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Buracos Negros Os Protagonistas

Os Protagonistas

Hoje sabemos que a pressão de degeneração dos neutrões mantém as estrelas


de neutrões com uma massa de até cerca 3,2 vezes a massa do Sol em equilíbrio contra
a força da gravidade. O valor encontra-se dentro do intervalo previsto por
Oppenheimer, Volkoff e Tolman no artigo de 1939, e constitui o limite máximo para a
massa de uma estrela, acima do qual os neutrões em movimento frenético se teriam de
mover a velocidades superiores à da luz. Como tal é impossível, a gravidade vence
inexoravelmente a pressão de degenerescência dos neutrões, e o objecto colapsa sem
apelo. Hoje sabemos tudo isto, e a situação é mais ou menos consensual, mas no final
dos anos trinta a polémica foi enorme entre os físicos. De um lado os que negavam a
existência dos buracos negros, como John Wheeler, Eddington ou Einstein, e que
tentavam a todo o custo arranjar formas de os evitar,42 e do outro os defensores da
inevitabilidade da implosão indefinida de uma estrela de neutrões com uma massa
acima do valor limite. Mas não nos debruçaremos sobre essas polémicas. Vamos,
outrossim, dedicarmo-nos a analisar, à luz dos conhecimentos actuais, o que é um
buraco negro, e quais são as suas principais características.
Em Setembro de 1939, a Alemanha nazi invadiu a Polónia, e o mundo entrou de
novo em guerra. Os físicos que até então tinham estado a trabalhar em evolução estelar
e mecânica quântica foram recrutados para outras áreas relacionadas com o esforço de
guerra. Oppenheimer assumiu o cargo de principal responsável pelo Projecto
Manhattan que visava ao desenvolvimento e construção da bomba atómica, por parte
dos EUA, e nunca mais se cruzou com os buracos negros. No entanto, os poucos
meses que teve, entre a publicação do artigo em que confirmava a inevitabilidade do
colapso das estrelas de neutrões, e o início da guerra, passou-os Oppenheimer com os
seus estudantes (com um de forma particular, um tal de Hartland Snyder), a tentar
identificar os pormenores da implosão.
Como já vimos, Schwarzschild tinha descoberto com a sua geometria para o
espaço-tempo, uma solução para a equação relativística do campo gravitacional de
Einstein. Tratava-se de uma solução para o exterior e interior de uma estrela estática
que nem implode, nem explode, nem pulsa. No entanto, já em 1923, George Birkoff,
em Harvard, tinha desenvolvido um teorema, em que se provava que a solução de
Schwarzschild se aplicava de igual forma se a estrela implodisse, explodisse ou
pulsasse, sendo apenas necessário que se mantivesse estática (não rodasse).
Com um cálculo rápido, Oppenheimer e Snyder assumiram que a estrela
estática, uma vez exaurido o seu combustível implodiria indefinidamente, e sem terem
qualquer ideia do que se passaria no seu interior, tentaram determinar o que é que seria
visto por um observador no exterior que presenciasse tal implosão. Assumiram ainda,
que a estrela em implosão seria como que uma sucessão de estrelas estáticas, cada uma
com uma densidade maior que a anterior. Tal estudo de estrelas estáticas com variáveis

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A forma mais promissora de evitar que uma estrela de neutrões implodisse para formar um buraco negro, era
demonstrar que, aquando da supernova ou em processos posterior, que envolviam transformação de massa em
energia, a estrela perderia tanta massa que ou os electrões ou, no limite, os neutrões, conseguiriam suster a partir
daí a gravidade. Infelizmente, para quem alinhava por este ponto, foi demonstrado que nenhuma estrela com uma
massa superior a 20 massas solares poderia perder a quantidade de massa suficiente.

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dependentes, entre outras coisas da densidade, tinha sido feito como vimos, a partir do
trabalho progenitor de Eddington, nos anos que se seguiram à publicação dos
resultados de Schwarzschild, pelo que o trabalho de Oppenheimer se simplificava
significativamente. A figura 1, que apresentamos na página 11 sem grande explicação,
representa a curvatura do espaço-tempo no interior e nas proximidades de um estrela
estática, em três situações diferentes43 que reproduzem a implosão que estava a ser
estudada por Oppenheimer e Snyder. O diagrama mostra que quanto mais perto a
estrela se encontra do raio crítico (dado, como se sabe, pela equação de
Schwarzschild), mais extrema é a curvatura do espaço à sua volta. Contudo, essa
curvatura não chega a ficar infinitamente extrema, o que implica que as forças de maré
também não se tornam infinitas.44
Vimos que Einstein tinha chegado à conclusão, muito antes de publicar a sua
teoria da gravidade generalizada, que o tempo flui tão mais devagar quanto mais forte
for o campo gravitacional. Depois de publicar as suas equações do campo, chegou-se à
conclusão que, a relação entre o intervalo dt entre dois tique-taques de um relógio,
medidos por um observador a uma distância curta r do raio de Schwarzschild, e os
mesmos tique-taques de um relógio igual dt, medidos por um observador a uma
distância muito maior r,45 era dada por:

1
 2 MG  2
dt  1   dt 
 rc 2 

e, como é claro, esta relatividade do tempo vem, forçosamente, acompanhada de uma


relatividade do espaço. Assim o comprimento de uma régua, medido por dois
observadores, um à distância r do horizonte e outro à distância r é diferente, e
relaciona-se por:
dr
dr  1
.
 2 MG  2
1  
 rc 2 

Vimos ainda que, uma consequência do atraso gravitacional dos relógios, era o
desvio gravitacional para o vermelho de uma radiação emitida por qualquer corpo com
um forte campo gravitacional. Esse desvio para o vermelho46, que se encontra
apresentado na figura 1 para três situações diferentes, é dado por:

43
Para se tornar compreensível, o diagrama apresenta apenas a curvatura de duas das três dimensões do espaço.
Na realidade, o que é curvo, é o espaço-tempo nas suas quatro dimensões.
44
Recorde-se que, de acordo com Einstein, as forças de maré são as manifestações do espaço-tempo curvo.
45
Um bom critério para distinguir o que é distância curta e distância longa é o seguinte: qualquer corpo que se
situa a uma distância do buraco negro, em que é relevante considerar efeitos relativistas, encontra-se a uma
distância curta; se, por outro lado, for suficiente considerar a Mecânica Newtoniana, então a distância em relação
ao buraco negro é longa.
46
Chamo-lhe desvio para o vermelho porque, na luz visível, o vermelho corresponde aos comprimentos de onda
mais altos, para os quais o desvio se dá efectivamente. Todavia, o desvio para o vermelho, pode ultrapassar a
radiação vermelha, entrar no infravermelho, nas ondas de rádio, e ir até infinito.

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1
     2MG  2
   1   1
   rc 2 

onde  é o comprimento de onda característico do emissor localizado em r, e  é o


comprimento de onda aparente visto em r.
Foi a partir do modelo de estrelas estáticas cada vez mais densas, que
Oppenheimer e Snyder inferiram que, uma estrela nestas condições, desenvolveria
curvaturas do espaço-tempo cada vez mais acentuadas à medida que se aproximava
da circunferência crítica, sem que alguma vez atingisse uma curvatura infinita. Para
além disso, concluíram, à medida que a estrela implode, a luz da sua superfície
torna-se cada vez mais desviada para o vermelho, e quando a estrela atinge a
circunferência crítica, o desvio deve tornar-se infinito, fazendo com que a estrela fique
invisível para o resto do Universo. Nas palavras de Oppenheimer, a estrela
desligar-se-ia visualmente do universo exterior. De facto, tal pode ser deduzido das
equações que referimos acima. Tomando para r o valor do raio de Schwarzschild:

2GM
r ,
c2

e substituindo-as na equação do desvio para o vermelho, verificamos que, nessa


situação:

   

ou seja, qualquer radiação, com um dado comprimento de onda, que fosse emitida por
uma estrela com uma circunferência de raio igual ao raio de Schwarzschild, seria
desviada de uma quantidade igual ao valor desse comprimento de onda, pelo que, para
todos os efeitos, se anulava.
Neste ponto, os dois investigadores fizeram uma pausa, porque havia vários
efeitos que eles não estavam a levar em linha de conta, e que podiam afectar de forma
decisiva os resultados finais. Quando se considera uma estrela estática, deixa-se de
fora a força centrífuga, que afecta os corpos em movimento. Vimos já que a força
centrífuga é tanto maior quanto mais pequena for a distância ao centro do movimento.
Desta forma, uma estrela em colapso, verá a força centrífuga resultante do seu
movimento de rotação aumentar, à medida que o seu tamanho diminui. A questão era
determinar de que forma esse aumento da força centrífuga afectava a implosão, e se
seria possível que, em qualquer momento, o seu efeito equilibrasse a gravidade, e a
estrela deixasse de implodir. Outro efeito que não tinha sido considerado, era o
causado pelas ondas de choque que se libertavam aquando da implosão. O mais
provável, era que essas ondas de choque carregassem grandes quantidades de energia,
proveniente de uma parte da massa da estrela. Seria essa massa libertada nas ondas de
choque suficiente para permitir que a pressão voltasse a equilibrar a gravidade? Era
necessário ainda, para construir um modelo credível das estrelas pós-estrela de
neutrões, compreender de que forma evoluía a pressão degenerativa, primeiro dos
electrões, depois dos neutrões, e finalmente o que é que lhe acontecia, quando fosse

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finalmente vencida pela gravidade. Será que continuava a exercer qualquer efeito, ou
era simplesmente anulada? Depressa compreenderam porém, que introduzir todos
estes efeitos no modelo da estrela em implosão, seria uma tarefa tão formidável, que
não tinham a menor ideia do ponto por onde lhe podiam pegar. Tão formidável na
realidade, que o problema só viria a ser resolvido com o advento dos
supercomputadores, na década de 80. Mesmo assim, como segundo a opinião dos dois,
o factor crucial era a gravidade tal como tinha sido descrita por Einstein, e essa estava
lá bem entranhada, o modelo das estrelas implosivas, e os seus pormenores tal como
começavam a vir a lume, pareceram-lhes muito plausíveis. O efeito da rotação, podia
ser importante, mas Oppenheimer acreditava, que a maioria das estrelas teria, na fase
normal da sua vida, uma rotação muito lenta, pelo que não era difícil supor que a sua
importância não seria assim tão decisiva, embora, como se disse, ele não o pudesse
provar matematicamente. A sua intuição dizia-lhe ainda, que a pressão de
degenerescência, uma vez vencida deixaria de exercer qualquer efeito mensurável,
pelo que podia ser excluída do modelo. Mesmo assim, com todas estas idealizações,47
resumindo-se o estudo às estrelas estáticas, que não radiavam, sem pressão interna e
com densidade constante, os cálculos eram extremamente difíceis. Porém, com a ajuda
de Tolman, lá conseguiram as equações que descreviam toda a implosão. Agora,
analisando as fórmulas, era possível escrutinar todos os aspectos da implosão tal como
é vista de qualquer ângulo.
Um aspecto especialmente interessante, foi o que versava a aparência que a
estrela em implosão teria para um observador em repouso, que estivesse a assistir ao
evento de um referencial exterior e suficientemente longínquo para desprezar efeitos
relativistas. A estrela, tal como é vista por este observador, começa a implosão tal
como seria de esperar: a estrela cai sobre si mesma, primeiro devagar, e depois cada
vez mais depressa. Segundo Newton, o esmagamento deveria continuar
inexoravelmente, até que a estrela, sem qualquer pressão interior é comprimida a
grande velocidade para um ponto. Mas, de acordo com as equações de Oppenheimer e
Snyder, o encolhimento cuja velocidade começava por aumentar, chega a determinado
ponto em que parece desacelerar. A desaceleração continua, à medida que a estrela se
torna mais pequena, até que, a dada altura, a implosão, vista pelo observador exterior
pára. É como se a estrela congelasse. E isto acontece precisamente quando a estrela
atinge a circunferência crítica – o raio de Schwarzschild. Independentemente do tempo
que o observador exterior espere, ele nunca será capaz de ver a estrela implodir através
do horizonte.
Será este congelamento causado por qualquer força relativista dentro da estrela?
Não. Na verdade, a estrela só parece parar para o observador exterior porque, o tempo
da estrela tal como é medido por esse observador, foi de tal forma dilatado pela
gravidade que, um intervalo de tempo, por mais pequeno que seja, tornou-se infinito.
Isso mesmo podemos constatar se, na fórmula dada acima para a dilatação
gravitacional do tempo, substituirmos r pelo raio de Schwarzschild. Obtemos:

dt  0dt  dt  

47
Foram, principalmente, estas idealizações, que levaram à existência da grande controvérsia, a que já fizemos
referência, em torno dos resultados.

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Este resultado, tal como foi apresentado por Oppenheimer e Snyder, não é mais
do que uma confirmação da grande descoberta feita por Schwarzschild, com o bónus
de lhe atribuir um significado físico.
Igualmente surpreendente, era o facto de que, para um observador na superfície
da estrela, a implosão dar-se-ia de forma completamente normal: começaria muito
lentamente, e depois, à medida que a estrela ficava cada vez mais pequena, a
velocidade de implosão aumentava sem hesitações. Embora visto de fora a implosão
congelasse no raio de Schwarzschild, para o observador à superfície da estrela, não
haveria qualquer efeito à passagem por esse ponto. Se o observador estivesse numa
estrela com várias massas solares, e aproximadamente o raio do Sol, entre o início da
contracção, e a passagem pelo raio de Schwarzschild, passaria cerca de uma hora, e
após essa passagem a implosão continuava até que a estrela atingia uma densidade
infinita num volume igual a zero.
Estes resultados eram impressionantes. Já há mais de 30 anos que os físicos
contactavam com a relatividade restrita, e estavam habituados à ideia de que o espaço
e o tempo eram relativos, mas nunca tinham visto tamanha distorção: de que a
implosão congela para sempre quando medida por um referencial externo e estático,
mas que continua rapidamente através do ponto de congelamento para alguém à
superfície da estrela.
Pouca gente estava preparada para aceitar tais extremos, e nem Oppenheimer
parecia nesta altura muito seguro. No artigo em que apresentava estes resultados, em
1939, evitou elegantemente qualquer discussão que o pudesse comprometer,
limitando-se tão só a apresentar fórmulas e cálculos.
Depois veio a guerra e os buracos negros foram esquecidos.
No princípio dos anos 60, Antony Hewish, de Cambridge, desenvolveu uma
técnica para distinguir fontes de rádio de ângulos muito estreitos de objectos
astronómicos maiores tais como as galáxias. Poucos anos antes, tinham sido
descobertos objectos de tipo estelar que emitiam radiação de ângulo estreito, os
quasares, e Hewish pensou que a sua técnica poderia ser útil para os localizar. Seria no
entanto necessário um tipo diferente de radiotelescópio, que fosse sensível a mudanças
bruscas de frequência (nessa época, a maioria dos radiotelescópios não tinha essa
capacidade). Em consequência, Hewish decidiu construir um e, com a ajuda de vários
alunos, cobriu um campo de dezasseis mil metros quadrados com pólos e fios. Um
desses alunos era uma candidata ao doutoramento, chamada Jocelyn Bell. Quando o
projecto foi dado finalmente por concluído, em Julho de 1967, foi-lhe atribuída a
tarefa de analisar a enorme quantidade de registos obtidos com o novo telescópio. Uma
das suas tarefas foi identificar qualquer interferência de origem humana que o
telescópio tivesse captado por acaso. Ao fim de poucas semanas, descobriu um traçado
que parecia de origem humana mas que era simultaneamente diferente. Esse sinal
aparecia mais ou menos à mesma hora todas as noites o que a levou a mencionar o
caso a Hewish. Este sugeriu-lhe que obtivesse uma gravação a alta velocidade do
traçado em questão para que se pudesse examinar em pormenor a sua estrutura; porém,
na altura em que Jocelyn ia iniciar essa experiência o sinal tinha desaparecido.
Continuou a esperar que ele surgisse durante semanas até que, um dia, desistiu e foi
assistir a uma aula a Cambridge. Quando voltou para analisar os gráficos o sinal
encontrava-se de novo lá. No dia seguinte, conseguiu obter a primeira gravação de alta

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velocidade e ficou surpreendida por descobrir que o sinal consistia numa série de
picos, uniformemente espaçados, um cada 1,33730113 segundos. Quando telefonou a
informar Hewish ele respondeu: Bem, isso resolve a questão. O sinal tem de ter
origem humana. O que ele tinha compreendido e ela não, é que era praticamente
impossível um objecto astronómico pulsar tão depressa, a não ser que fosse talvez uma
anã branca ou uma estrela de neutrões, se é que existiam estrelas deste último tipo.
A descoberta foi oficialmente anunciada em Janeiro de 1968 e espantou o
mundo astronómico. Houve até quem sugerisse que se podia tratar de uma mensagem
de seres extraterrestres. Os teóricos entraram imediatamente em acção e centraram-se
primeiro na possibilidade de que o objecto fosse uma anã branca. Mas os cálculos
mostraram rapidamente que não podia ser esse o caso, já que as anãs brancas
teoricamente pulsavam mais devagar. Por outro lado, estes objectos pulsavam com
demasiada rapidez. O nome que lhes tinham dado – pulsares - não era apropriado; elas
não poderiam ser estrelas pulsantes.
Outra possibilidade era considerar um modelo tipo farol. Talvez elas emitissem
um feixe de radiação ou talvez mesmo dois. À medida que rodassem, os feixes
varreriam a Terra tal como os feixes
de um farol varrem o mar.
Esperaríamos então observar uma
pulsação de cada vez que o feixe
atingisse a Terra. Este modelo parecia
razoável e, já que o período das
pulsações não era muito rápido o
candidato que melhor se enquadrava
nele era uma anã branca em rotação.
Mas então foi descoberto um
pulsar na nebulosa do Caranguejo,
que pulsava a um ritmo de 30
batimentos por segundo. As anãs não
podiam rodar tão depressa; ficariam
desfeitas. Isto deixava apenas como
candidatas as estrelas de neutrões em
rotação. Tommy Gold, da
Universidade de Cornell, defendia
essa hipótese havia muito tempo.
Calculou a energia libertada por uma
estrela de neutrões que rodasse 30
vezes por segundo e comparou-a com
os dados conhecidos sobre a
libertação de energia do Caranguejo.
Figura 24
Os dois números eram tão parecidos
A figura de cima representa de forma esquemática o efeito que não restavam dúvidas: o pulsar
de farol. Os cones azuis representam a zona de onde a
radiação é emitida; as linhas cinzentas fechadas são as do Caranguejo tinha de ser uma
linhas do campo magnético, e o eixo de rotação aparece a estrela de neutrões e isso significava
vermelho. que todos os pulsares teriam
possivelmente a mesma natureza.

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Em pouco tempo, foram desenvolvidos os pormenores de um modelo possível.


A estrela de neutrões em rotação tinha um campo magnético excessivamente forte que
rodava com ela. A sua força era devida ao colapso: mesmo que o campo da estrela
original fosse fraco o colapso concentrá-lo-ia e torná-lo-ia extraordinariamente forte.
Partículas carregadas oriundas da superfície da estrela de neutrões, mover-se-iam para
fora ao longo das linhas do campo, gerando ondas electromagnéticas (ondas de rádio e
radiação visível). Um aspecto particularmente importante do modelo era que o eixo do
campo magnético não tinha de estar necessariamente alinhado com o eixo de rotação
já que a radiação seria orientada para os pólos magnéticos Norte e Sul da estrela e, se a
direcção destes fosse, por exemplo, perpendicular à de rotação o feixe mover-se-ia da
mesma maneira que o de um farol. Se nos encontrássemos na sua trajectória
detectaríamos um clarão de radiação electromagnética (figura 24).
A estrela de neutrões teria 15 a 30 quilómetros de diâmetro (figura 25); teria de
ter uma superfície extremamente rígida - milhões de vezes mais rígida do que o aço - e

Figura 25
Dimensões relativas das anãs brancas, das estrelas de neutrões e dos buracos negros.

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abaixo dessa superfície encontrar-se-ia aquilo a que se chama um superfluido: uma


mistura de neutrões e de outras partículas. Poderá existir um pequeno núcleo no seu
centro.
Foi rapidamente verificado, pouco depois da descoberta dos pulsares, que eles
estavam a abrandar gradualmente (muito gradualmente). Por outras palavras, o seu
período estava a aumentar cerca de um milionésimo de segundo por mês. Esta situação
é consistente com o facto de se encontrarem a libertar energia para o espaço sob a
forma de radiação electromagnética. Inesperada, porém, foi a descoberta de que, em
alguns deles, o período sofria mudanças bruscas. Os astrónomos chamaram glitches a
essas mudanças bruscas. Sabemos agora que, pelo menos no caso da nebulosa do
Caranguejo, isto se deve a um tremor estelar. À medida que a estrela abranda, a sua
superfície (uma esfera bastante achatada, devido à alta velocidade de rotação)
relaxa-se e volta à forma primitiva: isto origina uma pequena fenda na superfície.
Anos antes, na década de 50, os físicos e astrónomos trabalhavam
tranquilamente nos observatórios. Tinha havido uma enorme evolução tecnológica,
que levara ao desenvolvimento de instrumentos ópticos cada vez mais sofisticados,
mas também à criação de telescópios que, em vez de captarem radiação visível,
recebiam ondas de rádio – os radiotelescópios. Ainda assim, ninguém suspeitava de
que numa das muitas rusgas que se faziam pelo céu nocturno, pudesse ser descoberto
algo de novo e surpreendente. Foi então que, em meados da década, foi descoberto
pelos astrónomos de Cambridge, a trabalhar com um radiotelescópio, um objecto
estranho com uma emissão rádio anormalmente elevada. O objecto foi catalogado com
o código 3C 273, embora ninguém soubesse de que se tratava, nem tampouco era
possível discernir da sua localização, porque os radiotelescópios tinham um poder de
resolução muito baixo e, no óptico, tudo o que se observava, era uma quantidade
enorme de estrelas aparentemente normais. Contudo, em finais do Verão de 1962, a
Lua passaria pela região do céu onde o objecto se encontrava, bloqueando
temporariamente a radiação que dele nos chegava, e permitindo aos astrónomos
localiza-lo. Assim foi. C. Hazard, M. B. Mackey e A. J. Shimmins, num observatório
na Austrália, conseguiram identificar a estrela responsável pela emissão, tendo para
além disso descoberto que os pontos emissores eram afinal dois, correspondendo um
ao centro do corpo, e outro a um jacto que dele emanava.
Havia ainda outro grande mistério que envolvia o corpo, e que se relacionava
com o seu espectro de emissão, cujas linhas não eram comparáveis a nada conhecido.
Em 1960, já tinham sido descobertos mais dois objectos do mesmo tipo, sendo um
identificado no óptico com um ponto ténue de magnitude 16, azul e de aparência
estelar. Os objectos receberam então a designação de quasi-stellar objects, abreviada
quase imediatamente para quasares. Então, na noite de 27 de Dezembro de 1962,
Maarten Schmidt, decidiu registar o espectro do quasar 3C 273, que se situa na
constelação da Virgem, tendo conseguido linhas espectrais que não coincidiam com
nada conhecido, como de costume. A 5 de Fevereiro do ano seguinte, estava sentado a
escrever um artigo, tendo à sua frente o espectro tirado em Dezembro. De repente,
reparou que quatro das linhas estavam espaçadas com intervalos decrescentes. Por
curiosidade, comparou essas linhas com o que se observa na série de Balmer do
hidrogénio, e verificou que as linhas eram idênticas. Rapidamente compreendeu que as
linhas eram as do hidrogénio, mas estavam numa posição do espectro que não lhes

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correspondia: estavam muito desviadas para o vermelho. Se tal desvio se devesse


somente ao efeito de Doppler, tal implicava uma velocidade de afastamento da ordem
dos 48000 Km s-1, uma velocidade impensável para uma estrela da Galáxia.
Determinou ainda que as duas outras linhas que constavam do espectro, eram linhas do
oxigénio e do magnésio. Schmidt telefonou imediatamente ao seu colega Jesse
Greenstein, que se encontrava a trabalhar com o quasar 3C 48, e os dois verificaram
que as linhas voltavam a coincidir com as do hidrogénio, e que desta vez, a velocidade
de recessão rondava os 110000 Km s-1. Tinham descoberto desta forma que os
quasares eram objectos extragalácticos, com velocidades tão grandes que teriam de
estar extremamente longe.48 A notícia foi capa da revista Time em 11 de Março de
1966, onde aparecia uma fotografia de Marteen Schmidt e o título Explorando os
confins do Universo. Contudo, a descoberta, embora resolvesse alguns problemas,
levantaria muitos outros: se estavam tão longe, os objectos tinham de ser muito
luminosos intrinsecamente, para apresentarem tamanha luminosidade aparente; para
terem forma quase estelar, deveriam ser objectos muito pequenos, da ordem de
grandeza do Sistema Solar; perguntava-se: como é que um objecto tão pequeno produz
tanta luminosidade? Poderiam estar implicados na questão dos buracos negros?
Estas duas descobertas, a dos quasares, e a dos pulsares, foram decisivas para o
renascer do interesse pelos buracos negros e, na realidade, acabaram por conduzir à
idade de ouro da construção teórica em torno deles. Físicos como John Wheeler, Kip
Thorne, Remo Ruffini e outros estavam em breve a trabalhar arduamente nos Estados
Unidos, bem como Yakov. B. Zel’dovich e Igor D. Novikov na URSS e Roger
Penrose, Brandon Carter, Werner Israel e Stephen Hawking na Grã-Bretanha, tendo,
entre 1965 e 1972, determinado com pormenor toda a evolução e características dos
buracos negros.
A ferramenta fundamental para o estudo dos buracos negros é a teoria da
relatividade generalizada mas deve ser salientado que estes não representam uma
consequência natural dessa teoria. Se, por exemplo, no futuro se demonstrar que a
relatividade generalizada é incorrecta isso não significa o fim dos buracos negros. Eles
existem em todas as teorias da gravidade dignas de crédito. Uma teoria avançada há
alguns anos por Dicke e Brans e que é agora considerada a mais séria conjuntamente
com a relatividade generalizada, também prevê a existência de buracos negros.
Em 1964, Vitaly Lazarevich Ginzburg, o homem que inventou a pilha de LiD
para a bomba de hidrogénio soviética, e que, em virtude da acusação de espionagem e
cumplicidade num complot para assassinar Estaline que pendia sob a sua mulher, foi
afastado do projecto, começou a trabalhar nos quasares, e de forma particular na fonte
da sua grande energia. Uma possibilidade, pensava, era a ocorrência da implosão de
uma estrela magnetizada, supermassiva, para formar um buraco negro. As linhas do
campo magnético da estrela antes da implosão teriam sensivelmente a mesma forma
que as linhas do campo magnético da Terra. À medida que a estrela implode, as linhas
do campo seriam comprimidas cada vez com mais força, até que explodiriam
violentamente libertando enormes quantidades de energia que, concluía, alimentavam
o quasar. Para testar esta hipótese, seguiu o modelo das sequências estáticas de
Oppenheimer e, daí, derivou uma fórmula que lhe descrevia a forma das linhas do

48
De acordo com a lei de Hubble, para um objecto com movimento solidário com a expansão do Universo (em
que seja desprezável o seu movimento próprio), a velocidade de recessão é proporcional à sua distância a nós.

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campo magnético em cada estrela da sequência. O resultado foi surpreendente: quando


a estrela está próxima da sua circunferência crítica, e começa a formar um buraco
negro, a sua gravidade suga as linhas do campo para baixo do horizonte, de forma que,
quando o buraco negro se forma, não existe qualquer linha de campo fora do
horizonte. Isto não era nada bom para a sua ideia de fonte energética dos quasares, mas
induziu-o a uma conclusão importante: quando uma estrela magnetizada colapsa, o
buraco negro formado não possui campo magnético, nem será possível, a partir da
observação do buraco, determinar se a estrela que lhe deu origem tinha ou não campo
magnético. Porquê?
Em Moscovo, pela mesma altura, a equipa de Zel’dovich tentava responder à
pergunta: já que uma estrela esférica, quando implode, forma um buraco redondo,
será que uma estrela deformada (digamos assim, com uma montanha) irá produzir um
buraco com uma montanha? E se a estrela for quadrada, o buraco será quadrado?
As perguntas eram extremamente difíceis de responder, porque a matemática
envolvida seria muitíssimo pesada, mas tal como no passado, se fossem usadas as
aproximações correctas, talvez se chegasse a um resultado suficientemente rigoroso.
Focaram a atenção no problema das estrelas com montanhas,49 que sempre era um
problema mais simples, e utilizando o método das perturbações que tinha sido
desenvolvido por John Wheeler e Tullio Regge para o estudo de pequenas
perturbações, chegaram à conclusão que, quando uma estrela estática, com uma
montanha, implode, o buraco negro formado será perfeitamente esférico sem qualquer
vestígio da montanha, e, da mesma forma que em relação ao campo magnético, será
impossível determinar a existência da montanha na estrela a partir da observação do
buraco negro.
A 8 de Fevereiro de 1967, Werner Israel, que tinha nascido em Berlim,
emigrado para a África do Sul, estudado Física na Irlanda, e que agora investigava na
Universidade de Edmonton no Canadá, apresentou uma conferência no Kings College
em Londres em que dava conta dos seus resultados de dois anos de trabalho e luta com
a matemática. A conclusão a que chegara: numa implosão de um corpo altamente não
esférico sem carga eléctrica e estático podem acontecer duas coisas: ou não é
produzido buraco negro nenhum ou, a ser produzido, este será perfeitamente esférico.
Mas porquê?
Os porquês só obtiveram resposta em 1970, pela mão de Richard Price, aluno
de doutoramento de Kip Thorne, num trabalho que, para além disso, confirmou a
especulação que Roger Penrose fizera um ano antes, de que tudo o que um buraco
negro poder radiar, será radiado sob a forma de ondas gravitacionais.
À medida que uma estrela com uma montanha implode, a montanha crescerá
produzindo uma distorção com a sua forma na curvatura do espaço-tempo da estrela.
Depois, quando a estrela se afunda dentro da circunferência crítica criando o horizonte
do buraco negro, a distorção do espaço-tempo disforma o horizonte dando-lhe uma
protuberância com a forma da montanha. Contudo, essa protuberância não se pode
aguentar por muito tempo, porque a montanha da estrela que lhe deu origem, está
agora dentro do horizonte, e não há maneira de o horizonte continuara a sentir a
49
Muitas vezes em Física não se põe a questão em termos de se existe, mas antes em termos de se existisse. A
Física lida com o Universo, sem se preocupar, numa grande parte das vezes, com a exiquibilidade desse
Universo.

89
Buracos Negros Os Protagonistas

influência da montanha. O horizonte deixa de ser forçado pela montanha a manter a


protuberância e, por isso, ejecta-a da única maneira que pode: convertendo-a em ondas
de curvatura do espaço-tempo (ondas gravitacionais) que são radiadas para o espaço
em todas as direcções ou para dentro do próprio buraco negro, deixando o horizonte
com uma forma perfeitamente esférica. Por isso, segundo Price, qualquer estrela
deformada, ver-se-à livre da deformação uma vez convertida num buraco negro. Por
outro lado, no caso da estrela magnetizada, a situação já tinha sido mais ou menos
esclarecida por Werner Israel, Vicente de la Cruz e Ted Chase, mas foi Price que
clarificou totalmente o problema. Antes de o horizonte engolir a estrela, o campo
magnético está firmemente ancorado no interior da estrela. Correntes eléctricas no
interior da estrela impedem o campo de escapar. Depois de a estrela desaparecer
através do horizonte, o campo deixa de sentir as correntes interiores da estrela, e não
pode mais ficar ancorado nela: está solto. O campo começa por tratar o horizonte da
mesma forma que tratava a estrela, tentando ancorar-se nele, mas tal é inútil, porque
como já vimos, para a estrela, o horizonte não existe. As leis da Física permitem que o

Figura 26
Os buracos negros não têm cabelo e são sempre esféricos.

campo se transforme em radiação electromagnética que se escapa, parte para dentro do


buraco, e parte para o espaço exterior, deixando o buraco negro desmagnetizado. Nas
palavras de John Wheeler, um buraco negro não tem cabelo (figura 26).
No entanto, existem determinadas quantidades que um buraco negro jamais
poderá radiar, dado que, na Física existem leis de conservação que impedem que elas
variem ou oscilem. Estas quantidades conservadas são: a força gravitacional devida à
massa do buraco negro, o remoinho do espaço-tempo devido à rotação do horizonte e
as linhas do campo eléctrico cuja direcção é perpendicular à superfície do horizonte, e
que são devidas à carga eléctrica do buraco negro. Por isso, a influência da massa, da
carga eléctrica e da rotação deve permanecer constante. Esta foi uma conclusão muito
importante, a que chegaram Stephen Hawking, Brandon Carter e David Robinson, no
início da década de 70. Indicava-nos que um buraco negro é um corpo extremamente
simples de se descrever porque, para isso, só precisamos de três quantidades: a massa,
o momento angular e a carga eléctrica. Não interessa nem a forma, nem a natureza,
nem a existência ou não de campos magnéticos. Quando qualquer corpo se transforma

90
Buracos Negros Os Protagonistas

num buraco negro, passa a ser descrito exactamente da mesma maneira que todos os
outros buracos negros.
Visto à distância, um buraco negro tem pouco de exótico exceptuando a sua
aparência misteriosa. O seu campo gravitacional é o mesmo que era antes do colapso.
Se um planeta se encontrasse em órbita de uma estrela pesada e esta colapsasse
subitamente tornando-se num buraco negro, o planeta manter-se-ia na sua órbita
habitual, desde que não fosse expulso durante a explosão quando a estrela se
transformasse em supernova. De facto, continuaria a rodar à volta dela talvez durante
biliões de anos. Porém, mais tarde, e em resultado da perda de energia devido às forças
de maré, perderia energia potencial gravitacional, aproximar-se-ia lentamente do
buraco negro e, quando passasse de um certo ponto crítico (limite de Roche), seria
desfeito pelas forças de maré e engolido pelo buraco.
Mas, se o campo gravitacional é o mesmo antes e depois do colapso para que é
todo este barulho acerca de forças gravitacionais esmagadoras? É verdade que o
campo gravitacional da estrela não muda mas é importante recordar que a estrela
original tinha milhões de quilómetros de diâmetro; por outro lado, o horizonte do
buraco negro poderá ter apenas 15 quilómetros de diâmetro. Isso significa que nos
podemos aproximar muito mais da fonte do campo e que à medida que o fazemos a
sua força aumenta.
Embora nenhuma luz seja emitida pelo buraco negro, se nos aproximássemos
dele numa nave espacial saberíamos que se encontrava ali. Sentiríamos o seu campo
gravitacional mas, mesmo independentemente disso, se nos conseguíssemos aproximar
o suficiente seríamos capazes de vê-lo através de um telescópio. De facto, o que
veríamos seria um círculo negro, com um anel luminoso em volta, causado pela
curvatura do espaço-tempo junto ao horizonte, que encurvaria toda a luz das estrelas
que se encontrassem por detrás do buraco, que se destacaria contra o fundo de estrelas;
nenhuma luz pode provir do buraco negro propriamente dito. Nessa altura, teríamos de
ser muito cautelosos; se a nossa nave espacial se aproximasse de mais dele seríamos
arrastados e não haveria maneira de nos libertarmos.
Os buracos negros que temos vindo a discutir até aqui não se encontram em
rotação, são estáticos, e correspondem à solução das equações de Einstein que foi
descoberta por Schwarzschild e trabalhada por Oppenheimer. Porém, a maioria, senão
todas as estrelas, encontram-se em rotação e, em consequência, os buracos negros a
que derem origem apresentarão também uma rotação, dado que, como vimos, essa
quantidade tem de ser conservada. Sabemos que se uma estrela se encontra em
rotação, rodará mais depressa à medida que colapsar devido ao princípio da
conservação do momento angular. Um patinador usa esse princípio para aumentar a
sua velocidade de rotação: começa com os braços estendidos e quando os puxa para o
peito começa a rodar mais depressa. No caso de uma estrela em colapso, e mesmo que
a sua rotação seja moderada como acontece com o Sol, é possível que a velocidade
tenha aumentado tanto na altura em que colapsar, que a estrela tenha sido desfeita em
mil pedaços antes de se transformar num buraco negro. Portanto, para terminar como
buraco negro a estrela tem de se ver livre de alguma da sua rotação e parece provável
que muitas o façam. Presumindo que o fazem, é razoável que a maioria das estrelas
pesadas acabe como buracos negros rotativos.

91
Buracos Negros Os Protagonistas

A busca de uma solução, como a de Schwarzschild, mas para esse caso,


revelava-se bastante mais complexa, porque uma massa em rotação, para além de
distorcer o espaço-tempo em sua volta, dá ainda origem a um remoinho desse mesmo
espaço-tempo (figura 27)
No Outono de 1964, a solução foi finalmente descoberta pelo matemático neo-
zelandês Roy Kerr, que trabalhava da Universidade do Texas. Era, como seria de
esperar, uma solução muito mais complicada que a de Schwarzschild e o buraco negro
correspondente mais complexo.

Figura 27
Um buraco negro em rotação cria um remoinho no espaço-tempo semelhante a um
tornado.

Se nos aproximássemos do buraco negro de Kerr, a primeira coisa em que


repararíamos seria que estávamos a ser puxados à sua volta na sua direcção de rotação;
e, quanto mais nos aproximássemos mais depressa rodaríamos. De facto, a uma certa
distância do seu eixo de rotação, descobriríamos que estávamos a rodar a uma
velocidade tangencial próxima da da luz. A superfície imaginária resultante de todos
os pontos em que a componente tangencial da velocidade se aproxima da velocidade
da luz, é designada por limite estático. Dentro do limite estático encontra-se o
horizonte dos acontecimentos, que marca a superfície em que a componente radial da
velocidade iguala a velocidade da luz. Se um intrépido astronauta se aventurar na sua
nave espacial para além do limite estático, ainda será possível, em princípio, e
mediante as manobras adequadas, escapar ao campo gravitacional do buraco, mas,
como já vimos, depois de passar o horizonte, deixa de poder voltar atrás. A região
compreendida entre o limite estático e o horizonte foi baptizada por John Wheeler com
o nome de ergosfera.
Para além do remoinho no espaço-tempo, a rotação do buraco negro provoca o
seu achatamento nos pólos, e a forma bojuda no equador, tal como acontece na Terra.
De facto, se o buraco rodar a uma velocidade superior a uma dada velocidade limite,
as forças centrífugas no seu equador, destruirão o horizonte. Será possível que, dessa
forma, alguém situado no exterior, possa ver para além do horizonte? Será possível
acelerar o buraco para que este rode com tanta velocidade que, ultrapassando o limite,
o horizonte seja destruído, e nós possamos ver o que está no seu interior?
Infelizmente não. Em 1986, Werner Israel mostrou que, qualquer que seja o
método pelo qual se acelera um buraco negro para que este rode mais depressa que a
velocidade limite, esse método está condenado invariavelmente ao fracasso. Por

92
Buracos Negros Os Protagonistas

exemplo, se quiséssemos aumentar a sua velocidade atirando-lhe com matéria com


uma grande velocidade radial, as forças centrífugas impediriam a matéria de atingir o
horizonte e entrar no buraco. Por outro lado, qualquer interacção de uma buraco negro
com uma velocidade de rotação próxima do limite, com o espaço circundante tem
apenas o efeito de reduzir um pouco essa velocidade de rotação. Incrivelmente, as leis
da Física parecem ter-se associado para nos impedir de ver o que se passa dentro de
um buraco negro.
Para um buraco com a massa do Sol a máxima taxa de rotação é uma revolução
a cada 0,000062 segundos que, se tivermos em linha de conta que o perímetro de tal
buraco será de 18,5 Km, nos dá uma velocidade de rotação de 299792 Km s-1, a
velocidade da luz! Um buraco com uma massa de 1 milhão de sóis terá um perímetro 1
milhão de vezes maior e, portanto, poderá fazer no máximo uma volta a cada 62
segundos.
Em 1969, Roger Penrose fez uma descoberta muito importante. Manipulando as
equações da solução de Kerr para a equação do campo de Einstein, descobriu que um
buraco negro em rotação, armazena enormes quantidades de energia rotacional na
ergosfera e, em virtude de esta região se encontrar fora do horizonte, e não no seu
interior, esta energia pode ser extraída e utilizada em determinados processos. Se o
buraco negro rodar à taxa máxima, a sua eficiência a armazenar e libertar energia é 48
vezes maior que a eficiência da fusão nuclear que se está a dar no centro do Sol. Se
queimasse todo o hidrogénio que tem disponível, o Sol transformaria apenas uma
fracção igual a 0,006 da sua massa em calor e luz. Se conseguíssemos extrair toda a
energia rotacional de um buraco negro em movimento rápido, obteríamos uma
quantidade de energia equivalente a 29 % da massa do buraco negro.
Surpreendentemente, os físicos tiveram de esperar 7 anos, até terem uma ideia de um
processo pelo qual a natureza consegue extrair parte da energia rotacional de um
buraco negro, e transforma-la em algo útil. A busca levou-os através de uma sucessão
de métodos malucos que funcionariam em princípio, mas cuja utilidade era sempre
discutível, até que perceberam que tal energia seria a fonte ideal para fornecer os
quasares.
A ideia original de que buracos negros gigantescos, com massas da ordem de
100 milhões de massas solares, poderiam estar a fornecer a energia aos quasares foi
concebida por Edwin Salpeter e Yakov Zel’dovich em 1964, depois de perceberem
que um disco de gás em queda para um buraco negro deveria radiar energia. O disco
de gás deveria rodar, num movimento espiralado, em torno do buraco várias vezes
antes de se afundar através do horizonte. Como o gás estava a ser acretado ao buraco,
chamou-se ao disco disco de acreção. No disco, as partículas individuais do gás
comportam-se como os planetas do nosso sistema solar no sentido em que as que se
encontrarem mais perto do buraco negro mover-se-ão mais depressa do que as que se
encontrarem mais afastadas dele (tal como Mercúrio se desloca mais depressa na sua
órbita do que a Terra). Este fenómeno dá origem a uma fricção apreciável entre as
camadas, o que aquece o gás. Pouco antes de entrar no buraco negro, este atingirá
biliões de graus de temperatura do que resultará a emissão de raios X intensos. Essa
energia radiada provém, em última instância do movimento de rotação do buraco, e da
sua energia rotacional, e também da energia potencial gravitacional do próprio disco.
À medida que o disco roda, cria-se um campo magnético cujas linhas do campo têm

93
Buracos Negros Os Protagonistas

uma direcção perpendicular ao disco (de forma análoga ao que se passa na Terra.
Saliente-se que o campo magnético não é propriedade do buraco negro, mas sim do
disco de acreção. Partículas de energia muito elevada, em vez de cair através do
horizonte do buraco negro, acabam por ser apanhadas por essas linhas de campo sendo
ejectadas, seguindo direcções perpendiculares ao disco. Esses jactos de partículas, são
os tais jactos que foram observados logo em 1962 nos quasares, e aparecem também
em galáxias com o núcleo activo, crendo-se que existem sempre que existir um disco
de acreção.
O que é que acontece dentro do horizonte de um buraco negro? Uma vez no
interior do buraco negro, um observador não pode informar-nos daquilo que vê; é
levado para posições cada vez mais próximas do centro. Se tentasse voltar para o
horizonte de acontecimentos descobriria que ele se encontra a fugir à velocidade da luz
e, claro, que o nosso observador não pode deslocar-se tão depressa. No centro da
esfera, encontram-se os restos colapsados da estrela - a singularidade. Em trabalho
conjunto realizado entre 1965 e 1970, Roger Penrose e Stephen Hawking da
Universidade de Cambridge, mostraram que, segundo a relatividade generalizada, deve
existir uma singularidade, um ponto de densidade e curvatura do espaço-tempo
infinitas no interior de qualquer buraco negro. À medida que o observador cai em
direcção à singularidade, repara que o espaço e o tempo trocaram os seus papéis
respectivos. No exterior do horizonte de acontecimentos podemos controlar o espaço
mas não o tempo - ele decorre sempre no mesmo sentido independentemente daquilo
que fazemos. Estranhamente, no interior do horizonte de acontecimentos, podemos
controlar de alguma maneira o tempo mas de forma nenhuma o espaço;
independentemente daquilo que façamos, somos arrastados para posições cada vez
mais próximas da singularidade e, quando a atingirmos, o nosso destino será o mesmo
do da estrela - seremos esmagados até um volume zero. Numa singularidade, todas as
leis da Física que conhecemos, se revelam completamente inválidas. De facto, a
melhor teoria de que dispomos para estudar os buracos negros, deixa de ser aplicável
um pouco antes do aparecimento da verdadeira singularidade. Se tentarmos aplicá-la
para lá deste ponto de ruptura obtemos resultados absurdos tal como os físicos
obtinham no princípio deste século quando tentavam aplicar a teoria clássica (nesse
caso a de Maxwell) ao átomo. A teoria de Maxwell dizia-nos que os átomos não
podiam existir: os electrões em rodopio à volta do núcleo, irradiariam energia do
átomo e a breve trecho colapsariam sobre o núcleo. Isto significava que toda a matéria
se deveria encontrar num estado de colapso, o que obviamente não sucedia. Claro que
havia algo de errado na teoria que se estava a aplicar ou talvez ela estivesse a ser
utilizada em regiões onde não fosse aplicável. De facto, foi demonstrado em poucos
anos que ela não podia ser aplicada aos átomos; foi então empregue a teoria quântica e
tudo se explicou satisfatoriamente. Isto significa que um observador exterior está
impedido de fazer prognósticos sobre o que acontece na singularidade, mas por outro
lado, qualquer prognóstico que pudesse fazer nunca poderia ser testado porque a
singularidade está para sempre separada do nosso universo pelo horizonte dos
acontecimentos.
Se atravessarmos o horizonte de acontecimentos de um buraco negro em
rotação, descobrimos que também existe uma singularidade mas que ela é diferente da
anterior - tem a forma de um anel. Neste caso, surge também outra diferença

94
Buracos Negros Os Protagonistas

importante. Como vimos, em 1916, Schwarzschild comunicou a Einstein a sua


solução. Este último ficou satisfeito pelo simples facto de ter sido descoberta uma
solução mas ficou também perturbado pelo estranho resultado obtido. Pouco depois,
virou a sua atenção para a unificação dos campos electromagnético e gravitacional e
foi durante essas investigações que veio a descobrir algo que o perturbou ainda mais.
Muitos cientistas tinham começado a pensar que as partículas fundamentais da
natureza (os electrões e os protões) se encontravam associadas a singularidades
matemáticas50. Em 1935, Einstein estava a examinar essas singularidades com Nathan
Rosen quando fez uma descoberta alarmante: em vez do vulgar conjunto único de
soluções para as suas equações surgiram-lhe dois conjuntos de soluções. O primeiro
deles mostrava que o espaço que conduzia à singularidade desenvolvia uma garganta
comprida e estreita. Estranhamente, o segundo conjunto de soluções correspondia
também a uma garganta que se encontrava ligada à outra extremidade da primeira
garganta. Dado que tudo isto se aplicava aos buracos negros significava que se
seguíssemos pelo interior da garganta, até suficientemente longe (isto é, para o interior
do buraco negro e para lá dele) chegaríamos a uma zona onde ela começaria a abrir-se.
Mas abrir-se para onde? A única resposta parecia ser para outro universo. Einstein não
gostava dessa possibilidade e ainda hoje muitos cientistas se sentem pouco à vontade
quando se fala de outros universos. As gargantas foram a breve trecho denominadas
Pontes de Einstein-Rosen, e são agora por vezes designadas por túneis do espaço-
tempo ou wormholes (buracos de verme). Foi demonstrado mais tarde que eles não
necessitavam forçosamente de conduzir a outros universos mas que podiam também
abrir-se em regiões distantes do nosso próprio universo. Eram, de facto,
metropolitanos inter-estelares. Pouco depois da descoberta desses túneis, Einstein
começou a interrogar-se sobre a possibilidade de alguém poder viajar através deles
para esses outros universos teóricos. Ficou aliviado quando descobriu que para isso
seria necessária uma velocidade superior à da luz, o que não é permitido a qualquer
objecto material pela teoria da relatividade restrita. Contudo, num buraco em rotação
(o de Kerr) poderíamos passar. através do wormhole com uma velocidade inferior à da
luz.
Em 1970, Stephen Hawking ainda não era, a despeito de todas as descobertas
que já tinha feito, uma figura de proa da ciência mundial. Nascido em 1942, cresceu
em Londres e St. Albans, a cerca de 30 quilómetros da capital. O seu pai foi um
médico que fez pesquisas sobre doenças tropicais. Stephen decidiu cedo que queria ser
cientista, de preferência físico porque apesar da profissão do seu pai nunca se sentiu
particularmente atraído pela Biologia. Contudo, disse mais tarde que se tivesse
escolhido essa área, algumas das descobertas mais recentes da biologia molecular
teriam surgido mais cedo.
Apesar de todo o seu entusiasmo pela ciência, foi um aluno indiferente que
raramente tomava apontamentos e por vezes adormecia nas aulas. Existem poucos
indícios de que fosse proeminente na escola. Após concluir o liceu, inscreveu-se nos
exames de admissão para estudar Física e Matemática em Oxford. Passou facilmente
no exame de admissão de Física mas teve algumas dificuldades com o de Matemática.
Mesmo assim, foi aceite, mas a sua preguiça não diminuiu e com frequência faltava a
aulas que classificava de irrelevantes. Contudo, estudou bastante sob a orientação dos
50
Fala-se de singularidade matemática quando uma expressão matemática se torna infinita.

95
Buracos Negros Os Protagonistas

seus professores e, mais tarde, disse que aprendera a maior parte do que sabia sob essa
orientação.
Agora tornara-se conhecido por ser o físico que sofria de uma forma rara de
paralisia cerebral, denominada ALS (Esclerose Lateral Amiotrófica), numa variante
ainda mais rara que, em vez de matar rapidamente, como de costume, vai bloqueando
progressivamente todos os músculos do doente, deixando-lhe apenas o cérebro intacto.
Nessa altura, estava quase paralisado das mãos e nem podia sequer escrever, pelo que,
a sua pesquisa era estritamente mental. Andava apoiado numa canadiana de quatro
apoios e dois anos mais tarde, ficaria para sempre confinado a uma cadeira de rodas
motorizada, enquanto perdia progressivamente a capacidade de se expressar
verbalmente. Finalmente em 1985 teve de ser sujeito a uma traqueostomia que o
privou da voz. Em 65, dois anos depois do diagnóstico da doença, Stephen casou com
Jane Wilde, de quem teve dois filhos: Robert e Lucy.
Um noite, em Novembro de 1970, enquanto se preparava para se deitar, o que,
dada a doença, não era uma tarefa fácil, Hawking começou a ruminar uma ideia que o
haveria de tornar famoso no mundo da Física. O problema foi levantado pela seguinte
pergunta: que quantidade de radiação gravitacional (ondas de curvatura do espaço-
tempo) conseguem dois buracos negros produzir, no momento em que chocam e se
fundem? Hawking tinha a intuição, havia algum tempo, de que o buraco negro
resultante haveria de ser maior, de alguma forma, que a soma dos dois buracos negros
originais. Mas o que é que esse facto lhe diria acerca da quantidade de radiação
gravitacional produzida? De repente, no emaranhado de fórmulas e diagramas que
flutuavam na sua mente, percebeu que o que ficava maior era a área do horizonte dos
acontecimentos: a área do horizonte do buraco resultante deve ser sempre maior que
a soma das áreas dos horizontes dos buracos originais. E depois? Depois, muita coisa
mudará, pensou Hawking enquanto a sua mente viajava pelos intrincados caminhos
das ramificações do seu Teorema do aumento da área.
Em primeiro lugar, para ter uma área maior, o buraco final deve ter uma maior
massa que a soma dos originais, pelo que nem toda a radiação resultante do choque
pode ser libertada. Mesmo assim, partindo do caso mais simples (horizonte de
Schwarzschild), como a área da superfície do horizonte é proporcional ao quadrado do
seu raio que, por sua vez, é proporcional à massa do buraco negro:

2GM
r 2
e A  4r 2
c
vem:

16G 2 2
A M ,
c4

e o que o teorema de Hawking diz, então, é que a soma dos quadrados das massas dos
buracos iniciais deve exceder o quadrado da massa do buraco final donde, com uma
pequena manipulação algébrica, se infere que a massa do buraco negro resultante, é na
realidade inferior à soma dos dois buracos negros originais. Na realidade, quando os
buracos negros chocam e se fundem, mais de 50 % das suas massas é transformado em
energia e libertado, sob a forma de ondas gravitacionais. Hawking chegou ainda à

96
Buracos Negros Os Protagonistas

conclusão de que a área de um buraco negro não só aumenta quando dois buracos
negros chocam, como, na realidade não pode, sob qualquer pretexto, diminuir. O seu
teorema é um caso geral no comportamento dos buracos negros. As suas áreas nunca
podem diminuir, e isto é uma restrição importante ao que os buracos negros podem ou
não podem fazer.
Trata-se de algo que faz imediatamente lembrar a segunda lei da termodinâmica
que diz que se as coisas forem deixadas ao acaso, a entropia (desordem) de um sistema
isolado tem sempre tendência a aumentar, e que quando dois sistemas se unem, o
sistema resultante tem uma entropia superior à soma das entropias dos sistemas
originais. Esta lei tem um estatuto muito diferente da maioria das outras leis da Física,
principalmente porque se trata de uma lei probabilística: a probabilidade de a entropia
de um sistema diminuir numa reacção espontânea é, muitas vezes, de um para muitos
milhões, mas existe. Se tivermos um buraco negro à mão, por exemplo, podemos
facilmente infringir a segunda lei, se lançarmos uma grande quantidade de matéria
com muita entropia para dentro do buraco, diminuindo desta forma a entropia do
Universo exterior. Claro que a soma da entropia na parte interior do horizonte e a
entropia na parte exterior, poderá aumentar na operação, mas como nós não temos
acesso ao interior, não temos que nos preocupar com essa componente, e o resultado é
que, na parte exterior, que é o que nos interessa, a entropia diminui. Mas, como todas
as violações às regras, também esta causava algum desconforto, pelo que houve logo
alguém a tentar descobrir uma forma de determinar a entropia dentro do buraco negro.
O estudante de investigação em Princeton, Jacob Bekenstein, pegou no teorema das
áreas de Hawking, e na segunda lei da termodinâmica, e sugeriu que, já que a área do
horizonte de um buraco negro aumentava sempre, tal como a entropia, talvez essa área
fosse uma medida da entropia do buraco. À medida que fosse lançada matéria para
dentro do buraco, a sua entropia aumentava, e tal aumento manifestava-se através do
aumento da área do seu horizonte. Isto parecia salvar a segunda lei de uma excepção
nada agradável. Mas havia uma falha fatal. Se um buraco negro tem entropia, então
tem temperatura, e se tem temperatura emite radiação, o que é algo que um buraco
negro não faz por definição.
Hawking escreveria: O paradoxo manteve-se até 1974 quando eu estava a
investigar qual seria o comportamento da matéria nas imediações de um buraco negro
de acordo com a mecânica quântica. Para minha grande surpresa descobri que os
buracos negros pareciam emitir partículas continuamente. Esforcei-me muito para me
desembaraçar deste efeito embaraçoso. O que finalmente me convenceu de que se
tratava de um processo real foi o facto de a radiação emitida ter um espectro que era
precisamente térmico.
A ideia de que os buracos negros podiam criar e emitir partículas, de acordo
com o princípio da incerteza de Heisenberg, tinha sido sugerida por Zel’dovich em
Moscovo, em 1973, e resulta do facto de que Heisenberg previu uma certa incerteza na
quantidade total de energia do Universo. Durante um curto período de tempo, na
realidade quanto mais curto melhor, pode ser pedida emprestada uma quantidade de
energia ao campo (no caso dos buracos negros seria com certeza ao forte campo
gravitacional). Essa energia materializa-se em pares de partículas virtuais, como por
exemplo, as que transmitem a força gravitacional, e essas partículas começam por se
afastar, voltando a juntar-se mais adiante, e devolvendo a energia ao campo, antes de

97
Buracos Negros Os Protagonistas

se esgotar o tempo do empréstimo. Contudo, por vezes, pode ocorrer materialização de


um par partícula/antíparticula, em que a partícula terá energia positiva e a antípartícula
energia negativa. A antipartícula está pois condenada a aniquilar-se e, na realidade,
rapidamente encontra um companheiro e aniquilam-se. Quanto à partícula real que
sobra, enquanto estiver junto do corpo maciço, terá menos energia do que aquela que
teria se estivesse longe, porque para a afastar é necessário fornecer-lhe energia. No
entanto, pode sempre conseguir fugir ao campo do buraco negro e, para um observador
longínquo parecerá que foi por ele emitida. A quantidade de energia que pode ser
retirada, violando o princípio da conservação da energia, é dada pela fórmula deduzida
por Heisenberg, e pode-se calcular da seguinte forma:

h
E 
2t

onde h é a constante de Planck e t o intervalo de tempo.


As partículas não provêm do buraco negro, mas do espaço vazio contíguo ao
horizonte dos acontecimentos. No entanto, as partículas de energia negativa que caem
dentro do buraco negro, conduzem a uma redução da sua massa, que será
acompanhada de um aumento da sua temperatura que, por sua vez, aumentará a
emissão de partículas conduzindo a um processo em crescendo. Eventualmente a
massa do buraco negro torna-se tão pequena que, a hipótese mais provável, é ele
explodir com uma potência equivalente à de milhões de bombas de hidrogénio. A este
processo chamou Hawking a evaporação de buracos negros, por motivos óbvios, e em
1975 a descoberta de que essa evaporação ocorre foi um acontecimento tão notável
que atirou de imediato Stephen Hawking para a ribalta.
Um buraco negro com algumas massas solares tem uma temperatura de apenas
dez milionésimos de grau acima do zero absoluto, e nessas condições demorará cerca
de 11069 anos para se evaporar completamente, algo que é avassaladoramente
superior ao tempo de vida do Universo que se cifra em cerca de 1,61010 anos.
Até aqui temos falado de buracos negros de um ponto de vista teórico. Mas será
que eles existem na natureza? Esta era a questão predominante na mente de muitos
astrónomos em meados dos anos 60. Muitos estavam cépticos e alguns mantêm-se
cépticos mesmo hoje em dia. No fim de contas, a relatividade generalizada é apenas
uma teoria embora a maioria dos cientistas sinta que ela é uma excelente teoria e tenha
a certeza de que as suas previsões estão correctas. Mas, por muito boa que seja uma
teoria, a verdade é que não há nada como a observação pura e simples à maneira
antiga, para confirmar expectativas. Portanto, era importante conseguir encontrar um
bom candidato a buraco negro. Mas onde deveríamos procurar? Ou valeria mesmo a
pena procurar? Eles poderiam ser tão poucos na nossa galáxia, que fosse pouco
provável que pudéssemos alguma vez localizar um. Vamos começar por este último
ponto: quantos buracos negros poderão existir na nossa galáxia?
Claro que o tempo é um factor importante! Terá decorrido o tempo suficiente
para que se tenha desenvolvido um grande número de buracos negros? Sabemos que o
nosso Sol tem uma duração de vida de cerca de 10 mil milhões de anos e que tem
presentemente uma idade de 4,5 mil milhões de anos. Porém, os buracos negros
resultam de estrelas que são muito mais pesadas que o nosso Sol, e essas estrelas

98
Buracos Negros Os Protagonistas

evoluem muito mais rapidamente. A maioria das estrelas pesadas vive toda a sua vida
em menos de mil milhões de anos. Portanto, aqui o tempo parece estar a nosso favor.
Seguidamente, temos de considerar o número de estrelas pesadas na nossa
galáxia. Será ele suficiente? Uma massa final de apenas três massas solares é tudo o
que é preciso para que uma estrela acabe como um buraco negro. Contudo, a maioria
das estrelas perde massa antes e durante os seus colapsos finais e, em consequência,
um buraco negro com três vezes a massa do Sol resultou provavelmente de uma estrela
que, no início, tinha uma massa consideravelmente maior do que essa, possivelmente
mais de oito massas solares. Felizmente, mesmo estas condições não são excessivas;
muitas das estrelas da nossa galáxia têm massas dessa ordem.
A nossa galáxia alberga cerca de 200 mil milhões de estrelas e tem
aproximadamente 15 a 16 mil milhões de anos de idade. Quantos buracos negros
poderá albergar? Grande número de incertezas afectam quaisquer estimativas fazendo
com que elas sejam, na melhor das hipóteses, grosseiras. Vamos presumir que, na
nossa galáxia, se forma um buraco negro a cada 100 anos. Esta estimativa baseia-se
naquilo que sabemos acerca da distribuição das estrelas e do seu ciclo de vida. A partir
desses dados podemos facilmente calcular o número total; os cálculos dão-nos várias
centenas de milhar, valor muito aproximado, está bom de ver, mas que, pelo menos,
nos faz sentir confiantes de que a busca valha a pena.
A questão seguinte é: de que estamos à procura? Já que a maioria dos buracos
negros tem um diâmetro de apenas alguns quilómetros, é pouco provável que
possamos ver um deles directamente, mesmo de encontro às estrelas de fundo. Temos,
obviamente, de recorrer a métodos indirectos. O melhor desses métodos baseia-se nos
efeitos do buraco negro sobre gás que caia para dentro dele. Já vimos que quando gás
cai em espiral para dentro do buraco negro aquece tanto que emite radiação: raios X,
por exemplo, e esses raios X devem-se poder detectar na Terra. Consideremos então
um cenário no qual sejam gerados raios X; consideremos também que estamos a lidar
com um sistema estelar duplo no qual uma das estrelas acaba por colapsar em buraco
negro. Se o gás da outra estrela for de alguma maneira puxado para dentro do buraco
negro, serão gerados raios X. Como poderá isso acontecer? Para respondermos a esta
questão temos de considerar aquilo que se chama um lobo de Roche. À volta do buraco
negro existe um conjunto de esferas imaginárias onde o campo gravitacional é o
mesmo em todos os pontos de uma esfera dada: são superfícies equipotenciais.
Quando temos um sistema binário, as esferas à volta de cada uma das duas estrelas
ficam distorcidas porque o campo gravitacional de uma das estrelas afecta o da outra.
Todavia, existirá um par particular de esferas com a forma de um oito onde a força do
campo será a mesma em todos os pontos. Esse oito é o lobo de Roche. Existe um lobo
desses para todos os sistemas duplos, inclusive para o formado pela Terra e pela Lua.
O ponto de cruzamento (o ponto onde os dois lobos se juntam) é particularmente
importante; denomina-se ponto lagrangeano (L). Se alguma matéria da estrela A
passar desse ponto será puxada para a estrela B e vice-versa.
Suponhamos agora que a estrela B se transforma num buraco negro. Isto
significa que se algum gás de A passar de L será arrastado para dentro do buraco
negro. Isto poderá acontecer de duas maneiras. Primeiro sabemos que se esperarmos
tempo suficiente a estrela A começará a expandir-se, transformando-se numa gigante
vermelha, e as suas camadas exteriores ultrapassarão L. Outra possibilidade é a que a

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Buracos Negros Os Protagonistas

estrela A seja uma grande estrela azul que tenha um vento solar muito extenso. As
partículas que constituem esse vento serão também puxadas para dentro do buraco
negro se passarem de L.
De acordo com os cálculos, todo e qualquer material que passe do ponto L cairá
em espiral em direcção ao buraco negro formando um disco de acreção (figura 28).
Portanto, os sistemas binários são os candidatos fundamentais a examinar na
nossa busca de buracos negros. Todavia, dado que estes últimos são muito pequenos,
qualquer um que se encontre nesses sistemas será invisível. Poderemos detectar um
sistema do tipo descrito? Na realidade, os astrónomos estão familiarizados com este
tipo de sistemas; eles denominam-nos binários espectroscópicos. Embora vejam
apenas uma estrela sabem que existem de facto duas por causa do comportamento das
linhas espectrais dessa estrela: as linhas deslocam-se para trás e para diante porque o
comprimento de onda da luz emitida é alterado pelo movimento da estrela (efeito
Doppler).

Figura 28
Um sistema binário constituído por uma estrela gigante vermelha e um buraco negro envolto num disco
de acreção cuja matéria provém da estrela vizinha.

Antes de discutirmos as fontes de raios X deste tipo que foram eventualmente


encontradas vamos fazer um sumário da história da astronomia de raios X. A nossa
atmosfera impede a passagem de raios X e, devido a esse efeito, temos de utilizar
meios de observação que a ultrapassem: foguetes, balões e satélites. O primeiro
foguete que transportou equipamento de detecção de raios X foi lançado em 1962.
Foram imediatamente descobertas várias fontes de raios X; uma delas, na constelação

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Buracos Negros Os Protagonistas

de Escorpião demonstrou-se mais tarde estar associada a uma estrela azul brilhante,
mas não existiam provas de que fizesse parte de um sistema binário. Nos anos
seguintes, foram efectuados outros voos de foguetes e descobertas novas fontes. Duas
delas, particularmente interessantes, foram encontradas respectivamente nas
constelações de Centauro e Hércules. Ambas pulsavam rapidamente e pareciam
encontrar-se num sistema binário, mas nenhuma delas parecia estar associada a um
buraco negro.
A astronomia de raios X desenvolveu-se rapidamente a partir do lançamento do
primeiro satélite de raios X, o UHURU (palavra Swahili que significa liberdade) a
partir do Quénia, em Dezembro de 1970. Em breve foi publicado o primeiro catálogo
de objectos emissores de raios X detectados pelo UHURU, e que compreendia cerca
de 100 entradas das quais 55 tinham particular interesse (a fonte de raios X era
desconhecida). Em breve a atenção geral se concentrou num objecto conhecido por
Cygni X1 que se encontrava na constelação de Cisne. Este pulsava rapidamente mas as
suas pulsações eram diferentes das dos objectos de Hércules e Centauro porque não
eram periódicas. Os tempos de pulsação mais curtos indicavam que a fonte era
pequena - do tamanho de um buraco negro. Finalmente, em 1971, o componente
óptico do sistema foi descoberto (encontrava-se bem para lá do limite da vista
desarmada). O sistema era, de facto, um binário espectroscópico com um período de
5,6 dias e o seu componente secundário (a fonte de raios X) não podia ser visto. O
componente principal era uma estrela azul gigante conhecida por HD226868 no
catálogo de Henry Draper situada a 14000 anos-luz de distância.
Quais seriam as massas dos dois componentes do sistema? Se pudéssemos
determinar o tipo espectral do componente principal poderíamos calcular a sua massa
aproximada; esta veio a revelar-se ser cerca de 22 vezes a do Sol. A partir deste
número e utilizando várias suposições demonstrou-se que a massa do componente
secundário tinha de ser cerca de oito massas solares - valor consentâneo com a
hipótese de se tratar de um buraco negro. Abreviando, estávamos em presença de uma
fonte de raios X associada a um objecto invisível e, portanto, pequeno, oito vezes mais
maciço do que o nosso Sol, estando, portanto reunidos todos os requisitos para um
buraco negro. Dado que o componente principal do sistema é uma estrela azul gigante
presume-se que é o seu vento solar e não a sua camada exterior que está a ser
aprisionada e sugada pelo buraco negro.
Cygni X1 é sem dúvida o nosso melhor candidato a buraco negro, mas não é o
único de que dispomos. Ultimamente tem despertado considerável interesse uma fonte
semelhante na constelação do Compasso que se denomina Cir X1. É um binário
espectroscópico com um período orbital de 16,6 dias. Diferentemente de Cyg X1
apresenta um intervalo nas emissões causado talvez pelo facto de a fonte de raios X ser
eclipsada pelo componente principal. As variações do sinal no tempo são tão pequenas
como as de Cyg X1 o que indica que o seu tamanho não é maior do que o deste. O
componente principal do sistema é uma estrela vermelha fraca. Alguns astrónomos
pensam que a sua cor e debilidade derivam do facto de se encontrar rodeada por uma
nuvem de poeira: a sua luz enfraquecerá à medida que atravessa essa nuvem. Existe,
no entanto, uma dificuldade de base no caso de Cir X1: a sua massa não foi
determinada e, nesse sentido, este sistema não é considerado um, candidato tão bom
como Cyg X1.

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Buracos Negros Os Protagonistas

Outro candidato encontra-se a cerca de 5000 anos-luz de distância na direcção


da constelação do Sagitário. Neste caso, a massa é conhecida, sendo a do componente
principal igual a cerca de vinte a trinta massas solares o que indica que o componente
secundário (o nossa candidato a buraco negro) terá uma massa de sete a onze massas
solares. Porém, e tal como para o caso de Cir X1, existe uma dificuldade: as variações
do sinal ao longo do tempo não são suficientemente curtas para indicar que ele seja do
tamanho de um buraco negro.
Os candidatos já descritos são todos binários espectroscópicos mas dispomos
também de um candidato que não pertence a um sistema binário: Cas A. Cas A é uma
fonte de raios X que se acredita ser remanescente de uma supernova que surgiu
aproximadamente em 1668; estranhamente, não existe qualquer registo de uma
supernova nessa época. O astrofísico russo I. S. Shklovski estudou Cas A e descobriu
que ela teve provavelmente uma massa de cerca de vinte vezes a do Sol. Cerca de
metade dessa massa foi empurrada para o espaço constituindo uma camada de
expansão à volta da estrela; o objecto central remanescente desse processo tem agora
uma massa de dez massas solares. Shklovski acredita que, em vez de explodir como
supernova, a maior parte da estrela entrou em implosão originando um buraco negro e
sente que dispõe de provas suficientes para apoiarem a sua pretensão.
Alguns dos candidatos mais fascinantes a buracos negros não são resultantes de
um colapso estelar (pelo menos directamente) mas estão associados a grupos de
estrelas ou galáxias. A galáxia elíptica gigante M87, que se encontra a cerca de 60
milhões de anos-luz de nós, no supergrupo de galáxias conhecido por grupo da
Virgem, é simultaneamente uma poderosa fonte de ondas de rádio e uma poderosa
fonte de raios X. As fotografias deste objecto mostram um jacto de 4000 anos-luz de
comprimento que emana do seu núcleo. Parece existir considerável turbulência ao
longo desse jacto e nele são claramente visíveis vários grandes nós. O jacto e o núcleo
da galáxia são as regiões que emitem mais ondas de rádio. Os estudos mostram que as
estrelas que se encontram na vizinhança do núcleo se estão a mover a uma velocidade
tremenda (aproximadamente 400 quilómetros por segundo) e existem provas de que há
fluxo de gás na região. Isso indica que se acumulou no núcleo um grande número de
estrelas e que, portanto, ele deveria ser muitíssimo brilhante; mas não, não é, e no
entanto é muito pesado - talvez tão pesado quanto 5 mil milhões de sois. Muitos
astrónomos estão convencidos de que esse objecto pesado é um buraco negro. Estrelas
e gás poderão estar a rodar à volta dele formando um anel de acreção gigante e, à
medida que são puxadas, são emitidos raios X.
M87 não é a única galáxia desse tipo que existe no Céu; existem quasares e
outras galáxias que também apresentam jactos. Alguns astrónomos, acreditam que
todas as radiogaláxias e até talvez mesmo as galáxias vulgares como a nossa poderão
ter, no seu núcleo, buracos negros gigantescos. Sabemos, por exemplo, que o núcleo
da nossa galáxia é uma fonte de rádio extremamente poderosa, mas não temos ainda a
certeza da sua origem.

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