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Kenji Mizoguchi
Diretor: Kenji Mizoguchi
Um dos diretores japoneses mais aclamados pela crítica
começou a carreira na década de 20, com adaptações e
refilmagens de obras de Liev Tolstói e Eugene O’Neill. Na
década de 30, Kenji Mizoguchi modificou o enfoque para
dramas sobre camadas menos favorecidas da sociedade
japonesa, o proletariado, no gênero depois denominado de
runpen mono.
A explicação para isso é que Kenji Mizoguchi
experimentou a pobreza após o pai ter levado, à ruína
econômica, a família durante a guerra contra a Rússia. Para reduzir as dívidas, o pai vendeu
a irmã de Kenji para uma casa de chá, contra o qual Mizoguchi se opôs, porém sem poder
questionar a autoridade patriarcal. Ao relatar o caso, Maria Roberta Novielli concluiu:
“Vislumbraremos frequentemente [na obra] os traços violentos do pai, em contraste com a
sublimação das figuras femininas”.
Mizoguchi realizou cinema de propaganda e, ao término da 2ª Guerra Mundial, retornou
aos dramas de época e contemporâneos, com ênfase nas personagens femininas. O rótulo de
feminisuto foi a ele conferido por sua compaixão e preocupação com a condição da mulher
na sociedade japonesa, submetida à mercantilização e à exploração por homens despóticos
ou covardes.
A obra do diretor, com 99 créditos, está perdida em sua maioria, mas destaco:
Crisântemos Tardios (1939), Oharu, a Vida de uma Cortesã (1952), O Intendente
Sansho (1954) e A Imperatriz Yang Kwei Fei (1955).
Filmografia (parcial):
Elenco:
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Após tomar conhecimento do Cinematógrafo em uma de suas viagens à França, em 1896, o empresário
têxtil Katsutaro Inabata, antigo colega de turma de Auguste Lumière, retornou ao Japão com a invenção
para apresentá-la à população. Junto a ele, François-Constant Girel, o operador do aparelho, que foi
utilizado para registrar a vida cotidiana japonesa. É o marco zero do cinema em um país que, ao longo dos
anos 2000, produz ou co-produz cerca de 700 filmes anualmente (entre longas e curtas-metragens, ficções e
documentários).
Os primeiros filmes japoneses filmados por japoneses foram os curtas-metragens de terror Bake Jizo e
Shinin no Sosei, ambos lançados em 1898, do diretor Shiro Asano, e perdidos. Tsunekichi Shibata e
Kanzo Shirai seguiram os passos de Asano, em uma indústria que dava os seus primeiros passos e que ainda
viria a descobrir o potencial da arte do cinema. A Yakota e a Yoshizawa foram as primeiras empresas
produtoras, antes do estabelecimento de um sistema de estúdio similar ao de Hollywood. Já as primeiras
projeções ocorreram nos teatros Kabukiza, Kinkikan e Engiza, antes de ser construída a primeira sala de
cinema, a Denkikan.
Entretanto, é Shozo Makino que recebe o título de pai do cinema japonês, enquanto Onoe Matsunosuke,
o de primeiro astro, após ter estrelado mais de 1.000 filmes durante 17 anos de carreira. Shozo depois se
denominaria de Griffiths Makino, em alusão ao importante mas infame diretor americano, e comandou o
épico The Loyal 47 Ronin (Chûshingura, 1910), a adaptação mais antiga do conto dos 47 ronins, em que
Onoe - com auxílio de expressivos olhos - interpreta 3 personagens diferentes. O filme sobreviveu
parcialmente, com enxertos realizados pelo próprio Shozo, anos depois.
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Koyo Komada, Saburo Somei e Toyojiro Takamatsu foram benshi famosos, cujo nome ficava no ponto
mais alto dos cinemas e que moldaram a indústria japonesa nos anos por vir. Além da função de
contextualizar os acontecimento no cinema mudo japonês ou não, esclarecer elementos históricos e
culturais e reduzir a ansiedade japonesa causada pela incógnita da narrativa, os benshi se tornaram um
grupo de trabalhadores bem organizado e respeitável, algumas das vezes até com o poder de ditar o rumo
dos filmes junto aos diretores a fim de se adaptarem a sua forma de recitar.
Mais ainda… os benshi modificaram a estrutura do cinema no país. Eram contra a utilização de
intertítulos, pois isto tornaria a atividade deles redundante, e de flashbacks, considerada a função
explicativa do recurso, e retardaram a sonorização do cinema japonês. Além disso, os benshi desenvolveram
indiretamente a forma e o estilo do cinema japonês, em razão da preferência por planos longos e
contemplativos que lhes desse mais tempo de performance.
Enquanto o teatro kabuki influenciou o gênero jidaigeki, o drama histórico, o teatro shinpa, o
movimento de reforma da arte, impactou o gênero gendaigeki, o drama contemporâneo, com um cinema
emergente que discutiu questões morais, a exemplo do amor entre classes sociais diversas ou de
problemáticas familiares decorrentes da sociedade patriarcal no país. Com a influência dos melodramas
americanos que desaguavam no país antes da restrição, o cinema japonês desenvolveu a própria
sensibilidade do que seria um melodrama.
Ante a predileção do Japão pelo gênero que o diretor Yasuzo Masumura, enquanto estudou no Centro
Sperimentale di Cinematografia, em Roma, escreveu o ensaio História do Cinema Japonês1, publicado em
1954, no qual criticou o melodrama japonês por ser feminino e não masculino: “ao harmonizar elementos
líricos como paisagens e cenas da natureza, com histórias de amor sentimentais ou representações poéticas do
amor maternal, os diretores japoneses desenvolveram sensibilidades passivas frágeis (...) O tipo de beleza no
cinema japonês não é uma beleza masculina, voltada para fora, mas composta de qualidades emocionais
femininas”.
Antes de esse momento chegar, a indústria cinematográfica precisou deixar o status baixo na sociedade
e revelar seu potencial artístico e comercial. O primeiro movimento nesse sentido veio com a criação da
Sociedade Japonesa de Imagens em Movimento (a Nikkatsu), em 1912, o primeiro estúdio cinematográfico
japonês, um produto da fusão entre as produtoras: M. Pathé, Yokota, Yoshizawa e Fukuhudo.
Companhias rivais surgiram com atrativos próprios: a Sociedade de Filmes com Cores Naturais (a
Tenkatsu, com vida breve) lançou As Mil Cerejeiras de Yoshitsune (Yoshitsune senbon zakura, 1914) de
Jirô Yoshino, o primeiro filme colorido com auxílio da técnica do Kinemacolor.
Já o terremoto de 1923, em Tóquio e Yokohama, que provocou a morte de mais de 100 mil pessoas,
levou a Nikkatsu e a Shochiku a migrarem a produção cinematográfica a Kyoto, e influenciou o
desenvolvimento do gendaigeki em direção a histórias sobre pessoas comuns. Após este período, a censura
foi instituída pelo Departamento Nacional de Polícia, em 1925, e se tornou mais repressiva a partir de
1926: era proibido questionar a soberania imperial ou o poder militar, e mesmo cenas eróticas (a exemplo de
um beijo) eram proibidas.
NOTA:
1
Profilo storico del cinema giapponese, publicado na Revista Bianco e Nero, XV, 1954.
A cada virada de página da história japonesa, o cinema acompanhava. Durante a Segunda Guerra
Mundial, a produção japonesa caiu a uma fração do que havia antes feito - de 1941 a 1945, cerca de três
dezenas de filmes eram produzidos anualmente. Com a promulgação da lei do cinema em abril de 1939, o
Governo Japonês pôde controlar os estágios do cinema, desde a elaboração do roteiro à distribuição e
exibição dos filmes, com o censo e a expedição de licença para artistas, aprisionando aqueles contrários ao
regime. Enquanto isto, com a proibição da importação de película junto aos Estados Unidos, o Japão
priorizou a utilização militar e propagandística do que artística: a Toho, criada pelo industrial Ichizo
Kobayashi, que então competia timidamente com a Nikkatsu e Sochiku, pôde explorar o cinema de guerra
como nenhuma outra companhia tinha feito. A Nikkatsu, que demorou a se adaptar, não resistiu e foi
absorvida pela Dai Nihon Eiga (Grande cinema japonês, Daiei).
Apesar de não ser o tema da exposição, durante esse período, houve um cinema japonês fora do Japão,
produzido em Taiwan, Coreia do Sul, Manchúria e China durante a ocupação. A ênfase da produção era
ilustrar a benesse da colonização e a edificação social e cultural proporcionada pelo domínio japonês.
Os efeitos das bombas atômicas também provocaram reações artísticas. Apesar de o tema ser sensível
durante a ocupação americana e censurado, O Sino de Nagasaki (Nagasaki no kane, 1950) e Não
Esqueço as Canções de Nagasaki (Nagasaki no uta wa wasureji, 1952) trataram do evento sob uma ótica
melodramática e não julgamental. Depois da ocupação, vieram as críticas com Os Filhos de Hiroshima
(Genbaku no ko, 1952), Dragão Felizardo nº 5 (Daigo Fukuryu-Maru, 1959), que tratava das
consequências dos testes da bomba no Atol de Bikini junto à tripulação de uma embarcação, e, óbvio,
Godzilla (1954), que eternizou o cinema kaiju, com a criatura fantástica despertada pelos testes atômicos
e pronta para punir o povo japonês.
A propósito, em 2016, o monstro gigante criado por Ishiro Honda foi reimaginado desta vez como
resposta do povo japonês ao acidente nuclear da usina Fukushima I.
É durante a ocupação americana que tem início a Segunda Era de Ouro, com as obras dos mestres Akira
Kurosawa, Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi e Keisuke Kinoshita - a respeito dos quais aprenderemos em
aulas seguintes -, e a abertura do cinema japonês ao mundo com a exibição de Rashomon (1951), no
Festival de Veneza, onde venceu o Leão de Ouro.
Em contrapartida, isto trouxe um aspecto negativo: o Japão estava convencido de que os ocidentais
admiravam os jidaigeki, enquanto os ocidentais estavam convencidos de que a produção japonesa se
resumia a este gênero. Por algum tempo, portanto, a produção do país esteve presa a este exotismo -
explorado e desenvolvido por Akira Kurosawa -, criando clichês difíceis de serem abandonados.
Com o início da transmissão televisiva pela NHK, a primeira e hoje única emissora pública do país, em
1953, e a aquisição de televisores nas residências, o público frequentador dos cinemas reduziu-se pela
metade de 1,1 bilhão de espectadores (1958) para 500 milhões (1963). O sistema de estúdios japonês sofreu
um baque, mas ainda permanece próspero. A criação do Art Theater Guild (ATG), associação responsável
por produzir, distribuir e exibir a produção independente japonesa, e a Nova Onda, encabeçada por Nagisa
Oshima, Shohei Imamura e outros, criaram oportunidades para diretores marginalizados, com obras
eróticas (pink film), violentas (yakuza film) e de terror (J-horror) com o propósito de estimular a ida dos
jovens ao cinema.
O declínio do sistema de estúdios aconteceu tardiamente - comparado ao dos Estados Unidos - na
década de 80, quando a produção não podia mais alimentar a cadeia exibidora. No cinema, a bolha
econômica de 1986-1991, o terremoto que devastou Kobe e o atentado terrorista no metrô de Tóquio em
1995, e o movimento migratório, associado à ascensão de diretores marginais, a exemplo de Takeshi Kitano,
Takeshi Miike, Kiyoshi Kurosawa, dentre outros, e a adoção do paradigma de produção independente
modificaram o panorama do cinema do país que, em sua gênese, olhou para a História em busca de
histórias e agora as encontra no presente e em quem está na margem.
Aprenderemos mais sobre o cinema japonês, em particular o contemporâneo, com gêneros e movimentos
na aula da semana que vem e, quem sabe, poderemos aprofundar os temas deste panorama geral em edições
futuras do Clube do Crítico.
Debate:
Primeiras Impressões
Leo - Reflete em como a cena de abertura é teatral, embora esta influência comece a ser abandonada para a
consolidação de uma linguagem cinematográfica com planos longos e uma fotografia extraordinária. Fala como
Mizoguchi trouxe a guerra, apesar de fazer isto encarando para o passado e com base em obras do passado, e
reforça a ideia do tema do cinema do diretor ter a ênfase na mulher e como a mulher é a figura que redime os
homens ao fim.
Ygor - Eu me peguei pensando que estava penetrando em um universo particular e, assim como os
personagens, sentiu-se entrando em um mundo em que a realidade terrena é um mero detalhe de uma realidade
maior que envolve sonhos, pesadelos, uma dimensão espectral. Há o atravessamento entre períodos históricos
diferentes para tratar da guerra, embora pegando elementos em comum. Este impacto da guerra sobre a história
do Japão é tão forte que o filme esgarça o sentido convencional de realidade para ultrapassar os limites em direção
ao fantástico.
Nesse sentido, os dois personagens masculinos criaram fantasias a partir do que ambicionavam. Eles criam
para si mundos aparentemente perfeitos, mas baseados em mentiras e traição.
Diandra - Reforça como o filme contrapõe a realidade da guerra e a questão sobrenatural (a Lady Wakasa
parece flutuar em certas cenas). Reflete em como a morte é a reeducação de Genjuro e o encontro da paz na
desmaterialização de Miyagi.
Na narrativa, os homens fogem da realidade em direção à ilusão de seus ideais, enquanto as mulheres
precisam encará-la. O filme é como o céu (para os homens, que só buscam realizar seus desejos) e o inferno (para
as mulheres, a quem cabe defender a honra japonesa e a família). Assim, os homens só encontrarão a redenção
através do sofrimento das mulheres.
Milena Angelloti - Sobre as atuações, são bastante teatrais, e elogia a de Kinuyo Tanaka (Miyagi). Julga
que é uma atuação mais sutil e exemplifica com a cena do barco. Há uma similaridade do arco dramático dos
homens em Contos da Lua Vaga com aqueles da obra de Martin Scorsese, que trata de homens em declínio.
Relembra a cena do barco em que o homem morimbundo lembra os personagens para cuidarem de suas mulheres.
Aí reflete se os piratas do filme não seriam os irmãos Genjuro e Tobei, pois eles retiraram a segurança e
colocaram as mulheres em perigo.
Rui - O Mizoguchi é meticuloso em tudo o que deseja realizar, nos planos longos bem cuidadosos. A cena do
barco é um ponto de divisão entre o real e a ilusão. Relembra a decisão do diretor em não mostrar as cenas de
violência, do sofrimento, que é característica da obra do diretor.
Pedro Alberti - O filme é Kenji Mizoguchi refletindo sobre os efeitos que a Segunda Guerra Mundial teve
sobre o Japão. Ao fim, refleti que a mensagem é “saímos do caminho correto e agora, como sociedade, temos que
seguir o caminho correto”. Kenji Mizoguchi não está adaptando o conto só por adaptar, mas traz para a
sociedade dentro de um contexto crítico, já que a busca na guerra é pela riqueza e pela glória, representadas em
ambos os homens. Todas as ações que os homens tomam impactam profunda e diretamente na vida das mulheres
daquela sociedade.
Deíla - É um filme que deixa uma mensagem moralista, contra a ambição, contra o apego material, contra a
fama, valores que cobram um preço muito caro. Ficou impressionada com o protagonismo feminino nos anos 50
e admira a decisão de utilizar um filme de época para driblar a censura na época.
Alvaro - Kenji Mizoguchi desconstrói a figura do samurai, ora honrado, agora um ser bestial às vezes. Os
valores de sucesso são baseados em valores masculinos, o da glória militar e o acúmulo (o enriquecimento), de
tal modo que os homens são responsáveis pelas próprias tragédias e pelas tragédias das mulheres.
Ricardo Kleine - O filme é inovador, inclusive dentro da cinematografia japonesa. Há elementos inéditos
trazidos pelo Kenji Mizoguchi que serão consolidados apenas depois: o diretor utiliza a ritualística do teatro nô,
com a percussão marcada ou a máscara - o Akira Kurosawa só fará isso anos depois em Trono Manchado de
Sangue. Até o fantasma, o kaidan, tem um ar inovador. No filme, dá para notar como Mizoguchi desprezava a
exibição da violência em tela: o estupro e a decapitação são escondidos do olhar do espectador. Faz uma
interpretação da cena do barco de como o morimbundo é o retrato do protagonista ao retornar ao lar, no fim do
filme.
Caíque - O filme tem uma encenação mística e onírica, que chega a ser assustadora e sensível ao mesmo
tempo. O sonho e a realidade se misturam como o céu e o inferno pudessem se encontrar. O que mais me impacta
é a habilidade do diretor em fazer cinema, em brincar com a percepção do espectador.
“O valor das pessoas e das coisas
dependem de seu ambiente”
“Eu acredito que é mais importante exibir o tema do filme - o pensamento do autor - do que contar uma
história” (Kenji Mizoguchi).
Mizoguchi é um diretor humanista e trágico, especialista em melodramas, e o seu Contos da Lua Vaga é
um conto de alerta, que rumina sobre a herança do passado japonês após o fim da 2ª Guerra Mundial a
partir de uma obra de época, enquanto revela a preocupação com o tormento infligido às mulheres por
homens. Para tanto, a direção é crítica ao militarismo e ao nacionalismo através dos irmãos Genjuro e
Tobei e do relacionamento com as esposas, Miyagi e Ohama.
“O destino de Tobei revela a pobreza de ideais marciais. O episódio de Genjuro diz respeito ao enfeitiçamento
pelo passado. Os dois temas combinam-se na voz desencarnada do pai de Lady Wakasa, cantando uma canção
através da máscara vazia de guerreiro” (Richard Neer).
Cada um dos irmãos é levado a crer que a felicidade não habita na simplicidade cultivada no vilarejo, a
dias de ser invadido por tropas, mas em ideais intangíveis materializados por bens tangíveis: as moedas de
prata e a armadura samurai. As moedas de prata são bens estranhos à Miyagi, dedicada à família e ao
marido, vide a maneira com que movimenta a roda para a produção de suas cerâmicas mesmo após a
morte. Já as armadura e lança que tornam em samurais até mesmo os mendigos, de nada ajudam a
modificar quem são detrás da indumentária, pois a honra não é um parâmetro da vaidade, a exemplo do
samurai que deixou a casa de chá sem pagar os serviços sexuais da, agora geisha, Ohama.
Kenji Mizoguchi permite que os personagens alcancem seus sonhos e desejos, mesmo que a partir de
artifícios fantásticos (a mansão para onde Genjuro se muda) ou de atos imorais (o furto da cabeça do
samurai morto), para entenderem que o objeto que tanto buscavam é etéreo, igual é Lady Wakasa.
Bons exemplos da opção do diretor são as cenas no trecho 9:45 - na qual ensina o espectador a como
assistir ao filme, através da decupagem em profundidade de campo com intervenção mínima - e no trecho
59:23. Nesta cena, Miyagi morre após o ataque de saqueadores que a perfuram com a lança enquanto
carrega, nas costas, seu filho: na cena, tudo é fonte de interesse ao olhar do espectador, já que, apesar de o
primeiro plano preferir o plano de fundo, Mizoguchi dá a mesma atenção ao suspiro derradeiro de Miyagi
como dá aos rufiões que disputam a comida roubada.
A rejeição da resposta emocional imediata em favor de uma resposta emocional duradoura é observada
no trecho 1:01:50, em que a direção elegante e sofisticada esconde a decapitação do samurai (gesto de
nobreza) para, depois, evidenciar vulgarmente o assassinato cometido por Tobei (gesto de covardia).
Qual sua opinião sobre o estilo de Mizoguchi? Exemplifique com a sua cena favorita.
Matheus Falcão - Exemplifica com a descoberta do Genjuro de que a Lady Wasaka é um espírito, e ressalta
o caos na edição sonora, em que há o terror puro.
Ygor - Eu senti o interesse por aquelas histórias acentuado pelo estilo comunicativo, mas simples de
Mizoguchi. Isto é capturado através de detalhes que pareceriam singelos, porém no conjunto fazem toda a
diferença. A cena de que mais gosta é o retorno de Genjuro à casa crendo que a esposa esteja o esperando. Nela,
cada elemento da linguagem passa a sensação de que há algo errado, apesar da centelha de esperança criada.
Júnior Nascimento - A sua cena favorita é a que o Matheus comentou: a revelação de que a Lady Wasaka
é uma fantasma, pois, mesmo sendo fã de filmes de terror, até então não havia imaginado a componente de terror
na narrativa.
Rui - Exemplifica com a cena em que a criança leva a comida ao túmulo da mãe, antes de a câmera elevar-se,
levando a outro plano.
Alvaro - O estilo dele é na linha mostre, não fale. Uma cena que chama a atenção é a da invasão dos samurais
na vila onde Genjuro e os seus moram: ele busca as suas cerâmicas; a esposa, o filho.
Ricardo Kleine - Destaca a cena ao fim, quando Genjuro volta para casa, encontra-a vazia e a fogueira
apagada. O personagem movimenta-se dentro de casa, a câmera o acompanha e, quando retorna à porta de
entrada, a mulher está sentada, fazendo chá. A cena mistura a fantasia (a ilusão da esposa) com a realidade (a
fogueira apagada). Contos da Lua Vaga era também um dos filmes favoritos do Andrei Tarkovski, diretor que
repetia isso de transitar entre fantasia e realidade a partir de um movimento de câmera. Para chegar na imagem
simples, há toda a complexidade de encenação, movimentação, composição.
Felipe Takei - Pensa na cena do quimono em como é mais sobre o Genjuro do que sobre a mulher dele, e, em
1953, período em que o Japão está durante a ocupação americana, Mizoguchi pôde entrar em contato com a
literatura ocidental. Na ocasião, tornou-se fã de William Shakespeare e revelou a tragédia disfarçada de atos de
generosidade.
Isaque - O diretor utiliza a decupagem clássica em que cada cena funciona individualmente, porém a
decupagem não é clássica na forma como posiciona a câmera e compõe as imagens. Gosta de como retrata os
samurais, enquadrados de peito para baixo, colocados como superiores, apesar de sua iniquidade. Em se
tratando das mulheres-espectro, Kenji Mizoguchi emprega alguns elementos de irrealidade na narrativa. Gosta
da lua de mel do Genjuro e da Lady Wakasa, com cenas fluidas, sem cortes bruscos, com a impressão de sonho
contínuo.
“Cuidem de
suas mulheres”
As mulheres são o tema central da obra de Kenji Mizoguchi, talvez como resposta à venda da irmã pelo
pai, de tal sorte que a vida do artista, mais uma vez, é o predicado da arte que produz.
É a razão por que Noël Burch é crítico à obra de Mizoguchi após a guerra, por julgar que o diretor
comprometeu a abordagem feminista dos filmes anteriores, em favor de uma visão condescendente (o
famoso passar o pano). Mizoguchi, na opinião de Burch, teria entendido a atitude dos homens corrompidos
pela ganância e vaidade e os teria perdoado, assim que, arrependidos, retornassem a seus lares e
escolhessem a segurança familiar, em vez da ambição e vaidade.
Enquanto Genjuro usufrui da vida idílica ao lado de Lady Wakaska, Miyagi é oprimida pela escuridão
no trecho 57:10.
Igual a dicotomia luz e sombra, também realidade e fantasia: nos momentos em que víamos Genjuro e
Wakasa no tatame da mansão, estavam do lado de fora, um fruto da fantasia.
Enquanto o desejo de Tobei, a vaidade, é extinto ao reencontrar Ohama na casa de chá e ver o estado
em que a esposa está (trecho 1:07:45), o de Genjuro, a riqueza, acontece no instante em que nota o caráter
elusivo da vida que tem na mansão Kutsuki e tenta deixar a mansão (trecho 1:16:10).
Entretanto, a dicotomia mais atraente é a criada entre Lady Wasaka e Miyagi: a primeira seduz Genjuro
a permanecer na ilusão da mansão para saciar o desejo de estar casada; a última, depois do retorno do
marido, não o seduz, surge e desaparece, até que ouçamos só a sua voz no epílogo narrado, herança dos
benshi do cinema japonês.
É possível traçar paralelos entre a dama fatal e a dama maternal: a primeira, o estereótipo da mulher
que induz o homem em erro e provoca a sua ruína (debatemos esta figura na edição 13 do Clube do Crítico);
a segunda, a mulher que aceita, de bom grado, o papel que a sociedade conservadora lhe confere, a de dona
de casa, que continuará a girar a roda e assistir ao marido criar suas cerâmicas.
Ambos os papéis, hoje, são problemáticos: o primeiro porque falha em reconhecer que Lady Wasaka foi
a vítima das ações de um homem que, diferentemente de Genjuro e Tobei, não teve a oportunidade (ou a
intenção) de se arrepender e se redimir: seu pai. É também vítima de Genjuro, que falha em revelá-la que é
casado. A segunda, Miyagi, vive a tragédia de permanecer presa à figura do homem que a abandonou. A
moral de Contos da Lua Vaga é certeira em criticar a ganância e a vaidade, mas pode ser míope - como
Burch considerou - em resolver o sofrimento das mulheres pelo arrependimento dos homens (trecho
1:34:10).
Rui - A Lady Wakasa ajuda no discurso. Com as 3 mulheres, o Mizoguchi revela facetas da mulher da época.
Considera a pergunta problemática, porque retrata, com o olhar de hoje, a questão que acontece no século XVI.
O filme é uma discussão sobre ambição e vaidade, em que as mulheres são a consciência de homens surdos a seus
conselhos.
Grazi - Mizoguchi não permaneceu neutro, por ter retratado a realidade das mulheres na época. Lady Wakasa
não reforça, mas tampouco reprime a temática feminista, já que o diretor não parece ter isto em mente.
Júnior Nascimento - A visão dele é parecida com o Rui em relação a analisar com o olhar de hoje. Com
base neste filme, Mizoguchi não pensou em questões feministas, só utilizou as personagens femininas como apoio
à história que desejou contar.
Luyan - O papel da Lady Wakasa é semelhante ao papel das duas mulheres, ser objeto da ação dos homens (no
caso, o pai e até mesmo Genjuro) e acabar não tendo ações que sejam diretas no que irá vivenciar. Ela é passiva,
não ativa.
Milena Angelloti - O diretor tratou as mulheres de uma forma complexa, pois o mero ato de trabalhar a
história de uma mulher desamparada pelo marido evidencia seu viés feminista com o realismo da época. Agora,
com a perspectiva do feminismo contemporâneo, pode-se analisar este ou aquele aspecto, sem ignorar que o filme
é um passo em direção ao retrato atual da mulher no cinema.
Léo - É mais fácil julgar com a régua de hoje, com o conceito do feminismo mais evoluído do que era em 1953.
A figura feminina na obra dele é constante e traz a marca da vida dele, de quando a irmã foi vendida e quando a
mãe foi abusada pelo pai. Vê isto como a denúncia da situação feminina, que, apesar de colocada em um Japão
feudal, reflete o Japão nos anos 50, a visão romantizada do que a mulher deve ser. Resumindo: o Mizoguchi
realizou um filme com a visão traumática vivida e a denúncia da posição da mulher, então, vê o diretor como um
feminista.
Luan Gabriel (no chat) - Neste filme, o Mizoguchi tem uma sensibilidade no olhar, em ceder tempo de
tela para expor a narrativa feminina, mesmo que seja pequeno, e um cuidado em não expor situações violentas
ou vexatórias das mulheres, então só por jogar luz nessas realidades femininas, e lembrando, em um Japão da
década de 50, é um grande soco. É um tijolo no progresso.
Alvaro - O Japão é um país que reflete o patriarcado, o sol nascente, a figura do imperador. A própria Lady
Wakasa, que é uma dama fatal, também é vítima de uma guerra criada por homens. Ao retornar como fantasma,
a satisfação do desejo não é dela, mas da sociedade. Já Miyagi, quando retorna, é para ser a mulher da família.
Dentro do filme, a denúncia é dos valores masculinos levarem-os à tragédia e também as mulheres, que passam
pelo martírio.
Cícero - É estranho falar que um homem é feminista, ainda mais um diretor em 1953, com base no conceito
que nós temos hoje. Em vez de focar nos guerreiros samurais e no calor da batalha, Mizoguchi foca no paralelo,
nas pessoas que estão ouvindo a guerra de longe. A narrativa destaca a animalização das pessoas, como se fossem
fantasmas em algumas mitologias. A guerra é algo que devasta e ilude, mas principalmente os homens jovens. A
distinção não é entre homem e mulher, mas entre quem defende valores ocidentais e valores japoneses.
Percebe que, no cinema europeu, há uma percepção de sucesso bem diferente do que o cinema americano, a que
está acostumado. Então, é comum, neste cinema, que o filme termina mostrando o resultado do sucesso. Nos
filmes europeus, o sucesso não trouxe essa recompensa, há o tédio, o vazio, e exemplifica com A Grande Beleza.
E, neste filme japonês pós-guerra, parece-me que há a discussão de como o propósito ocidental atrapalha o Japão.
As mulheres entendem e são valorizadas não por serem mulheres, mas por se aterem à tradição. Aí cria o
paradoxo - o filme é feminista por lhes dar destaque e atenção, mas não é feminista por estas não fugirem do papel
que a sociedade espera delas, mesmo após a morte.
Maria Eduarda - É radical ser pró, anti ou indiferente ao feminismo. O filme valoriza a figura feminina
e, para a época, é incomum. Há uma ideia do realismo, dar visibilidade ao sofrimento daquelas mulheres que
é real.
Sobre a Lady Wakasa, falamos muito sobre a ilusão dos homens, mas há também a desilusão das mulheres.
A Wakasa tinha a ilusão do amor romântico projetada até mesmo pela enfermeira, e sofre o desencantamento pela
ação do Genjuro. As mulheres sempre foram descartáveis; é fácil os maridos abandonarem as esposas e estas
serem violentadas de alguma forma.
Ricardo Kleine - É relevante contextualizar o Mizoguchi, e não o vê feminista, nem que dará ênfase na
questão feminina. Explica a obra do Mizoguchi dentro do cinema japonês de propaganda, usando Os 47 Ronins
como exemplo para enfatizar o apagamento da batalha por parte do diretor. Em Contos da Lua Vaga, o diretor
ainda está neste entendimento e não centrado na mulher (como fazia outrora): a sua sensação é de que as
mulheres não são o centro do filme, mas os homens que buscam dinheiro e glória.
Mariah - Por que não é um filme feminista? Porque as mulheres não estão simbolizando as mulheres, mas o
Japão, que será violentado como sociedade em razão do desejo militarista e imperialista do poder. É um filme
anti-ocidente, mais do que um filme feminista.
Filmografia Complementar:
A fonte da Onibaba
donzela (1960) (1964)
処女の泉 鬼婆