Você está na página 1de 24

apresenta:

Kenji Mizoguchi
Diretor: Kenji Mizoguchi
Um dos diretores japoneses mais aclamados pela crítica
começou a carreira na década de 20, com adaptações e
refilmagens de obras de Liev Tolstói e Eugene O’Neill. Na
década de 30, Kenji Mizoguchi modificou o enfoque para
dramas sobre camadas menos favorecidas da sociedade
japonesa, o proletariado, no gênero depois denominado de
runpen mono.
A explicação para isso é que Kenji Mizoguchi
experimentou a pobreza após o pai ter levado, à ruína
econômica, a família durante a guerra contra a Rússia. Para reduzir as dívidas, o pai vendeu
a irmã de Kenji para uma casa de chá, contra o qual Mizoguchi se opôs, porém sem poder
questionar a autoridade patriarcal. Ao relatar o caso, Maria Roberta Novielli concluiu:
“Vislumbraremos frequentemente [na obra] os traços violentos do pai, em contraste com a
sublimação das figuras femininas”.
Mizoguchi realizou cinema de propaganda e, ao término da 2ª Guerra Mundial, retornou
aos dramas de época e contemporâneos, com ênfase nas personagens femininas. O rótulo de
feminisuto foi a ele conferido por sua compaixão e preocupação com a condição da mulher
na sociedade japonesa, submetida à mercantilização e à exploração por homens despóticos
ou covardes.
A obra do diretor, com 99 créditos, está perdida em sua maioria, mas destaco:
Crisântemos Tardios (1939), Oharu, a Vida de uma Cortesã (1952), O Intendente
Sansho (1954) e A Imperatriz Yang Kwei Fei (1955).

Filmografia (parcial):

AS IRMÃS SENHORITA CONTOS DA O INTENDENTE A IMPERATRIZ


GION OYU LUA VAGA SANSHO YANG KWEI FEI

1936 1951 1953 1954 1955

1939 1952 1953 1954 1956

CRISÂNTEMOS A MÚSICA OS AMANTES A RUA DA


OHARU
TARDIOS DE GION CRUCIFICADOS VERGONHA
Sinopse:
No Japão do século XVI, uma vez
declarada a guerra civil, dois camponeses
enxergam a possibilidade de mudar de vida.
Genjuro é um artesão que sonha enriquecer
vendendo suas cerâmicas. Já o Tobei sonha
em ser um rico samurai enaltecido por
todos. O destino, porém, lhes reservam
surpresas que os farão mudar as
perspectivas do que realmente mais
precisam para serem felizes.

Elenco:

Masayuki Mori Kinuyo Tanaka Eitarô Ozawa Mitsuko Mito


Genjurô Miyagi Tobei Ohama

Machiko Kyô Kikue Môri


Lady Wakasa Ukon
Curiosidades:
Por deliberação do júri e autorização do presidente, o prêmio
Nobel de literatura Eugenio Montale, o 14º Festival de Veneza não
premiou um filme com o Leão de Ouro, considerado o nível elevado
de qualidade de 6 filmes competidores que dividiram o Leão de
Prata.
Foram eles: Thérèse Raquin, de Marcel Carné, Moulin Rouge,
de John Huston, Os Boas-Vidas, de Federico Fellini, Sadko, O
Intrépido, de Alexandr Ptushko, O Pequeno Fugitivo, de Morris
Engel, Raymond Abrashkin e Ruth Orkin, além de Contos da Lua
Vaga.
Foi a primeira vez que isto
aconteceu, mas não a última:
alguns anos depois, em 1956,
houve um empate entre A
Harpa da Birmânia, de Kon
Ichikawa, e Calle Mayor, de
Juan Antonio Bardem, e
ninguém recebeu o Leão
de Ouro.
A partir de então,
nos casos de empate, que
aconteceram em 1959,
1962, 1980, 1993 e 1994
ambos os filmes foram
premiados com o Leão de Ouro,
uma decisão que parece ser a
mais justa.
Contos da Lua Vaga é um dos filmes favoritos de ninguém menos
do que Martin Scorsese, que assim descreveu a obra do diretor para
a Cahiers du Cinema:
“Mizoguchi é um dos maiores mestres que já trabalhou no
cinema; ele está lá em cima com Renoir, Murnau e Ford, e depois da
guerra ele fez três filmes - Oharu: A Vida de Uma Cortesã, Contos da
Lua Vaga e Intendente Sansho - que estão no topo do cinema. Toda
a sua arte é canalizada para a mais extraordinária simplicidade.
Você está cara a cara com algo misterioso, tragicamente inevitável e,
no final, removido pacificamente”.
“Há momentos famosos, que já vi várias vezes e que sempre me
tiram o fôlego: o barco se materializando lentamente em meio à
névoa e vindo em nossa direção. Genjuro caindo na grama em êxtase
e sendo sufocado por Lady Wakasa. O plano aéreo do filho fazendo
uma oferenda no túmulo de sua mãe. Só de pensar nesses momentos
agora me enche de reverência e admiração”.
Scorsese admira tanto o diretor e a obra que a sua The Film
Foundation, com financiamento da Associação de Imprensa
Estrangeira em Hollywood, restou a obra em 4K.

IMAGEM:

Martin Scorsese, cineasta e


fundador da The Film
Foundation.
Contos da Lua Vaga é baseado em dois contos da coletânea
Ugetsu Monogatari, de Ueda Akinari, escrita em 1776 e que
mistura elementos folclóricos e sobrenaturais com o realismo
daquele período no tempo.
Em Casa entre os Espinhos (ou Asajiga Yado), Ueda conta a
história de um marido ambicioso que instruí a esposa a permanecer
em casa, enquanto viaja à cidade para buscar riquezas. Ao retornar
após 7 anos, o marido é recebido pelo espírito da esposa, morta por
se recusar a deixar a casa quando a guerra eclodiu.
Já em A Paixão da Serpente (ou Jaseino in), Ueda narra a
história de um jovem de uma vila de pescadores que decide ingressar
no seminário. No caminho, um demônio disfarçado de mulher
pede-lhe ajuda, mas é preso e se torna alvo de uma investigação
policial. Então, o jovem decide cometer suicídio, mas é impedido por
um padre, que o resgata matando o demônio.
A esses contos, Mizoguchi adicionou o conto Décoré!, de Guy de
Maupassant, em que um homem é obcecado com a ideia de se tornar
legionário.
“A sensação de tempo de guerra deve ser aparente na atitude de
cada personagem. A violência da guerra desencadeada por aqueles
que estão no poder sob o pretexto do bem nacional deve sobrecarregar
as pessoas comuns com sofrimento - moral e físico. No entanto, os
plebeus, mesmo nessas condições, devem continuar a viver e comer.
Este tema é o que eu quero enfatizar especialmente aqui”, teria
instruído Kenji Mizoguchi a seus dois roteiristas responsáveis pela
adaptação, Matsutaro Kawaguchi e Yoshikata Yoda.

IMAGEM:

Ilustração do conto A Paixão


da Serpente. Nela, a astuta
serpente branca e sua
empregada se jogam em uma
cachoeira para escapar da
perseguição.
Uma Breve História sobre
o Cinema Japonês

Após tomar conhecimento do Cinematógrafo em uma de suas viagens à França, em 1896, o empresário
têxtil Katsutaro Inabata, antigo colega de turma de Auguste Lumière, retornou ao Japão com a invenção
para apresentá-la à população. Junto a ele, François-Constant Girel, o operador do aparelho, que foi
utilizado para registrar a vida cotidiana japonesa. É o marco zero do cinema em um país que, ao longo dos
anos 2000, produz ou co-produz cerca de 700 filmes anualmente (entre longas e curtas-metragens, ficções e
documentários).

Os primeiros filmes japoneses filmados por japoneses foram os curtas-metragens de terror Bake Jizo e
Shinin no Sosei, ambos lançados em 1898, do diretor Shiro Asano, e perdidos. Tsunekichi Shibata e
Kanzo Shirai seguiram os passos de Asano, em uma indústria que dava os seus primeiros passos e que ainda
viria a descobrir o potencial da arte do cinema. A Yakota e a Yoshizawa foram as primeiras empresas
produtoras, antes do estabelecimento de um sistema de estúdio similar ao de Hollywood. Já as primeiras
projeções ocorreram nos teatros Kabukiza, Kinkikan e Engiza, antes de ser construída a primeira sala de
cinema, a Denkikan.

Entretanto, é Shozo Makino que recebe o título de pai do cinema japonês, enquanto Onoe Matsunosuke,
o de primeiro astro, após ter estrelado mais de 1.000 filmes durante 17 anos de carreira. Shozo depois se
denominaria de Griffiths Makino, em alusão ao importante mas infame diretor americano, e comandou o
épico The Loyal 47 Ronin (Chûshingura, 1910), a adaptação mais antiga do conto dos 47 ronins, em que
Onoe - com auxílio de expressivos olhos - interpreta 3 personagens diferentes. O filme sobreviveu
parcialmente, com enxertos realizados pelo próprio Shozo, anos depois.

IMAGEM:

Ichinomasa Kataoka (esq) e


Onoe Matsunosuke (dir), em
Chûshingura (1910).
O início do cinema japonês está intimamente associado ao teatro kabuki do período Edo: os nomes dos
personagens, os figurinos, penteados e maquiagem, a atuação e expressividade gestual e os onnagata (ou
oyama), os atores que se especializaram em interpretar papéis femininos. Em razão desta figura oriunda do
kabuki, não havia nenhuma atriz em atividade no cinema japonês até meados dos anos 20.
Da experiência teatral adveio outra figura
característica do início do cinema japonês, a dos
benshi, o recitador ou o narrador responsável por
acompanhar o teatro de marionetes. A relevância do
benshi era tamanha que, quando os filmes mudos
eram exibidos em mais de um cinema, a decisão do
espectador era feita a partir de qual benshi estava
em atuação. Invariavelmente, isto criou
experiências de cinema variadas apesar do mesmo
conteúdo - o filme acompanhado pela narração de
benshi diferentes não poderia assim ser considerado
o mesmo filme, pois, igual a diretores, poderiam
dilatar ou comprimir o tempo em função de sua
narração.

“No Japão, o cinema nunca foi verdadeiramente mudo”


(Ito Daisuke, diretor).

Koyo Komada, Saburo Somei e Toyojiro Takamatsu foram benshi famosos, cujo nome ficava no ponto
mais alto dos cinemas e que moldaram a indústria japonesa nos anos por vir. Além da função de
contextualizar os acontecimento no cinema mudo japonês ou não, esclarecer elementos históricos e
culturais e reduzir a ansiedade japonesa causada pela incógnita da narrativa, os benshi se tornaram um
grupo de trabalhadores bem organizado e respeitável, algumas das vezes até com o poder de ditar o rumo
dos filmes junto aos diretores a fim de se adaptarem a sua forma de recitar.

Mais ainda… os benshi modificaram a estrutura do cinema no país. Eram contra a utilização de
intertítulos, pois isto tornaria a atividade deles redundante, e de flashbacks, considerada a função
explicativa do recurso, e retardaram a sonorização do cinema japonês. Além disso, os benshi desenvolveram
indiretamente a forma e o estilo do cinema japonês, em razão da preferência por planos longos e
contemplativos que lhes desse mais tempo de performance.

Enquanto o teatro kabuki influenciou o gênero jidaigeki, o drama histórico, o teatro shinpa, o
movimento de reforma da arte, impactou o gênero gendaigeki, o drama contemporâneo, com um cinema
emergente que discutiu questões morais, a exemplo do amor entre classes sociais diversas ou de
problemáticas familiares decorrentes da sociedade patriarcal no país. Com a influência dos melodramas
americanos que desaguavam no país antes da restrição, o cinema japonês desenvolveu a própria
sensibilidade do que seria um melodrama.
Ante a predileção do Japão pelo gênero que o diretor Yasuzo Masumura, enquanto estudou no Centro
Sperimentale di Cinematografia, em Roma, escreveu o ensaio História do Cinema Japonês1, publicado em
1954, no qual criticou o melodrama japonês por ser feminino e não masculino: “ao harmonizar elementos
líricos como paisagens e cenas da natureza, com histórias de amor sentimentais ou representações poéticas do
amor maternal, os diretores japoneses desenvolveram sensibilidades passivas frágeis (...) O tipo de beleza no
cinema japonês não é uma beleza masculina, voltada para fora, mas composta de qualidades emocionais
femininas”.

Antes de esse momento chegar, a indústria cinematográfica precisou deixar o status baixo na sociedade
e revelar seu potencial artístico e comercial. O primeiro movimento nesse sentido veio com a criação da
Sociedade Japonesa de Imagens em Movimento (a Nikkatsu), em 1912, o primeiro estúdio cinematográfico
japonês, um produto da fusão entre as produtoras: M. Pathé, Yokota, Yoshizawa e Fukuhudo.

Companhias rivais surgiram com atrativos próprios: a Sociedade de Filmes com Cores Naturais (a
Tenkatsu, com vida breve) lançou As Mil Cerejeiras de Yoshitsune (Yoshitsune senbon zakura, 1914) de
Jirô Yoshino, o primeiro filme colorido com auxílio da técnica do Kinemacolor.

Já a Shochiku, o estúdio mais antigo em atividade no Japão, explorou mudanças profundas


influenciadas pelo modelo ocidental e pelos ensaios do crítico e teórico Norimasa Kaeriyama: além da
defesa de uma linguagem cinematográfica independente dos códigos teatrais, a Shochiku implementou a
destituição dos onnagata e a contratação de atrizes para os papéis femininos, a ênfase na encenação no
lugar do repertório gestual, a ênfase na escola realista a partir da escolha de cenários reais e de modelos de
atuação particulares, a substituição dos benshi por legendas (no cinema não japonês) e pelo cinema falado,
as técnicas de decupagem e montagem apreendidas no cinema americano.
Em 1931, houve a primeira exibição de um
filme não japonês com legendas: Marrocos, de
Josef von Sternberg. No mesmo ano, a exibição do
primeiro filme falado japonês, The Neighbor's
Wife and Mine (Madamu to nyôbô), de Heinosuke
Gosho.

Elementos conjunturais influenciaram o


desenvolvimento do cinema japonês: o término da
primeira guerra provocou o veto ao cinema
europeu e a diminuição do afluxo do cinema
americano, apesar de não ter desacelerado a
produção cinematográfica no país.

Já o terremoto de 1923, em Tóquio e Yokohama, que provocou a morte de mais de 100 mil pessoas,
levou a Nikkatsu e a Shochiku a migrarem a produção cinematográfica a Kyoto, e influenciou o
desenvolvimento do gendaigeki em direção a histórias sobre pessoas comuns. Após este período, a censura
foi instituída pelo Departamento Nacional de Polícia, em 1925, e se tornou mais repressiva a partir de
1926: era proibido questionar a soberania imperial ou o poder militar, e mesmo cenas eróticas (a exemplo de
um beijo) eram proibidas.

NOTA:
1
Profilo storico del cinema giapponese, publicado na Revista Bianco e Nero, XV, 1954.
A cada virada de página da história japonesa, o cinema acompanhava. Durante a Segunda Guerra
Mundial, a produção japonesa caiu a uma fração do que havia antes feito - de 1941 a 1945, cerca de três
dezenas de filmes eram produzidos anualmente. Com a promulgação da lei do cinema em abril de 1939, o
Governo Japonês pôde controlar os estágios do cinema, desde a elaboração do roteiro à distribuição e
exibição dos filmes, com o censo e a expedição de licença para artistas, aprisionando aqueles contrários ao
regime. Enquanto isto, com a proibição da importação de película junto aos Estados Unidos, o Japão
priorizou a utilização militar e propagandística do que artística: a Toho, criada pelo industrial Ichizo
Kobayashi, que então competia timidamente com a Nikkatsu e Sochiku, pôde explorar o cinema de guerra
como nenhuma outra companhia tinha feito. A Nikkatsu, que demorou a se adaptar, não resistiu e foi
absorvida pela Dai Nihon Eiga (Grande cinema japonês, Daiei).

O cinema japonês durante os conflitos imperialistas - a Segunda Guerra Mundial, a invasão da


Manchúria e a Guerra Sino-Japonesa - não deveria perturbar a ordem pública e afrontar a tradição, mas
exaltar a família imperial, o espírito familiar e o sacrifício pela pátria, e evitar temáticas desestabilizadores,
como o individualismo ocidental e a crítica ao poder instituído associado à esquerda.

Apesar de não ser o tema da exposição, durante esse período, houve um cinema japonês fora do Japão,
produzido em Taiwan, Coreia do Sul, Manchúria e China durante a ocupação. A ênfase da produção era
ilustrar a benesse da colonização e a edificação social e cultural proporcionada pelo domínio japonês.

As explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki e a renúncia do imperador Hirohito de sua


descendência divina alteraram o panorama do cinema japonês e prepararam o terreno para a ocupação
americana com o objetivo de reeducar o país. Houve a substituição da lei do cinema: agora, a censura era
feita à propaganda militarista e ao cinema que mostrava a vingança como motivo legítimo, que distorcia
fatos, que favorecia a discriminação racial e religiosa, que retratava a lealdade feudal ou o desprezo pela
vida como aspecto desejável e honroso.

A ocupação americana perdurou de 1945 até


abril de 1952, sob o comando de David Conde da
CIE (Civil Information Education Section), e
aproveitou uma estrutura cinematográfica antiga,
mas milagrosamente não destruída durante os
conflitos. David Conde deu início à restauração dos
cinemas, perseguiu os artistas japoneses
diretamente envolvidos com o regime e adicionou a
defesa do individualismo e cenas timidamente
íntimas, com Juventude aos Vinte Anos (Hatachi
no Seishun) e O Beijo de uma Noite (Aru yo no
Seppun), ambos de 23 de maio de 1946, o dia do
beijo no cinema japonês

Os efeitos das bombas atômicas também provocaram reações artísticas. Apesar de o tema ser sensível
durante a ocupação americana e censurado, O Sino de Nagasaki (Nagasaki no kane, 1950) e Não
Esqueço as Canções de Nagasaki (Nagasaki no uta wa wasureji, 1952) trataram do evento sob uma ótica
melodramática e não julgamental. Depois da ocupação, vieram as críticas com Os Filhos de Hiroshima
(Genbaku no ko, 1952), Dragão Felizardo nº 5 (Daigo Fukuryu-Maru, 1959), que tratava das
consequências dos testes da bomba no Atol de Bikini junto à tripulação de uma embarcação, e, óbvio,
Godzilla (1954), que eternizou o cinema kaiju, com a criatura fantástica despertada pelos testes atômicos
e pronta para punir o povo japonês.
A propósito, em 2016, o monstro gigante criado por Ishiro Honda foi reimaginado desta vez como
resposta do povo japonês ao acidente nuclear da usina Fukushima I.

É durante a ocupação americana que tem início a Segunda Era de Ouro, com as obras dos mestres Akira
Kurosawa, Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi e Keisuke Kinoshita - a respeito dos quais aprenderemos em
aulas seguintes -, e a abertura do cinema japonês ao mundo com a exibição de Rashomon (1951), no
Festival de Veneza, onde venceu o Leão de Ouro.

Com a abertura ao ocidente, a presença japonesa


passou a ser regular na tríplice coroa dos festivais
(Berlim, Cannes e Veneza) e no Oscar: além de
Rashomon, Portal do Inferno (Jigokumon, 1953),
de Kinugasa Teinosuke, e Samurai: O Guerreiro
Dominante (Miyamoto Musashi, 1954), de Hiroshi
Inagaki venceram o Oscar honorário - quando o
prêmio de filme internacional ainda não era
competitivo. Apenas em 2008, com A Partida
(Okuribito), o Japão venceu o Oscar de filme em
língua estrangeira, e repetiu, no ano passado, com
Drive My Car (Doraibu mai kā), o primeiro filme
japonês indicado ao Oscar de melhor filme.

Em contrapartida, isto trouxe um aspecto negativo: o Japão estava convencido de que os ocidentais
admiravam os jidaigeki, enquanto os ocidentais estavam convencidos de que a produção japonesa se
resumia a este gênero. Por algum tempo, portanto, a produção do país esteve presa a este exotismo -
explorado e desenvolvido por Akira Kurosawa -, criando clichês difíceis de serem abandonados.

Com o início da transmissão televisiva pela NHK, a primeira e hoje única emissora pública do país, em
1953, e a aquisição de televisores nas residências, o público frequentador dos cinemas reduziu-se pela
metade de 1,1 bilhão de espectadores (1958) para 500 milhões (1963). O sistema de estúdios japonês sofreu
um baque, mas ainda permanece próspero. A criação do Art Theater Guild (ATG), associação responsável
por produzir, distribuir e exibir a produção independente japonesa, e a Nova Onda, encabeçada por Nagisa
Oshima, Shohei Imamura e outros, criaram oportunidades para diretores marginalizados, com obras
eróticas (pink film), violentas (yakuza film) e de terror (J-horror) com o propósito de estimular a ida dos
jovens ao cinema.
O declínio do sistema de estúdios aconteceu tardiamente - comparado ao dos Estados Unidos - na
década de 80, quando a produção não podia mais alimentar a cadeia exibidora. No cinema, a bolha
econômica de 1986-1991, o terremoto que devastou Kobe e o atentado terrorista no metrô de Tóquio em
1995, e o movimento migratório, associado à ascensão de diretores marginais, a exemplo de Takeshi Kitano,
Takeshi Miike, Kiyoshi Kurosawa, dentre outros, e a adoção do paradigma de produção independente
modificaram o panorama do cinema do país que, em sua gênese, olhou para a História em busca de
histórias e agora as encontra no presente e em quem está na margem.

Aprenderemos mais sobre o cinema japonês, em particular o contemporâneo, com gêneros e movimentos
na aula da semana que vem e, quem sabe, poderemos aprofundar os temas deste panorama geral em edições
futuras do Clube do Crítico.
Debate:

Primeiras Impressões

Leo - Reflete em como a cena de abertura é teatral, embora esta influência comece a ser abandonada para a
consolidação de uma linguagem cinematográfica com planos longos e uma fotografia extraordinária. Fala como
Mizoguchi trouxe a guerra, apesar de fazer isto encarando para o passado e com base em obras do passado, e
reforça a ideia do tema do cinema do diretor ter a ênfase na mulher e como a mulher é a figura que redime os
homens ao fim.

Ygor - Eu me peguei pensando que estava penetrando em um universo particular e, assim como os
personagens, sentiu-se entrando em um mundo em que a realidade terrena é um mero detalhe de uma realidade
maior que envolve sonhos, pesadelos, uma dimensão espectral. Há o atravessamento entre períodos históricos
diferentes para tratar da guerra, embora pegando elementos em comum. Este impacto da guerra sobre a história
do Japão é tão forte que o filme esgarça o sentido convencional de realidade para ultrapassar os limites em direção
ao fantástico.
Nesse sentido, os dois personagens masculinos criaram fantasias a partir do que ambicionavam. Eles criam
para si mundos aparentemente perfeitos, mas baseados em mentiras e traição.

Diandra - Reforça como o filme contrapõe a realidade da guerra e a questão sobrenatural (a Lady Wakasa
parece flutuar em certas cenas). Reflete em como a morte é a reeducação de Genjuro e o encontro da paz na
desmaterialização de Miyagi.
Na narrativa, os homens fogem da realidade em direção à ilusão de seus ideais, enquanto as mulheres
precisam encará-la. O filme é como o céu (para os homens, que só buscam realizar seus desejos) e o inferno (para
as mulheres, a quem cabe defender a honra japonesa e a família). Assim, os homens só encontrarão a redenção
através do sofrimento das mulheres.

Milena Angelloti - Sobre as atuações, são bastante teatrais, e elogia a de Kinuyo Tanaka (Miyagi). Julga
que é uma atuação mais sutil e exemplifica com a cena do barco. Há uma similaridade do arco dramático dos
homens em Contos da Lua Vaga com aqueles da obra de Martin Scorsese, que trata de homens em declínio.
Relembra a cena do barco em que o homem morimbundo lembra os personagens para cuidarem de suas mulheres.
Aí reflete se os piratas do filme não seriam os irmãos Genjuro e Tobei, pois eles retiraram a segurança e
colocaram as mulheres em perigo.

Rui - O Mizoguchi é meticuloso em tudo o que deseja realizar, nos planos longos bem cuidadosos. A cena do
barco é um ponto de divisão entre o real e a ilusão. Relembra a decisão do diretor em não mostrar as cenas de
violência, do sofrimento, que é característica da obra do diretor.
Pedro Alberti - O filme é Kenji Mizoguchi refletindo sobre os efeitos que a Segunda Guerra Mundial teve
sobre o Japão. Ao fim, refleti que a mensagem é “saímos do caminho correto e agora, como sociedade, temos que
seguir o caminho correto”. Kenji Mizoguchi não está adaptando o conto só por adaptar, mas traz para a
sociedade dentro de um contexto crítico, já que a busca na guerra é pela riqueza e pela glória, representadas em
ambos os homens. Todas as ações que os homens tomam impactam profunda e diretamente na vida das mulheres
daquela sociedade.

Deíla - É um filme que deixa uma mensagem moralista, contra a ambição, contra o apego material, contra a
fama, valores que cobram um preço muito caro. Ficou impressionada com o protagonismo feminino nos anos 50
e admira a decisão de utilizar um filme de época para driblar a censura na época.

Alvaro - Kenji Mizoguchi desconstrói a figura do samurai, ora honrado, agora um ser bestial às vezes. Os
valores de sucesso são baseados em valores masculinos, o da glória militar e o acúmulo (o enriquecimento), de
tal modo que os homens são responsáveis pelas próprias tragédias e pelas tragédias das mulheres.

Ricardo Kleine - O filme é inovador, inclusive dentro da cinematografia japonesa. Há elementos inéditos
trazidos pelo Kenji Mizoguchi que serão consolidados apenas depois: o diretor utiliza a ritualística do teatro nô,
com a percussão marcada ou a máscara - o Akira Kurosawa só fará isso anos depois em Trono Manchado de
Sangue. Até o fantasma, o kaidan, tem um ar inovador. No filme, dá para notar como Mizoguchi desprezava a
exibição da violência em tela: o estupro e a decapitação são escondidos do olhar do espectador. Faz uma
interpretação da cena do barco de como o morimbundo é o retrato do protagonista ao retornar ao lar, no fim do
filme.

Caíque - O filme tem uma encenação mística e onírica, que chega a ser assustadora e sensível ao mesmo
tempo. O sonho e a realidade se misturam como o céu e o inferno pudessem se encontrar. O que mais me impacta
é a habilidade do diretor em fazer cinema, em brincar com a percepção do espectador.
“O valor das pessoas e das coisas
dependem de seu ambiente”

A busca da felicidade e a simplicidade da forma

“Eu acredito que é mais importante exibir o tema do filme - o pensamento do autor - do que contar uma
história” (Kenji Mizoguchi).

Mizoguchi é um diretor humanista e trágico, especialista em melodramas, e o seu Contos da Lua Vaga é
um conto de alerta, que rumina sobre a herança do passado japonês após o fim da 2ª Guerra Mundial a
partir de uma obra de época, enquanto revela a preocupação com o tormento infligido às mulheres por
homens. Para tanto, a direção é crítica ao militarismo e ao nacionalismo através dos irmãos Genjuro e
Tobei e do relacionamento com as esposas, Miyagi e Ohama.

“O destino de Tobei revela a pobreza de ideais marciais. O episódio de Genjuro diz respeito ao enfeitiçamento
pelo passado. Os dois temas combinam-se na voz desencarnada do pai de Lady Wakasa, cantando uma canção
através da máscara vazia de guerreiro” (Richard Neer).

Cada um dos irmãos é levado a crer que a felicidade não habita na simplicidade cultivada no vilarejo, a
dias de ser invadido por tropas, mas em ideais intangíveis materializados por bens tangíveis: as moedas de
prata e a armadura samurai. As moedas de prata são bens estranhos à Miyagi, dedicada à família e ao
marido, vide a maneira com que movimenta a roda para a produção de suas cerâmicas mesmo após a
morte. Já as armadura e lança que tornam em samurais até mesmo os mendigos, de nada ajudam a
modificar quem são detrás da indumentária, pois a honra não é um parâmetro da vaidade, a exemplo do
samurai que deixou a casa de chá sem pagar os serviços sexuais da, agora geisha, Ohama.
Kenji Mizoguchi permite que os personagens alcancem seus sonhos e desejos, mesmo que a partir de
artifícios fantásticos (a mansão para onde Genjuro se muda) ou de atos imorais (o furto da cabeça do
samurai morto), para entenderem que o objeto que tanto buscavam é etéreo, igual é Lady Wakasa.

A figura da mulher-espectro introduz, no


melodrama de época, o kaidan: gênero japonês, que
não deve ser confundido com o terror
contemporâneo japonês (J-horror), que recorre a
figuras sobrenaturais dentro de um contexto
folclórico, e não assustador. Desta forma, Lady
Wakasa é um etéreo materializado, pois, igual
Genjuro e Tobei procuram a felicidade dentro de
ilusões, também o espírito tenta reconciliar-se com o
passado na ilusão do casamento (trecho 46:22).

Com elegância, Mizoguchi substitui Miyagi por


Lady Wakasa, diante do quimono com o qual
Genjuro sonha em presentear a esposa (trecho
37:53). Depois, a figura espectral ao lado da
enfermeira se oferece para ser sua guia ao mundo
que materializa, detrás de uma ilusão, o mundo de
riqueza onde desejava habitar.

A forma simples e poética do diretor introduz o


sobrenatural no barco fantasmagórico levado pelo
gentil fluxo do rio em direção ao barco com que
fogem Genjuro e os seus: o marinheiro moribundo
alerta-os: cuidem de suas mulheres, no trecho 25:32.

A cena é a marca do estilo da decupagem de


Mizoguchi: planos longos e ininterruptos, gerais,
com raros close-ups, em profundidade de campo,
habitualmente operados por gruas e coreografados
à exaustão. A sensação é de que o diretor assiste à vida dos personagens, evitando interrompê-la com cortes.
A encenação acontece com personagens que entram e saem do plano, com a câmera acompanhando a
movimentação, sem a induzir, no distanciamento por que a obra do diretor seria conhecida. Através de seu
estilo, Mizoguchi obtém uma resposta emocional até mais forte do que se houvesse utilizado elementos
expressivos: “o público acha seus filmes devastadores, mesmo que eles desfaçam muitos dos dispositivos padrão de
envolvimento narrativo. Com efeito, Mizoguchi reverte a prioridade da ação dramática sobre a cinematografia e a
encenação sem abrir mão de qualquer reivindicação sobre a capacidade de resposta do público” (Richard Neer).

Bons exemplos da opção do diretor são as cenas no trecho 9:45 - na qual ensina o espectador a como
assistir ao filme, através da decupagem em profundidade de campo com intervenção mínima - e no trecho
59:23. Nesta cena, Miyagi morre após o ataque de saqueadores que a perfuram com a lança enquanto
carrega, nas costas, seu filho: na cena, tudo é fonte de interesse ao olhar do espectador, já que, apesar de o
primeiro plano preferir o plano de fundo, Mizoguchi dá a mesma atenção ao suspiro derradeiro de Miyagi
como dá aos rufiões que disputam a comida roubada.

A rejeição da resposta emocional imediata em favor de uma resposta emocional duradoura é observada
no trecho 1:01:50, em que a direção elegante e sofisticada esconde a decapitação do samurai (gesto de
nobreza) para, depois, evidenciar vulgarmente o assassinato cometido por Tobei (gesto de covardia).

Qual sua opinião sobre o estilo de Mizoguchi? Exemplifique com a sua cena favorita.

Matheus Falcão - Exemplifica com a descoberta do Genjuro de que a Lady Wasaka é um espírito, e ressalta
o caos na edição sonora, em que há o terror puro.

Ygor - Eu senti o interesse por aquelas histórias acentuado pelo estilo comunicativo, mas simples de
Mizoguchi. Isto é capturado através de detalhes que pareceriam singelos, porém no conjunto fazem toda a
diferença. A cena de que mais gosta é o retorno de Genjuro à casa crendo que a esposa esteja o esperando. Nela,
cada elemento da linguagem passa a sensação de que há algo errado, apesar da centelha de esperança criada.

Júnior Nascimento - A sua cena favorita é a que o Matheus comentou: a revelação de que a Lady Wasaka
é uma fantasma, pois, mesmo sendo fã de filmes de terror, até então não havia imaginado a componente de terror
na narrativa.

Rui - Exemplifica com a cena em que a criança leva a comida ao túmulo da mãe, antes de a câmera elevar-se,
levando a outro plano.

Alvaro - O estilo dele é na linha mostre, não fale. Uma cena que chama a atenção é a da invasão dos samurais
na vila onde Genjuro e os seus moram: ele busca as suas cerâmicas; a esposa, o filho.

Ricardo Kleine - Destaca a cena ao fim, quando Genjuro volta para casa, encontra-a vazia e a fogueira
apagada. O personagem movimenta-se dentro de casa, a câmera o acompanha e, quando retorna à porta de
entrada, a mulher está sentada, fazendo chá. A cena mistura a fantasia (a ilusão da esposa) com a realidade (a
fogueira apagada). Contos da Lua Vaga era também um dos filmes favoritos do Andrei Tarkovski, diretor que
repetia isso de transitar entre fantasia e realidade a partir de um movimento de câmera. Para chegar na imagem
simples, há toda a complexidade de encenação, movimentação, composição.
Felipe Takei - Pensa na cena do quimono em como é mais sobre o Genjuro do que sobre a mulher dele, e, em
1953, período em que o Japão está durante a ocupação americana, Mizoguchi pôde entrar em contato com a
literatura ocidental. Na ocasião, tornou-se fã de William Shakespeare e revelou a tragédia disfarçada de atos de
generosidade.

Isaque - O diretor utiliza a decupagem clássica em que cada cena funciona individualmente, porém a
decupagem não é clássica na forma como posiciona a câmera e compõe as imagens. Gosta de como retrata os
samurais, enquadrados de peito para baixo, colocados como superiores, apesar de sua iniquidade. Em se
tratando das mulheres-espectro, Kenji Mizoguchi emprega alguns elementos de irrealidade na narrativa. Gosta
da lua de mel do Genjuro e da Lady Wakasa, com cenas fluidas, sem cortes bruscos, com a impressão de sonho
contínuo.
“Cuidem de
suas mulheres”

A dama fantasma fatal e dama fantasma maternal

As mulheres são o tema central da obra de Kenji Mizoguchi, talvez como resposta à venda da irmã pelo
pai, de tal sorte que a vida do artista, mais uma vez, é o predicado da arte que produz.

Em Contos da Lua Vaga, Miyagi e Ohama são


sujeitas à violência do mundo dos homens em razão
da negligência, diria abandono, de Genjuro e Tobei.
Sozinha, Ohama é presa para a ação de vassalos
estupradores no trecho 33:38.

A explicação de Richard Neer é de que o enredo


do cinema de Mizoguchi é movido pelo desejo,
enquanto o ponto central é: “a relação antitética
existente entre sujeito e objeto que o desejo parece exigir.
A resolução da obra, portanto, não é atingir um
objetivo, mas parar de desejá-lo - o que, em a lógica do
melodrama, significa deixar de ser um personagem
completamente”.
A mulher pode ser o objeto de desejo, a exemplo das geishas, personagens frequentes de seus filmes, mas
neste filme, a mulher sucumbe a partir do instante em que o homem parte em busca do desejo e relega a
sua responsabilidade conjugal. É quando passam a ser, pois antes eram apenas mulheres que transitavam
ao redor da órbita de homens que desejavam riqueza e reconhecimento. Ao cessar este desejo, Miyagi e
Ohama deixam de ser, retornam ao estado inicial, em domesticidade, ainda que além da vida.

É a razão por que Noël Burch é crítico à obra de Mizoguchi após a guerra, por julgar que o diretor
comprometeu a abordagem feminista dos filmes anteriores, em favor de uma visão condescendente (o
famoso passar o pano). Mizoguchi, na opinião de Burch, teria entendido a atitude dos homens corrompidos
pela ganância e vaidade e os teria perdoado, assim que, arrependidos, retornassem a seus lares e
escolhessem a segurança familiar, em vez da ambição e vaidade.

Enquanto Genjuro usufrui da vida idílica ao lado de Lady Wakaska, Miyagi é oprimida pela escuridão
no trecho 57:10.

Igual a dicotomia luz e sombra, também realidade e fantasia: nos momentos em que víamos Genjuro e
Wakasa no tatame da mansão, estavam do lado de fora, um fruto da fantasia.
Enquanto o desejo de Tobei, a vaidade, é extinto ao reencontrar Ohama na casa de chá e ver o estado
em que a esposa está (trecho 1:07:45), o de Genjuro, a riqueza, acontece no instante em que nota o caráter
elusivo da vida que tem na mansão Kutsuki e tenta deixar a mansão (trecho 1:16:10).

Entretanto, a dicotomia mais atraente é a criada entre Lady Wasaka e Miyagi: a primeira seduz Genjuro
a permanecer na ilusão da mansão para saciar o desejo de estar casada; a última, depois do retorno do
marido, não o seduz, surge e desaparece, até que ouçamos só a sua voz no epílogo narrado, herança dos
benshi do cinema japonês.

É possível traçar paralelos entre a dama fatal e a dama maternal: a primeira, o estereótipo da mulher
que induz o homem em erro e provoca a sua ruína (debatemos esta figura na edição 13 do Clube do Crítico);
a segunda, a mulher que aceita, de bom grado, o papel que a sociedade conservadora lhe confere, a de dona
de casa, que continuará a girar a roda e assistir ao marido criar suas cerâmicas.

Ambos os papéis, hoje, são problemáticos: o primeiro porque falha em reconhecer que Lady Wasaka foi
a vítima das ações de um homem que, diferentemente de Genjuro e Tobei, não teve a oportunidade (ou a
intenção) de se arrepender e se redimir: seu pai. É também vítima de Genjuro, que falha em revelá-la que é
casado. A segunda, Miyagi, vive a tragédia de permanecer presa à figura do homem que a abandonou. A
moral de Contos da Lua Vaga é certeira em criticar a ganância e a vaidade, mas pode ser míope - como
Burch considerou - em resolver o sofrimento das mulheres pelo arrependimento dos homens (trecho
1:34:10).

Phillip Lopate defende haver argumentos de o


cinema de Mizoguchi ser pró-feminista, dada a
simpatia e o interesse em personagens femininas e
em suas vidas, e anti-feminista, por fazê-las sofrer o
tempo inteiro, sem que este sofrimento as levasse a
lugar algum no status quo japonês. “Elas podem
alcançar algum desenvolvimento individual, mas não
conseguirão derrotar um sistema que, em suas
palavras, escraviza-as. Eu acho que ele era realista”.

Parker Tyler chamou a obra do diretor de


“realismo trágico”.

A figura fantasmagórica de Lady Wakasa ajuda, atrapalha ou é indiferente ao


discurso feminista de Mizoguchi?

Rui - A Lady Wakasa ajuda no discurso. Com as 3 mulheres, o Mizoguchi revela facetas da mulher da época.
Considera a pergunta problemática, porque retrata, com o olhar de hoje, a questão que acontece no século XVI.
O filme é uma discussão sobre ambição e vaidade, em que as mulheres são a consciência de homens surdos a seus
conselhos.

Grazi - Mizoguchi não permaneceu neutro, por ter retratado a realidade das mulheres na época. Lady Wakasa
não reforça, mas tampouco reprime a temática feminista, já que o diretor não parece ter isto em mente.
Júnior Nascimento - A visão dele é parecida com o Rui em relação a analisar com o olhar de hoje. Com
base neste filme, Mizoguchi não pensou em questões feministas, só utilizou as personagens femininas como apoio
à história que desejou contar.

Luyan - O papel da Lady Wakasa é semelhante ao papel das duas mulheres, ser objeto da ação dos homens (no
caso, o pai e até mesmo Genjuro) e acabar não tendo ações que sejam diretas no que irá vivenciar. Ela é passiva,
não ativa.

Milena Angelloti - O diretor tratou as mulheres de uma forma complexa, pois o mero ato de trabalhar a
história de uma mulher desamparada pelo marido evidencia seu viés feminista com o realismo da época. Agora,
com a perspectiva do feminismo contemporâneo, pode-se analisar este ou aquele aspecto, sem ignorar que o filme
é um passo em direção ao retrato atual da mulher no cinema.

Léo - É mais fácil julgar com a régua de hoje, com o conceito do feminismo mais evoluído do que era em 1953.
A figura feminina na obra dele é constante e traz a marca da vida dele, de quando a irmã foi vendida e quando a
mãe foi abusada pelo pai. Vê isto como a denúncia da situação feminina, que, apesar de colocada em um Japão
feudal, reflete o Japão nos anos 50, a visão romantizada do que a mulher deve ser. Resumindo: o Mizoguchi
realizou um filme com a visão traumática vivida e a denúncia da posição da mulher, então, vê o diretor como um
feminista.

Luan Gabriel (no chat) - Neste filme, o Mizoguchi tem uma sensibilidade no olhar, em ceder tempo de
tela para expor a narrativa feminina, mesmo que seja pequeno, e um cuidado em não expor situações violentas
ou vexatórias das mulheres, então só por jogar luz nessas realidades femininas, e lembrando, em um Japão da
década de 50, é um grande soco. É um tijolo no progresso.

Alvaro - O Japão é um país que reflete o patriarcado, o sol nascente, a figura do imperador. A própria Lady
Wakasa, que é uma dama fatal, também é vítima de uma guerra criada por homens. Ao retornar como fantasma,
a satisfação do desejo não é dela, mas da sociedade. Já Miyagi, quando retorna, é para ser a mulher da família.
Dentro do filme, a denúncia é dos valores masculinos levarem-os à tragédia e também as mulheres, que passam
pelo martírio.

Cícero - É estranho falar que um homem é feminista, ainda mais um diretor em 1953, com base no conceito
que nós temos hoje. Em vez de focar nos guerreiros samurais e no calor da batalha, Mizoguchi foca no paralelo,
nas pessoas que estão ouvindo a guerra de longe. A narrativa destaca a animalização das pessoas, como se fossem
fantasmas em algumas mitologias. A guerra é algo que devasta e ilude, mas principalmente os homens jovens. A
distinção não é entre homem e mulher, mas entre quem defende valores ocidentais e valores japoneses.
Percebe que, no cinema europeu, há uma percepção de sucesso bem diferente do que o cinema americano, a que
está acostumado. Então, é comum, neste cinema, que o filme termina mostrando o resultado do sucesso. Nos
filmes europeus, o sucesso não trouxe essa recompensa, há o tédio, o vazio, e exemplifica com A Grande Beleza.
E, neste filme japonês pós-guerra, parece-me que há a discussão de como o propósito ocidental atrapalha o Japão.
As mulheres entendem e são valorizadas não por serem mulheres, mas por se aterem à tradição. Aí cria o
paradoxo - o filme é feminista por lhes dar destaque e atenção, mas não é feminista por estas não fugirem do papel
que a sociedade espera delas, mesmo após a morte.

Maria Eduarda - É radical ser pró, anti ou indiferente ao feminismo. O filme valoriza a figura feminina
e, para a época, é incomum. Há uma ideia do realismo, dar visibilidade ao sofrimento daquelas mulheres que
é real.
Sobre a Lady Wakasa, falamos muito sobre a ilusão dos homens, mas há também a desilusão das mulheres.
A Wakasa tinha a ilusão do amor romântico projetada até mesmo pela enfermeira, e sofre o desencantamento pela
ação do Genjuro. As mulheres sempre foram descartáveis; é fácil os maridos abandonarem as esposas e estas
serem violentadas de alguma forma.

Ricardo Kleine - É relevante contextualizar o Mizoguchi, e não o vê feminista, nem que dará ênfase na
questão feminina. Explica a obra do Mizoguchi dentro do cinema japonês de propaganda, usando Os 47 Ronins
como exemplo para enfatizar o apagamento da batalha por parte do diretor. Em Contos da Lua Vaga, o diretor
ainda está neste entendimento e não centrado na mulher (como fazia outrora): a sua sensação é de que as
mulheres não são o centro do filme, mas os homens que buscam dinheiro e glória.
Mariah - Por que não é um filme feminista? Porque as mulheres não estão simbolizando as mulheres, mas o
Japão, que será violentado como sociedade em razão do desejo militarista e imperialista do poder. É um filme
anti-ocidente, mais do que um filme feminista.
Filmografia Complementar:

Oharu, a vida de O intendente


uma cortesã (1952) Sansho (1954)
西鶴一代女 山椒大夫

A fonte da Onibaba
donzela (1960) (1964)
処女の泉 鬼婆

“Muito obrigado. Até a próxima!”

Você também pode gostar