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Filosofia do
Direito e
Sociologia
Jurídica
DPE/SP
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Sobre o Professor
O Professor Doglas Cesar Lucas possui graduação
em Direito pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ (1998),
mestrado em Direito pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2001), Doutorado em Direito pela
UNISINOS (2008) e Pós-Doutorado em Direito pela
Università Degli Studi di Roma Tre (2012). É professor
dos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado em
Direito na Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ e professor no
Curso de Direito da Faculdade CNEC Santo Ângelo,
ministrando as disciplinas de Filosofia do Direito,
Direitos Humanos, Direito Internacional dos Direitos
Humanos e Ética Geral e Profissional, disciplinas que
leciona há mais de 20 anos. É Professor colaborador
no mestrado e doutorado em Direito da URI – Santo
Ângelo e Editor-chefe da Revista Direitos Humanos e
Democracia (B1). É coordenador da Coleção Direitos
Humanos e Democracia, da Editora UNIJUÍ.
Pesquisador do Instituto Jurídico Portucalense, no
grupo de pesquisa Dimensions of Human Rigths.
Avaliador do MEC/INEP. Pesquisador colaborador do
IBEROJUR, na área temática de Filosofia do Direito e
Direitos Fundamentais. Para maiores informações, o
currículo lattes do Professor Doglas está disponível
neste link.
AVISO IMPORTANTE
Todas as informações incluídas neste material, como texto, gráficos, logotipo etc., são de
propriedade exclusiva do Instituto Virtus e estão protegidas por direitos autorais (Lei nº
9.610/1998), sendo vedada a reprodução, distribuição ou comercialização de qualquer
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para os formatos como doc, odt, txt etc.
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SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................................................................................... 3
O Examinador.............................................................................................................................................................. 8
Referências .................................................................................................................................................................. 41
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Introdução
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variedade e redundância. 2.17 A relação entre direito e política. 2.18 O conceito de Estado
de Direito. 2.19 Acoplamentos estruturais do sistema jurídico com o sistema econômico e
com o sistema político. 2.20 Autodescrição e heterodescrição do sistema jurídico. 2.21 O
direito como “sistema imunológico” da sociedade. 2.22 Sistema jurídico e “sociedade
mundial”. 2.23 A questão dos direitos humanos. 2.24 Inclusão e exclusão como
metacódigo.
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Obras contempladas
DELGADO, R.; STEFANCIC, J. Teoria crítica da raça: uma introdução. Tradução de Diógenes
Moura Breda. 3. ed. São Paulo: Contracorrente, 2021.
FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Eduardo Jardim e Roberto
Machado. Rio de Janeiro: NAU, 2013.
KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 1990.
LUHMANN, N. O Direito da sociedade. Tradução de Saulo Krieger. São Paulo: Martins
Fontes, 2016.
MBEMBE, A. Necropolítica. Tradução de Renata Santini. São Paulo: n-1 ed., 2022.
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Atenciosamente,
Equipe Instituto Virtus.
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O Examinador
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Currículo lattes disponível aqui.
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O conhecimento foi, portanto, inventado. Dizer que ele foi inventado é dizer
que ele não tem origem. É dizer, de maneira mais precisa, por mais
paradoxal que seja, que o conhecimento não está em absoluto inscrito na
natureza humana. O conhecimento não constitui o mais antigo instinto do
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Além disso, no século XIX, numa ligação direta com o controle político e social da
formação da sociedade capitalista, também houve a invenção do exame – examen, o qual
deu origem à Sociologia, à Psicologia, à Psicopatologia, à Criminologia, à Psicanálise.
Falaremos sobre o exame e sobre o inquérito mais detidamente nos tópicos seguintes.
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tem três? Édipo responde, acertadamente, que é o ser humano, que engatinha na
infância, anda ereto na juventude e com o auxílio da bengala na velhice. Tomada pela
vergonha de ver seu enigma até então inabalável ser decifrado, a esfinge comete o
suicídio. A população de Tebas, em gratidão a Édipo, faz dele o seu Rei. Quando coroado
Rei, porém, Édipo deve casar-se com a própria mãe, Jocasta (tudo isso sem saber acerca
de sua verdade biológica). A profecia do Oráculo de Delfos, assim, concretiza-se por
completo e Édipo tem quatro filhos com sua mãe. Ao final, e anos depois, Édipo descobre,
por meio do adivinho Tirésias, que ele era o responsável pela praga que assolou Tebas.
Jocasta, em choque ao saber da verdade, comete o suicídio, e Édipo perfura seus dois
olhos, cegando-se, e vai embora de Tebas, vivendo como um mendigo desde então.
A “moral da história” vocês provavelmente já entenderam. E agora, talvez seja
possível perceber o motivo pelo qual Sigmund Freud, o pai da psicanálise, alcunhou o
vínculo entre pai, mãe e filho como o “Complexo de Édipo”.
Porém, a partir de “O anti-Édipo”, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, Foucault
visualiza nessa apropriação psicanalítica do mito edipiano “um instrumento de limitação
e coação que os psicanalistas, a partir de Freud, utilizaram para conter o desejo e fazê-lo
entrar em uma estrutura familiar definida por nossa sociedade em determinado
momento.” (FOUCAULT, 1996, p. 29). Em resumo, portanto, a tríade pai-mãe-filho não é,
dirá Foucault, com base em Deleuze e Guattari, uma verdade absoluta e atemporal, mas
uma manipulação, uma construção, relativamente ao desejo e ao inconsciente.
A tragédia de Édipo, segundo Foucault, é o primeiro testemunho das práticas
judiciárias gregas. Trata-se da história de uma pesquisa da verdade sobre quem matou
Laio, Rei de Tebas.
Foucault adverte que existiam dois métodos principais para descobrir a verdade
na Antiguidade grega. O primeiro deles era o jogo de prova, evidenciado em Ilíada, um
dos principais poemas épicos da Grécia Antiga de autoria de Homero. Nele, Antíloco e
Menelau participam de uma corrida de carros durante jogos que se realizavam por
ocasião da morte de Pátroclo. A corrida desenrola-se normalmente e Antíloco e Menelau
estão à frente. Ocorre uma irregularidade e Antíloco chega primeiro. Menelau intervém e
informa que Antíloco cometeu uma irregularidade, e por isso chegou primeiro. Nesse
texto de Homero, não se faz apelo, como se fará em Édipo-Rei, à testemunha ocular (tão
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importante à época e ainda hoje no curso das investigações penais). Há, ao contrário, tão
somente uma contestação entre os adversários Menelau e Antíloco.
2
Mácula, difamação.
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1. Não havia ação penal pública – Não havia intervenção de nenhum representante
ou autoridade. A ação penal no Direito Germânico era um ato de dois personagens,
e não 3, como costumamos afirmar contemporaneamente à luz do sistema
acusatório e do conhecido actum trium personarum. Para haver uma ação penal
era necessário que tivesse havido um dano, que uma vítima tivesse se sentido
lesada por esse dano e que essa vítima designasse o seu adversário (o causador do
dano). A exceção quanto à ação pública ficava por conta dos crimes de traição e da
prática da homossexualidade, o que é bastante curioso e evidencia a preocupação
no nível do biopoder relativamente às práticas íntimas dos sujeitos. Nesses casos,
a comunidade intervinha porque se sentia lesada (observem como esse
movimento permite entender historicamente muitos dos ressentimentos que
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2. Provas verbais – Nesse caso, o acusado deveria proferir fórmulas gramaticais (no
estilo “trava língua”) jurando que não havia cometido o fato de que era acusado,
um assassinato ou um roubo, por exemplo. Dependendo de suas habilidades
oratórias, era absolvido ou não. É interessante o apontamento feito por Foucault
de que os menores, as mulheres e os padres podiam ser substituídos por outra
pessoa. Observem que interessante esse antecedente histórico remoto da figura
do advogado, que devia pronunciar as fórmulas no lugar do acusado. “Se ele se
enganava ao pronunciá-las, aquele em nome de quem falava perdia o processo.”
(FOUCAULT, 1996, p. 60);
3. Provas mágico-religiosas – Consistiam em exigir que o acusado prestasse
juramento e, caso hesitasse ou não o fizesse, perdia o processo.
4. Provas corporais físicas (ordálios) – Submetia-se a pessoa a uma espécie de jogo de
luta com o seu próprio corpo, através do qual se constataria se venceria ou
fracassaria. No Império Carolíngio, por exemplo, havia uma prova imposta a quem
fosse acusado de assassinato consistente no seguinte: o acusado devia andar sobre
ferro em brasa e, se dois dias depois ele ainda tivesse cicatrizes, perdia o processo.
Por isso, Foucault (1996, p. 61) fala que o sistema de provas do Direito Feudal
assume uma (i) forma binária:
Além disso, essa prova sempre termina por uma (ii) vitória ou pelo fracasso. Em
nenhum momento aparece algo como a sentença, que só vamos conhecer a partir do
fim do século XII e do início do século XIII, algo como a enunciação, por um terceiro, acerca
de fatos imputados por uma parte à outra. Ademais, outra característica desse sistema
de provas é sua (iii) automaticidade, pois o terceiro somente interfere para testemunhar
a regularidade do procedimento. Ele é, em verdade, quase desnecessário. Por fim, a
quarta característica (iv) é de que nesse mecanismo a prova não serve para nomear e
definir quem disse a verdade, mas para estabelecer quem é o mais forte.
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No livro “Vigiar e punir”, o filósofo Michel Foucault analisa três formas punitivas
historicamente situadas: o suplício, as penas proporcionais aos crimes e a prisão. Segundo
sua análise, cada uma destas formas punitivas vincula-se, em seus princípios, sua forma
e seus efeitos, a uma determinada “economia do poder”, também historicamente
localizada. Explicite a análise realizada pelo autor sobre a forma punitiva consistente no
suplício, considerando os seguintes aspectos: 1) O que é o suplício. Os principais
elementos que caracterizam essa forma punitiva; 2) A relação entre o suplício e a
descoberta da verdade do crime; 3) A relação entre a manifestação da verdade do crime
e a forma de execução do suplício (execução pública); e 4) O significa do suplício como
“ritual político”.3
3
Segundo espelho da banca, esperava-se que o(a) candidato(a) conseguisse explicitar a análise
realizada por Foucault relativamente ao suplício (penas físicas, ordálias) como expressão concreta
da economia do poder soberano. Quanto ao questionamento (1), o(a) candidato(a) devia ser capaz
de definir o suplício como uma pena corporal e caracterizá-lo a partir de seus principais elementos
constitutivos: a produção de certa quantidade de sofrimento, a correlação entre o tipo de
ferimento físico e a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, bem como o nível social das vítimas.
Quanto ao item (2), o(a) candidato(a) deveria demonstrar a relação entre a forma de suplício e a
determinação da própria verdade sobre o crime, ou seja, que no suplício misturam-se um ato de
instrução e um elemento de punição. No tocante ao item (3), o(a) candidato(a) deveria demonstrar
que a realização pública do suplício tinha por objetivo realizar uma manifestação atual do crime.
Assim, a execução pública incluía os seguintes aspectos: o culpado era o arauto da sua própria
condenação; o suplício seguia a cena da confissão; o estabelecimento de relações decifráveis entre
o suplício e o crime; o suplício constituía-se ao final de seu ritual como uma derradeira prova.
Finalmente, quanto ao item (4), o(a) candidato(a) devia demonstrar implicações entre a forma
punitiva do suplício e a “economia” do poder soberano. A explicitação dos elementos que constitui
o suplício como um ritual político evidenciará o vínculo desta forma punitiva como o modelo do
poder soberano.
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1. A justiça não é mais uma disputa entre indivíduos. Ela impõe-se do alto. Os
indivíduos não têm mais o direito de regular, de resolver seus litígios. Isso é
importante porque, enfim, os indivíduos vão se sujeitar a um poder externo a eles;
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Portanto, o inquérito não é um conteúdo, mas uma forma de saber. É uma forma
política, de gestão, de exercício do poder que se torno a maneira ocidental de autentificar
a verdade, de definir coisas que serão transmitidas como verdadeiras. Em resumo, “o
inquérito é uma forma de saber-poder.” (FOUCAULT, 1996, p. 78).
4
A disputatio consistia num ritual de transmissão do saber em que havia o afrontamento de dois
adversários que utilizavam a palavra e a retórica como arma.
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1. Expulsão – Como o criminoso rompeu o pacto social, não pertence mais ao corpo
social, motivo pelo qual deve ser expulso do campo da legalidade que infringiu;
2. Exclusão, isolamento, escândalo-público – É o isolamento constituído e fortalecido
basicamente pela opinião pública. Abandona-se a pessoa (o inimigo social) e sua
falta ao desprezo público;
3. Trabalho forçado – A ideia era forçar as pessoas ao desempenho de uma atividade
útil, de modo que o dano causado fosse compensado. Observem, também, que em
certa medida, ainda convivemos com punições desta ordem, muito embora
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Todas essas penas foram substituídas pela pena de prisão, que surge no decorrer
do século XIX. A prisão, que surge quase que sem justificação teórica, implica o abandono
do projeto segundo o qual é preciso fazer do sujeito aprisionado alguém útil à sociedade.
Em seu lugar, surge uma forma de punição que se ajusta ao indivíduo, por exemplo, com
as circunstâncias atenuantes (que também conhecemos por serem mencionadas em
nosso Código Penal). Com o aprisionamento, objetiva-se menos a defesa geral da
sociedade e mais o controle e a reforma psicológica e moral do indivíduo.
Trata-se de passar do questionamento e da preocupação sobre o que foi feito pelo
criminoso (no passado) para o que ele pode fazer (no futuro).
Essa forma de punição difere substancialmente de todas vistas até então, a
começar pelo fato de que, com base no princípio fundamental de Beccaria, não haveria
punição sem lei explícita. Com isso, surge também uma escandalosa noção de
periculosidade, ainda manejada no campo das medidas de segurança, que leva em
consideração o indivíduo não em razão de seus atos, mas em virtude de seu potencial
perigo.
Finalmente, outro ponto fulcral desse período histórico diz respeito ao fato de que
o controle do comportamento dos indivíduos não poderia estar mais inteiramente sob a
responsabilidade do Poder Judiciário. Era preciso viabilizar o controle penal punitivo dos
indivíduos no campo de suas virtualidades (periculosidade) a partir de uma ampla gama
de instituições: polícia, instituições pedagógicas, asilos, hospitais, escolas etc.
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pan·-óp·ti·co |ópt|
(pan- + óptico)
Adjetivo
1. Que permite ver todos os elementos ou todas
as partes (ex.: pretendia construir uma prisão
pan-óptica).
Substantivo masculino
2. Modelo de prisão ou de torre de observação,
idealizado para que os vigilantes possam
facilmente observar todas as partes do edifício
ou recinto, sem serem observados.
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Vigilância
Panoptismo Controle
Correção
O panoptismo, portanto, não tem mais por referência o inquérito, mas aquilo que
Foucault vai chamar de exame. O inquérito tem viés retrospectivo, intenta reconstruir no
presente o que ocorreu no passado (quem matou, quem morreu, em que circunstâncias
etc.). Já o panóptico5 parte do pressuposto do exame e da vigilância como práticas
permanentes que implicam questionar-se sobre se determinado comportamento é
normal.
5
O Presídio Modelo, prisão construída entre 1926 e 1931 na Isla de la Juventud, em Cuba, abrigou o
líder Fidel Castro poucos anos antes da Revolução Cubana. O Presidio Modelo é a única prisão com
sistema de vigilância do panóptico que foi construída na América Latina. Para saber mais, clique
aqui.
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É essa lógica que, ao abandonar o inquérito, vai dar lugar às ciências humanas
como a Psiquiatria, a Psicologia, a Sociologia etc. Mas como (e quando, precisamente) isso
ocorreu?
Já na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, existiam determinados
grupos espontâneos de pessoas que se atribuíram, sem qualquer delegação do Poder
Público, a tarefa de manter e assegurar a ordem. Vejamos a seguir alguns desses grupos:
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A origem da prisão, não por acaso, está justamente na lettre-de-cachet, como bem
assevera Foucault (1996, p. 98):
A prisão, que vai se tornar a grande punição do século XIX, tem sua origem
precisamente nesta prática para-judiciária da lettre-de-cachet, utilização
do poder real pelo controle espontâneo dos grupos. Quando uma lettre-de-
cachet era enviada contra alguém, esse alguém não era enforcado, nem
marcado, nem tinha de pagar uma multa. Era colocado na prisão e nela
devia permanecer por um tempo não fixado previamente.
Interessante perceber, portanto, como “essa ideia de uma penalidade que procura
corrigir aprisionando é uma ideia policial, nascida paralelamente à justiça, fora da justiça,
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A resposta deveria ser apresentada em até 30 linhas e o espelho da prova contém as seguintes
orientações:
A) A criação de um sistema de visibilidade axial e a invisibilidade lateral, que tem por resultado
imediato a garantia da ordem; a indução, no detento de um estado que visibiliza, que assegura o
funcionamento automático do poder; a sujeição real dos indivíduos, que decorre mecanicamente
de uma relação fictícia, sendo desnecessário recorrer-se à força para obtenção dos
comportamentos esperados; um estabelecimento de diferenças e de classificações entre os
indivíduos em função de suas características e de seu comportamento; atuação sobre o
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Há até mesmo uma certa semelhança com a sistemática da aprovação em concursos públicos.
O próprio vocábulo – exame – remete a esse sistema de punir/recompensar.
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uma prisão, com um hospital psiquiátrico, com um convento, com um quartel, com um
asilo, enfim, com qualquer instituição:
Era uma instituição onde havia 400 pessoas que não eram casadas e que
deviam levantar-se todas as manhãs às cinco horas; às cinco e cinquenta
deveriam ter terminado de fazer a toilette, a cama e ter tomado o café; às
seis horas começava o trabalho obrigatório, que terminava às oito e quinze
da noite, com uma hora de intervalo para o almoço; às oito e quinze, jantar,
oração coletiva; o recolhimento aos dormitórios era às nove horas em
ponto. O domingo era um dia especial; o artigo cinco do regulamento desta
instituição dizia: "Queremos guardar o espírito que o domingo deve ter, isto
é, dedicá-lo ao cumprimento do dever religioso e ao repouso. Entretanto,
como o tédio não demoraria a tornar o domingo mais cansativo do que os
outros dias da semana, deverão ser feitos exercícios diferentes, de modo a
passar este dia cristã e alegremente"; de manhã, exercícios religiosos, em
seguida exercícios de leitura e de escrita e finalmente recreação às últimas
horas da manhã; à tarde, catecismo, as vésperas, e passeio depois das
quatro horas, se não fizesse frio. Caso fizesse frio, leitura t'.m comum. Os
exercícios religiosos e a missa não eram assistidos na igreja próxima porque
isto permitiria aos pensionistas deste estabelecimento terem contato com
o mundo exterior; assim, para que nem mesmo a igreja fosse o lugar ou o
pretexto de um contato com o mundo exterior, os serviços religiosos
tinham lugar em um capela construída no interior do estabelecimento. "A
igreja paroquial, diz ainda este regulamento, poderia ser um ponto de
contato com o mundo e por isso uma capela foi consagrada no interior do
estabelecimento". Os fiéis de fora não eram sequer admitidos. Os
pensionistas só podiam sair do estabelecimento durante os passeios de
domingo, mas sempre sob a vigilância do pessoal religioso. Este pessoal
vigiava os passeios, os dormitórios e assegurava a vigilância e a exploração
das oficinas. O pessoal religioso garantia, portanto, não só o controle do
trabalho, da moralidade, mas também o controle econômico. Estes
pensionistas não recebiam salários, mas um prêmio – uma soma global
estipulada entre 40 e 80 francos por ano – que somente lhes era dado no
momento em que saíam. No caso de uma pessoa de outro sexo precisar
entrar no estabelecimento por razões materiais, econômicas etc. deveria
ser escolhida com o maior cuidado e permanecer por muito pouco tempo.
O silêncio lhes era imposto sob pena de expulsão. De um modo geral, os
dois princípios de organização, segundo o regulamento, eram: os
pensionistas nunca deveriam estar sozinhos no dormitório, no refeitório, na
oficina, ou no pátio, e deveria ser evitada qualquer mistura com o mundo
exterior, devendo reinar no estabelecimento um único espírito. Que
instituição era esta? No fundo a questão não tem importância, pois poderia
ser indiferentemente qualquer uma: uma instituição para homens ou para
mulheres, para jovens ou para adultos, uma prisão, um internato, uma
escola ou uma casa de correção. Não é um hospital, pois, fala-se muito em
trabalho. Também não é um quartel, pois se trabalha. Poderia ser um
hospital psiquiátrico, ou mesmo uma casa de tolerância. Na verdade, era
simplesmente uma fábrica. Uma fábrica de mulheres que existia na região
do Ródano e que comportava quatrocentos operárias.
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Para Foucault (1996, p. 110), se “as utopias proletárias socialistas [...] têm a
propriedade de nunca se realizarem, e as utopias capitalistas [...] têm a má tendência de
se realizarem frequentemente.” Em resumo, o que Foucault quer dizer é que a noção de
fábrica-prisão “caiu no colo” da estratégia da sociedade do capital, pelo menos num
primeiro momento. Ocorre que, a carga econômica dessas instituições revelou-se muito
pesada, de modo que a estrutura rígida dessas fábricas-prisões levou muitas delas à ruína.
Então, “organizaram-se técnicas laterais ou marginais, para assegurar, no mundo
industrial, as funções de internamento, de reclusão, de fixação da classe operária
desempenhadas inicialmente por estas instituições rígidas, quiméricas, um pouco
utópicas.” (FOUCAULT, 1996, p. 111). Nesse sentido, foram tomadas medidas como a criação
de cidades operárias, caixas econômicas, caixas de assistência etc., a fim de fixar a
população operária, o proletariado.
E aqui, imperioso questionar-se sobre os motivos pelos quais objetivou-se instituir
a reclusão dessas duas formas: primeiramente, sob a forma encontrada no início do
século XIX, forte, compacta, em instituições como escolas, hospitais psiquiátricos, casas
de correção, prisões etc. e, depois, em instituições como a classe operária, a classe
econômica, a caixa de assistência. Segundo o autor, diz com uma conjugação de duas
heranças diretas: por um lado, a técnica francesa do internamento e, de outro, o
procedimento do controle típico dos ingleses.
Foucault conclui que, atualmente, todas as instituições têm por objetivo não
excluir os indivíduos, mas fixá-los. A fábrica, por exemplo, liga os indivíduos a um aparelho
de produção. A escola, a um aparelho de transmissão do saber. O hospital psiquiátrico, a
um aparelho de correção, de normalização. Com a casa de correção ou com a prisão, a
finalidade primeira é não excluir, mas fixar os indivíduos em um aparelho de normalização
do sujeito. “Trata-se de garantir a produção ou os produtores em função de uma
determinada norma.” (FOUCAULT, 1996, p. 114). Por isso, a reclusão do século XIX é
substancialmente distinta daquela forma de punição que lhe precedeu no século XVIII.
Outro ponto que chama atenção é o fato de que, nesse novo modelo, não há muita
clareza sobre o caráter estatal ou extraestatal desse poder. Ou seja, muitas vezes, é difícil
definir se essas instituições – fábrica, escola, hospital etc. – são do aparelho do Estado ou
não.
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Aqui, vale referir que a diferença entre aparelho de Estado e o que não é aparelho de Estado não
parece importante para Foucault. São, em resumo, instituições-pedagógicas, médicas, penais ou
industriais para estabelecer o controle, a responsabilidade sobre a totalidade, ou a quase
totalidade do tempo dos indivíduos. Portanto, são instituições que, de certa forma, se encarregam
de toda a dimensão temporal da vida dos indivíduos (FOUCAULT, 1996).
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Veja que a própria noção de “dia útil” como sendo aquele no qual, a rigor, se trabalha, impõe
algumas reflexões sobre em quais atividades é útil investir o tempo.
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no século XIX. E, justamente por isso, é como se a prisão não fosse algo absurdo ou
desumano, mas tão somente a expressão de um consenso social que, aliás, existe na
fábrica, na escola, no hospital etc. É esta ambiguidade – consistente no fato de que a
prisão, embora reproduza a lógica das instituições de sequestro, delas se diferencia – que
permitiu o sucesso da prisão e a facilidade da sua aceitação desde o desenvolvimento das
primeiras grandes prisões penais, de 1817 a 1830.
Foucault também sinaliza, a título de conclusão, para o fato de que o sistema
capitalista penetra muito profundamente em nossa existência.11 O trabalho, nesse
sentido, é um instrumento que viabiliza o sobrelucro. E, para haver lucro, é fundamental
a instalação de espaços de micropoder, de um poder capilarizado e microscópico, quase
imperceptível. Dito de outro modo, não há sobrelucro sem sub-poder. Não se trata,
portanto, do aparelho do Estado exercendo o clássico poder político, mas de um poder
de outra ordem que se exerce se forma horizontalizada e atravessada.
Finalmente, Foucault (1996, p. 126) questiona o conceito atribuído à expressão
“ideologia”, propondo que “Poder e saber encontram-se assim firmemente enraizados;
eles não se superpõem às relações de produção, mas se encontram enraizados muito
profundamente naquilo que as constitui”.
Referências
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Essa ideia aparece de forma bastante interessante em “Psicopolítica: neoliberalismo e as novas
técnicas de poder”, do filósofo Byung-Chul Han.
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NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras.
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