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Buracos Negros A Relatividade

A Relatividade

Para Newton o espaço e o tempo eram absolutos. Um metro era um metro em


todos os referenciais independentemente do seu estado de movimento; e um segundo
era um segundo em todos os referenciais da mesma forma. Igualmente a massa era
uma constante para um dado corpo sendo independente do estado de movimento do
corpo. E estes pressupostos constituíam a base de toda a mecânica newtoniana, que tão
bons resultados proporcionava. Nos finais do sec. XIX persistiam apenas algumas
pedras no sapato da mecânica, como por exemplo o problema do avanço do periélio
de Mercúrio. Era sabido que todos os planetas do Sistema Solar apresentam uma
precessão nos seus movimentos orbitais, que resulta no facto de que, qualquer ponto
da órbita (por exemplo o periélio) sofre um ligeiro avanço em relação à revolução
anterior (figura 7).

Figura 7
O avanço de qualquer ponto da órbita de um planeta, resulta da
influência combinada de todos os outros planetas do Sistema Solar, e
de outros factores, que a teoria de Newton ignorava.

Tal avanço do periélio fica a dever-se à influência gravitacional de todos os


outros planetas juntos, e pode-se calcular com rigor usando as equações de Newton.
Contudo, o francês Urbain Jean Joseph Le Verrier que tinha descoberto
Neptuno, verificou que, embora para todos os planetas do Sistema Solar os resultados
obtidos coincidissem de forma bastante aceitável com o valor observado, no caso do
planeta Mercúrio, a discrepância entre o valor calculado e o que efectivamente se
observava, estava para além do razoável. No dia 12 de Setembro de 1859, apresentou à
Academia de Ciências de Paris o texto de uma carta a Hervé Faye no qual se podia ler:
O periélio de Mercúrio avança 38 segundos por século devido a alguma acção até
agora desconhecida, e sobre a qual ainda nenhuma luz foi lançada... uma grande
dificuldade digna da atenção dos astrónomos. Várias hipóteses foram então
avançadas. Um aumento de 10 % na massa de Vénus parecia resolver o problema, mas
tal modificação era inadmissível, porque alteraria outros resultados, devastando por
completo a dinâmica do Sistema Solar, sendo a perda muito superior ao proveito. Por
outro lado, a existência de um planeta interior a Mercúrio, cujo nome, Vulcano, até já

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estava escolhido, não era também hipótese a descartar, ou até a existência de uma
cintura de asteróides ou uma nuvem de poeira. O problema era que nada disso tinha
sido observado. Havia ainda as hipóteses da existência de uma lua de Mercúrio ou um
achatamento do próprio Sol, ou até algumas, mais radicais, que pressupunham uma
alteração da própria lei de Newton, com a introdução de termos acessórios que seriam
válidos só para o caso do dito planeta. Mas nenhuma destas teorias parecia ser
satisfatória, e o problema tinha-se tornado quase obsessivo, para uma grande parte dos
físicos, a partir de 1850. Ainda por cima, Simon Newcomb tinha refeito os cálculos em
1882, e verificou que o valor era ainda maior: 43’’ por século.
Parece óbvio, e a mecânica newtoniana assim o exige que, se medirmos a
velocidade de qualquer corpo ou mesmo da luz, o resultado irá depender do nosso
estado de movimento. Se estivermos em repouso mediremos uma dada velocidade. Se
nos deslocarmos no mesmo sentido que o corpo cuja velocidade estamos a medir, a
velocidade desse corpo, medida por nós, será menor do que quando estávamos em
repouso; e se nos deslocarmos em sentido contrário mediremos uma velocidade maior
do que em repouso. Em suma, a velocidade de algo depende do referencial. A
velocidade de um automóvel é medida em relação à estrada, de um pássaro em relação
ao ar, e a da luz, no vazio interestelar, era medida em relação a uma substância que
regulava a sua propagação, e que se designava por aether. Como o aether se
encontrava em repouso no espaço, alguém que se encontrasse em repouso e medisse a
velocidade da luz iria encontrar o mesmo valor em todas as direcções, e alguém que se
encontrasse em movimento iria encontrar valores diferentes, consoante o sentido do
seu movimento. Nada disto causa impressão, e fazia tudo parte de um corpo
matemático anterior a Newton e por ele ratificado, designado por relatividade de
Galileu.
Ora a Terra é um corpo que se encontra em movimento, em torno do Sol, a uma
velocidade igual a 30 Km/s, ou seja, cerca de 0,01 % da velocidade da luz. Daí que, se
medíssemos a velocidade de um feixe de luz que se desloque na direcção e sentido do
movimento da Terra, o feixe deveria, de acordo com o que foi dito, sofrer uma
diminuição de 0,01 % na sua velocidade. Se invertêssemos o sentido, a luz veria a sua
velocidade aumentada da mesma
percentagem, e se rodássemos o
feixe de 90º por forma a que o
seu movimento se desse numa
direcção perpendicular ao do
movimento da Terra, não deveria
ser observada qualquer alteração
na velocidade da luz. Em 1881,
um físico americano de 28 anos,
chamado Albert Michelson, pro-
pôs-se verificar se, de facto, a ve-
Figura 8 locidade da luz se alterava. Para
Representação esquemática do aparelho de Michelson isso usou um aparelhómetro por
ele concebido, e que hoje se
chama interferómetro de Michelson, e que estava preparado para detectar a variação da
velocidade do feixe de luz com grande rigor (figura 8).

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Na experiência de Michelson, a fonte de luz emite um feixe que é colimado e


dividido em dois feixes no separador, seguindo cada um desses feixes, resultantes da
divisão, direcções perpendiculares (deslocando-se um solidário com a Terra e o outro
perpendicularmente ao seu movimento). Os feixes reflectem-se nos espelhos e
interceptam-se no écran. Do resultado da interferência, é possível concluir se a
velocidade dos dois feixes é ou não afectada pelo movimento da Terra (figura 9).
Para grande espanto de
Michelson, o resultado foi nega-
tivo: verificou-se que a veloci-
dade da luz era constante e não
dependia do estado de movi-
mento do observador. A veloci-
dade da luz do Sol era a mesma
quer eu me encontrasse em re-
pouso na Terra, quer me
movimentasse a uma velocidade
astronómica em direcção à
estrela. O seu valor era sempre
Figura 9 igual a 300000 Km/s. Era um
Esquema da experiência de Michelson resultado difícil de engolir, e que
acarretava inúmeras consequên-
cias, pelo que não admira que a experiência de Michelson fosse repetida várias vezes,
(uma das quais em 1887 com o químico Edward Morley) antes de que os físicos
começassem realmente a pensar como poderiam reconstruir o edifício da mecânica.
O físico irlandês George F. Fitzgerald, foi o primeiro a aceitar os resultados das
experiências de Michelson-Morley e a especular sobre as suas consequências.
Comparando-as com várias outras experiências, chegou à conclusão radical que o
problema residia no conceito newtoniano de comprimento, e num artigo publicado em
1889, no American Journal of Science, escrevia: eu li com muito interesse a
experiência maravilhosa dos Srs. Michelson e Morley... Os seus resultados parecem
opor-se ao de outras experiências...Eu gostaria de sugerir que a única hipótese capaz
de reconciliar esta oposição é a de que o comprimento dos corpos materiais muda, à
medida que eles se movem através do aether (através do espaço absoluto), de uma
medida dependente da razão entre o quadrado da sua velocidade e o da velocidade da
luz. De facto, bastava uma contracção de cinco partes em mil milhões no comprimento
ao longo da direcção de movimento da Terra para conciliar novamente o resultado da
experiência de Michelson com a Física. Mas uma contracção dos corpos era algo
repudiável porque não se conhecia nenhuma força capaz de actuar especificamente em
corpos em movimento.
Hendrik Lorentz, em Amesterdão, era outro dos físicos que acreditava nos
resultados da experiência de Michelson-Morley, e levou a sério a sugestão feita por
Fitzgerald. Na sua busca de um entendimento mais profundo, Lorentz, e, de forma
independente, Henri Poincaré, em Paris, e Joseph Larmor em Cambridge, re-
analizaram as leis dos electromagnetismo e deram-se conta de uma peculiaridade que
poderia jogar a favor da contracção do comprimento de Fitzgerald.

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Dezasseis anos antes, o físico escocês James Clerk Maxwell, tinha publicado
um livro chamado Electricity and Magnetism, em que apresentava quatro equações
diferenciais, que unificavam o campo eléctrico com o magnético e associavam a
unificação com a luz. Acontecia que, se expressássemos essas equações em termos de
campos eléctricos e magnéticos medidos em referenciais em repouso, no espaço
absoluto, as leis tomavam uma forma simples e elegante do ponto de vista matemático.
Por exemplo, para alguém em repouso, as linhas de um campo magnético não teriam
fim (emergiam do pólo norte e penetravam no pólo sul sem se interromperem).
Contudo, essas mesmas leis, vistas por alguém num referencial em movimento
pareciam bastante mais complicadas e perdiam a elegância. De forma particular, neste
caso, a maior parte das linhas do campo magnético continuavam sem fim, mas
algumas, aparentemente ao acaso, ficavam cortadas, e por isso adquiriam um fim.
Ainda por cima, se alguém abanasse o magnete, mais linhas se cortariam, depois
voltavam a ligar-se, e a desligar-se, e assim sucessivamente.
Lorentz descobriu algumas transformações matemáticas que, para além de
resolverem o problema criado pela experiência de Michelson-Morley, ainda davam o
bónus de fazer com que as equações de Maxwell dessem resultados tão belos e simples
para o referencial em movimento, como os que dava para o referencial em repouso: as
linhas do campo magnético deixavam de ter fim quaisquer fossem as circunstâncias.
Na Física de Newton, se um sinal luminoso for enviado de um local para outro,
diferentes observadores estarão de acordo quanto ao tempo que essa viagem demorou,
mas não quanto à distância que a luz percorreu. Como para os newtonianos a
velocidade da luz é exactamente o quociente entre a distância percorrida e o tempo
gasto, diferentes observadores mediriam diferentes velocidades da luz.. As
transformações de Lorentz, por outro lado, assumiam que o que era constante era a
velocidade da luz, e que, por isso, diferentes observadores, deixariam de concordar no
espaço percorrido e no tempo gasto.21 Em vez da tradicional relação:
x
v
t
que relaciona espaço percorrido, velocidade e tempo gasto, Lorentz apresentava as
suas transformações que relacionavam espaço e tempo em dois referenciais, um em
repouso x e outro, x’, em movimento com velocidade v em relação a x:
x  vt
x' 
v2
1 2
c

vx
t
t'  c2
v2
1 2
c

21
Recorde-se que o tempo gasto é apenas a distância percorrida, com a qual os observadores não concordam, a
dividir pela velocidade da luz que é uma constante.

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Isto partindo do princípio que o movimento ocorre segundo um eixo designado


por x e sendo c a velocidade da luz e v a velocidade relativa entre os dois referenciais.
Estas transformações permitem, ainda, tirar outras conclusões, como por exemplo:

l '  l .R

t
t' 
R

onde R é designado por factor de Lorentz, sendo igual a:

v2
R  1
c2

mostrando estas expressões que, para velocidade v próximas de c, existe contracção


mensurável do espaço num referencial em movimento e dilatação dum intervalo de
tempo no mesmo referencial.
Mas todo este ganho com as novas transformações tinha um preço: abdicar das
crenças newtonianas no espaço absoluto e concluir que todos os objectos se contraem
na direcção do movimento precisamente da quantidade prevista por Fitzgerald, e,
como se isso não fosse ainda suficiente, de modo a fazer com que tudo funcionasse de
forma consistente, era necessário deitar também por terra o conceito de tempo
absoluto, e aceitar que o tempo medido por alguém em movimento é intrinsecamente
diferente do tempo medido num referencial em repouso. O movimento dilata o tempo.
Era um preço alto de mais. Ainda por cima porque implicava que, uma teoria que tão
bons resultados tinha dado, e que tinha respondido a tantas perguntas, estava errada,
nos seus princípios mais básicos. Por isso, Lorentz, Poincaré e Larmor, receberam
poucos apoios e a sua voz foi como que abafada.
Einstein, o homem que reuniria as ideias de espaço, gravidade e tempo numa
teoria consistente e coerente, nasceu na Alemanha, em 1879. O seu pai era dono de
uma pequena indústria e, apesar de não ser particularmente bem sucedido nesse
campo, era uma pessoa jovial e despreocupada; a mãe de Einstein era uma mulher
sensível e compreensiva, com um profundo amor pela música. Embora os pais de
Einstein se tenham preocupado por ele ter começado a falar muito tarde, os avós já o
consideravam excepcional desde tenra idade. O avô escreveu mesmo: Adoro este
rapaz porque não podem imaginar quão bom e inteligente ele se tornou.
Einstein admitiu, mais tarde, nunca ter gostado da escola; os professores
lembravam-lhe sargentos instrutores. Ao contrário das crianças da sua idade, não
gostava de nada que tivesse a ver com militares - recusava-se a participar nos jogos de
guerra infantis e detestava paradas. Mas já desde muito novo que adorava a natureza e
tinha uma curiosidade apaixonada pelo seu funcionamento. É interessante especular
sobre o tipo de coisas que teriam despertado essa curiosidade. Quando questionado
sobre esse assunto, Einstein referiu sempre dois acontecimentos: ter recebido de
prenda uma bússola aos 5 anos e um livro de geometria aos 11.

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Andava Einstein no liceu, quando o negócio do seu pai faliu e toda a família
teve de se mudar para Itália. Foi decidido, no entanto, que ele ficaria na Alemanha
para terminar os seus estudos. Sozinho numa escola onde era empregue um método de
ensino monótono e mecânico sentiu-se desamparado e infeliz e começou a fazer planos
para se libertar. Para sua surpresa, o director, mandou chamá-lo e pediu-lhe para
abandonar a escola (aparentemente a sua atitude interior tornara-se evidente na sala de
aula). Radiante, Einstein dirigiu-se a pé para o norte de Itália onde os seus pais se
encontravam a viver e, durante os meses seguintes, empregou as suas energias e
espírito de aventura nas montanhas das redondezas e nos livros de que gostava. Mas,
mais uma vez, os negócios do seu pai começaram a correr mal e foi-lhe dito para
pensar numa vocação.
Não tinha ainda o diploma do curso liceal porque não o tinha concluído, o que
fazia com que não pudesse ser admitido por muitas universidades; no entanto, como a
vizinha Escola Politécnica de Zurique, exigia apenas dos seus candidatos que fizessem
um exame de admissão, Einstein decidiu tentar fazê-lo. Tinha, nessa altura, 16 anos de
idade, cerca de dois anos menos do que a maioria dos estudantes que se submetiam ao
exame mas tinha já grandes conhecimentos autodidactas de álgebra e tinha também
muitas horas de leitura - sobretudo livros de divulgação científica.
Surpreendentemente, já nele se encontravam semeados os gérmens de ideias futuras.
Em consequência das leituras tinha começado a imaginar como seria viajar à
velocidade da luz. Uma questão já se introduzira na sua mente: o que é que sucederia
a um raio de luz se o acompanhássemos? Porém, as suas capacidades em Matemática
e noutras ciências não o ajudaram no exame de admissão. Chumbou no exame. É por
vezes consolador pensar que Einstein falhou nalguma coisa; suponho que essa ideia
nos dá a todos uma certa esperança. De qualquer maneira, o problema do exame de
Einstein não era grave. O que sucedeu foi que os seus conhecimentos não eram
suficientemente extensos: faltavam-lhe bases em certas áreas como a biologia e as
línguas. O examinador reparou nos seus excelentes conhecimentos nas secções de
matemática e ciências e sugeriu-lhe que obtivesse um diploma liceal e voltasse a tentar
no ano seguinte.
Einstein seguiu os seus conselhos e inscreveu-se numa escola em Aarau, uma
pequena cidade não muito longínqua. Ficou deliciado ao descobrir que as escolas
suíças eram muito diferentes das alemãs: o rígido militarismo era substituído por uma
atmosfera acolhedora e amistosa que muito lhe agradou. No ano seguinte, repetiu o
exame de admissão à Politécnica de Zurique, passou e foi admitido como aluno.
No entanto, Einstein estava longe de ser um estudante ideal. Quando a matéria
dada não lhe interessava ou quando os professores não davam a matéria que queria
aprender, faltava às aulas. As aulas de Física desapontaram-no porque a teoria
electromagnética de Maxwell não constava do programa. O seu professor de
Matemática, um tal Hermann Minkowski, disse-lhe que era brilhante... mas parecia um
cão preguiçoso. A verdade é que, quando não ia às aulas ia para o laboratório fazer
experiências ou estudar sozinho as obras de Maxwell, Helmholtz e outros. Demais a
mais, Einstein viria a apaixonar-se, por essa altura, pela única aluna da turma do
professor Heinrich Weber, uma tal Mileva Maric de quem viria a ter um filho em
1902, um ano antes de se casarem. Fosse como fosse, chegou o dia do ajuste de contas.
Einstein faltara a muitas aulas e, por isso, tinha de se preparar intensivamente para os

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exames finais. Afortunadamente, tinha também um amigo, Marcel Grossmann, que era
um excelente estudante e lhe emprestou os apontamentos das aulas. Com a ajuda deles
e muito trabalho, Einstein conseguiu passar. Mas foi para ele uma experiência amarga,
de que guardou sempre recordação desagradável. Nas suas palavras: Não podia sequer
pensar em nada de científico durante cerca de um ano após a minha licenciatura.
Embora tivesse agora um grau académico, estava-lhe reservado outro choque.
Tinha tido esperanças de vir a ser assistente de um dos seus professores, mas dada a
sua atitude distante nas aulas era considerado um pária e ninguém o queria. Passou
vários meses escrevendo currículos e comparecendo a entrevistas mas sem resultado.
Trabalhou por uns tempos como professor substituto mas meteu-se em apuros por
ensinar matérias que não constavam do programa e foi rapidamente despedido. Essa
foi a época mais negra da sua vida, um período de sérios desapontamentos e
desilusões. Homens mais fracos teriam abandonado a Física mas não Einstein em
quem a paixão por ela tinha já raízes demasiado fundas. Apesar desse clima de
rejeição à sua volta escreveu o primeiro artigo científico nessa altura, sendo publicado
nos prestigiosos Annalen der Physik, em 1901.
Finalmente, algo de positivo surgiu vindo da parte do seu velho amigo Marcel
Grossmann. Embora Grossmann tivesse conseguido um lugar de matemático na
Politécnica de Zurique, era ainda um membro subalterno dessa instituição e não se
encontrava, pois, em posição de oferecer emprego a Einstein; tinha falado, no entanto
a seu pai, que arranjou uma entrevista na Repartição de Registo de Patentes de Berna.
Einstein compareceu e foi contratado. Curiosamente esse emprego quase degradante
para alguém com uma licenciatura em Física veio a ser-lhe extremamente vantajoso.
Einstein gostava do trabalho - tinha estado sempre interessado em aparelhos e
máquinas, no seu funcionamento e nos princípios científicos em que se baseavam.
Algumas dessas invenções influenciaram, sem dúvida, os seus primeiros trabalhos
sobre termodinâmica. Mas, a melhor coisa daquele emprego é que lhe deixava muito
tempo livre para se dedicar à Física. Mais tarde, referiu-se à Repartição de Patentes
como aquele claustro profano onde desenvolvi as minhas ideias mais belas...
Pouco depois de ter conseguido este emprego, Einstein casou com Mileva
Maric. Embora tivesse uma vida familiar feliz e bastante tempo livre para prosseguir
os seus interesses ganhava tão pouco, que vivia literalmente na pobreza. Certa vez,
disse a esse propósito: Se toda a gente vivesse como eu vivi, as novelas românticas
nunca teriam surgido. Noutra ocasião referiu: Nas minhas teorias coloco um relógio
em cada ponto do espaço, mas na vida real mal posso dar-me ao luxo de comprar um
para minha casa.
Mas a atmosfera era boa e as capacidades inventivas de Einstein aproximavam-
se do seu zénite. Em 1905, publicou, nos Annalen der Physic, três artigos históricos:
um relativo ao movimento browniano em que, entre outras coisas, era provada, de
forma inequívoca a natureza corpuscular da matéria; um segundo artigo, que lhe
valeria o prémio Nobel em 1921, e que versava sobre o efeito fotoeléctrico; e o
terceiro artigo, o mais famoso dos três, viria a ficar conhecido por Teoria da
Relatividade Restrita. Nele, Einstein afirma claramente a inexistência do espaço
absoluto e do tempo absoluto de Newton, e dessa inexistência conclui que o aether se
torna supérfluo. Existem dois princípios fundamentais na nova teoria:

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- princípio da constância da velocidade da luz: qualquer que seja a sua natureza,


espaço e tempo têm de ser constituídos de tal forma que permitam que a velocidade
da luz apresente o mesmo valor constante em todas as direcções,
independentemente do tipo de movimento de quem mede essa velocidade. Deste
princípio foi deduzido por Einstein que, se um corpo A se move relativamente a b,
então o espaço de A tem de ser uma mistura do espaço e do tempo de B, enquanto
que o espaço de B é uma mistura do espaço e do tempo de A.
- princípio da relatividade: qualquer que seja a sua natureza, as leis da Física têm de
tratar todos os estados de movimento de igual forma. Isto significa que não existem
na natureza referenciais preferenciais em relação aos quais possam ser medidas
quantidades absolutas.
Basicamente, Einstein, pegou nas transformações de Lorentz e deu-lhes um
significado físico. Pelo meio, ainda compreendeu que a própria massa de um corpo
não é constante, e depende da velocidade a que esse corpo se desloca. Quando se
fornece energia a um dado corpo, para que ele se movimente, a massa do corpo
aumenta em resultado da existência dessa energia. A transformação da massa toma
então a seguinte forma:
m0
m
v2
1 2
c

em que m é a massa em movimento e m0 a massa em repouso. Por outro lado,


suponhamos que numa dada partícula actua uma força F que faz variar a velocidade da
partícula de 0 até v; a massa da partícula variará então de m0 até m. Como se sabe a
variação da energia cinética é igual ao trabalho realizado pela força F ou seja:

d mv 
dW  F .dl  .dl  mv.dv  v 2 dm ,
dt

atendendo a que, de acordo com a lei de Newton,

dp d mv 
F 
dt dt

em que p é o momento linear da partícula. Derivando a equação relativística da massa,


vem:
mv.dv
dm 
2 v2 
c 1  2 
 c 

e comparando com a equação do trabalho fica:

 v2 
dW  c 1  2
2
dm  v 2 dm  c 2 dm .
 c 

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O acréscimo W da energia cinética da partícula quando por acção de F a sua


massa passa de m0 a m é:

W   c 2 dm  mc 2  m 0 c 2
m0

Ou, atendendo à equação da massa:

 
 
 1 
W  m0 c 2  1
 1
 1  v  
2 2

 c 2  
  

Esta relação é a expressão relativística da energia cinética de uma partícula de


massa m0 em repouso e velocidade v. Por outro lado, enquanto que, em mecânica
clássica todo o trabalho realizado num sistema é transformado em energia, em
relatividade, uma parte desse trabalho acrescenta massa à partícula em questão. A
equação W  mc 2  m0 c 2 permite concluir que uma partícula em repouso tem energia
igual a W  m 0 c 2 , facto que está na origem do princípio da equivalência
massa/energia.

E  mc 2

No entanto, enquanto que os primeiros dois, apesar de revolucionários, não


levantassem grande celeuma, os méritos da teoria da relatividade não foram
reconhecidos imediatamente. Muitos anos tiveram de decorrer para que ela fosse aceite
de uma maneira geral. Ao elaborar a teoria, Einstein ainda tratou o espaço e o tempo
como entidades separadas. Foi Herman Minkowski, o tal professor de Zurique que lhe
tinha chamado preguiçoso, quem os juntou num tecido uniforme que designou por
espaço-tempo (de Minkowski), demonstrando que a unificação quadridimensional de
ambos representava uma aproximação conceptual muito mais rica. Para Minkowski:

s 2  x 2  y 2  z 2  c 2 t 2 
e
s 2 
 s  '
2

Para vermos o significado dessa unificação, atentemos na seguinte estória: existia
num mar muito longínquo, uma ilha perdida, habitada por indígenas mais ou menos
evoluídos e que, em vez de futebol ou atletismo, tinham outro tipo de competições
para os retemperar das fadigas do dia-à-dia. Todos os anos, dois navegadores da ilha
faziam uma viagem de barco até uma ilhota próxima, ao longo de dias em semanas
consecutivas, em busca de pedras preciosas que só existiam nessa ilhota. Tratava-se de

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uma viagem ritual, que se realizava desde épocas ancestrais, em que o vencedor era
aquele que trouxesse um maior número de preciosidades. Outra característica do
evento era o facto de ser absolutamente taboo a qualquer um dos navegadores
descrever ao outro a sua viagem, pelo que nenhum deles sabia o trajecto seguido pelo
outro. Um dia, um sabotador radical apareceu na ilha em que os navegadores viviam, e
divulgou dois mapas: um representava a rota do primeiro navegador e o outro a rota do
segundo. Para grande choque dos navegadores e de todos os habitantes da ilha, eles
discordavam na localização da ilhota das pedras preciosas. O primeiro navegador
começa por se dirigir para
leste, percorrendo 21 quiló-
metros, e depois percorre
mais 10 Km para norte,
enquanto que o segundo
homem começa por navegar
na direcção leste 16,45 Km
dirigindo-se depois para
norte outros 16,45 Km.
Como pode isto ter acon-
tecido: os homens traziam
as pedras preciosas, e era
sabido que a única ilha que
Figura 10 as continham era aquela
Esquema com os trajectos seguidos pelos dois navegadores na viagem
para onde era suposto diri-
entre a ilha e a ilhota, seguindo ferramentas de orientação diferentes. girem-se. Os habitantes da
ilha andavam em grande
aflição porque não tinham a
mínima pista que os ajudasse a desvendar o mistério. Finalmente, houve alguém que se
lembrou do grande mago da montanha, um sujeito chamado Minkowski, dotado de
certa destreza matemática, e colocaram-lhe o problema. Após vários dias de reflexão,
o mago chegou a uma conclusão: os dois homens navegam seguindo ferramentas de
orientação diferentes. Enquanto que o primeiro navegador se guia usando uma bússola
rudimentar que lhe indica a direcção do pólo norte magnético, o segundo navegador
orienta-se pelas estrelas. O desfasamento entre as direcções seguidas pelos dois
navegadores aumenta por causa do movimento de rotação da Terra que faz com que
as estrelas rodem no céu. A chave para esta descoberta do mago Minkowski foi o
teorema de Pitágoras: a soma do quadrado dos catetos de um triângulo rectângulo é
igual a quadrado da hipotenusa. Ou seja, se nós somássemos os quadrados das duas
distâncias percorridas pelos homens, para leste e para norte, deveríamos obter o
mesmo valor: a hipotenusa (figura 10).
As distâncias para leste e para norte eram relativas: elas dependiam do
referencial em relação ao qual estavam a ser medidas, mas a partir de qualquer uma
dessas distâncias, era possível obter a mesma distância absoluta, em linha recta, entre a
ilha e a ilhota
A descoberta do mago Minkowski é análoga à do verdadeiro Minkowski, que,
em vez de usar o teorema de Pitágoras, usa a fórmula por si desenvolvida para

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determinar o espaço-tempo absoluto, a partir das medidas relativas do espaço e do


tempo de Einstein.
A maneira mais fácil de representar o espaço-tempo é através daquilo que
denominamos de diagrama do espaço-tempo (figura 11). Já que numa página apenas
dispomos de duas dimensões, utilizamos uma delas para representar as três dimensões
do espaço e a outra para representar o tempo. Um ponto neste diagrama do espaço-
tempo representa um acontecimento. Um exemplo de acontecimento é o que acontece
quando um astronauta algures no espaço prime um botão que origina a emissão de um
clarão de luz; o clarão (ou acontecimento) ocorre num ponto específico do espaço e
num instante determinado. Se o astronauta voltar a emitir novo clarão alguns minutos
mais tarde ocorre um novo acontecimento. Cada acontecimento singular é
representado no nosso diagrama por um ponto; de facto, encontrar-se num ponto
específico do espaço e do tempo constitui um acontecimento. À sequência desses
acontecimentos dá-se o nome de linha de Universo.
Os intervalos do espaço-
tempo são os mesmos para
todos os observadores e
denominam-se de invarian-
tes. Um senão da teoria da
relatividade era o facto de
que ela só se aplicava a
referenciais em repouso ou
com movimento uniforme,
deixando de fora os movi-
mentos acelerados. Se um
astronauta levanta da Terra e
se afasta dela a uma velo-
cidade perto da da luz de-
tectamos uma diferença
significativa na marcha do
seu relógio em comparação
com a do nosso. O relógio do
astronauta parece trabalhar a
Figura 11
um ritmo muito mais lento e
quanto mais a sua velocidade
Diagrama espaço-tempo que mostra um sinal luminoso (linha se aproxima da da luz mais
diagonal) do Sol para Alfa Centauro. As linhas verticais constituem lento esse ritmo se torna.
as linhas de universo do Sol e de Alfa do Centauro.
Estranhamente, se ele por sua
vez conseguir olhar para o nosso relógio, não o vê como poderíamos esperar, a
trabalhar a um ritmo mais rápido; vê-o, sim, a trabalhar a um ritmo mais lento; tão
lento quanto nós vemos o dele. No entanto, quando os dois relógios forem reunidos de
novo não mostrarão o mesmo tempo. O relógio do astronauta mostrará menos tempo
decorrido do que o relógio que ficou na Terra. Como é isto possível se ambos os
observadores vêem o relógio do outro trabalhar mais devagar? O problema residiria
certamente no facto de que o astronauta para regressar à Terra necessita de desacelerar,
inverter o seu sentido do movimento, e depois voltara a acelerar, e esse movimento é,

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como é óbvio, um movimento acelerado, cujas consequência não eram previstas pela
Relatividade Restrita. Einstein cedo compreendeu que se conseguisse obter uma teoria
relativística que englobasse a aceleração, teria como bónus o facto de construir uma
nova compreensão da gravidade, dado que um corpo num campo gravitacional é um
corpo acelerado.
Einstein começou a sua busca da nova lei da gravidade em 1907, antes de
Minkowski definir o seu tecido do espaço-tempo.
Interligado com o conceito de espaço encontra-se a geometria. A primeira e
mais conhecida geometria foi formulada pelo matemático grego Euclides. Embora
pouco se saiba da personalidade de Euclides, o seu livro de geometria Elementos é um
dos mais estudados da cultura ocidental. Desde o seu aparecimento, foi reeditado mais
de 1000 vezes. A geometria que se estuda no liceu é baseada nele, e parte de verdades
evidentes, os axiomas, para chegar a conclusões mais profundas. Um dos axiomas de
Euclides, o quinto, foi alvo de um debate aceso, que durou séculos, entre os
matemáticos, que tentavam discernir se se tratava verdadeiramente de um axioma ou
apenas dum teorema que poderia ser deduzido dos outros axiomas. Esse axioma pode
ser enunciado da seguinte forma: consideremos uma linha recta e um ponto fora dela,
de um dos seus lados; através desse ponto só pode ser traçada uma e apenas uma
recta paralela à primeira recta.
A primeira pessoa a descortinar uma fraqueza nesta verdade, aparentemente
evidente por si mesma, foi o matemático alemão Karl Gauss. O que Gauss percebeu,
foi que a geometria de Euclides a duas dimensões, era uma geometria de superfícies
planas. Ele considerou, então, as consequências da transferência dessa geometria para
uma superfície curva (para a superfície da Terra, por exemplo) e reparou que, nessas
condições, o quinto axioma já não tinha validade. Para vermos porquê, consideremos
uma linha recta na superfície da Terra, digamos uma linha de longitude; se
escolhermos um ponto próximo e tentarmos desenhar uma linha que lhe seja paralela,

Figura 12

Duas linhas rectas, inicialmente paralelas, nunca se encontram numa superfície plana, tal como a folha
de papel à esquerda. Por outro lado, duas rectas, inicialmente paralelas, irão cruzar-se algures numa
superfície esférica. No caso da Terra duas rectas paralelas no equador, cruzar-se-ão nos pólos(são linhas
de longitude, ou círculos máximos que tomam o nome de geodésicas). È a curvatura da esfera que faz
com que as rectas se cruzem.

descobrimos imediatamente que isso não é possível. As linhas rectas na superfície de


uma esfera são grandes círculos (isto é, tipo linhas de longitude na superfície da

38
Buracos Negros A Relatividade

Terra). Se tentarmos desenhar uma linha recta paralela a outra já existente


descobriremos que elas se cruzam - tal como todas as linhas de longitude se cruzam
nos pólos da Terra (figura 12).
Existem também outras diferenças na geometria do espaço curvo. Por exemplo,
sabemos que se desenharmos um triângulo numa folha de papel a soma dos seus
ângulos será de 180 graus (ou dois ângulos rectos). Na superfície de uma esfera esse
mesmo triângulo conteria mais de 180 graus, dependendo o número de graus do seu
tamanho em comparação com o raio da esfera.
A ideia de Gauss de uma geometria não-euclidiana foi retomada, e
desenvolvida, por um dos seus alunos, George Riemann. Riemann morreu aos 40 anos,
padecendo de uma saúde frágil durante a maior parte da sua vida, mas durante este
curto espaço de tempo escreveu literalmente o tratado da geometria não-euclidiana.
Onde Gauss tinha considerado, na sua geometria, apenas duas dimensões, Riemann
generalizou para três e mais dimensões. É-nos fácil visualizar uma superfície curva,
mas em que consiste exactamente um espaço tridimensional curvo? Isso representava
algo de inteiramente novo para a matéria - algo que poderia ser tratado utilizando
símbolos e números mas que não era visualizável. Riemann foi intrépido; não se
preocupou se podia ou não imaginar esse algo. Podia fazer cálculos e previsões e isso
era tudo o que importava.
Estávamos na década de 60 do sec. XIX, e na mesma altura em que Riemann
alargava os horizontes dos desenvolvimentos de Gauss, dois outros matemáticos,
Nicolai Lobachevsky e Janos Bolyai desenvolviam, independentemente, outro tipo de
geometria não-euclidiana. Eles estavam interessados na geometria que resultaria se,
por um ponto exterior a uma recta, pudessem ser traçadas infinitas rectas paralelas à
primeira. Bolyai desenvolveu a sua geometria e enviou os resultados a seu pai que, por
sua vez, os enviou a Gauss. Lobachevsky publicou os seus resultados num livro sobre
geometria. Existiam agora três geometrias possíveis, duas delas baseadas numa
variação do quinto axioma. Na geometria de Euclides por um ponto exterior a uma
recta só podia ser traçada uma e só uma recta paralela a ela, na geometria de Riemann
não podia ser traçada nenhuma recta nessas condições e na de Lobachevsky-Bolyai
podiam ser traçadas infinitas rectas. Embora cada uma dessas geometrias seja aplicável
a duas, três ou mais dimensões, é mais fácil visualizá-las a duas dimensões. Como já
mencionei anteriormente a geometria de Euclides é uma geometria de superfície plana
e a de Riemann uma geometria de superfície curva de curvatura positiva tal como a de
uma esfera. A geometria de Lobachevsky-Bolyai pode ser visualizada como a de uma
superfície de curvatura negativa; para nós ela parecer-se-ia com uma sela. Se
traçássemos um triângulo numa superfície desse tipo, a soma dos seus ângulos internos
seria inferior a 180 graus.
Riemann, para além dos desenvolvimentos já mencionados, generalizou a sua
geometria de modo a que pudesse ser aplicada localmente. Assim ela podia dar conta
das variações de curvatura de ponto para ponto. Por exemplo, se uma superfície
apresentasse montes e vales estes poderiam ser descritos. Para termos uma ideia de
como isto é conseguido, devemos recordar, mais uma vez, o teorema de Pitágoras. No
caso em que a superfície considerada não é plana, a relação não se verificará - será
mesmo substituída por uma nova relação que dependerá do grau de curvatura. Isto
significa que se medirmos o comprimento dos lados de um triângulo rectangular

39
Buracos Negros A Relatividade

podemos determinar o grau de curvatura de uma superfície; e, mais ainda, que se essa
curvatura varia de ponto para ponto precisamos apenas de cobrir toda a superfície em
questão com pequenos triângulos e medir os seus lados para detectarmos essas
variações.
O trabalho de Riemann foi desenvolvido pelos matemáticos Gregório Ricci de
Itália, na década de 80, e pelo seu aluno, Tullio Levi-Civita, nos anos noventa e início
do século XX, culminando no aparecimento de um ramo abstracto, mas belo da
matemática que se denominou cálculo absoluto diferencial, ou em linguagem física até
1960 análise tensorial, ou actualmente geometria diferencial. Esta constituiu a
ferramenta matemática que Einstein empregou para pôr de pé a teoria da relatividade
generalizada.
Atribui-se muitas vezes a Einstein a primazia de considerar a possibilidade de
um espaço físico curvo, mas tal não é historicamente correcto. Antes de Einstein, e
para além de Riemann também o matemático William Clifford foi um entusiástico
defensor dessa ideia. Dele citamos: ...as pequenas porções do espaço têm natureza
análoga à de pequenos montes numa planície... para eles não são válidas as leis
vulgares da geometria... Mas esta ideia era avançada para a época e foi, na
generalidade, ignorada pelos seus contemporâneos. Devo, no entanto, salientar que,
embora Clifford defendesse a ideia de um espaço curvo, não chegou, como Einstein, a
desenvolver uma teoria matemática que explicasse o como e o porquê dessa curvatura.
Aquilo que Clifford e Einstein fizeram pertencem a níveis diferentes. Claro que
Einstein se apercebeu da dívida considerável que tinha para com pessoas como
Riemann e Clifford. Disse mesmo uma vez que sem os avanços de Riemann não teria
sido capaz de formular a sua teoria.
Dois acontecimentos começaram por inspirar Einstein na sua busca da nova
teoria da gravitação: o Princípio de Mach e o Princípio da Equivalência.
Apenas alguns anos antes, o físico alemão Ernst Mach, famoso pelo seu livro
The Science of Mechanics e pelas suas ideias obstinadas acerca da estrutura atómica
(não acreditava na existência dos átomos) agarrou em algumas ideias formuladas
anteriormente por um tal de Berkeley e ampliou-as, tornando-as conhecidas sob a
designação de princípio de Mach. Para compreendermos este princípio imaginemos
que nos encontramos num carrossel que está a rodar; sentimos uma força e, se nos
deixarmos ir, seremos projectados para fora dele. Já sabemos que essa força se
denomina de força centrífuga, e Mach considerou a relação desta força com o resto do
Universo. E perguntou-se: O que é que sucederia a esta força se toda a matéria
restante do Universo desaparecesse subitamente? Convenceu-se de que, nessa
situação, a força centrífuga também desapareceria. Se não existisse mais nada no
Universo, não saberíamos que nos encontrávamos em rotação - de facto o conceito de
rotação não teria qualquer significado. E se não existisse rotação, não existiria força
centrífuga. Isto significava que as forças locais tinham de depender não só dos
objectos locais mas também do Universo na sua totalidade - até mesmo das estrelas
mais distantes. Quando Mach avançou estas ideias, elas foram consideradas
escandalosas; ouve risos. Como poderiam estrelas distantes ter alguma coisa a ver com
a força que sentimos quando rodamos? Mas Einstein não se riu; de facto, ficou
fascinado por essa ideia e passou vários anos a considerar as suas consequências.

40
Buracos Negros A Relatividade

Mas mais importante ainda, seria o que se passou um dia em Novembro de


1907. Nas palavras de Einstein: Eu estava sentado numa cadeira, no gabinete de
patentes, em Berna, quando, de repente, me ocorreu o seguinte pensamento: se uma
pessoa cai livremente, ela não sentirá o seu peso. Sim... e? Claro que o pensamento
pode ter o seu interesse, mas, de momento, não me ocorre nada de especial. Mas para
Einstein foi diferente. Ele perseguiu essa ideia até ao tutano, e extraiu dela todas as
consequências que podia, e acertou: essa era a ideia chave, que o levaria mais uma vez,
ao sucesso.
A propriedade de um corpo responsável pela força gravitacional que ele exerce
sobre outro corpo, chama-se massa gravitacional. Por outro lado, a propriedade de um
corpo que mede a sua resistência à aceleração é a sua massa inercial. Para as duas
massas usa-se o mesmo símbolo m, porque, de facto, elas são iguais. Chama-se a isso
o Princípio da Equivalência. Trata-se de uma característica única da força da
gravidade, e é uma questão de interesse considerável. Uma das consequências é a de
que, a queda de todos os corpos junto à superfície da Terra, se faz com a mesma
aceleração, uma vez eliminada a resistência do ar. O facto surpreendeu toda a gente,
dado que se pensava que quanto maior a massa, maior seria a aceleração com que um
corpo caía. Foi Galileu, com as suas célebres experiências na torre de Pisa quem
provou esta característica dos corpos com massa. Podemos imaginar facilmente, o que
aconteceria se a massa gravitacional e a massa inercial não fossem equivalentes.
Tomemos por mG a massa gravitacional e por m a massa inercial. A força exercida pela
Terra na vizinhança da sua superfície seria então dada por:

GM T mG
F
rT2

onde MT é a massa gravitacional da Terra. A aceleração da queda livre deste corpo nas
vizinhanças da superfície da Terra seria então:

F  GM T  mG
a  
m  rT2  m

Se a gravidade fosse apenas mais uma outra propriedade da matéria, como a cor
mG
ou a dureza, seria de esperar que a razão dependesse de factores como a
m
composição química, a temperatura ou outras características físicas do corpo. A
aceleração da queda livre seria então diferente para diferentes corpos. Como,
experimentalmente se verifica que a aceleração é igual para todos os corpos, então
temos de concluir que a razão entre a massa gravitacional e a massa inercial é igual
para todos, e por simplificação, essa razão vem igual a um. Trata-se de uma lei
empírica estabelecida primeiramente por Simon Stevin, em 1580, e à qual Galileu deu
a divulgação a que já fizemos referência. Nos dias de hoje, a equivalência entre massa
gravitacional e massa inercial está estabelecida com uma aproximação de cerca de uma
parte para 1012.

41
Buracos Negros A Relatividade

Se uma pessoa cair, por exemplo, de um prédio, não só não sentirá o seu peso,
como lhe parecerá, em todos os aspectos, que a gravidade desapareceu completamente
da sua vizinhança. Por exemplo, se essa pessoa deixar cair umas pedras enquanto ela
própria cai, as pedras e a pessoa cairão lado a lado, a menos da resistência do ar. Se
essa pessoa olhar para as pedras e se abstrair de tudo em volta, não conseguirá
discernir se, de facto, está em queda livre com as pedras em direcção à superfície em
baixo, ou se, por outro lado, se encontra a flutuar livremente no espaço, longe de
qualquer campo gravitacional, juntamente com as pedras. De facto, concluiu Einstein,
na vizinhança imediata dessa pessoa, a gravidade é de tal forma irrelevante e difícil de
detectar que, todas as leis da Física respeitantes ao referencial em movimento solidário
com a pessoa durante a queda, são as mesmas que as aplicadas a uma corpo com
movimento livre através do Universo, sem gravidade. Por outras palavras, o referencial
da pessoa em queda livre é equivalente a um referencial de inércia22 num Universo
livre de campos gravitacionais e as leis da Física válidas nesse caso, são precisamente
as leis da Relatividade Restrita23.
Como exemplo da equivalência entre um referencial pequeno em queda livre, e
um referencial inercial livre de gravidade, consideremos as leis da Relatividade
Restrita que descrevem o movimento de um objecto (por exemplo, uma bala de
canhão) movendo-se livremente num universo livre de gravidade. Medido em qualquer
referencial de inércia desse universo, a bala deve-se mover em linha recta, com
velocidade constante. Comparemos com o que acontece no nosso universo real: se
uma bala de canhão é disparada num campo plano, e observada por um cão sentado na
relva, a bala descreve um arco, primeiro para cima, atingindo uma altura máxima, e
depois para baixo de volta ao solo. Para o cão, a bala descreve uma parábola. Einstein
pergunta: O que aconteceria se víssemos esse movimento de um referencial em queda
livre?
Façamos a experiência (conceptual, por certo). Imaginemos que o campo onde
a bala é disparada fica no enfiamento de um penhasco, onde se encontra um intrépito
observador que segura nas mãos uma janela com doze painéis, e se prepara para se
lançar no abismo. A janela serve simplesmente de ajuda para podermos contemplar
mais facilmente o que ocorre. A figura 13 é um conjunto de instantâneos do
movimento do observador, e daquilo que ele observa.
O observador ignora o cão, o canhão, a árvore e o penhasco, e foca a sua
atenção na bala e nos painéis.
Visto por ele, a bala move-se ao longo da linha recta na diagonal com
velocidade constante. Ou seja: no referencial do cão a bala obedece às leis de Newton
e move-se numa parábola, enquanto que, no referencial em queda livre a bala obedece
às leis da Relatividade Restrita válidas para referenciais livres de gravidade. E o que é
verdade para este exemplo, deve ser verdade de uma forma geral. Einstein sentenciou:
em qualquer referencial pequeno, em queda livre, em qualquer local do nosso
Universo, as leis da Física são as mesmas que as de um referencial inercial num

22
Um referencial de inércia é aquele em que é válida a primeira lei de Newton. É um referencial em repouso ou
em movimento com velocidade constante.
23
É fundamental para que esta conclusão se mantenha válida, que o referencial em queda livre seja muito
pequeno comparado com a distância através da qual a intensidade e direcção da gravidade varia. Isto deve-se à
existência das forças de maré, e será explicado à frente com mais pormenor.

42
Buracos Negros A Relatividade

Figura 13
Para o observador em queda livre, a bala move-se ao longo de uma linha recta diagonal. As
imagens estão ordenadas no tempo seguindo a sequência de a até e, no sentido dos ponteiros
do relógio. A é o momento em que a bala é disparada, e e representa o instante em que toca
no solo.

universo ideal livre de gravidade. Einstein apresentou assim a sua versão do Princípio
da Equivalência, que deve ser aplicável quer o referencial em queda livre caia para a
Terra quer o faça no espaço intergaláctico, no centro da Galáxia ou através do
horizonte de um buraco negro.
Dias depois de ter formulado o seu princípio da equivalência, Einstein usou-o
para fazer uma previsão espantosa, chamada dilatação gravitacional do tempo: para
alguém em repouso junto a um campo gravitacional, quanto mais perto estiver do
centro do campo, mais devagar o tempo deve fluir. Por exemplo, num quarto na Terra,
o tempo deve fluir mais devagar junto ao chão que junto ao tecto. Esta diferença,
contudo, é tão pequena (cerca de 300 partes em mil biliões) que é praticamente

43
Buracos Negros A Relatividade

indetectável. Porém, junto a um buraco negro de cerca de 10 massas solares, o tempo


deve fluir 6 milhões de vezes mais devagar a um centímetro acima do horizonte do que
a uma distância elevada do horizonte. E no próprio horizonte, o tempo deve parar.
Vejamos, de forma sucinta, como é que Einstein chegou a esta conclusão tão
surpreendente. Sempre que um emissor e um receptor de ondas se movem em direcção
um ao outro, o receptor recebe as ondas com uma frequência mais alta do que aquela
com que foram emitidas (diz-se que houve um desvio para o azul). Por outro lado, se
emissor e receptor se afastam, a frequência recebida é menor do que a emitida e o
comprimento de
onda aumenta (diz-
se que houve um
desvio para o ver-
melho). A isto cha-
ma-se Efeito de Dop-
pler (figura 14), em
honra do físico aus-
tríaco Christian Dop-
pler que o estudou.
O efeito de Doppler
é válido para qual-
quer tipo de ondas,
desde as electroma-
Figura 14 gnéticas às sonoras,
mas é-nos muito
Efeito de Doppler – quando o receptor e o emissor se aproximam-se, a mais familiar ligado
frequência das ondas recebidas pelo receptor é superior à frequência com que ao som: quando um
foram emitidas pelo emissor. Quando emissor e receptor se afastam, a radiação
recebida pelo receptor tem um comprimento de onda mais alto (desviado para o carro dos bombeiros
vermelho) do que foi efectivamente emitido. se aproxima de nós,
o som da sirene fica
mais agudo (frequência mais alta), enquanto que quando se afasta, torna-se mais grave
(frequência mais baixa).
Imaginemos, agora, que colocamos dois relógios idênticos numa sala, um no
tecto pendurado por um fio, e outro no chão junto a um buraco no soalho, através do
qual irá cair. O tique-taque do relógio no chão é regulado pelo fluir do tempo junto ao
chão, e, da mesma maneira, o bater do relógio do tecto é regulado pelo fluir do tempo
junto ao tecto. Façamos uma pequena modificação no relógio do tecto, de modo a que,
sempre que ele bata, emita um sinal luminoso em direcção ao relógio que se encontra
cá em baixo. Imediatamente antes de o relógio emitir o seu primeiro sinal, o fio que o
segura é cortado, e o relógio inicial um movimento de queda livre. Se o tempo entre os
tique-taques for muito curto então, no momento da emissão do segundo sinal, o relógio
terá caído muito pouco, tão pouco que praticamente ainda se manterá em repouso em
relação ao tecto, e, por isso, continua a sentir o tempo a fluir da mesma forma que
antes: o intervalo entre os impulsos enviados pelo relógio é governado pelo fluir do
tempo junto ao tecto.
Imediatamente antes de o primeiro impulso enviado pelo relógio do tecto
atingir o solo e o relógio aí colocado, deixa-se que este caia pelo buraco existente no

44
Buracos Negros A Relatividade

soalho. O segundo impulso chega logo a seguir, sendo que, embora o relógio do solo já
se encontre em queda livre através do buraco, o seu movimento foi tão imperceptível
que é como se ele ainda se mantivesse em repouso junto ao solo, e por isso sentisse o
tempo a fluir da mesma forma que sentia antes. Neste momento, Einstein, converte o
problema da comparação do fluir do tempo nos dois locais, no problema de comparar
os tique-taques dos dois relógios em queda livre: o relógio em queda livre do tecto que
sente o fluir do tempo do tecto, e o relógio em queda livre do solo que sente o fluir do
tempo no solo. Como os relógios estão em queda livre, Einstein pode usar o seu
princípio da equivalência e comparar os batimentos com a ajuda da relatividade
restrita.
Como o relógio do tecto foi largado antes do do chão, a sua velocidade é
sempre superior, ou seja, em move-se em direcção ao relógio que está no solo. Isto
implica que o relógio que cai do chão, verá os impulsos enviados pelo que cai do tecto
desviados para o azul por efeito de Doppler, ou seja, ele vê-los-à chegar em intervalos
de tempo mais pequenos do que os intervalos de tempo entre os seus próprios
batimentos. Como o tempo entre impulsos é regulado pelo tempo do relógio do tecto, e
o tempo entre os batimentos é regulado pelo tempo do chão, isto significa que, o
tempo deve fluir mais lentamente no solo (intervalo entre batimentos maior), do que
no tecto. Ou por outras palavras: quanto mais forte a acção da gravidade, mais
devagar flui o tempo.
Einstein trabalhava ainda na Repartição de Registo de Patentes quando publicou
o seu primeiro artigo sobre a relatividade generalizada. Esse artigo continha o
princípio de equivalência já referido e utilizava-o para mostrar que o movimento
acelerado não era absoluto. Em 1909, deixou a Repartição de Registo de Patentes para
ocupar um lugar na Universidade de Zurique mas a sua estada nesta foi curta já que,
em 1911, lhe ofereceram um lugar que aceitou na Universidade de Praga. Nesse
mesmo ano, publicou um segundo artigo sobre a relatividade generalizada no qual
considerava algumas consequências do princípio de equivalência. Um dos resultados
da relatividade restrita era, como vimos, a equivalência entre massa e energia.
Conjugando esse resultado com o princípio de equivalência calculou que um raio de
luz que passasse no campo gravitacional do Sol seria desviado cerca de 0,83 segundos
de arco, ângulo esse extremamente pequeno mas suficientemente grande para ser
testado experimentalmente. Este mesmo cálculo tinha sido feito (sem conhecimento de
Einstein) pelo matemático Johann Soldner cerca de 100 anos antes. Numa tentativa
para embaraçar e desacreditar Einstein, o físico alemão Philipp Lenard, que era um
entusiástico apoiante do nazismo, conseguiu que o artigo de Soldner fosse de novo
publicado nos Annalen der Physik em 1921, mas tal gesto teve pequena repercussão.
Foi em Praga, em 1912, que Einstein compreendeu que o espaço-tempo curvo
resultava da existência de forças da maré.
Imagine-se um astronauta no espaço exterior, longe do equador terrestre, e em
queda livre em direcção à Terra. Embora, enquanto caia, o astronauta não sinta o seu
próprio peso, sentirá sempre alguns efeitos residuais da gravidade. Esses efeitos são as
chamadas forças de maré, já tratadas atrás, e que, como se recordarão, se devem à
diferença na força da gravidade exercida em diferentes partes de um corpo.

45
Buracos Negros A Relatividade

Visto por um referencial situado na Terra, os pés do astronauta serão sujeitos a


uma força da gravidade maior do que a cabeça, porque estão mais perto da Terra. Por
outro lado, como a força da gravidade atrai todos os corpos para o centro da Terra,
uma direcção que é ligeiramente à esquerda do lado direito do astronauta, e
ligeiramente à direita do seu lado esquerdo, a gravidade puxa as partes laterais do
astronauta na diagonal. No referencial do astronauta, contudo, a força da gravidade
não existe, desapareceu, porque ele se encontra em queda livre, mas as forças da maré
mantêm-se e esticam-no na vertical e comprimem-no lateralmente (figura 15).

Figura 15
Comparação entre o sentido e direcção das forças exercidas pela
Terra, em diversos pontos do corpo de um astronauta em órbita, tal
como são medidas por dois referenciais: um na Terra, e outro no
astronauta.

Na dedução do seu princípio da equivalência, Einstein ignorou as forças da


maré, e fê-lo, precisamente, porque tal princípio foi enunciado para corpos muito
pequenos, em que essas forças serão desprezáveis.24 Ou seja, se tivermos em conta as
forças de maré, o princípio da equivalência de Einstein deixa de ser válido já que,
referenciais em queda livre num campo gravitacional deixam de poder ser tratados da
mesma forma que referenciais em movimento uniforme num universo sem gravidade.
E, por isso, pareceu a Einstein que a chave para compreender a gravidade residia na
compreensão das forças de maré.
Para Newton as forças de maré eram produzidas, como já vimos, pela atracção
gravitacional diferencial em dois pontos dum mesmo corpo, e essa atracção dependia
do quadrado da distância entre esses pontos e o corpo cuja atracção estávamos a medir.
E aqui, sugeriu Einstein, devia estar o calcanhar de Aquiles da teoria de Newton. Aqui
Newton devia estar errado, porque essa distância, cujo quadrado se incluiria na
fórmula, deveria obedecer ao princípio da relatividade e por isso depender do
referencial em que era medida, ou se, como Newton acreditava, com a sua ideia de

24
Como podemos concluir através da análise da expressão para as forças de maré, a intensidade destas depende
directamente da distância entre as extremidades do corpo no qual são exercidas.

46
Buracos Negros A Relatividade

espaço absoluto, fosse constante, era o princípio da relatividade a ser violado. O


desafio de Einstein era formular uma nova teoria da gravitação que fosse compatível
com o princípio da relatividade, e explicasse, ao mesmo tempo, de uma forma
completamente nova as forças da maré.
Sabemos já em que sentido se diz que uma superfície é plana ou curva: por
exemplo, numa superfície plana as rectas paralelas não se cruzam, enquanto que numa
superfície curva cruzam-se.
Com estes dados, Einstein assumiu que o espaço-tempo absoluto de
Minkowski, com o qual começou por discordar mas que acabou por achar inevitável,
se poderia comportar da mesma forma que uma superfície: poderia ser plano ou
encurvado. Num universo sem gravidade, os corpos mover-se-iam em linhas rectas,
com velocidade constante medida em qualquer referencial, e obedecendo, por isso, às
leis da relatividade restrita. O princípio da equivalência garante que a gravidade não
pode alterar este princípio dogmático do movimento livre: qualquer partícula em
movimento solidário com um referencial pequeno em queda livre num campo
gravítico deve-se mover ao longo de uma linha recta. Essas linhas rectas, contudo, são
do tipo típico das que existem numa superfície curva. Imaginemos que deixamos cair
duas bolas, de uma dada altura com trajectórias iniciais verticais e perfeitamente
paralelas. Imagine-se ainda que as bolas conseguem atravessar a superfície terrestre e
continuar a cair sem serem perturbadas até ao centro da Terra. À medida que as bolas
se aproximam do centro, as forças da maré comprimem-nas lateralmente, da mesma
forma que comprimiam o astronauta em órbita. As bolas com movimento inicial
paralelo, aproximam-se e cruzam-se (eventualmente chocam) no centro da Terra. Para
Newton as forças da maré causaram o choque; para Einstein o choque foi provocado
pela curvatura do espaço-tempo, da mesma forma que o cruzamento de geodésicas à
superfície da Terra é provocado pela sua curvatura. Como há apenas um agente que
provoca o encontro das bolas, podemos concluir que forças de maré e curvatura do
espaço-tempo são precisamente a mesma, expressas em linguagem diferente. Esta
curvatura do espaço-tempo a quatro dimensões é, contudo, impossível de visualizar
para nós, habituados que estamos a curvaturas a três dimensões.
Einstein tinha concluído que o movimento das partículas livres e as marés dos
oceanos, são duas das coisas produzidas pela curvatura do espaço-tempo, mas ainda
não conseguira compreender o que é que produzia essa curvatura, embora, em 1912,
quando deixou Praga e regressou à Politécnica de Zurique, já tivesse uma ideia de que
era a matéria que estava na sua origem. A Einstein faltava-lhe a matemática.
Quando chegou a Zurique, em Agosto, encontrou-se com o seu velho amigo
Grossmann que, para além de professor na Politécnica, era um especialista nas técnicas
matemáticas de que estava necessitado. Grossmann apresentou-lhe os trabalhos de
Riemann, Ricci e Levi-Civita e Einstein apercebeu-se que aquilo era exactamente o
que precisava. Tinha anteriormente formulado um segundo princípio, denominado
princípio da covariância que afirmava que as leis da Física deveriam ser independentes
de um sistema coordenado (um sistema utilizado para indicar posições no espaço-
tempo) e a análise tensorial permitiu-lhe exprimi-lo matematicamente. Sob a
orientação de Grossmann, Einstein estudou e aprendeu análise tensorial. De facto, os
dois publicaram alguns artigos em conjunto, mas o seu trabalho nessa fase era ainda
algo como tactear na escuridão - uma busca torturante da equação correcta no meio de

47
Buracos Negros A Relatividade

centenas. Inúmeras candidatas foram analisadas e rejeitadas. É interessante o facto de a


equação correcta ter sido avaliada e rapidamente rejeitada por Einstein por ter chegado
à conclusão errónea de que ela violava a causalidade. Pior ainda, outro erro levou-os a
abandonar o princípio da covariância.
Quando se encontrava em Zurique, em Abril de 1914, Einstein foi visitado por
Planck e Nernst, da Universidade de Berlim, que lhe fizeram uma oferta irrecusável: o
lugar de director do ramo de investigação do novo Karl Wilhelm Institut. Além disso,
a proposta implicava que teria uma liberdade quase total para prosseguir as suas
investigações pois não teria de dar aulas. Este último aspecto da oferta agradou-lhe
particularmente. Não que não gostasse do contacto com os alunos; o que se passava é
que considerava restritiva a rotina do ensino. Foi, de facto, o considerável tempo livre
de que desfrutou em Berlim que lhe permitiu concluir a teoria da relatividade
generalizada.
Na altura em que começou a trabalhá-la em Berlim, estava já à vontade na
análise tensorial e rapidamente as coisas começaram a compor-se. Entretanto separa-se
de Mileva, que lhe leva os filhos (Edward que sofria de esquizofrenia e Hans Albert)
de volta a Zurique, e passa a viver com Elsa, sua amante de então, que era também sua
prima, com quem viria a casar em 1919. Curioso é o facto de que antes de casar,
Einstein divorciou-se, como seria de esperar de Mileva, tendo esta exigido para assinar
o divórcio, o dinheiro do prémio Nobel, que Einstein só viria a ganhar em 1921 e a
receber um ano mais tarde. Einstein concordou.
A meio do ano de 1915, já tinha decidido que o único problema com o princípio
da covariância era a sua estupidez prévia em o ter rejeitado e, reincorporou-o na teoria.
O seu amigo Charlie Chaplin no livro My Autobiography lança alguma luz sobre essa
luta final com a teoria. Chaplin recorda um jantar, em 1926, na sua casa da Califórnia
em que estavam presentes Einstein, a Sr.ª Einstein (nessa altura a sua segunda mulher,
Elsa) e dois amigos seus. Durante o jantar a Sr.ª Einstein, contou-lhe a história da
manhã em que Einstein concebeu a teoria da relatividade. Ela relatou-lhe:

O Doutor [Einstein] desceu em roupão para o pequeno-almoço como de


costume mas mal lhe tocou. Pensei que haveria algo de errado e perguntei-lhe o que é
que o preocupava. Querida, disse ele, tenho uma ideia maravilhosa... E, após ter
bebido o café, foi para o piano e começou a tocar! Interrompeu e repetiu: tenho uma
ideia maravilhosa! Ao que eu respondi: Então, por amor de Deus, diz-me o que é, não
me mantenhas na expectativa, ao que ele replicou: É difícil, tenho ainda de a
trabalhar.

A Sr.ª Einstein disse a Chaplin que Einstein continuou a tocar piano durante
cerca de meia hora, e então, subiu as escadas para o escritório dizendo-lhe que não
queria ser incomodado e lá permaneceu durante duas semanas.

Todos os dias lhe mandava para cima as refeições e ao fim da tarde andava um
pouco para se exercitar e voltava para o seu trabalho.,,
Um dia, veio para baixo com um aspecto muito pálido. Aqui está - disse-me em
tom fatigado pondo duas folhas de papel em cima da mesa. Aquilo era a sua teoria da
relatividade.

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Buracos Negros A Relatividade

Einstein apresentou a sua teoria a sucessivamente a 4, 11 e 18 Novembro de


1915 na Academia das Ciências da Prússia, de cada vez, surgindo erros que eram
debelados na semana seguinte. Finalmente, no dia 25, apresentou a teoria definitiva,
que incorporava a dilatação gravitacional do tempo de 1907, e resolvia o problema do
desfasamento entre os valores observacionais e teóricos para o avanço do periélio de
Mercúrio25, para além de prever uma deflexão da luz das estrelas, ao passar pelo
limbo do Sol, de cerca de 1,7 segundos de arco26. Este valor viria a ser confirmado em
1919, por duas equipas lideradas por Arthur Eddington, durante um eclipse solar. Três
dias mais tarde, em carta a Arnold Sommerfeld, Einstein escrevia: Ao longo do último
mês passei os tempos mais excitantes e extenuantes da minha vida, mas também os
mais bem sucedidos.
Einstein nunca tinha gostado da concepção newtoniana da gravidade como uma
acção à distância. De acordo com as ideias de Newton, a acção da gravidade era
instantânea: se uma maçã se soltasse subitamente de uma macieira à nossa frente, todo
o Universo tomaria conhecimento dessa situação e se ajustaria imediatamente. Mas,
em conformidade com a teoria da relatividade restrita, nenhum objecto material se
pode deslocar a uma velocidade superior à da luz. No espaço-tempo de Einstein as
superfícies são encurvadas, e essa curvatura pode ser medida estudando as forças de
maré exercidas num corpo em queda livre. As partículas movem-se ao longo de
geodésicas, e a taxa de que são aproximadas ou afastadas por acção das forças de
maré, é proporcional à curvatura do espaço-tempo, e essa curvatura é, por sua vez
proporcional à densidade de matéria acrescida de um factor que é igual a três vezes a
pressão exercida por essa matéria (sendo que este último factor é, por norma,
desprezável, só tomando valores mensuráveis em situações extremas como estrelas de
neutrões). A equação do campo de Einstein diz-nos exactamente de que maneira o
espaço se encurva na vizinhança de uma dada massa, e qual o grau dessa curvatura;
para além disso diz-nos também como o espaço se encontra encurvado no interior
dessa massa. Todavia, e como já referimos anteriormente, não podemos visualizar um
espaço curvo tridimensional; podemos apenas visualizar uma superfície bidimensional
num espaço tridimensional.
A melhor maneira de pensarmos nesta superfície curva é considerarmos uma
delgada folha de borracha que se encontra esticada e presa nos cantos. No seu centro,
podemos colocar uma bola grande e pesada para representar o Sol. Ela deprimirá a
folha e curvá-la-á à sua volta da mesma maneira que o Sol curva o espaço. Se
pegarmos, então, num berlinde e o lançarmos, ele mover-se-á à volta da bola grande
várias vezes numa órbita elíptica tal como os planetas rodam à volta do Sol (figura 16).

25
Ao inserir no cálculo do desvio do periélio dos planetas, considerações relativísticas devidas à sua velocidade
orbital, que é, de longe, maior no caso de Mercúrio e a curvatura do espaço-tempo resultante da presença do Sol,
que influência, de forma superior a órbita de Mercúrio, Einstein obteve um valor do desvio, em grande acordo
com o valor observado, o que, nas suas próprias palavras foi a mais forte experiência emocional da minha vida
porque senti que a natureza falava comigo, e me dizia que a teoria estava correcta...
26
Em 1911, já Einstein previra um desvio de 0,83 segundos de arco com base em cálculos alicerçados ainda na
mecânica newtoniana. Utilizando a teoria da relatividade generalizada refez os cálculos e encontrou um valor
duas vezes maior para esse desvio Em 1914, foi enviada urna expedição para a Rússia para observar um eclipse
solar total na esperança de medir esse desvio da luz de estrelas na vizinhança do Sol. Entretanto, eclodiu a 1ª
Guerra Mundial e os membros dessa expedição foram feitos prisioneiros. De certa maneira, foi bom essa
medição não ter sido efectuada já que teria sido obtido um valor duas vezes superior ao previsto o que diminuiria
bastante o interesse pela teoria de Einstein.

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Buracos Negros A Relatividade

Figura 16

A massa do Sol (A) encurva o espaço-tempo na sua vizinhança, o que desvia a luz de uma estrela
distante (D) que se situa na direcção do limbo do Sol, de tal modo que na Terra (C), a estrela parece localizar-se
em B.

A luz segue sempre pelo caminho mais curto possível entre dois pontos, e no
espaço-tempo curvo, como em qualquer superfície curva, essas linhas são as
geodésicas. Essas linhas seguidas pela luz, revelam o tecido distorcido, encurvado e
enrugado do espaço-tempo.
O efeito da dilatação gravitacional do tempo foi verificado em 1925, não para o
caso da Terra mas para o da estrela anã branca companheira da estrela Siriús (uma anã
branca é uma estrela extremamente densa, com um forte campo gravitacional). Dado
que o tempo decorre mais devagar na vizinhança da anã branca a radiação que ela
emite sofre uma alteração de frequência. Essa alteração foi calculada e demonstrou-se
haver boa concordância entre o valor encontrado e os dados fornecidos pelas
observações.
Em 1956, foi descoberto um efeito denominado efeito de Mossbauer que
permitiu aos cientistas verificar esse resultado aqui na Terra. Foi possível comparar
um relógio atómico ao nível do chão com outro colocado cerca de quinze metros
acima, e, a diferença de ritmo entre ambos estava também de acordo com o previsto
pela teoria de Einstein.

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Buracos Negros A Relatividade

Nos últimos anos, foram desenvolvidos testes mais precisos da teoria. Num
deles, efectuado em 1971, Richard Keating do Observatório Naval dos Estados Unidos
(em Washington) e Joseph Hafele da Universidade de Washington, em St. Louis,
viajaram num avião comercial primeiro na direcção este-oeste e depois numa direcção
oeste-este. Nessa experiência surgem duas alterações contraditórias do tempo: um
escoamento mais vagaroso devido à velocidade do avião e uma aceleração devida ao
decréscimo da gravidade. No voo em direcção a este os relógios perderam em média
59 nanosegundos (bilionésimos de segundo) contra um resultado previsto de 49; no
voo para oeste ganharam 273 nanosegundos contra uma previsão de 275 (as diferenças
devem-se a que, para este à velocidade do avião há que subtrair a velocidade de
rotação (na mesma direcção) da própria Terra, enquanto que, no movimento para
oeste, essa velocidade deve ser somada).
Em resultado desses e doutros testes, a teoria de Einstein encontra-se agora
muito bem comprovada. No Sistema Solar ou em situação em que a gravidade seja
fraca oferece resultados semelhantes aos da teoria de Newton mas, quando à gravidade
é intensa como, por exemplo, na vizinhança de um buraco negro a teoria de Newton
deixa de ser aplicável e temos de utilizar a relatividade generalizada. Temos, também,
de a utilizar quando lidamos com a estrutura do universo na sua totalidade.
Einstein ficou muito famoso devido à sua teoria; é provavelmente o cientista
mais conhecido de todos quantos já existiram, um dos poucos que muitos cidadãos
comuns identificariam rapidamente numa fotografia. Apesar do dilúvio de honrarias de
que foi alvo, manteve-se modesto e humilde até à sua morte no dia 16 de Abril 1955,
pouco depois da meia-noite. A publicidade fazia-lhe confusão mas posava de boa
vontade para fotógrafos, artistas e escultores. Posou tantas vezes que, um dia, quando
um desconhecido que não o reconheceu lhe perguntou como é que ganhava a vida
respondeu-lhe, sou modelo artístico.

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