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A SEXUALIDADE DAS MULHERES E O SISTEMA PRISIONAL –

QUESTÕES SOBRE A VISITA ÍNTIMA1


Karine Corrêa2
Fabiano de Mello Vieira3

RESUMO
A presente pesquisa bibliográfica tem como objetivo abrir uma discussão acerca da
sexualidade das mulheres que se encontram encarceradas, tendo em vista que pouco se fala
sobre o sexo feminino no sistema prisional brasileiro. Segundo dados do estudo feito pelo
Infopen Mulheres, baseado no último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(Infopen) e do Ministério da Justiça, a população carcerária feminina subiu de 5.601 para
37.380 detentas entre 2000 e 2014, um crescimento de 567% em 15 anos. Inclusive, essa foi a
primeira vez que o estudo trabalhou com recorte de gênero, o que demonstra ainda mais a falta
de aprofundamento em estudos e estatísticas tratando-se de mulheres. Tanto é verdade que
especialistas já se posicionaram no sentido de que as prisões não estão preparadas para
receberem mulheres, ainda mais quando essa população cresce de maneira exponencial.

METODOLOGIA
A metodologia utilizada para que fosse possível abrir a discussão e
retirar algumas conclusões iniciais foi a pesquisa bibliográfica.

FUNDAMENTAÇÃO
Quando se trata de produzir um estudo sobre a mulher em uma
sociedade patriarcal, muitos fatores precisam ser levados em conta. Dessa
maneira, o objetivo do presente trabalho é abrir uma discussão acerca da
sexualidade das mulheres encarceradas, uma vez que estas sofrem ainda mais
pelo fato de não terem suas especificidades respeitadas dentro da prisão.
O sexo feminino sempre foi ostensivamente discriminado com base em
elementos puramente biológicos. Tanto é verdade que na era medieval fora
proposto o primeiro discurso criminológico sobre as mulheres: O Malleus
Maleficarum ou Martelo das Bruxas. Foi tanto um manual de instruções sobre
como julgar aquelas ditas bruxas, quanto uma justificativa de por que assim
deveria ser. Lá eram encontrados os poderes e as práticas dessas pessoas,
suas relações com o demônio e sua descoberta. Conforme evidencia Mendes
(2014, p. 22), em análise ao manual, as mulheres seriam mais fracas na mente
e no corpo, por isso, não era de surpreender que se entregassem com mais

1 Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso de Direito da


Faculdade de Educação Superior do Paraná (FESPPR)
2 Bacharel em Direito pela Faculdade de Educação Superior do Paraná (FESPPR)
3 Professor Titular de Psicologia Jurídica na Faculdade de Educação Superior do Paraná

(FESPPR)

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frequência aos atos de bruxaria; dessa forma, a mulher era considerada mais
fraca em manter e preservar sua fé. Simone de Beauvoir (1970, p. 89) destaca
que a mulher nunca foi considerada semelhante ao homem, a sociedade
sempre foi masculina; o poder político sempre esteve nas mãos dos homens,
ficando sempre sob a tutela destes. A autora ressalta ainda que, desde a
origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-
se sozinhos como sujeitos soberanos.
A mulher sempre foi vista como ser impuro; e o homem, porém, sabia
que ela era indispensável para a perpetuação de sua existência. Dessa forma,
era necessário que a mulher fosse integrada à sociedade: à medida que se
submete à ordem estabelecida pelos homens, ela se purifica de sua mácula
original (BEAUVOIR, 1970, p. 100). Beauvoir assevera que, como a mulher era
considerada uma propriedade do homem, este detinha sobre aquela o ‘’poder
de espada’’, podendo condená-la à morte se infringisse regras anteriormente
impostas. Para Foucault (1976, p. 202), na teoria clássica da soberania, o
direito de morte era um de seus atributos fundamentais. É dizer que, em certo
sentido, o soberano tem direito de vida e de morte – fazer morrer ou deixar
viver. Aquele que é submetido às ordens do soberano torna-se neutro, e é
simplesmente por causa deste que o súdito tem direito de estar vivo ou tem
direito, eventualmente, de estar morto. E esse direito de vida e de morte só se
exerce de forma desequilibrada, e sempre do lado da morte.
Ou seja, a mulher é tida como súdita do homem e este, como soberano,
podendo exercer sobre aquela o que Foucault chamava de ‘’biopoder’’ ou, na
esfera populacional, ‘’biopolítica’’, que consiste basicamente em intervir na
natalidade, na morbidade e nas incapacidades biológicas diversas. Se a
mulher, em condições favoráveis, já sente o poder patriarcal difundido na
sociedade, a mulher encarcerada, por sua vez, encara o machismo de forma
acentuada, tendo em vista que o cárcere é feito por homens e para homens.
Daí a importância de políticas públicas tendo como foco as mulheres
encarceradas.
A ONU é a principal fomentadora no que diz respeito ao tratamento das
pessoas encarceradas no mundo. Diante disso, desde 1955 a Organização
vem buscando estabelecer normas para garantir direitos humanos básicos
para encarcerado, como políticas direcionadas especificamente para

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mulheres. As Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres
presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras –
Regras de Bangkok – trata especificamente da temática acerca da questão
feminina no cárcere e convida os Estados-Membros a elaborarem leis,
políticas e planos de ações levando-se em consideração as reais
necessidades das presas. O sistema prisional brasileiro – tratando-se
especificamente das mulheres – ainda apresenta pouquíssima preocupação
com a situação destas no cárcere.
Embora haja políticas que visam promover os direitos das mulheres
presas por meio de normativos, muitos Estados não buscam a real efetivação
de tais medidas. A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 41, garante o
direito à visita íntima hetero e homossexual; todavia, tratando-se de mulheres
e de todo um histórico de submissão, esse assunto ainda é tabu.
Sabe-se que a maioria das presas, 62% delas, é abandonada assim que
adentra no sistema prisional. Segundo dados fornecidos pelo Departamento
Penitenciário Nacional, em pesquisa publicada no ano de 2008, estima-se que
62,06% das presas não recebem qualquer tipo de visita – sejam de parentes
ou companheiros.

RESULTADOS
É possível concluir, a partir do recorte teórico utilizado, que a mulher
desde sempre esteve submetida a regras impostas por homens, nas diversas
esferas de sua vida. Ainda hoje são tratadas com diferenças, principalmente
quando o assunto é sexualidade feminina. Quando consideramos as mulheres
encarceradas, esse problema se agrava, já que elas carregam o estigma da
criminalidade, sendo deixadas à mercê de um Estado machista e pouco
preocupado com suas necessidades. Embora existam políticas públicas
voltadas às mulheres no cárcere, muitas delas não são obrigatórias, são
apenas recomendações às instituições para que as apliquem na medida do
possível, tendo em vista a precariedade dos presídios brasileiros e o pouco
interesse no bem-estar das pessoas encarceradas.
Desde a Idade média, a ideia de reclusão era exatamente com a
preocupação de manter os princípios morais, de preservação dos bons
costumes e da castidade feminina, o que ainda perdura dentro dos

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estabelecimentos prisionais que custodiam mulheres. O sistema carcerário não
foi pensado visando o feminino, uma vez que o controle sobre o corpo se dá na
esfera privada pelo domínio patriarcal que via na violência contra a mulher uma
forma de garantir o controle masculino.
O abandono dessas mulheres por seus companheiros, seja pela
dificuldade de acesso aos presídios, pela escassez de lugares adequados para
as visitas íntimas femininas ou pelo estigma que as acompanham por terem
delinquido, acaba por deixá-las à mercê de si mesmas, demonstrando mais
uma vez a dupla punição pelos crimes que cometeram.
Toda pessoa, seja homem ou mulher, necessita de convívio social com
seus familiares para que assim não percam sua identidade, sua essência.
Logo, a quebra de laços com familiares faz com que a reabilitação e
ressocialização dessas mulheres seja prejudicada. O abandono acarreta nas
internas grande sentimento de rejeição, aumento da necessidade de aceitação
e carência afetiva.
É urgente que haja uma severa conscientização por parte do Estado no
fomento da real ressocialização das mulheres presas e para que estas não
percam importantes laços extramuros e, assim, não tenham mais seus
familiares presentes quando cumprirem suas penas e voltarem ao lar.

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REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. p. 91-92. Tradução Sergio Miliet.


Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970.

BRASIL. DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias


Infopen – Junho 2014. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/noticias/mjdivulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-
tercafeira/relatorio-depen-versao-web.pdf>.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade.. Tradução Maria Ermantina


Galvão. São Paulo: Editora WMF. 1976.

HENKIN COELHO NETO, Helena. A mulher e o Direito Penal Brasileiro:


Entre a criminalização pelo gênero e a ausência de tutela penal justificada
pelo machismo. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, a.17 ,n. 25 p. 322-323,
2013. Disponível em:
<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_mulher_e_o_direito_penal_
brasileiro_entre_a_criminalizacao_pelo_genero_e_a_ausencia_de_tutela_pena
l_justificada_pelo_machismo.pdf>. Acesso em 12 ago./2016.

MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia Feminista: novos paradigmas. São


Paulo: Saraiva, 2014.

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