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Ficção e esquecimento:
Breve análise de Brilho Eterno de uma mente sem lembrança
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O objeto de análise neste ensaio é Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança (the
eternal sunshine of the spotless mind, Michel Gondry, 2004) é um filme escrito por
Charlie Kaufman (em 2003) e dirigido por Michel Gondry (2004) e as questões por ele
sugeridas em relação à memória e o esquecimento. No mais, avançaremos um pouco
nas discussões sobre a relação entre a ficção (na forma de filme) e a memória.
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Decupagem é o processo pelo qual as cenas escritas são decupadas para processos de filmagem e
sonorização, no qual a idéia e o diálogo descritos no papel são transformados em imagem.
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Oscar (Academy Awards, no original em inglês) é um prêmio entregue anualmente pela Academia de
Artes e Ciências Cinematográficas, fundada em Los Angeles, Califórnia, EUA.
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montar uma equipe de profissionais que trabalhe independentemente. Sem falar nos
outros profissionais responsáveis por partes importantes do filme: o diretor de arte, o de
fotografia, e um grupo de técnicos que pode variar de tamanho. Onde fica a autoria
nestes casos? Como determiná-la?
Para tentar esclarecer a questão da autoria num filme tomarei de empréstimo a análise
de Paul Zuntor (1915 – 1995), sobre a questão da autoria 3 na poesia medieval e tentarei
transportá-la pra cá*. Segundo Zuntor, antes de sua produção o texto existe enquanto
voz (devemos nos lembrar que ele analisa a poesia medieval) antes de se tornar texto
qualquer história é viva. Num certo sentido, a morte da história é a sua escritura, porque
é quando a história é escrita que ela tem um fim em si. Ela deixa de ser livre para ser
aprisionar no seu próprio léxico.
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No livro A Letra e a voz, 1987
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A partir daqui farei referência ao filme Brilho Eterno de uma mente sem lembrança apenas com as
palavras Brilho Eterno, para facilitar a leitura
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ii. Enredo, memória e esquecimento
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Conforme o filme avança somos informados que a primeira cena dele, em que
Clementine e Joel se conhecem no trem (eles se conhecem num trem saindo da cidade
para uma praia num ambiente invernal), não é de fato a primeira vez que se vêem
embora não saibam disso. O interesse que tem um no outro não era inédito. Eles voltam
a se encontrar ali, sem ao menos lembrarem que alguns meses antes viviam como casal
num mesmo apartamento.
Durante o filme eles descobrem isso, nós também descobrimos que eles são, mais do
que qualquer coisa memória afetiva um do outro e também esquecimento um do outro.
Eles (e peço desculpas por entregar o enredo) escolheram passar por um procedimento
médico para esquecerem um do outro em uma clínica chamada ironicamente – e
propositalmente – Lacuna ltda.
Nessa clínica pessoas podem um médico chamado Dr. Howard Mierzwiak (Tom
Wilkinson) atende pessoas que querem esquecer de alguma coisa e é fato que os amantes
são aqueles que encabeçam a lista dos que querem esquecer. O processo se dá, com as
palavras que Dr. Mierzwiak diz para Joel: “Nós vamos começar por suas memórias
mais recentes e depois vamos para as mais antigas – existe um cordão emocional que
liga todas nossas memórias – e conforme nos erradicarmos esse cordão isso dá início a
uma degradação das memórias – na hora que você acordar pela manhã, todas as
memórias que tivermos mirado terão sido apagadas e desaparecerão. Como acontece
com um sonho na medida em que acordamos.”
Mas Dr. Mierzwiak não trabalha sozinho nessa clínica, ele tem um assistente chamado
Stan outro chamado Patrick e uma secretária chamada Mary, que tem uma quedinha por
ele. Essas personagens parecem meramente secundárias, mas mesmo assim são elas que
interferem na vida de Clementine e Joel, conforme vamos descobrindo no decorrer do
filme, e elas mesmas têm problemas e implicações, suas memórias também são parte da
história.
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verdade a memória de sua relação com Clementine é o fio condutor da história. (sendo
lembrada, esquecida ou a tentativa de preservá-la).
Gondry como excelente intérprete, nos leva, através de uma série de imagens às
construções da memória de Joey, que embora tenha decidido racionalmente fazer
Clementine desaparecer de sua vida, durante o processo técnico protege suas
lembranças dela do seu próprio esquecimento, escondendo a lembrança daquela que
uma vez amara, dentro de outras completamente fora de contexto (como por exemplo a
lembrança de Joey pouco mais de um bebê sendo banhado por sua mãe na pia da
cozinha, na qual ele esconde Clementine quando está esta sendo apagada de sua
memória, até que as lembranças se confundem ver: imagem abaixo).
Nesse momento somos intrigados por uma série de perguntas que em parte são
respondidas no filme, mas que em sua maioria permanecem misteriosas: porque alguém
resolve esquecer outra pessoa, apagar suas memórias? E a partir desta pergunta
podemos nos entregar a muitas outras: como as memórias se impregnam uma das
outras? Quais são as nossas memórias e o que são as dos outros de nós?
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tenha tentado e é triste porque ao contrário do que esperamos o amor não vence no final,
durante anos das suas vidas a convivência dos dois acaba afastando um do outro de
maneira irreversível e mesmo que se amem não conseguem superar os seus próprios
ímpetos e Clementine parece ser aquela que tem a coragem para tirar as coisas de suas
formas cotid.
Por outro lado, o filme nos oferece um desfecho muito mais esperançoso, o que a partir
de uma memória desfalcada se pode criar uma nova relação, que o esquecimento é o
responsável pela invenção, que ele impulsiona o movimente de recriação e que é a
recriação a principal função da memória.
Ele não serve aqui como metáfora para simplesmente ilustrar uma idéia, ele possui em
si uma idéia e a desenvolve independentemente de conceitos, embora aplique,
sutilmente muitos deles e ele mesmo, o filme, apresenta-se em situação performática
enquanto uma ação que inexiste sem seu contato com um público.
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podemos encontrar uma referência a Niezsche e a música pop num mesmo diálogo (em
Brilho Eterno temos um bom exemplo disso.)
A escolha de Brilho Eterno de uma mente sem lembrança não foi à toa, pelo
contrário, acredito que uma história de ficção, especialmente se transformada num
filme, pode fazer um apanhado conceitual tão vasto quanto toda uma teoria social, ainda
mais porque enquanto performance, ele (filme) nos permite uma dupla afetação (a
condição performática) e possíveis ramificações, como por exemplo, esse pequeno
ensaio.
Ele não seria possível se de alguma maneira ao ver Brilho Eterno, as questões acerca de
memória e esquecimento não teriam sido trazidas à tona e não teriam encontrado
representações visuais tão específicas quanto aquelas de Brilho Eterno, de modo que
essas representações povoam um espaço visual (dentro de uma cultura que se torna a
cada dia mais visual) e os conceitos discutidos por um número considerável de teóricos
como: Zuntor, Benjamim, Hawbacks, Balandier e demais os teóricos da cultura, cujos
conceitos presos a dimensão escrita podem nos escapar – a despeito da intenção
duradoura da palavra escrita – se transformados em imagens podem nos levar à novos
níveis de entendimento. Um entendimento que aceite a existência de uma mobilidade e
especialmente de sua própria recriação.