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ConselhoNacional de Política Criminal e Penitenciária


Processon. ° 08001.013153/2008-84

Relatório
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Versa o presenteexpedientecorrespondência dirigida, pela Chefe
da AssessoriaParlamentar,substituta,do Ministério da Justiça, ao eminente
PresidentedesseEgrégioConselho,solicitandosuamanifestaçãoacercado PLS
421/2008,de autoriado SenadorAntônio Carlos Valadares (PSB/SE)-, e que
trata de alteraçõespropostasa dispositivosda Lei de ExecuçãoPenal (~igQ
ill, caput e ~); da Lei dos CrimesHediondos(artigo 2°,~; e do Código
f~ (artigo 83, incisosI, Il e Y).
Em seqüência,o eminente PresidentedesseColendo Conselho
designouo signatárioparaexamee manifestaçãosobrea matéria.

Parecer
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1. Consoantese verifica, tanto: pelo texto sugerido, quanto pela
justicativa apresentada pelo ilustre Senador proponente, tratam-se as
modificações legislativas por ele pretendidas de inovações tendentes a
dificultar a obtençãode beneflciosexecutórios,sejaa progressãode regime,
seja o livramento condicional. E inspiram-setais alterações,nitidamente,em
nova inflexão da ideologia repressivade tipo autoritário,que volta e meia se
manifesta em nosso país - não apenasno Parlamento, diga-se -, e cujo
principal e notório instrumentoé a malfadadaLei dos CrimesHedil1ndos.
. Visam, assim,tais propostas,a contornarou anularos recentes
movimentos
- no SupremoTribunal Federal,com a históricadecisãoque
considerouinconstitucionala proibição de progressãonos crimes previstosna
mencionadalei extravagante;e tambémno próprio CongressoNacional, com a
ediçãodas recentesLeis n.o 10.792/03e 11.464/07-, destinadosa anular e/ou
atenuaros maléficosefeitos sobre a execuçãopenal, acarretados
desdea
vigênciadaquelediploma,sempreapontadospela comunidadejurídica.
Por isso,já adiantandoa posiçãocontráriaàs novidadessugeridas
no projeto em tela, passoa examiná-Ias,umaa uma.

2.1. O ilustre senador sergipano propõe, em primeiro lugar, duas


alterações ao artigo 112, da Lei de Execução Penal, manifestamente
.) direcionadas a revogar o avanço conquistadocom ajá aludid~ Lei n.O10.792/03, ,... .
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que em boa hora acabou com a obrigatoriedade do exame criminológico para


efeitos de progressão de regime carcerário menos rigoroso. Mais que isso,
pretende-seestabelecer,como requisito universal e compulsório para progredir
de regime, o prévio "...parecer da ComissãoTécnicade Classificação...";e, ainda
por cima, "...do examecriminológico,quando necessário..."(c/e. proposição de
redaçãopara o~, do mencionado dispositivo legal).
A respeito da absoluta inconveniência, para dizer o mínimo, do
malfadado retomo dos laudospsicológicos, como condição para a progressãode
regime (e do livramento condicional), já tive oportunidade de me manifestar, ao
lançarparecerno Processon. 08037.000111/2009-57,
o aprovadopor esse
EgrégioConselho,na sessãodo último dia 24 de abril do corrente-, apoiandoa
moção do Conselho da Comunidade da cidade de São Paulo, repudiando as
tentativas de reintrodução daquele mecanismo, que se revelou altamente
contraproducentenas quaseduas décadasem que vigiu.
Assim, como razão para a rejeição daquela proposta, reporto-me
aqui às consideraçõesali tecidas; e cujas conclusões,aliás, sob o viés da própria
Psicologia, já tinham sido destacadosem excelenteestudo da ilustre Conselheira
Valdirene
aprovado porDaufemback,
esseColegiado.que integrou parecer também naquela ocasião
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2.2. Apenas acrescentoque a outra modificação sugerida para o ~igQ


ill da LEP, esta para o disposto no seu caput - e relativa ao aumento para um
quarto do prazo mínimo de cumprimento da pena, para fins de progressão -,
tampouco se revela interessante.Aumentar o piso mínimo, estabelecidodesde a
edição daquele diploma, em um terço da pena, não tem outro propósito a não
ser o de dificultar o trânsito entre os regimes prisionais - que constitui,
convém lembrar, pois parece desconhecidopelo proponente, a própria essência
do cumprimento progressivo da pena, mecanismo legal pelo qual se busca
assegurar, na terceira e mais importante fase da individualização penal, a
reinserção progressiva do cidadão condenado ao meio social de onde foi
retirado.
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É justamente a aversão ao próprio instituto da progressão,
';~;:;;:;c demonstradatanto nas propostasem exame,quanto na justificativa oferecida
,~~~ji:.::. para as mesmas,que me leva, como dito no início destedespretencioso
parecer,
~'~/"~:' , a me manifestar frontalmente contra as mesmas; é que tenho a convicção de
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c--:: que apenas a efetivação do sistemaprogressivode cumprimento das penas
.. privativas de liberdade pode justificar sua existência, com algum proveito
social -, donde se segueque a legislação deve procurar favorecer a transferência
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de regimes reclusivos, dos mais para os menos severos,visando com isso, aos
poucos, a reconquistaplena da liberdade.
A não ser assim, a sanção constritiva da liberdade não passa de
mecanismo de pura retribuição, tão perversa sobre quem a recebe, quanto
inócua (ou pior ainda, contraproducente)
para a sociedade-, o que,
infelizmente, ocorre na maioria dos presídios e penitenciárias brasileiros.

2.3. Não é menos infeliz o eminenteparlamentar ao propor, em seguida,


alterar os prazos mínimos de cumprimento estipulados na Lei dos Crimes
Hediondos para a progressãode regime nos crimes ali previstos, para um terço e
dois terços, respectivamenteem se tratando de apenadoprimário ou reincidente.
Trata-se, mais uma vez, de buscar dificultar o movimento
progressivo na execuçãoda pena, quando o objetivo deveria ser precisamenteo
contrário. Ainda mais que, para atender a preocupação exprimida na
justificação da proposta, o legislador, muito recentemente, já alterou, como
é sabido, os requisitos temporais para o beneficio, quando se tratar de crime
hediondo ou assemelhado, aumentando-os do tempo inicialmente previsto,
como regra geral (um sexto) para, respectivamente, dois quintos e três
quintos, conforme se trate de apenado primário ou reincidente.
Chama a atenção, aliás, que a sugestão feita a propósito de tais
prazos revela-se insignificante, do ponto de vista prático, dada a mínima
diferença temporal entre os valores hoje vigentes, desde a entrada em vigor da
Lei n.o 11.464/07, e aquelesaqui propostos-, tudo a indicar, tambémpor isso, a
desnecessidadeda alteraçãodos mesmos.

2.4. Por fim, as alterações desejadas no projeto em .exame para o


livramento condicional, igualmente não se justificam, e pelos mesmos
motivos já alinhados acima, a respeito da progressão;não é preciso dizer que se
trata, aquele, do instituto mais antigo e tradicional para garantir a reintrodução
paulatina ao convívio social do condenado,que revelar, pelo mérito evidenciado
intra-muros, condiçõespara viver fora deles.
Daí que se aplica aqui tudo o que se disse antes, acerca da
conveniência em facilitar, sempre que possível, seu retorno ao meio de onde
veio,inclusive
pelolivramentocondicional
-, quepressupõe,
ainda,umasérie
de restrições à liberdade, e de controles do sistema legal punitivo sobre o
liberado.
Não há sentido, por isso, em aumentar o período mínimo para obter
o beneficio, hoje de um terço, para metade da pena, como infundadamente se
propõe para o inciso I, do artigo 83, do Código Penal.

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Tão descriteriosa, aliás, é a inovação pretendida que nem ao menos
se distingue a situação, como o legislador sempre fez, tradicionalmente, entre
condenadosprimários (um terço da pena) e reincidentes em crime doloso (mais
de metadeda pena). .
Preferiu-se, ao contrário, enveredarpor esdrúxulos caminhos: para
os réus reincidentes em crime dolosos proíbe-se, tout court, o livramento
condicional, como deflui da condição estabelecidapelo proponente no inciso V,
do aludido dispositivo do estatuto penal básico. Mas, estranha e
paradoxalmente, permite-se o beneficio para quem tenha sido condenado
por crime hediondo, tortura, tráfico ilícito de drogas ou terrorismo -, desde
que cumpra antes pelo menos dois terços da pena, como já ocorre hoje, mas
suprimindo a ressalva final, existente no inciso V, do arti20 83, do CÓdi20
~!!, desde a edição da Lei n.o 8.072/90, que exclui o apenado "reincidente
específico em crimes desta natureza".
Quer dizer: a vingarem tais modificações, o reincidente específico
em crime hediondo ou assemelhado,poderá obter livramento condicional, ao
cumprir dois terços da pena; mas o réu condenado por furto, por exemplo, se
for reincidente (condenado anteriormente pelo próprio furto, o que é
corriqueiro), simplesmente não poderá: gozar de tál beneficio -, excluídoque
fica por ser "reincidente em crime doloso"...

3. Tais incongruências, para não dizer absurdos, são ora destacados


apenaspara evidenciar as situações a que se chega, no afã de dar resposta aos
reclamos de parcela da sociedade, aturdida diutumamente pelo discurso
midiático tecido a propósito da escaladada criminalidade-, respostaque se
concretiza em medidas típicas do chamadodireito penal do terror, ou do pânico,
destinado a aumentar a repressãobrutal dos agentese agênciasestataissobre os
estratos sociais mais débeis, clientela preferencial da ação punitiva seletiva do
sistemapenal brasileiro. -

Os efeitos de tais medidas de endurecimento da legislação penal,


escusado dizer a esse Egrégio Conselho, cujos integrantes bem o sabem,
acarretam sempre, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, o
incremento da violência social como um todo.
É o que se dá com as propostas feitas no projeto aqui examinado,
destinadasque são a dificultar ou impossibilitar, na prática, o funcionamento dos
mecanismosexecutórios destinadosa descomprimir o já falido sistemaprisional
do país-, na contramãodo movimentode efetivaçãodos institutos da Lei de
Execução Penal e do Código Penal, em que as atuais autoridades do Governo
Federal, em especial do Ministério da Justiça, estãoempenhadas.

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4. Por isso,na linhado expostoacima,opino no sentidode que esse
Egrégio Conselhoque se manifestefrontalmente contrário a todas as :
propostas de alteração legislativa trazidas nestePLS 421, e bem assimque,
acatadaque sejaestarejeição,sejaa mesmalevadaàs instânciasdecisóriasdo :.I
Ministério da Justiça, visandoa orientarsuaposiçãona tramitaçãodo projeto. ~~
É o parecer, que submetoà alta apreciaçãode meus eminentes
pares.

De PortoAlegre,paraBrasília,em 29 dejunho de 2.009.

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Conselheiro Relator

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