentos
(análise do perfil de ácidos graxos) com plantas transgênicas, enquanto
foram avaliadas em três diferentes aqueles relacionados a bactérias
coletas durante o crescimento da foram reduzidos em ambos os
cultura. tratamentos: plantas transgênicas
Os resultados do trabalho descrito ou carbamato. No entanto, a maior
acima revelaram que, no primeiro parte das variações foi atribuída
ano de estudo, não houve aos períodos de coleta. Os autores
diferenças quanto ao total de ácidos não souberam explicar como as
graxos ou atividade microbiana cistatinas produzidas pelas plantas
entre solos coletados sob cultivo de transgênicas apresentaram efeitos
plantas transgênicas ou o controle adversos sobre os microrganismos.
não transformado. No entanto, Eles sugerem, no entanto,

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 131


que as alterações observadas, de raízes R. solani, mas foram
provavelmente, são resultado normalmente colonizadas pelo
de alterações na composição de fungo micorrízico. Esses efeitos
exsudados radiculares das plantas distintos, provavelmente, derivam
transgênicas e não da inibição das diferenças de susceptibilidade
da atividade de proteinases da quitina das paredes celulares
microbianas. desses fungos.

Vierheilig et al. (1993) estudaram Turrini et al. (2004) avaliaram os


os efeitos de plantas transgênicas efeitos de plantas de berinjela
da espécie Nicotiana sylvestris (Solanun melongena) transformadas
sobre organismos específicos, para a expressão de uma
importantes para a cultura. Essas proteína antifúngica (Dm-AMP1),
plantas foram transformadas conhecida como defensina.
para a expressão de quitinase, As plantas transformadas
visando melhorar suas defesas mostraram resistência ao fungo
contra fungos fitopatogênicos patogênico Botrytis cinerea, cujo
que contenham quitina. Todavia, desenvolvimento nas folhas foi
fungos benéficos, como os reduzido de 36 % a 100 %, em
micorrízicos, também poderiam comparação com as plantas
ser afetados. Para testar essa controle não transformadas.
hipótese, plantas transgênicas Em bioensaios feitos no
de Nicotiana sylvestris foram laboratório, mostrou-se que a
inoculadas com fungos micorrízicos defensina foi liberada por meio
(Glomus mosseae), fungos de exsudados radiculares das
fitopatogênicos (Rhizoctonia solani) plantas transgênicas, o que não
ou com ambos os microrganismos. interferiu no estabelecimento da
Os níveis de infecção foram simbiose com o fungo micorrízico
estimados com a utilização de um arbuscular Glomus mosseae. Por
estereomicroscópio de acordo sua vez, o crescimento do fungo
com o método das interseções. patogênico Verticillium albo-atrum
As plantas modificadas tiveram foi reduzido (49 % a 71 %). Os
redução na susceptibilidade autores afirmam que as razões de
à colonização pelo patógeno o fungo micorrízico não ter sido

132 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


afetado pela defensina ainda devem do solo que estão associadas a
ser estudadas. No entanto, como populações de microrganismos
as defensinas estão entre vários (RUMJANEK et al., 2005).
compostos de defesa produzidos
Alguns estudos foram conduzidos
por diferentes plantas, há hipóteses
visando a observar os possíveis
de que os fungos micorrízicos
efeitos do cultivo de plantas de
arbusculares tenham desenvolvido
milho transgênico contendo o
tolerância a esse tipo de proteína.
gene Cry1Ab de B. thuringiensis,
que codifica para a produção de
Plantas transgênicas uma proteína inseticida que mata
resistentes a pragas pragas da ordem lepdoptera.
Muitas espécies de plantas Um dos resultados apresentados
importantes para a agricultura têm nesses estudos destaca que a
sido transformadas para produção toxina inseticida originária dos
de endotoxinas originárias de exsudados de raízes, assim como
diferentes subespécies da bactéria do pólen e resíduos das culturas,
Bacillus thuringiensis (Bt). Apesar pode ligar-se rapidamente a
de a maioria dessas toxinas minerais de argila, ácidos húmicos
apresentar especificidade, seus e complexos organominerais que
efeitos em organismos não-alvo protegem a toxina da degradação
ainda não foram completamente microbiana (SAXENA et al., 2002).
avaliados. A toxina do milho Bt, A toxina ligada retém sua atividade
por exemplo, é introduzida no solo inseticida e sua persistência no
por meio da exsudação radicular solo e pode ser observada até
e incorporação dos resíduos da 234 dias (SAXENA et al., 1999).
cultura após a colheita. Uma vez Como resultado de sua ligação a
no solo, a toxina pode apresentar superfícies de partículas do solo,
efeitos diretos sobre a comunidade as toxinas podem ser acumuladas
microbiana, o que ainda não foi no ambiente em concentrações
comprovado, ou efeitos indiretos, que poderiam constituir malefícios
uma vez que a ação inseticida para organismos não-alvo, entre
da toxina pode interferir em eles os microrganismos. Todavia,
populações específicas da fauna a presença da toxina inseticida

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 133


de culturas Bt, geralmente, caso do milho, Saxena e Stotzky
não tem apresentado efeitos (2001b) mostraram que plantas Bt
significativos sobre as populações apresentaram maiores teores de
de organismos do solo. Saxena e lignina quando comparadas com
Stotzky (2001a) não observaram suas isolíneas não-transgênicas
nenhum efeito aparente da e, logicamente, isso pode ter
toxina de milho Bt aderida aos influência sobre as taxas de
solos em minhocas, nematóides, decomposição da biomassa
protozoários, bactérias (incluindo dessas plantas. Essas diferenças
actinomicetos) e fungos. podem ser resultado de um efeito
inesperado da transgenia, uma
Flores et al. (2005) conduziram um
estudo sobre a decomposição, vez que a introdução do DNA que
no solo, da biomassa de plantas codifica a toxina Bt não deveria
trangênicas Bt visando a compará-la estar interferindo com a síntese de
à das plantas não-transgênicas. Os lignina (RUMJANEK; FONSECA,
resultados obtidos apontam para 2003). A relevância ambiental e
uma menor decomposição das ecológica dessas observações
plantas Bt. Os autores destacam também não é clara. A menor
que aparentemente isso não foi decomposição da biomassa de
resultado de inibição da atividade plantas Bt poderia trazer benefícios,
dos microrganismos do solo, já já que a matéria orgânica derivada
que as populações de bactérias dessas plantas poderia persistir por
e fungos, assim como a atividade mais tempo e acumular em altos
de enzimas representativas níveis no solo, podendo melhorar
daquelas que estão envolvidas sua estrutura e reduzir a erosão.
no processo de decomposição, Em contraste, a persistência da
não foram consistentes ou biomassa dessas plantas poderia
significativamente diferentes estender o tempo em que as
entre as plantas transgênicas e toxinas estariam presentes no
não-transgênicas. As razões para solo, aumentando a possibilidade
essa menor biodegradação da de prejuízos a organismos não-
biomassa de plantas Bt ainda alvo e a seleção de insetos-praga
não é conhecida. No entanto, no resistentes à toxina (FLORES et al.,

134 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


2005; FERRÉ et al., 1995). fosfato liase que hidroliza o glifosato
formando sarcosina e fosfato
Plantas transgênicas inorgânico, permitindo que elas
tolerantes a herbicidas utilizem esse fosfato como fonte de
fósforo.
Um efeito em potencial da
aplicação de herbicidas é A inibição do crescimento de
o estímulo ou a inibição da fungos micorrízicos pela aplicação
comunidade microbiana e dos de glifosato foi demonstrada por
processos por ela mediados. De Chakravarty e Chatarpaul (1990),
modo geral, herbicidas aplicados quando esses microrganismos
nos solos afetam potencialmente a foram expostos a concentrações
microbiota do solo, como acontece maiores que 50 μL de ingrediente
com qualquer composto químico ativo (ia) L-1 em meio de cultura.
introduzido em um ambiente No entanto, como o glifosato tem
natural. vida relativamente curta no solo,
é esperado que, em estudos
Herbicidas cujo ingrediente ativo
de campo, a toxidez observada
é o glifosato inibem a síntese
seja menor que em estudos
dos aminoácidos aromáticos,
de laboratório. Sendo assim,
portanto, seu efeito tóxico sobre
experimentos de campo são
as comunidades microbianas do
necessários para validar os dados
solo pode ocorrer em virtude da
obtidos com a utilização de testes
paralisação da síntese desses
em meio de cultura.
aminoácidos nos microrganismos
que possuem a mesma enzima Ao contrário dos resultados obtidos
sensível (EPSPS) das plantas. em laboratório, a aplicação de
No entanto, várias espécies de glifosato, na maioria dos estudos
bactérias do solo são capazes de campo, ou não mostra efeitos
de metabolizar o glifosato, por ou apresenta pequeno estímulo
exemplo, Pseudomonas sp. sobre os microrganismos do
(JACOB et al., 1988) e Arthrobacter solo (BUSSE et al., 2001). Essa
sp. (PIPKE et al., 1987). Essas discrepância entre esses estudos
bactérias possuem uma carbono- pode ser explicada parcialmente

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 135


pelas altas concentrações de respiração dos solos foi medida em
herbicidas utilizadas em grande bioensaios no laboratório 10 dias
parte dos trabalhos em laboratório. após a aplicação de glifosato como
As diferenças na toxicidade do ingrediente ativo (0 mg kg-1,
glifosato entre os meios de cultura 5 mg kg-1, 50 mg kg-1,
artificiais e o solo aparentemente 500 mg kg-1) ou formulação
refletem sua natureza química, comercial (0 mg ia kg-1, 5 mg ia kg-1,
sua toxicidade e característica 50 mg ia kg-1, 500 mg ia kg-1,
de um composto polar que pode 5.000 mg ia kg-1). Diferentemente
ser rapidamente inativado nos do que ocorreu nos estudos
solos pela adsorção físico-química com meio de cultura, o glifosato,
(BUSSE et al., 2001). quando aplicado em concentrações
equivalentes àquelas recomendadas
Busse et al. (2001) usaram
no campo, não apresentou
diferentes estratégias para avaliar
efeitos sobre a respiração dos
os possíveis efeitos tóxicos do
solos, que foi estimulada quando
glifosato sob a comunidade
concentrações mais elevadas foram
microbiana do solo, utilizando
empregadas. Esse estímulo pode
áreas de plantio de pinheiros que
ter sido a expressão de populações
incluíam tratamentos com histórico
de organismos capazes de
de 13 anos com aplicações anuais
degradar o glifosato sob condições
de glifosato. Os efeitos diretos
de saturação.
do glifosato sobre a comunidade
microbiana dos solos estudados Nos trabalhos de campo, as
foram avaliados com a utilização características microbiológicas do
de meios de cultura com diferentes solo na profundidade de 0 cm a
concentrações de glifosato (0 mM, 10 cm geralmente foram inalteradas
25 mM, 50 mM e 500 mM). Essa após 9 ou 13 anos de uso contínuo
adição do glifosato ao meio de do glifosato (BUSSE et al., 2001).
cultura resultou na redução do Os efeitos do glifosato foram
número de bactérias cultiváveis e mínimos quando comparados
fungos obtidos das amostras de aos efeitos das áreas (diferenças
solo dos plantios de pinheiros. entre solos) e datas de coletas que
Nesse mesmo trabalho, a mostraram maior influência sobre

136 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


o tamanho das populações e sua contagem em placas com meio
atividade. Esses experimentos de de cultura, análise do perfil de
campo incluíram comparações ácidos graxos (FAME) e padrões
entre solos com diferentes catabólicos das comunidades
quantidades de argila, óxidos e microbianas (Biolog — PCCM).
matéria orgânica, em plantações Nenhuma das variedades de canola
de pinheiros que variavam de afetou significativamente o número
pouco a muito produtivas, no norte total de unidades formadoras de
do Estado da Califórnia (Estados colônia da rizosfera e do interior
Unidos). Os resultados foram das raízes. Todavia, os resultados
geralmente consistentes para apresentados demonstraram
todos os índices, solos e datas de que a variedade transgênica
coleta e mostraram que aplicações Quest mostrou uma comunidade
simples ou repetidas de glifosato, microbiana, associada a sua
nas concentrações recomendadas, rizosfera, diferente das demais
tiveram pouco efeito sobre as variedades estudadas (transgênicas
comunidades microbianas. e não-transgênicas). É importante
ressaltar que a variedade Quest
Para avaliar se a introdução
é a única resistente a glifosato,
do gene EPSPS resistente da
sendo as outras três variedades
Agrobacterium promoveria
transgênicas resistentes ao
alterações nas plantas que
glufosinato de amônio.
poderiam influenciar a microbiota
do solo rizosférico, Dunfield e Em 2003, Dunfield e Germida
Germida (2001) compararam quatro publicaram outro trabalho
variedades de canola transgênica semelhante, avaliando a
resistente a herbicida com quatro comunidade microbiana do solo
variedades convencionais que sob uma variedade geneticamente
foram cultivadas em quatro modificada (Quest), uma variedade
diferentes localidades no Canadá. convencional (Excel) e o solo não
A comunidade microbiana da cultivado. Em dois anos de estudo,
rizosfera dessas plantas foi em duas áreas diferentes, foram
caracterizada por três anos com feitas, a cada ano, seis coletas
a utilização das metodologias de ao longo do desenvolvimento

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 137


da cultura. Dessa vez, além do outras alterações no genoma da
PCCM e do FAME, foi incluída a planta que precisam ser objeto de
técnica de análise de restrição investigação. A caracterização de
dos fragmentos terminais do exsudados radiculares e estudos
DNA ribossomal (T-ARDRA), que adicionais com mais variedades
permite acessar informações glifosato-tolerantes poderiam ser
sobre a porção não-cultivável interessantes para confirmação do
da comunidade microbiana. Os que foi observado nesses trabalhos.
resultados apresentados sugerem
que as diferentes variedades Transferência horizontal
tiveram influência significativa sobre de genes
as análises de PCCM, FAME e
T-ARDRA. Entretanto, as alterações Dependendo da natureza do
na estrutura das comunidades transgene a ser introduzido no
microbianas em solos sob plantas ambiente, pode ser importante o
de canola transgênicas não foram monitoramento da transferência
permanentes. As diferenças horizontal de genes, especialmente,
observadas foram dependentes em populações microbianas com
da época de amostragem, por estreita relação com as plantas.
isso, as comunidades não foram Alguns estudos, em condições
diferentes ao longo de todo o de laboratório, já demonstraram
desenvolvimento da planta. a possibilidade da transferência
horizontal de genes de organismos
Nesses estudos, a variedade geneticamente modificados (OGMs)
(Quest) não foi comparada com sua
para microrganismos nativos do
parental não-transgênica; portanto,
solo (NIELSEN et al., 2000). No
não fica claro se essas diferenças
entanto, esse fenômeno ainda não
foram causadas pela modificação
foi relatado em experimentos de
genética (LYNCH et al., 2004).
campo (DUNFIELD; GERMIDA,
Essas diferenças, provavelmente,
2004).
podem ser decorrentes de
alterações não esperadas e indicam Para que ocorra transferência
que, nesse caso, não existe apenas horizontal de genes de plantas
o efeito do gene inserido, mas de transgênicas para as bactérias do

138 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


solo, o DNA liberado dos tecidos detecção de transformações à
e células da planta deve estar freqüências menores que 10-17.
disponível no solo e bastante Obviamente, nenhum trabalho
próximo a bactérias competentes. publicado até hoje mostrou esse
Isso se traduz em um fator bastante poder (HEINEMANN; TRAAVIK,
limitante para a ocorrência dessa 2004). Heinemann e Traavik (2004)
transferência de genes. Somando- acreditam que a possibilidade da
se ao fato da rápida degradação transferência horizontal de genes
inicial que o DNA das plantas e suas conseqüências têm sido
sofre no ambiente, a freqüência minimizadas em discussões sobre
da possível transferência de análises de risco do uso de plantas
algum de seus genes para os transgênicas. Ao contrário de
microrganismos provavelmente outros pesquisadores, eles afirmam
é bastante baixa, sendo restrita a que novas metodologias para o
microhabitats que contêm resíduos monitoramento da transferência
de tecidos dessas plantas e DNA horizontal de genes no ambiente,
complexado em partículas do mais sensíveis e representativas,
solo (GEBHARD; SMALLA, 1999; devem ser desenvolvidas
DUNFIELD; GERMIDA, 2004). A urgentemente.
persistência do DNA da planta
Quando a transferência horizontal
no solo está relacionada a vários
de genes é considerada em
fatores abióticos e bióticos, como
análises de risco, deve-se levar em
conteúdo e tipos de minerais
conta não apenas a possibilidade
de argila e presença de DNAse
da transferência em si, como
(GEBHARD; SMALLA, 1999).
também uma análise crítica de
Os métodos para monitorar a suas conseqüências para a saúde
transferência horizontal de genes e o ambiente. Em se tratando de
em amostras ambientais são segurança ambiental, deve ser
considerados pouco sensíveis. considerado o tipo de impacto
Segundo estimativas, para ser em um contexto ecológico e
relevante, a análise de risco geográfico. No caso de plantas
dessa transferência de genes transgênicas que expressam as
nos solos deveria permitir a toxinas Bt, por exemplo, a presença

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 139


natural de Bacillus thuringiensis que ocorrem nos solos.
nos solos foi considerada pela
Dunfield e Germida (2004)
Agência de Proteção Ambiental
concluíram, após revisão de vários
dos Estados Unidos da América
trabalhos, que os resultados
(EPA) como fator que reduz o
encontrados parecem indicar que
impacto da utilização dessas
a diversidade microbiana pode
plantas, mesmo se ocorresse
ser alterada quando associada
transferência horizontal de genes
com plantas transgênicas. No
para os microrganismos do solo
entanto, esses efeitos são menores
(MENDELSOHN et al., 2003).
em comparação com aqueles
proporcionados por fatores como
Considerações Finais o solo e o clima. Trabalhos futuros,
Bruinsma et al. (2003) destacam relativos a efeitos do cultivo de
que, para que possamos melhorar plantas transgênicas sobre os
nosso entendimento acerca microrganismos do solo, devem
desses resultados, necessitamos envolver experimentos de longa
avançar no conhecimento das duração e comparações não
comunidades microbianas do apenas com o cultivo de plantas
solo, pois ainda não conhecemos não-transgênicas, mas também
completamente todos os aspectos com outras alterações aceitáveis
funcionais dessas comunidades e nos agroecossistemas, como o
temos um conhecimento limitado cultivo de uma nova cultura não-
das variações naturais que transgênica ou a utilização de uma
ocorrem em repostas a fatores prática de manejo diferente.
como clima, rotação de culturas,
uso de fertilizantes, aplicação Todos concordam que existem
de agroquímicos. Motavalli et al. perigos em potencial e que há
(2004) afirmam que até o momento necessidade de regulamentação
nenhuma evidência conclusiva para que tais perigos sejam
foi apresentada mostrando que medidos de forma comparativa
o cultivo de plantas transgênicas e adequada, visando a decidir
esteja causando efeitos sobre o seu risco. Entretanto,
significativos sobre os processos não se pode esquecer que as

140 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


decisões sobre biossegurança avaliam a possibilidade de impacto
terão de ser tomadas na ausência de cada OGM sobre organismos-
de um conhecimento completo alvo e não-alvo, além da
sobre todos os efeitos benéficos biodiversidade associada à cultura.
e adversos que envolvem os São considerados os efeitos no
OGMs. E se houver algum risco, ambiente, acima e abaixo do solo,
as medidas regulatórias devem levando-se em consideração
permitir a decisão de como manejá- aspectos como os sistemas de
los ou contê-los (CAPALBO, 2005). produção e o agroecossistema
específico de cada cultura.
Com o intuito de atender a
demanda por conhecimentos A prática da agricultura representa
relacionados à biossegurança de impacto inevitável sobre o ambiente,
plantas transgênicas, a Embrapa portanto é necessário buscar o
iniciou em 2002 uma rede de melhor balanço entre a produção
pesquisa dedicada a avaliar tanto agrícola, a biodiversidade e as
a segurança alimentar quanto preocupações da sociedade. Nesse
o impacto ambiental advindos contexto, não se pode ignorar
do uso dessa tecnologia. Essa os avanços da biotecnologia,
rede multidisciplinar de pesquisa procurando utilizá-los de maneira
(Rede de Biossegurança de eficiente, responsável e segura.
OGM da Embrapa - BioSeg) tem
entre seus objetivos: desenvolver Referências
e implementar protocolos de
biossegurança, envolvendo
ATLAS, R. M.; BARTHA, R. Microbial
capacidades já instaladas no País;
ecology: fundamentals and
promover a comunicação científica applications. 4th ed. San Francisco:
entre áreas de conhecimento Benjamin Cummings, 1998.
complementares; favorecer uma
BODDY, L.; WATKINSON, S. C. Wood
revisão rápida e freqüente das decomposition, higher fungi, and their
metodologias e análises propostas role in nutrient redistribution. Canadian
para avaliação de OGMs. Os Journal of Botany, v. 73,
trabalhos que têm englobado p. S1377-S1383, 1995.
aspectos de segurança ambiental

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 141


BRUINSMA, M.; KOWALCHUK, G. A.; microbial activity: microbial population,
VAN VEEN, J. A. Effects of gennetically and in-vitro growth of ectomycorrhizal
modified plants on microbial fungi. Pesticide Science, v. 28, p. 233-
communities and processes in soil. 241, 1990.
Biology and Fertility of Soils, v. 37,
COWGILL, S. E.; BARDGETT, R. D.;
p. 329-337, 2003.
KIEZEBRINK, D. T.; ATKINSON, H.
BUSSE, M. D.; RATCLIFF, A. W.; The effect of transgenic nematode
SHESTAK, C. J.; POWERS, R. F. resistance on non-target organisms
Glyphosate toxicity and the effects of in the potato rhizosphere. Journal of
long-term vegetation control on soil Applied Ecology, v. 39, p. 915-923,
microbial communities. Soil Biology 2002.
and Biochemistry, v. 33, p. 1777-1789,
2001. DE VRIES, J.; HARMS, K.; BROER, I.;
KRIETE, G.; MAHN, A.; DURING, K.;
CAPALBO, D. M. F. Estado da arte em
WACKERNAGEL, W. The bacteriolytic
estudos de biossegurança ambiental
activity in transgenic potatoes
de organismos geneticamente
expressing the T4 lysozyme gene and
modificados e a prática da Embrapa.
the effect of T4- and hen egg-white
In: CURSO DE CAPACITAÇÃO EM
lysozyme on soil and phytopatogenic
ANÁLISE DE RISCO DE PLANTAS
bacteria. Systematic and Applied
GENETICAMENTE MODIFICADAS,
Microbiology, v. 22, p. 280-286, 1999.
2005, Brasília, DF. Anais... Brasília:
Embrapa, 2005. 1 CD-ROM. DONEGAN, K. K.; PALM, C. J.;
FIELAND, V. J.; PORTEUS, L. A.;
CELLINI, F.; CHESSON, A.;
GANIO, L. M.; SCHALLER, D. L.;
COLQUHOUN, I.; CONSTABLE,
A.; DAVIES, H. V.; ENGEL, K. H.; BUCAO L. Q.; SEIDLER, R. J. Changes
GATEHOUSE, A. M. R.; KARENLAMPI, in levels, species and DNA fingerprints
S.; KOK, E. J.; LEGUAY, T. J.; of soil microorganisms associated
LEHESRANTA, S.; NOTEBORN, H. with cotton expressing the Bacillus
P. J. M.; PEDERSEN, J.; SMITH, M. thuringiengis var. kurstaki endotoxin.
Unintended effects and their detection Applied Soil Ecology, v. 2, p. 111-124,
in genetically modified crops. Food and 1995.
Chemical Toxicology, v. 42, p. 1089- DUNFIELD, K. E.; GERMIDA, J. J.
1125, 2004. Impact of genetically modified crops
CHAKRAVARTY, P.; CHATARPAUL, L. on soil- and plant-associated microbial
Non-target efect of herbicides: I. Effect comunities. Journal of Environmental
of glyphosate and hexazinone on soil Quality, v. 38, p. 806-815, 2004.

142 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


DUNFIELD, K. E.; GERMIDA, J. J. GEBHARD, F.; SMALLA, K. Monitoring
Seasonal changes in the rhizosphere field releases of genetically modified
microbial communities associated sugar beets for persistence of
with field-grown genetically modified transgenic plant DNA and horizontal
canola (Brassica napus). Applied and gene transfer. FEMS Microbiology
Environmental Microbiology, v. 69, Ecology, v. 28, p. 261-271, 1999.
p. 7310-7318, 2003.
GYAMFI, S.; PFEIFER, U.;
DUNFIELD, K. E.; GERMIDA, J. J.
STIERSCHNEIDER, M.; SESSITSCH,
Diversity of bacterial communities in the
A. Effects of transgenic glufosinate-
rhizosphere and root interior of field-
tolerant oilseed rape (Brassica
grown genetically modified Brassica
napus) and the associated herbicide
napus. FEMS Microbiology Ecology,
v. 82, p. 1-9, 2001. application on eubacterial and
Pseudomonas communities in the
DÜRING, K.; PORSCH, P.; FLADUNG, rhizosphere. FEMS Microbiology
M.; LORZ, H. Transgenic potato plants
Ecology, v. 41, p. 181-190, 2002.
resistant to the phytopathogenic
bacterium Erwinia carotovora. Plant HEINEMANN, J. A.; TRAAVIK, T.
Journal, v. 3, p. 587-598, 1993. Problems in monitoring horizontal
gene transfer in field trials of transgenic
FERRÉ, J.; ESCRICHE, B.; BEL,
Y.; VAN RIE, J. Biochemistry and plants. Nature Biotechnology, v. 22,
genetics of insect resistance to Bacillus p. 1105-1109, 2004.
thuringiensis pesticidal crystal protein. HEUER, H.; KROPPENSTEDT, R. M.;
FEMS Microbiology Letters, v. 132, LOTTMANN, J.; BERG, G.; SMALLA,
p.1-7, 1995. K. Effects of T4 lysozyme release from
FLORES, S.; SAXENA, D.; STOTZKY, G. transgenic potaot roots on bacterial
Transgenic Bt plants decompose less rhizosphere communities are negligible
in soil than non-Bt plants. Soil Biology relative to natural factors. Applied and
and Biochemistry, v. 37, p. 1073-1082, Environmental Microbiology, v. 68,
2005. p. 1325-1335, 2002.
GARLAND J. L.; MILLS, A. L. HOOPER, A. B. Biochemistry of the
Classification and characterization of nitrifying litho-autotrophic bacteria. In:
heterotrophics microbial communities SCHLEGEl, H. G.; BOWIEN, B. (Ed.).
on the basis of patterns of community-
Autotrophic bacteria. Berlin: Springer,
level-sole-carbon-source-utilization.
1990. p. 239-265.
Applied and Environmental
Microbiology, v. 57, p. 2351-2359, JACOB, G. S.; GARBOW, J. R.;
1991. HALLAS, L. E.; KIMACK, N. M.;

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 143


KINSHORE, G. M.; SCHAEFER, MENDELSOHN, M.; KOUGH, J.;
J. Metabolism of glyphosate in VAITUZIS, Z.; MATTHEWS, K. Are Bt
Pseudomonas strain LBr. Applied and crops safe? Nature Biotechnology, v.
Environmental Microbiology, v. 54, 21, p. 1003-1009, 2003.
p. 2953-2958, 1988. MOTAVALLI, P. P.; KREMER, R. J.;
LOTTMANN, J.; BERG, G. Phenotypic FANG, M.; MEANS, N. E. Impact o f
and genotypic characterisation of genetically modified crops and their
antagonistic bacteria associated with management on soil microbially
roots of transgenic and non-transgenic mediated plant nutrient transformations.
potato plants. Microbiology Research, Journal of Enviromental Quality, v. 38,
v. 156, p. 75-82, 2001. p. 816-824, 2004.

LOTTMANN, J.; HEUER, H.; DE NIELSEN, K. M.; VAN ELSAS, J.


VRIES, J.; MAHN, A.; DURING, K.; D.; SMALLA, K. Transformation of
WACKERNAGEL, W.; SMALLA, K.; Acinetobacter sp. Strain BD413
BERG, G. Establishment of introduced (pFG4nptII) with transgenic plant
antagonistic bacteria in the rhizosphere DNA in soil microcosms and
of transgenic potatoes and their effect effects of kanamycin on selection
on the bacterial community. FEMS of transformants. Applied and
Microbiology Ecology, v. 33, p. 41-49, Environmental Microbiology, v. 66, p.
2000. 1237-1242, 2000.

LOTTMANN, J.; HEUER, H.; SMALLA, OGER, P.; MANSOURI, H.; DESSAUX,
K.; BERG, G. Influence of transgenic Y. Effect of crop rotation and soil cover
T4-lysozyme-producing potato onalteration of the soil microfolora
plants on potentially beneficial generated by the culture of transgenic
plant-associated bacteria. FEMS plants producing opines. Molecular
Ecology, v. 9, p. 881-890, 2000.
Microbiology Ecology, v. 29, p. 365-
377, 1999. PIPKE, R. N.; AMERHEIN, N.; JACOB,
G. S.; SCHAFFER, J.; MARVEL, J.
LYNCH, J. M.; BENEDETTI, A.;
T. Metabolism of glyphosate in an
INSAM, H.; NUTI, M. P.; SMALLA, K.;
Arthrobacter sp. GLP-1. European
TORSVIK, V.; NANNIPIERE, P. Microbial
Journal of Biochemistry, v. 165, p.
diversity in soil: ecological theories, the
267-273, 1987.
contribution of molecular techniques
and impact of transgenic plants and RUMJANEK, N. G.; FONSECA, M.
transgenic microorganisms. Bioloy C. Possíveis efeitos do cultivo de
and Fertility of Soils, v. 40, p. 363-385, algodoeiro Bt sobre a comunidade de
2004. microrganismos do solo. In: PIRES,

144 AS PLANTAS TRANSGÊNICAS E A MICROBIOTA DO SOLO


C. S. S.; FONTES, E. M. G.; SUJII, SAXENA, D.; STOTZKY, G. Bt corn has
E. R. (Ed.). Impacto ecológico de a higher lignin content than non-Bt
plantas geneticamente modificadas: corn. American Journal of Botany, v.
o algodão resistente a insetos como 88, p. 1704-1706, 2001b.
estudo de caso. Brasília: Embrapa
TORSVIK, V.; OVREAS, L. Microbial
Recursos Genéticos e Biotecnologia,
diversity and function in soil: from
2003. p. 117-133.
genes to ecosystems. Current Opinion
RUMJANEK, N. G.; MARTINS, C. in Microbiology, v. 5, p. 240-245, 2002.
M.; XAVIER, G. R. Microbiota do
TURRINI, A.; SBRANA, C.; PITTO, L.;
solo como indicadora de impacto
CASTIGLIONE, M. R.; GIORGETTI,
causado pelo cultivo de plantas GMs.
L.; BRIGANTI, R.; BRACCI, T.;
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIA DO SOLO, 30., 2005, Recife. EVANGELISTA, M.; NUTI, M. P.;
Solos, sustentabilidade e qualidade GIOVANNETTIM M. The antifungal
ambiental. Recife: Sociedade Brasileira Dm-AMP1 protein from Dahlia merckii
de Ciência do Solo, 2005. 1 CD-ROM. expressed in Solanum melongena
is released in root exudates and
SAXENA, D.; FLORES, S.; STOTZKY, differentially affects pathogenic fungi
G. Bt toxin is relaesed in root exudates
and mycorrhizal symbiosis. New
from 12 transgenic corn hybrids
Phytologist, v. 163, p. 393-403, 2004.
representing three transformation
events. Soil Biology and URWIN, P. E.; TROTH, K. M.; ZUBKO, E.
Biochemistry, v. 34, p.133-137, 2002. I.; ATKINSON, H. J. Effective transgenic
resistance to Globodera pallida in
SAXENA, D.; FLORES, S.; STOTZKY,
potato field trials. Molecular Breeding,
G. Insecticidal toxin in root exudates
v. 8, p. 95-101, 2001.
from Bt corn. Nature, v. 402, p. 480,
1999. VIERHEILIG, H.; ALT, M.; NEHAUS, J.;
BOLLER, T.; WIEMKEN, A. Colonization
SAXENA, D.; STOTZKY, G. Bacillus
of transgenic Nicotiana sylvestris
thurigiensis (Bt) toxinreleased from
plants, expressing different forms of
root exudates and biomass of Bt corn
Nicotiana tabacum chitinase by the root
has no apparent effect on earthworms,
pathogen Rhizoctonia solani and by the
nematodes, protozoa, bacteria,
mycorrizal symbiont Glomus mosseae.
and fungi in soil. Soil Biology and
Molecular Plant Microbe Interaction,
Biochemistry, v. 33, p. 1225-1230,
v. 6, p. 261-264, 1993.
2001a.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 145


CAPÍTULO 9

A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA
FIXAÇÃO BIOLÓGICA DO NITROGÊNIO EM
SOJA TRANSGÊNICA COM RESISTÊNCIA
AO GLIFOSATO

IÊDA DE CARVALHO MENDES


FÁBIO BUENO DOS REIS JUNIOR
MARIANGELA HUNGRIA
A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO
BIOLÓGICA DO NITROGÊNIO EM SOJA
TRANSGÊNICA COM RESISTÊNCIA AO GLIFOSATO
Fixação biológica do pelas plantas; entretanto, seu custo
nitrogênio: o processo e é bastante elevado.
sua importância O processo industrial que
O nitrogênio está incluído entre transforma o nitrogênio atmosférico
os nutrientes exigidos em maior (N2) em amônia (NH3) requer altas
quantidade pelas plantas, e sua temperaturas (300 ºC a 600 ºC)
deficiência é um dos fatores e altas pressões (200 atm a 800
que mais limitam a agricultura, atm). Desse modo, o gasto de
especialmente, em solos de baixa fontes energéticas não-renováveis é
fertilidade, como os da região do estimado em seis barris de petróleo
Cerrado. Esse nutriente, apesar por tonelada de NH3 sintetizada.
de presente no solo, na forma Outra desvantagem no uso dos
orgânica ou mineralizada, tem seu fertilizantes nitrogenados é a baixa
suprimento limitado, podendo ser eficiência de sua utilização pelas
esgotado rapidamente por alguns plantas, raramente ultrapassando
cultivos. Além disso, as condições 50 %. Isso significa que, se forem
de temperatura e de umidade adicionados ao solo 100 kg de
predominantes nas regiões adubo nitrogenado, 50 kg serão
tropicais aceleram o processo de perdidos pelo processo de
decomposição da matéria orgânica lixiviação (lavagem no perfil do solo
e de perdas de N, resultando por percolação ou escorrimento
em solos com teores baixos superficial) e transformação
desse nutriente. Os fertilizantes em formas gasosas, tanto pela
nitrogenados representam a forma desnitrificação (redução, pela
de N assimilada com maior rapidez ação dos microrganismos, para

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 149


formas gasosas, N2 e óxido nitroso, Embora o N2 constitua 78 % dos
N2O) como pela volatilização gases atmosféricos que também
(perdas gasosas na forma de se difundem para o espaço
NH3) (VARGAS; HUNGRIA, 1997; poroso do solo, nenhum animal
HUNGRIA et al., 2001). ou planta consegue utilizá-lo
como nutriente, em virtude da
O uso indiscriminado de fertilizantes tripla ligação existente entre os
nitrogenados pode causar poluição dois átomos de N, considerada
ambiental, pois a lixiviação uma das mais fortes de que se
do N e o escorrimento desse tem conhecimento na natureza.
nutriente pela superfície do solo A fixação biológica do N2 é,
resultam no acúmulo de formas seguramente, após a fotossíntese,
nitrogenadas nas águas dos rios, o mais importante processo
biológico do planeta e baseia-se
lagos e lençóis subterrâneos,
no fato de alguns microrganismos
podendo atingir níveis tóxicos não
específicos, conhecidos como
só para os peixes como também
microrganismos fixadores de N2
para o homem. A emissão de
ou diazotróficos, serem capazes
óxido nitroso para a atmosfera, de transformar o N2 em NH3, que
fenômeno resultante do processo será, posteriormente, utilizado
de desnitrificação, pode contribuir, para a nutrição das plantas. Essa
também, para a redução da reação é catalisada pela enzima
camada de ozônio que protege nitrogenase, encontrada em todos
contra os danos causados pela os microrganismos fixadores de
radiação ultravioleta do sol. Dessa N2 (VARGAS; HUNGRIA, 1997;
forma, um melhor aproveitamento HUNGRIA et al., 2001).
do processo de fixação biológica Se a associação entre esses
do N2 constitui uma das melhores microrganismos e as plantas for
opções para se reduzir tanto o eficiente, o N2 fixado pode suprir
custo de produção para o agricultor, todas as necessidades da planta
quanto a poluição ambiental hospedeira, dispensando o uso
provocada pelos fertilizantes de fertilizantes nitrogenados e
nitrogenados. oferecendo, assim, vantagens

150 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


econômicas e ecológicas. O transportadora de oxigênio,
exemplo mais conhecido é o da denominada leghemoglobina,
simbiose de bactérias da ordem que, quando ativa, confere aos
Rhizobiales, denominadas, em nódulos uma coloração interna
geral, de rizóbios, com plantas rósea. Depois da conversão do
da família Leguminosae. Nas N2 atmosférico em NH3, essa
leguminosas, a reação da fixação hemoproteína é incorporada
biológica do N2 ocorre no interior em compostos de carbono,
dos nódulos, onde a nitrogenase transformada em diversos
é protegida contra o excesso de compostos nitrogenados e
oxigênio (Fig.1). Essa proteção é transportada dos nódulos para as
efetuada por uma hemoproteína demais partes da planta.

Fig. 1. Nodulação nas raízes de soja, resultante da inoculação


com células de Bradyrhizobium.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 151


Inoculação da soja de novas estirpes, capazes de
na região do cerrado aumentar o rendimento dessa
brasileiro: uma história de cultura mesmo em áreas com
sucesso populações estabelecidas dessa
bactéria (VARGAS et al., 1994;
No Brasil, deve-se dar destaque à HUNGRIA et al., 2006b).
simbiose da soja (Glycine max (L.)
Merrill) com bactérias diazotróficas Atualmente, estima-se que, nos 22
pertencentes às espécies milhões de hectares cultivados com
Bradyrhizobium japonicum e B. soja, no Brasil, o uso da inoculação
elkanii, coletivamente denominadas com bactérias fixadoras de N2
de bradirrizóbios. Juntamente com promove economia anual estimada
os programas de melhoramento e em, aproximadamente, 5 bilhões de
lançamento de cultivares, a seleção dólares, em virtude da não utilização
de estirpes de bradirrizóbios para de fertilizantes nitrogenados, isso
a soja adaptadas às condições sem mencionar os benefícios ao
brasileiras, especialmente às meio ambiente. Entretanto, quando
condições do Cerrado, foi, sem da introdução dessa cultura na
dúvida, um dos fatores que mais região do Cerrado, na década de
contribuiram para a expansão 1970, vários problemas contribuíram
dessa cultura no Brasil. Outro para que o processo de inoculação
ponto que merece destaque é da soja não fosse bem-sucedido, ao
que, em vários países do mundo, contrário do que ocorria na Região
a inoculação da soja em áreas que Sul do País. Os solos sob Cerrado
já foram inoculadas anteriormente, não apresentam populações de
em geral, não apresenta resultados rizóbios nativos capazes de nodular
satisfatórios em termos de a soja (VARGAS; SUHET, 1980a,b)
incremento no rendimento de e, em virtude da utilização de
grãos. Esse, porém, não é o caso inoculantes com baixo número de
do Brasil, onde a existência de células viáveis e com bactérias não
um programa bem-sucedido de adaptadas à região, era comum o
seleção de estirpes de bradirrizóbio uso de fertilizantes nitrogenados na
para a soja permitiu o lançamento cultura.

152 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


Entre os principais fatores que alta capacidade produtiva, um dos
contribuíram para o insucesso da principais objetivos dos programas
inoculação da soja na década de de pesquisa em fixação biológica
1970, destaca-se o uso de estirpes do N2 nessa região é o da seleção
que apresentavam problemas de de estirpes eficientes, capazes de
especificidade hospedeira com aumentar a produtividade da cultura
a cultivar de soja mais plantada pela fixação de quantidades mais
naquela época, a IAC-2 (PERES; elevadas de N2. Como resultado
VIDOR, 1980; VARGAS; SUHET, desses estudos, em 1992, foram
1980a). Com base em uma lançadas duas novas estirpes
série de trabalhos realizados de B. japonicum, denominadas
pela Embrapa Cerrados e pela CPAC 7 (=SEMIA 5080) e CPAC
Universidade Federal do Rio 15 (=SEMIA 5079) (PERES et al.,
Grande do Sul, em 1980, foram 1993). Desde então, juntamente
selecionadas e lançadas as estirpes com as estirpes 29W e SEMIA 587,
de Bradyrhizobium elkanii 29W essas estirpes são recomendadas
(=SEMIA 5019) e a SEMIA 587 para a fabricação de inoculantes
(PERES, 1979; PERES; VIDOR, comerciais para a cultura da soja
1980). Além da alta eficiência no sendo que, cerca de 60 % da área
processo de fixação do N2 e da cultivada atualmente com soja
elevada capacidade competitiva, a no País é inoculada a cada ano,
29W e a SEMIA 587 apresentavam atingindo 80 % a 90 % na Região
baixa especificidade hospedeira, Central do Brasil.
sendo capazes de formar nódulos Conforme já comentado, solos de
com a maioria das cultivares de Cerrado que nunca foram cultivados
soja recomendadas para o Cerrado. com soja não têm populações
O lançamento dessas estirpes para nativas de rizóbios capazes
o uso em inoculantes comerciais de nodular a soja (VARGAS;
permitiu o cultivo da soja na região SUHET, 1980a, b), requerendo,
do Cerrado, sem a necessidade do obrigatoriamente, a inoculação.
uso de fertilizantes nitrogenados. Todavia, depois de vários anos
Em virtude do lançamento contínuo de cultivo e de inoculação das
de novas variedades de soja com sementes, instalam-se, no solo,

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 153


populações de bradirrizóbios. Em produtividade de 227 kg grãos ha-1
geral, nas áreas com populações a 636 kg grãos ha-1 em função da
estabelecidas de bradirrizóbios, reinoculação em três experimentos.
a resposta à reinoculação (termo Em dois dos experimentos, com
usado para descrever a inoculação médias de produtividade de
de áreas que já foram inoculadas 4.162 kg ha-1, não houve respostas
anteriormente) não é tão acentuada significativas estatisticamente à
como nas áreas de primeiro cultivo. reinoculação e nem à adubação
O principal fator responsável por com 200 kg N ha-1 (parcelados em
isso é a competição pelos sítios de duas aplicações de 100 kg N ha-1 na
infecção nodular nas raízes entre as semeadura e no pré-florescimento)
estirpes do solo e aquelas utilizadas e, em um experimento, houve
no inoculante. Esse é um fenômeno resposta significativa à adubação
mundial e constitui o grande desafio parcelada com 200 kg N ha-1,
indicando a existência de fatores
para a pesquisa em rizobiologia
limitantes à fixação biológica do
(DOWLING; BROUGHTON, 1986;
N2 (MENDES et al., 2002). Em 20
BROCKWELL; BOTTOMLEY, 1995).
experimentos conduzidos durante
No Brasil, porém, tanto na região
três safras em Londrina e Ponta
do Cerrado, quanto na Região Sul,
Grossa, no Paraná (HUNGRIA et
vários trabalhos têm evidenciado
al., 2006b), os incrementos médios
aumentos na produtividade da soja
no rendimento de grãos pela
com a reinoculação. Embora esses
reinoculação foram de 4,7 %.
ganhos sejam modestos (o que
muitas vezes dificulta a obtenção Ainda em relação à reinoculação,
de diferenças estatisticamente em uma análise inicial conjunta
significativas), eles têm sido dos resultados obtidos em 13
observados consistentemente. Em experimentos conduzidos na
experimentos conduzidos pela maioria dos estados produtores
Embrapa Cerrados, durante seis de soja, com diversas cultivares e
safras, para avaliar a reinoculação sob diferentes sistemas de cultivo,
da soja, ocorreram aumentos de foram constatados incrementos

154 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


médios no rendimento de 7,8 % pesquisas realizadas em 1982 na
na Região Central e de 3,8 % na Embrapa Cerrados (VARGAS et al.,
Região Sul. Em média, o ganho 1982) demonstraram a inutilidade
no rendimento de grãos foi de da prática da adubação nitrogenada
4,5 %, diferindo estatisticamente na semeadura da soja, pois mesmo
em relação ao tratamento não em solos com grande quantidade
inoculado (HUNGRIA et al., 2001). de resíduos vegetais (26 t ha-1) não
Considerando esse incremento de foi observada resposta à aplicação
4,5 %, o custo atual da inoculação de fertilizantes nitrogenados,
em torno de R$ 7,80 (500 g de em níveis de até 30 kg N ha-1.
inoculante turfoso), o preço médio Entretanto, com a expansão do
de um saco de soja (60 kg) de plantio direto, principalmente, na
R$ 22,00 e a produtividade média região do Cerrado, novamente
da soja na safra 2005/2006 de surgiram dúvidas, por parte
2.627 kg ha-1, estima-se um lucro de alguns agricultores, sobre
líquido com a reinoculação de a eficiência do processo de
R$ 35,50 ha-1. Posteriormente, inoculação e sobre a necessidade
com a inclusão de novos dados, ou não da aplicação de doses
totalizando 29 experimentos, foi de “arranque” de nitrogênio na
constatado incremento ainda maior
semeadura, visando superar
no rendimento médio de grãos,
possíveis problemas relacionados
de 8 %, pela reinoculação da soja
à imobilização do N e à competição
(HUNGRIA et al., 2006a), o que
inicial com ervas daninhas. Novos
pode ser explicado tanto pela maior
experimentos foram conduzidos
demanda das novas cultivares
no Cerrado (MENDES et al., 2003)
quanto pelos baixos teores de N
e, mais uma vez, foi comprovado
nos solos sob cultivo contínuo.
que, independentemente do
Desde o lançamento das estirpes sistema de manejo (plantio
29W e SEMIA 587, em 1979, a direto ou convencional), a adição
prática de adubação nitrogenada de pequenas doses de N na
da cultura da soja deixou de semeadura não promoveu nenhum
ser recomendada. Inicialmente, incremento no rendimento de grãos

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 155


da soja, o mesmo ocorrendo na grande dependência do modelo
Região Sul (HUNGRIA et al., 2006b). energético, baseado no uso
de combustíveis fósseis não-
Todos esses resultados indicam
renováveis, vem dando sinais
que a inoculação da soja com
bactérias diazotróficas é, de fato, visíveis de esgotamento. Mais do
uma tecnologia importante gerada que nunca, o uso de tecnologias
pela pesquisa agropecuária como a fixação biológica de
brasileira (Fig. 2). Assim, no atual N2 – que minimizam o uso
contexto mundial, em que os de fertilizantes nitrogenados,
preços do petróleo apresentam substituindo-os por um processo
trajetória ascendente, e a biológico – deve ser incentivado.

Fig. 2. Efeito da inoculação de plantas de soja com


Bradyrhizobium.

156 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


A fixação biológica de uma das reações de síntese dos
do nitrogênio na soja aminoácidos aromáticos essenciais
transgênica fenilalanina, tirosina e triptofano
e está presente em plantas e
O cultivo comercial da soja tolerante microrganismos; porém, ausente
ao herbicida glifosato (também em animais (explicando sua
denominada Round up Ready ou baixa toxicidade em mamíferos).
soja RR) teve início em 1996 nos O glifosato influencia, também,
Estados Unidos, abrindo novas outros processos, como a inibição
oportunidades para o controle de da síntese de clorofila, estimula a
plantas invasoras e possibilitando a produção de etileno, reduz a síntese
substituição e(ou) a redução no uso de proteínas e eleva a concentração
de herbicidas de pós-emergência do ácido indolacético. Em plantas
nessa cultura. Em 2003, o cultivo não-tolerantes, o glifosato inibe
da soja RR ocupou 81 % da área a síntese dos aminoácidos pelo
cultivada com essa cultura nos bloqueio da enzima EPSPS,
EUA e, na safra 2004/2005, cerca que cataliza a condensação do
de 9,4 milhões de hectares foram chiquimato-3-fosfato (ou S3P,
semeados com soja transgênica shikimate-3-phosphate) e do
resistente ao herbicida glifosato no PEP (fosfoenolpiruvato), dando
Brasil (JAMES, 2005). condições à produção de EPSP
(5- enolpiruvilchiquimato-3-fosfato)
O glifosato é um herbicida e de fosfato orgânico, que são as
pós-emergente, pertencente substâncias responsáveis pela
ao grupo químico das glicinas síntese de aminoácidos aromáticos
substituídas, classificado como (STEINRUCKEN; AMRHEIN, 1980).
não-seletivo e de ação sistêmica. Portanto, a inibição da enzima
Controla uma ampla variedade EPSPS resulta no acúmulo de ácido
de plantas invasoras e apresenta chiquímico e outros compostos
rápida inativação. Atua como um intermediários. Os efeitos tóxicos
potente inibidor da atividade da do glifosato nas plantas sensíveis
5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato estão relacionados à inabilidade
sintase (EPSPS), que é catalisadora de essas plantas sintetizarem os

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 157


aminoácidos aromáticos, ao dreno que os ganhos obtidos com a
de energia em razão do consumo pesquisa, a exemplo do processo
de ATP e PEP e aos efeitos tóxicos de fixação biológica do N2, não
relacionados ao acúmulo de sejam comprometidos. Em 2003, a
compostos intermediários da via Embrapa implementou um projeto
do ácido chiquímico (FISHER et al., visando avaliar a fixação biológica
1986). do N2 em cultivares transgênicas
de soja. O projeto ainda está
A base de resistência das plantas em andamento e a seguir serão
de soja transgênica ao glifosato apresentados os resultados de
é a inserção de um gene EPSPS, vários estudos, a maioria realizada
oriundo da bactéria Agrobacterium nos Estados Unidos, onde foram
estirpe CP4, que é insensível a avaliados os efeitos do glifosato e
esse herbicida e que permite a da transgenia na fixação biológica
expressão funcional da via do do N2 na soja.
ácido chiquímico na sua presença
(PADGETTE et al., 1995). Quanto aos efeitos diretos,
sabe-se que uma das espécies
O uso de herbicidas pode afetar a de microssimbiontes da soja,
fixação biológica do N2 diretamente, Bradyrizobium japonicum, é
por intermédio de efeitos sobre sensível à aplicação do glifosato,
a bactéria, ou indiretamente, por resultando em acúmulo dos ácidos
meio de efeitos na leguminosa chiquímico e protocatecuico
hospedeira. Desse modo, é muito nas células, com conseqüente
importante que os avanços da inibição do crescimento e
biotecnologia, que possibilitaram resultando na morte da bactéria
a geração de cultivares de soja em concentrações elevadas do
transgênicas, sejam acompanhados herbicida (ZABLOTOWICZ; REDDY,
de estudos rigorosos de segurança 2004b). Em estudos realizados em
ambiental (biossegurança), visando meio de cultura (in vitro), Jaworski
garantir não só a segurança (1972) verificou que o crescimento
alimentar e a ocorrência de de B. japonicum era inibido na
impactos mínimos ao meio presença de baixas concentrações
ambiente, mas também assegurar de glifosato (da ordem de 0,01mM

158 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


e 1,0 mM). Moorman et al. comerciais de glifosato no
(1992) verificaram, também, em crescimento das estirpes foram
estudos in vitro, que a inibição potencializados em razão da
do crescimento por glifosato era presença de diferentes substâncias
diferenciada entre três estirpes de químicas nessas formulações,
B. japonicum (USDA 110, USDA tais como solventes, surfactantes
123 e USDA 138). Na concentração e agentes molhantes que podem
de 0,5 mM, o crescimento das modificar o efeito do ingrediente
estirpes USDA 123 e USDA 138 foi ativo sobre os microrganismos.
moderadamente inibido pelo glifosato
Contudo, estudos in vitro podem
(12 % e 19 % respectivamente),
apresentar pouca relação com a
enquanto a estirpe USDA 110 teve
resposta daqueles conduzidos no
seu crescimento inibido em 47 %. A
campo. Vários microrganismos
concentração de 5 mM de glifosato
do solo, inclusive membros da
resultou na morte das estirpes.
ordem Rhizobiales, são capazes
Jacques et al. (2003) avaliaram, de metabolizar o glifosato, por
em um estudo conduzido no exemplo, Rhizobium meliloti (agora
Brasil, o efeito do princípio ativo reclassificado como Sinorhizobium
e de sete formulações comerciais meliloti), R. trifolii (agora R.
de glifosato no crescimento das leguminosarum bv. trifolii), R.
estirpes de B. elkanii SEMIA 587 e leguminosarum (estirpe 300 de R.
29W e da estirpe de B. japonicum leguminosarum bv. viciae), R. galega
CPAC 15. O crescimento das três (agora R. galegae), Agrobacterium
estirpes in vitro foi reduzido tanto rhizogenes e A. tumefaciens
na presença do princípio ativo (LIU et al., 1991). Além disso,
quanto na das formulações de herbicidas à base de glifosato
glifosato, sendo que a magnitude são, em geral, considerados de
dessa redução variou conforme a vida relativamente curta no solo,
estirpe e a formulação. Na verdade, onde dificilmente apresentarão
todas as formulações comerciais a mesma toxidez observada em
aumentaram a toxicidade do estudos de laboratório. Sendo
herbicida. Foi sugerido que os assim, experimentos de campo
efeitos inibitórios das formulações são necessários para validar os

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 159


resultados obtidos em laboratório, (28 %) e a massa (47 %) de nódulos
razão pela qual o projeto da e o conteúdo de leghemoglobina
Embrapa está avaliando a (13 %). No entanto, curiosamente,
toxicidade dos herbicidas nos a aplicação de 1,68 kg ia ha-1 não
principais ecossistemas brasileiros provocou efeitos negativos sobre
nos quais a soja é produzida. a nodulação. No segundo estudo,
semelhante ao primeiro, a aplicação
Ao atingir as folhas e ser absorvido de glifosato logo após o plantio (14
pela soja transgênica, o glifosato dias) não apresentou efeitos sobre
praticamente não sofre nenhuma a nodulação, independentemente
ação de transformação, sendo da dose utilizada. No terceiro
rapidamente translocado para estudo, a aplicação tardia de uma
as raízes, podendo também ser dose de 1,68 kg ia ha-1, 3 semanas
acumulado nos nódulos (REDDY; após o plantio, promoveu redução
ZABLOTOWICZ, 2003), o que pode no número (30 %) e na massa
facilitar o contato do herbicida com (39 %) de nódulos, no conteúdo de
as células das bactérias fixadoras leghemoglobina e no conteúdo total
de N2. de N na parte aérea (14 %).

Os estudos que verificam os efeitos King et al. (2001) conduziram


do glifosato na nodulação da soja estudos em casa de vegetação e
RR podem ser divididos em dois em câmara de crescimento. Em
grupos: aqueles conduzidos em casa de vegetação, a aplicação
condições controladas de casa de de glifosato (1,26 kg ia ha-1),
vegetação e aqueles conduzidos aos 5 e aos 12 dias após a
no campo. Reddy et al. (2000) emergência (DAE) das plantas,
apresentaram resultados de três reduziu, significativamente, a
estudos conduzidos em condições massa de nódulos (34 %) das
de casa de vegetação. Em um plantas de soja transgênica
desses estudos, a aplicação, aos 14 TV5866RR coletadas aos 19 DAE.
dias após o plantio, de uma dose Contudo, quando o experimento
de glifosato equivalente a foi repetido, a massa de nódulos
0,84 kg ia ha-1 reduziu, não foi afetada. O conteúdo de N
significativamente, o número total das raízes e da parte aérea

160 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


foi reduzido (35 %) em ambos os Em condições de campo, King et al.
estudos. Quando as plantas foram (2001) também avaliaram os efeitos
coletadas aos 40 DAE, os efeitos da aplicação de herbicidas sobre o
das aplicações de glifosato não acúmulo de biomassa e a produção
foram mais observados, indicando de grãos em duas variedades de
que as plantas conseguiram se soja transgênica cultivadas em duas
recuperar do efeito inicial. Nos áreas distintas. Embora tolerantes
quatro estudos conduzidos em ao glifosato, as variedades
câmaras de crescimento, foram utilizadas no experimento, A5901RR
avaliados os efeitos de múltiplas e DK5961RR, apresentavam níveis
diferenciados de sensibilidade
aplicações foliares de glifosato
ao herbicida, sendo a A5901RR
sobre a atividade da nitrogenase,
menos sensível e a DK5961RR mais
a enzima responsável pela fixação
sensível à aplicação do herbicida.
do N2, avaliada pelo método de
Na área que recebeu maiores
atividade da redução do acetileno
quantidades de chuva e irrigação,
(ARA). Foram feitas três aplicações
nenhum efeito da aplicação de
de glifosato, aos 5, 12 e 19 DAE, e
glifosato foi observado. Na área
a ARA foi determinada aos 14, 21
onde ocorreu estresse hídrico,
e 28 DAE. Reduções significativas porém, reduções significativas
na ARA (12 % a 20 %) foram na biomassa da parte aérea (92
observadas em três dos quatro DAE) da cultivar AR5901RR foram
estudos aos 21 DAE, mas somente observadas nos três tratamentos
em um dos estudos nas avaliações com glifosato, bem como no
aos 14 e aos 28 DAE. Os efeitos tratamento com os herbicidas
da deficiência hídrica na ARA em convencionais (acifluorfen e
plantas em que o glifosato foi benzaton). Redução significativa
aplicado também foram avaliados. na produtividade (24,6 %) foi
Plantas com aplicação de glifosato, observada apenas nos tratamentos
quando comparadas ao controle que receberam glifosato aos 7
sem aplicação, mostraram maior e 21 DAE. Nessa mesma área,
sensibilidade da ARA ao estresse a variedade DK5961RR também
hídrico. sofreu redução significativa no

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 161


rendimento de grãos (23,6 %) na biomassa da parte aérea e no
quando o glifosato foi aplicado acúmulo de N na soja.
aos 7 e aos 49 DAE; contudo, não
Reddy e Zablotowicz (2003)
foram observados efeitos sobre a
avaliaram, por 2 anos, os
biomassa da parte aérea.
efeitos de uma (no estádio V2
Os dados obtidos por esses das plantas) ou duas (V2 e V4)
autores em condições de aplicações de quatro diferentes
casa de vegetação, câmara formulações de sais de glifosato
de crescimento e no campo sobre a nodulação de plantas de
evidenciaram que aplicações soja transgênicas resistentes ao
precoces de glifosato retardam glifosato, utilizando como controle
a fixação de N2 e aumentam a um tratamento sem herbicida e sem
sensibilidade do processo a capina. Os autores observaram
estresses hídricos. Entretanto, que as diferentes formulações
decréscimos na produção de de glifosato não afetaram o teor
biomassa de raízes e da parte de clorofila, biomassa de raízes
aérea da soja pela aplicação do e da parte aérea, bem como o
glifosato também foram observados número de nódulos. Entretanto,
nas plantas suplementadas com a massa de nódulos foi reduzida
fertilizante nitrogenado. Os autores significativamente (21 % a 28 %) em
levantaram a hipótese de que, todos os tratamentos onde houve
nos estádios iniciais de formação aplicação de glifosato.
dos nódulos, a membrana do Além disso, nos tratamentos com
nódulo (simbiossomo) pode duas aplicações, o conteúdo de
não restringir seletivamente a leghemoglobina nos nódulos
penetração do glifosato no seu foi igualmente reduzido (8 % a
interior, permitindo que ele interfira 10 %). Os autores observaram
nas divisões bacterianas, conforme que a redução na massa dos
verificado nos estudos in vitro. nódulos e nos conteúdos de
Já nas condições nas quais não leghemoglobina sem a redução no
ocorre estresse hídrico, parece número de nódulos sugere que o
que o atraso na fixação do N2 não glifosato poderia estar inibindo o
resulta em impactos a longo prazo funcionamento dos nódulos, mas

162 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


não a sua formação. No entanto, quais os autores relataram a exis-
a redução no funcionamento dos tência de estresse hídrico, todos os
nódulos em virtude da aplicação do tratamentos com glifosato tiveram o
glifosato não refletiu no rendimento conteúdo de N foliar reduzido entre
de grãos, sendo que as variedades 26 % e 42 %. Em 2003, três dos
de soja avaliadas tiveram potencial tratamentos com glifosato também
para superar os curtos períodos de diminuíram o conteúdo de N nas fo-
estresse que ocorreram depois da lhas (9 % a 14 %) e, como em 2002,
aplicação do herbicida. as maiores reduções ocorreram
quando foram aplicadas as maiores
Em um trabalho mais recente,
doses de glifosato. A produtividade
Zablotowicz e Reddy (2004a)
de soja, comparada com o con-
estudaram, durante 2 anos (2002
trole não tratado com glifosato, foi
e 2003), os efeitos do glifosato na
reduzida em 11 % pela aplicação
fixação do N2, na assimilação de N
de duas doses de 2,52 kg ia ha-1
e na produtividade da soja transgê-
no ano de 2002; mas, em 2003, a
nica. Cinco doses de glifosato
produtividade não foi afetada. O N
(0,84 kg ia ha-1; 1,68 kg ia ha-1; total dos grãos de soja tratada com
2,52 kg ia ha-1; 0,84 kg ia ha-1 + 2,52 kg ia ha-1 também foi reduzido
0,84 kg ia ha-1; 2,52 kg ia ha-1 + em 32 % e 17 % nos anos de 2002
2,52 kg ia ha-1), aplicadas quatro e e 2003 respectivamente. Os autores
seis semanas após o plantio, foram concluíram que a fixação de N2 ou
comparadas com um controle livre a assimilação do N pela soja trans-
de ervas daninhas. As plantas de gênica foi reduzida, principalmente
soja foram coletadas na quarta e sob as doses mais elevadas de gli-
na oitava semana após o plantio, fosato. Essas reduções foram ainda
quando as raízes noduladas foram mais elevadas sob estresse hídrico.
utilizadas para avaliação da ARA
e respiração e, na parte aérea, foi Apesar de os trabalhos mostrarem
determinado o teor de N. Nenhum indícios de que as aplicações
efeito consistente da aplicação de de glifosato podem interferir
glifosato foi observado nas análises na fixação do N2 em plantas de
de ARA ou na respiração. No entan- soja transgênica, a verdadeira
to, nas análises feitas em 2002, nas magnitude dessa interferência

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 163


ainda não é conhecida. Os próprios as condições brasileiras. O projeto
autores desses trabalhos afirmam que está sendo conduzido dentro
que tais efeitos são inconsistentes da Rede de Biossegurança da
em estudos de campo Embrapa verificará, por meio de um
(ZABLOTOWICZ; REDDY, 2004b). estudo detalhado, possíveis efeitos
da transgenia e do manejo com a
Dada a importância da soja
soja transgênica, na fixação do N2,
no agronegócio brasileiro e da
englobando as principais regiões
fixação biológica N2 para a cultura,
produtoras de soja. A expectativa é
estudos criteriosos e a longo prazo
de que, com os resultados obtidos
devem ser conduzidos no País,
no projeto, os pesquisadores
incluindo diferentes situações
edafoclimáticas, genótipos do tenham subsídios para garantir a
macro e microssimbiontes e segurança ambiental e o sucesso
tomando-se cuidado na escolha da fixação biológica de N2 na
dos controles e dos delineamentos cultura da soja no Brasil.
experimentais. A quantificação da
fixação do N2 por técnicas como a Referências
análise de N sob a forma de ureídos BROCKWELL, J.; BOTTOMLEY, P.
ou abundância natural de 15N em J. Recent advances in inoculant
estudos de campo também pode technology and prospects for the
trazer informações para verificar, future. Soil Biology and Biochemistry,
com maior precisão, a ocorrência v. 27, p. 683-697, 1995.
de possíveis efeitos de aplicações DOWLING, D. N.; BROUGHTON, W. J.
de glifosato sobre a fixação do N2 Competition for nodulation of legumes.
em plantas de soja geneticamente Annual Review of Microbiology, v. 40,
modificadas. p. 131-157, 1986.
FISCHER, R. S.; BERRY, C. G.; GAINES,
Conforme mencionado C. G.; JENSON, R. A. Comparative
anteriormente, a maioria dos action of glyphosate as a trigger of
resultados dos experimentos energy drain in eubacteria. Journal of
apresentados neste capítulo é Bacteriology, v. 168, p. 1147-1154,
oriunda de estudos conduzidos 1986.
nos Estados Unidos e, portanto, HUNGRIA, M.; CAMPO, R. J.; MENDES,
não devem ser extrapolados para I. C. Fixação biológica do nitrogênio

164 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


na cultura da soja. Londrina: geneticamente modificadas (GM)
Embrapa Soja, 2001. 48 p. (Embrapa comercializadas: 2005. Ithaca, NY:
Soja. Circular Técnica, 35; Embrapa ISAAA, 2005. (ISAAA. Relatório, 34).
Cerrados. Circular Técnica, 13). Disponível em: <http://www.isaaa.org/
kc/CBTNews/press_release/briefs34/
HUNGRIA, M.; CAMPO, R. J.; MENDES,
ESummary/Executive%20Summary%20
I. C.; GRAHAM, P. H. Contribution of
(Portuguese).pdf>. Acesso em: 1 abr.
biological nitrogen fixation to the N
2006.
nutrition of grain crops in the tropics:
the success of soybean (Glycine max L. JAWORSKI, E. G. Mode of action of
Merr.) in South America. In: SINGH, R. N-phosphonomethylglycine: inhibition
P.; SHANKAR, N.; JAIWAL, P. K. (Ed.). of aromatic amino acid biosynthesis.
Nitrogen nutrition and sustainable Journal of Agricultural and Food
plant productivity. Texas: Studium Chemistry, v. 20, p. 1195-1198, 1972.
Press, 2006a. p. 43-93. KING, C. A.; PURCELL, L. C.; VORIES,
HUNGRIA, M.; FRANCHINI, J. C.; E. D. Plant growth and nitrogenase
CAMPO, R. J.; CRISPINO, C. C.; activity of glyphosate-tolerant soybean
MORAES, J. Z.; SIBALDELLI, R. in response to foliar glyphosate
N. R.; MENDES, I. C.; ARIHARA, applications. Agronomy Journal, v. 93,
J. Nitrogen nutrition of soybean in p. 179-186, 2001.
Brazil: contributions of biological N2 KISHINEVSKY, B.; LOBEL, R.; LIFSHITZ,
fixation and o N fertilizer to grain yield. N.; GURFEL, D. Effects of some
Canadian Journal of Plant Sciences, commercial herbicides on rhizobia and
v. 86, p. 927-939, 2006b. their symbiosis with peanuts. Weed
JACQUES, R. J. S.; SANTOS, J. B.; Science, v. 28, p. 291-296, 1988.
PROCÓPIO, S. O.; KASUYA, M. C. M.; LIU, C.-M.; McLEAN, P. A.; SOOKDEO,
SILVA, A. S.; SANTOS, E. A. Efeito das C. C.; CANNON, F. C. Degradation of
diferentes formulações do herbicida the herbicide glyphosate by members
glifosato no crescimento do rizóbio da of the family Rhizobiaceae. Applied
soja. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE and Environmental Microbiology,
CIÊNCIA DO SOLO, 29., 2003, Ribeirão v. 57, p. 1799-1804, 1991.
Preto. Solo: alicerce dos sistemas de
MALKONES, H. P. Comparison of
produção. Botucatu: UNESP; Ribeirão
the effects of differently formulated
Preto: SBCS, 2003. 1 CD-ROM.
herbicides on soil microbial activities:
JAMES, C. Situação global da a review. Journal of Plant Disease
comercialização das lavouras Protection, v. 8, p. 781-789, 2000.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 165


MENDES, I. C.; HUNGRIA, M.; CAMPO, infecção nodular em cultivares de soja
R. J.; VARGAS, M. A. T. Reinoculação (Glicine max (L.) MERRIL). Agronomia
da soja em solos de cerrado. In: Sulriograndense, v. 16, p. 205-219,
CONGRESSO BRASILEIRO DE SOJA, 1980.
2.; MERCOSOJA 2002, 2002, Foz do PERES, J. R. R. Seleção de
Iguaçu. Perspectivas do agronegócio estirpes de Rhizobium japonicum
da soja: resumos. Londrina: Embrapa e competitividade por sítios de
Soja, 2002. p. 231. (Embrapa Soja. infecção nodular em cultivares de
Documentos, 181). soja (Glycine max (L.) Merrill. 1979. 81
MENDES, I. C.; HUNGRIA, M.; f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade
VARGAS, M. A. T. Soybean response de Agronomia, Universidade Federal do
to starter nitrogen and Bradyrhizobium Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
inoculation in a Brazilian Cerrado oxisol PERES, J. R. R.; MENDES, I. C.;
under no-tillage and conventional tillage SUHET, A. R.; VARGAS, M. A. T.
systems. Revista Brasileira de Ciência Eficiência e competitividade de estirpes
do Solo, v. 27, p. 81-87, 2003. de rizóbio para a soja em solos de
MOORMAN, T. B.; BECERRIL, J. M.; Cerrados. Revista Brasileira de
LYDON, J.; DUKE, S. O. Production Ciência do Solo, v. 17, p. 357-363,
of hydroxybenzoic acids by 1993.
Bradyrhizobium japonicum strains after REDDY, K. N.; HOAGLAND, R. E.;
treatment with glyphosate. Journal of ZABLOTOWICZ, R. M. Effect of
Agricultural and Food Chemistry, v. glyphosate on growth, clorophyll, and
40, p. 289-293, 1992. nodulation in glyphosate-resistant and
PADGETTE, S. R.; KOLACZ, K. H.; susceptible soybean (Glycine max)
DELANNAY, X.; RE, D. B.; LA VALLEE, varieties. Journal New Seeds, v. 2,
p. 37-52, 2000.
B. J.; TINIUS, C. N.; RHOADES,
W. K.; OTERO, Y. I.; BARRY, G. F.; REDDY, K. N.; ZABLOTOWICZ, R. M.
EICHOLTZ, D. A.; PESCHKE, V. M.; Glyphosate-resistant soybean response
NIDA, D. L.; TAYLOR, N. B.; KISHORE, to various salts of glyphosate and
G. M. Development, identification, glyphosate accumulation in soybean
and characterization of a glyphosate- nodules. Weed Science, v. 51, p. 496-
tolerant soybean line. Crop Science, 502, 2003.
v. 35, p. 1451-1461, 1995.
STEINRUCKEN, H. C.; AMRHEIN, N.
PERES, J. R. R.; VIDOR, C. Seleção The herbicide glyphosate is a potent
de estirpes de Rhizobium japonicum inhibitor of 5-enolpyruvyl shikimatic
e competitividade por sítios de acid-2-phosphate synthetase.

166 A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DA FIXAÇÃO BIOLÓGICA...


Biochemistry and Biophysics em um solo de cerrado. Revista
Research Communications, v. 94, Brasileira de Ciência do Solo, v. 4,
p. 1207-1212, 1980. p. 17-21, 1980b.
VARGAS, M. A. T.; HUNGRIA, M. VARGAS, M. A. T.; SUHET, A. R.;
Fixação biológica do N2 na cultura da MENDES, I. C.; PERES, J. R. R.
soja. In: VARGAS, M. A. T.; HUNGRIA, Fixação biológica do nitrogênio em
M. (Ed.). Biologia dos solos de solos de Cerrados. Planaltina, DF:
Cerrados. Planaltina, DF: Embrapa- Embrapa-CPAC, 1994. 83 p.
CPAC, 1997. p. 297-360.
ZABLOTOWICZ, R. M.; REDDY, K. N.
VARGAS, M. A. T.; PERES J. R. R.; Effects of glyphosate on symbiotic
SUHET, A. R. Adubação nitrogenada, nitrogen fixation, assimilation and
inoculação e épocas de calagem soybean yield in glyphosate resistance
para a soja em um solo sob Cerrado. soybean. In: INTERNATIONAL WEED
Pesquisa Agropecuária Brasileira, CONTROL CONGRESS, 2., 2004,
v. 17, p. 1127-1132, 1982. Copenhagen. Abstracts… Denmark:
VARGAS, M. A. T.; SUHET, A. R. Efeito Department of Weed Control and
de tipos e níveis de inoculantes na Pesticide Ecology, 2004a.
soja cultivada em um solo de Cerrado. ZABLOTOWICZ, R. M.; REDDY, K. N.
Pesquisa Agropecuária Brasileira, Impact of glyphosate on the Bradyrhizo-
v. 15, p. 343-347, 1980a. bium japonicum symbiosis with glypho-
VARGAS, M. A. T.; SUHET, A. R. sate-resistant transgenic soybean: a
Efeitos da inoculação e deficiência minireview. Journal of Environmental
hídrica no desenvolvimento da soja Quality, v. 33, p. 825-831, 2004b.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 167


CAPÍTULO 10

O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE
SOJA TRANSGÊNICA PARA O CERRADO
PLÍNIO ITAMAR DE MELLO DE SOUZA
SÉRGIO ABUD DA SILVA
CLAUDETE TEIXEIRA MOREIRA
AUSTECLINIO LOPES DE FARIAS NETO
NELSON DOS SANTOS E SILVA
JOSÉ FRANCISCO DE FERRAZ TOLEDO
NEYLSON EUSTÁQUIO ARANTES
O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA
TRANSGÊNICA PARA O CERRADO
Início da pesquisa com daninhas, menos as plantas de soja
RR (MONSANTO, 2005).
organismos transgênicos
Na lavoura, a soja RR flexibiliza o
A primeira planta transgênica foi controle de ervas daninhas, facilita
aprovada em escala comercial em a rotação de cultura, economiza
1994, nos Estados Unidos, após tempo, combustível, custos
mais de 12 anos de pesquisas e operacionais, facilita a colheita e
estudos que comprovassem sua reduz o teor de impureza e umidade
eficácia e segurança. O primeiro nos grãos colhidos, otimizando
transgênico em soja que causou assim a produção. Para o meio
alto impacto na agricultura foi a ambiente, proporciona redução
soja transgênica RR (MONSANTO, da poluição pelo menor uso de
2005). Essa novidade chegou outros herbicidas, combustível e
ao campo pela primeira vez nos pelo incentivo ao uso do plantio
Estados Unidos, na safra de 1996. direto, em razão da maior facilidade
No ano seguinte, os agricultores no manejo da lavoura. Para a
argentinos também aderiram sociedade, além de melhorar as
novidade (MONSANTO, 2005). condições ambientais, espera-se
redução no custo de produção
A soja transgênica RR (Roundup
e, conseqüentemente, no custo
Ready) é assim conhecida por ter
dos produtos e subprodutos no
recebido um gene derivado da
mercado.
Agrobacterium sp. CP4, patenteado
por uma empresa privada com Os herbicidas à base de glifosato
o nome CP4-EPSPS. O gene são altamente eficientes no controle
expressa o elemento de resistência das plantas daninhas anuais e
ao herbicida glifosato, princípio perenes, tanto as de folhas largas
ativo do Roundup Ready (RR), que quanto as de folhas estreitas.
mata praticamente todas as ervas Seletivo à soja RR, o glifosato

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 171


permite seu desenvolvimento interação com ambiente, baixa
normal, não deixando resíduos estabilidade e baixa adaptabilidade.
nos grãos de soja nem no solo Conseqüentemente, apresentavam
em cultivo. Na classificação baixas produtividades, além de
toxicológica, encontra-se no grupo causarem sérios problemas para o
IV, ou seja, produto pouco tóxico mercado sementeiro.
(faixa verde) (MONSANTO, 2005).
A Embrapa Cerrados está
localizada numa região privilegiada,
Início do plantio e da praticamente no centro do
pesquisa com soja Bioma Cerrado, o que permite a
transgênica RR no Brasil seleção de cultivares de soja com
No Brasil, apesar da expansão das adaptação para as regiões Central
lavouras de soja na região central, e Norte/Nordeste do Brasil. As
a soja transgênica começou a pesquisas com soja são realizadas
ser cultivada no final dos anos com o apoio das equipes de
pesquisa em solos (adubação e
1990, na Região Sul. O plantio
correção, microbiologia e manejo),
era feito utilizando sementes de
fitopatologia, estatística, agricultura
soja originadas da Argentina,
de precisão, biologia molecular
conhecidas como soja “Maradona”.
e integração lavoura-pecuária.
O cultivo dessas variedades,
O Centro de Pesquisa dispõe de
desenvolvidas para latitudes
ampla infra-estrutura, permitindo
altas, limitou-se às regiões do Sul
a instalação de experimentos de
do Brasil. Mesmo assim, a soja
competição nas safras de verão e
transgênica RR (Maradona), por ter
avanços de geração e multiplicação
seu cultivo considerado de baixo
de sementes no inverno (época
custo e apresentar muita facilidade
seca), o que aumenta a eficiência
no manejo, foi levada para a região
dos trabalhos de pesquisa.
central do País. Porém, como
era esperado, não se adaptou às A Embrapa iniciou suas pesquisas
nossas condições ambientais. com a soja transgênica RR no final
As cultivares não tinham período dos anos 1990, porém os testes
juvenil longo, apresentavam pouca só podiam ser feitos em áreas
resistência a doenças, elevada restritas das unidades de pesquisa,

172 O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA...


o que atrasou a introdução dessa Biossegurança (QGB). O primeiro
tecnologia para os produtores. A OGM pesquisado na Embrapa
Embrapa Cerrados, em parceria Cerrados foi a soja com o gene
com a Embrapa Soja, desenvolve CP4 EPSPS, que confere tolerância
seu programa de pesquisa com ao glifosato (soja RR), cujo plantio
melhoramento genético de foi feito em novembro de 1998,
soja desde 1975. O objetivo é após a publicação do processo de
desenvolver cultivares de soja liberação da CTNBio no DOU nº
com alta adaptação, estabilidade e 99, de 27 de março 1998, sob o
potencial produtivo, boa qualidade nº 01200.00136/98-68. O segundo
de sementes e resistência às foi a soja com o gene ahas, que
pragas e doenças. confere tolerância aos herbicidas
do grupo das imidazolinonas
A Embrapa Soja começou os (soja IMI), cujo plantio ocorreu em
cruzamentos com a soja RR a maio 2001, após a publicação do
partir da cultivar BR 16, contendo processo de liberação da Comissão
o gene CP4 EPSPS da Monsanto. Técnica Nacional de Biossegurança
Esse evento foi realizado nos (CTNBio) no DOU nº 221-E, de 17
Estados Unidos pela Monsanto, em de novembro de 2001, sob o nº
acordo com a Embrapa (contrato 01200.001780/2000-20 (FALEIRO
de parceira técnica 10.200/055-5, et al., 2004).
firmado em 23 de abril de 1997).
A partir dos bulks e linhagens
Essa linhagem foi utilizada para os
encaminhadas pela Embrapa
cruzamentos seguintes gerando
Soja, foram selecionadas milhares
populações segregantes (bulks),
de outros genótipos, dando
que foram distribuídas para as
seguimento nas outras etapas do
outras unidades chegando à
programa de melhoramento – P1,
Embrapa Cerrados (Contrato
P2, P3 e VCUs (Fig. 1). O fruto
Embrapa/Monsanto 1997).
inicial desse trabalho resultou na
A Embrapa Cerrados começou participação da Embrapa Cerrados
suas pesquisas com OGMs a na criação de quatro cultivares de
partir de 1998, com a liberação soja RR, lançadas para a região
do Certificado de Qualidade em central do Brasil: BRS Valiosa RR,

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 173


BRS Baliza RR e BRS Silvânia de variedades de soja, todas
RR, BRS Favorita RR (Tabela 1). essas cultivares apresentam alta
Essas cultivares foram aprovadas adaptação, estabilidade e potencial
em trabalhos de pesquisa, em produtivo, com boa qualidade de
rede, executados pela Embrapa sementes e resistência às pragas e
e parceiros e coordenados pela doenças. A cultivar BRS Valiosa RR
Embrapa Cerrados e Embrapa até o momento é a cultivar de soja
Soja. Seguindo os objetivos dos RR mais plantadas na região central
trabalhos da Embrapa na criação do Brasil.

Cruzamentos e bulks

Progênies e linhagens

Preliminar I

PRECOCE MÉDIO TARDIO

Preliminar II
P M T

Fitossanidade Nematóide-de-cisto Preliminar III


P M T

Época de plantio Semente genética


1° ano P M T VCU's
Dias-de-campo População de plantas Locais: SP, MG, MS, MT,
GO, BA, TO, MA, PI
2° ano P M T

DHE Semente básica

Lançamento
Fig. 1. Estratégia de pesquisa do programa de melhoramento de soja transgênica da Em-
brapa Cerrados.

174 O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA...


Tabela 1. Principais características descritoras das primeiras cultivares de soja lançadas conjuntamente
pela Embrapa Soja e Embrapa Cerrados: BRS Favorita RR, BRS Valiosa RR, BRS Silvânia e BRS Baliza RR.
Cultivares
Características Indicadores
BRS Favorita RR BRS Valiosa RR BRS Silvania RR BRS Baliza RR
Área de indicação GO, DF e MG GO, DF e MG GO, DF e MG GO, DF, MG e BA
Denominação Semiprecoce Médio Semitardio Tardio
Ciclo (dia) Floração 50 58 67 64
Maturação média 118 124 128 136
Hipocólito Roxa Roxa Verde Verde
Flor Roxa Roxa Branca Branca
Hilo Preta Preta Marrom Preta
Cor
Vagem Marrom clara Marrom clara Marrom Marrom
Pubescência Marrom Marrom Marrom Marrom
Tegumento da semente Amarela Amarela Amarela Amarela
Altura Planta (cm) 68 71 76 82
Hábito de crescimento Determinado Determinado Determinado Determinado Determinado
Resistência ao acamamento Boa Boa Boa Boa Boa
Cancro da haste Resistente Resistente Resistente Resistente
Mancha “olho-de-rã” Resistente* Resistente Resistente Resistente
Crestamento bacteriano Resistente* Resistente Sem informação Sem informação
Meloidogyne incógnita Sem informação Sem informação Suscetível Suscetível
Meloidogyne javanica Resistente Resistente Moderadamente tolerante Tolerante

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA


Reação a doença Nematóide de cisto Suscetível Suscetível Suscetível Suscetível
Mosaico comum Sem informação Suscetível Sem informação Sem informação
Moderadamente Moderadamente
Oídio Resistente Suscetível
Resistente* resistente
Moderadamente Moderadamente Moderadamente
Fusariose Sem informação tolerante suscetível suscetível

175
Pústula bacteriana Resistente* Resistente Resistente Resistente
Continua...
Tabela 1. Continuação.

Cultivares
Características Indicadores
BRS Favorita RR BRS Valiosa RR BRS Silvania RR BRS Baliza RR
Área de indicação GO, DF e MG GO, DF e MG GO, DF e MG GO, DF, MG e BA
Peso de 100 sementes (g) 15,7 15 13 13
Reação a peroxidase Negativa Negativa Negativa Negativa
População de plantas 260.000 - 360.000 260.000 – 360.000 250.000 – 300.000 260.000 – 320.000

176
Espaçamento 40 cm 11-14 11-14 10-12 10-12
Densidade Espaçamento 45 cm 12-16 12-16 11-13 11-14
Espaçamento 50 cm 13-18 13-18 12-15 14-16
Fertilidade do solo Corrigida Corrigida Corrigida Corrigida
Época recomendada de plantio 1/11 a 5/12 01/11 a 5/12 01/11 a 10/12 01/11 a 10/12

* Condições de campo.

O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA...


Biossegurança linhagem contendo o gene ahas
(soja IMI), que confere tolerância
De acordo com a Monsanto, foram aos herbicidas do grupo das
realizados mais de 1.400 avaliações Imidazolinonas e, como bordadura
independentes da composição da soja não-transgênica que a
e nutrição da soja, concluindo originou. Os resultados, apesar
que a soja transgênica RR é tão de preliminares, mostraram que
segura quanto à não-transgênica, o gene pode ser transferido
em relação à segurança alimentar. por cruzamento natural. Com
Esses estudos serviram como base isso, sugere-se que a largura
para a aprovação comercial da soja da bordadura com soja não-
RR em diversos países. transgênica semeada em volta dos
ensaios e lavouras com soja IMI
Sob o ponto de vista ambiental, a seja superior a 6,5 m, distância
soja transgênica RR não apresenta a partir da qual não se observou
possibilidade de cruzamento eventos de fluxo gênico, naquele
natural com espécies nativas experimento (ABUD et al., 2003).
ou outras culturas, por ser uma
espécie exótica no Brasil. Portanto, Outro trabalho, dentro dessa
não poderá contaminar o meio mesma linha de pesquisa com
ambiente, uma vez que não há fluxo gênico, foi desenvolvido
espécies selvagens ou outras pela Embrapa Cerrados em
cultivadas com compatibilidade parceria com a Embrapa Recursos
sexual com a soja no Brasil. Genéticos e Biotecnologia para
verificar a que distância ocorreria
Uma das preocupações em o cruzamento natural, com a
relação à biossegurança era o fluxo transferência do gene RR. Nesse
gênico entre a soja transgênica e a ensaio, utilizou-se a linhagem
convencional, nas áreas de cultivo BR00-69515, que continha o
para semente. Com o objetivo de gene RR, e a BRSMG Conquista,
verificar o fluxo gênico, ensaios cultivar que deu origem a essa
de pesquisa foram desenvolvidos linhagem. Os resultados, apesar
pela Embrapa Cerrados, em de preliminares, mostraram que
parceria com a Embrapa Recursos o gene pode ser transferido até a
Genéticos e a Basf. Utilizou-se uma uma distância de 10 m (ABUD

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 177


et al., 2007). Esses resultados foram Manejo de plantas
apresentados em reuniões com
produtores e pesquisadores e são invasoras em áreas
utilizados até hoje como referência. de cultivo com soja
A fixação biológica em soja transgênica
transgênica também vem sendo
O controle de plantas invasoras
estudada. A Embrapa Cerrados vem
em áreas de cultivo com soja é de
desenvolvendo pesquisa nessa linha
fundamental importância para a
desde 2003. O objetivo é avaliar
obtenção de altas produtividades.
a fixação biológica do nitrogênio
As plantas invasoras representam
e o estado nutricional em soja
um grande problema para qualquer
geneticamente modificada, tolerante
exploração agrícola, porque elas
ao herbicida glifosato, e monitorar o
competem pela luz solar, pelos
impacto ambiental da transgenia e o
nutrientes e pela água, podendo
manejo sobre a microbiota do solo
dificultar a operação de colheita e
(ANDRADE et al., 2004).
comprometer a qualidade do grão,
Todos esses trabalhos foram acom- dependendo da espécie e do nível
panhados e analisados pela CTNBio. de infestação (Fig. 2).

Fig. 2. Lavoura de soja


sem controle adequado de
plantas invasoras.

178 O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA...


O controle dessas plantas soja, aumenta o custo de produção
invasoras é feito utilizando-se e também o impacto ambiental.
herbicidas. Suas vantagens são
O cultivo da soja transgênica RR,
a economia de mão-de-obra e a
resistente ao glifosato, diminui
rapidez na aplicação dos produtos. o impacto ambiental causado
Porém, com a ocorrência de pelos herbicidas e reduz o custo
ervas daninhas de difícil controle, de produção, em razão do uso
necessita-se cada vez mais de de apenas glifosato para o
herbicidas diferentes e um maior controle das plantas daninhas,
número de aplicações, o que proporcionando grande facilidade
dificulta o manejo da lavoura de no manejo da lavoura (Fig. 3).

Fig. 3. Lavoura de soja RR com um bom controle de ervas


daninhas.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 179


Em lavouras que utilizam o glifosato, entre 12 e 15 dias, após a
plantio direto, no cultivo da soja emergência da soja e uma segunda
transgênica RR, é necessária aplicação, entre 25 e 35 dias, para o
a utilização de herbicidas para controle das ervas que ressurgirem.
a dessecação da palhada e,
após a semeadura, a utilização Sementes-pirata
de glifosato para o controle das A utilização de sementes-pirata ou
plantas daninhas. Nas áreas com sem origem e integridade genética
alta pressão de infestação, sugere- garantida tem preocupado muito as
se que a dessecação seja feita instituições ligadas ao agronegócio
com antecipação de 20 a 25 dias da soja. O uso dessa prática ocorre
da semeadura, para o controle em decorrência de uma fiscalização
das plantas daninhas. As espécies ainda deficiente, a curiosidade
daninhas que, possivelmente, por uma nova tecnologia e,
emergirem nesse intervalo podem principalmente, o desconhecimento
ser controladas por meio de uma dos produtores de soja sobre os
segunda aplicação, realizada prejuízos que ela pode causar ao
próxima à semeadura, utilizando setor sementeiro e produtivo.
doses reduzidas de dessecante.
A utilização de semente de alta
Durante o ciclo da soja, quer qualidade é uma das principais
seja no cultivo convencional ou garantias do sucesso na produção
no plantio direto, o controle das da cultura da soja. As empresas
plantas daninhas poderá ser de pesquisas podem levar 10 anos
feito utilizando-apenas uma dose para desenvolver uma cultivar
de glifosato, entre 25 e 35 dias, que atenda às necessidades dos
sojicultores, agregando elevado
dependendo do nível de infestação
potencial de rendimento, melhor
das ervas e do estágio de
estabilidade e adaptabilidade, maior
desenvolvimento da soja. Nas áreas
resistência a doenças, além da
com alta pressão de infestação de
qualidade fisiológica e sanitária da
plantas daninhas e(ou) presença
semente de soja.
de ervas de difícil controle, sugere-
se o controle seqüencial. Nesse No mercado de sementes, as
caso, faz-se uma aplicação de características de qualidade

180 O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA...


diferenciam as sementes oriunda de contrabando, que
melhoradas geneticamente do agrava mais ainda a situação, pois
grão comum, vendido muitas vezes pode introduzir pragas e doenças já
como semente-pirata. A semente- erradicadas ou ainda inexistentes,
pirata é aquela comercializada prejudicando toda uma região
sem a permissão do obtentor da ou o país. A semente-pirata pode
cultivar, sem origem oficial, sem conter, ainda, misturas de sementes
garantia de qualidade e integridade não-transgênicas, em razão da
genética. Com isso, todos perdem, baixa qualidade na colheita e no
principalmente o agricultor, que beneficiamento, dificultando o
potencialmente está utilizando uma estabelecimento da população
mercadoria de baixa qualidade. de plantas, após a utilização do
Essa semente é produzida e glifosato no controle das plantas
comercializada fora do sistema daninhas (Fig. 4). Tudo isso resulta
nacional de sementes e, portanto, na degeneração das variedades,
sem nenhum tipo de fiscalização e reduzindo significativamente as
controle, não oferecendo nenhuma produtividades, trazendo grandes
garantia ou padrão de qualidade ao prejuízos para todo o agronegócio
agricultor. Existe também a semente da soja no País.

Fig. 4. Plantas de soja


convencional, mortas pelo
glifosato, misturadas à
soja RR.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 181


As conseqüências dos danos Normalmente, as áreas utilizadas
causados pela utilização de com pastos, por não haver uma
sementes pirata à sojicultura boa adubação de manutenção, têm
brasileira são incalculáveis. Além sua fertilidade reduzida, baixando
dos prejuízos diretos, fatalmente a capacidade de suporte de
causa a cada agricultor os animais e, conseqüentemente, sua
prejuízos indiretos, que são ainda produtividade.
mais danosos e com efeitos
mais profundos e abrangentes. A soja RR pode ser um importante
O seguimento mais afetado é o componente nas tecnologias que
do setor sementeiro, em seguida estão sendo desenvolvidas para a
o da pesquisa e, finalmente, o recuperação das áreas de pasto, na
agricultor, que verá seus problemas integração lavoura-pecuária.
aumentarem, sua produtividade A soja é uma cultura que vem
reduzir e não terá a pesquisa para sendo utilizada com sucesso para
mantê-lo em ascensão técnica ou a recuperação dessas áreas. Seu
socorrê-lo quando precisar. cultivo melhora a fertilidade do solo,
pois deixa resíduos de nitrogênio,
Integração lavoura- fixados pela simbiose com bactérias
pecuária fixadoras de nitrogênio, e também
A abertura de novas áreas de outros nutrientes utilizados na
para o cultivo de soja, adubação da soja. Um dos manejos
principalmente quando se fala em para a recuperação dessas áreas é
desmatamento, é sempre motivo feito plantando-se uma cultivar de
de grandes polêmicas. No Brasil, soja RR de ciclo curto juntamente
aproximadamente 50 milhões de com semente de capim. Essa
hectares de pastagem encontram- prática reduz o custo de uma
se degradados ou em degradação. operação (semeio do capim). Após
O cultivo da soja, no sistema de a colheita da soja, no final do mês
integração lavoura-pecuária permite de fevereiro, o capim passa a se
a recuperação dessas áreas, além desenvolver utilizando os resíduos
de aumentar a produção de grãos da lavoura de soja. A principal
e de carne sem a necessidade de dificuldade dessa prática é manter
desmatar novas áreas. o pasto com desenvolvimento

182 O PROGRAMA DE MELHORAMENTO DE SOJA...


reduzido durante o ciclo da soja. ARAGÃO, F. J. L. Dispersão de pólen
Para isso, com o cultivo de soja em soja transgênica na região do
RR, pode-se fazer a aplicação de Cerrado. Pesquisa Agropecuária
doses de glifosato, que controla Brasileira, Brasília, v. 38, n. 10,
p. 1229-1235, 2003.
as ervas daninhas e reduz o
desenvolvimento do capim. ANDRADE, S. R. M.; SOUZA, P. I. M.;
MOREIRA, C. T.; ABUD, S.; MENDES,
O cultivo da soja RR, no sistema de I. C.; REIS JÚNIOR, F. B.; FALEIRO, F.
integração lavoura-pecuária, reduz G. Pesquisas com OGMs realizadas
o custo de produção e permite a na Embrapa Cerrados. In: ENCONTRO
recuperação dessas áreas, além NACIONAL DAS COMISSÕES
de aumentar a produção de grãos INTERNAS DE BIOSSEGURANÇA, 2.,
e de carne sem a necessidade de 2004, Rio de Janeiro. Resumos... Rio
de Janeiro: CNTBio, 2004. p. 20.
desmatar novas áreas.

Referências FALEIRO, F. G.; ANDRADE, S. R. M.;


SOUZA, P. I. M.; MOREIRA, C. T.;
ABUD, S.; SOUZA, P. I. M.; VIANNA, G.
MENDES, I. C.; REIS JÚNIOR, F. B.
R.; LEONARDECZ, E.; MOREIRA, C.
T.; FALEIRO, F. G.; NUNES JÚNIOR, Comissão interna de biossegurança
J.; MONTEIRO, P. M. F. O.; RECH, E. da Embrapa Cerrados: um breve
L.; ARAGÃO, F. J. L. Gene flow from histórico. In: ENCONTRO NACIONAL
transgenic to nontransgenic soybean DAS COMISSÕES INTERNAS DE
plants in the Cerrado region of Brazil. BIOSSEGURANÇA, 2., 2004, Rio de
Genetics and Molecular Research, Janeiro. Resumos... Rio de Janeiro:
Ribeirão Preto, v. 6, n. 2, p. 345-352, CNTBio, 2004. p. 23.
2007. MONSANTO. Soja transgênica.
ABUD, S.; SOUZA, P. I. M.; MOREIRA, Disponível em <http://www. Monsanto.
C. T.; ANDRADE, S. R. M.; ULBRICH, com.br/mapa_do_site>. Acesso em: 20
A. V.; VIANNA, G. R.; RECH, E. L.; abr. 2005.

BIOTECNOLOGIA, TRANSGÊNICOS E BIOSSEGURANÇA 183


Cerrados

ISBN 978-85-7075-050-1

Você também pode gostar