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東京物語
ERA UMA VEZ
EM TÓQUIO
小津 安二郎
Ozu Yasujiro
Foi um diretor de cinema e roteirista japonês.
Ele começou sua carreira durante a era do
cinema mudo. Ozu fez cinquenta e três filmes:
vinte e seis em seus primeiros cinco anos como
diretor, e todos apenas três para o estúdio
Shochiku. Ozu primeiro fez uma série de
comédias curtas, antes de voltar a temas mais
sérios na década de 1930.
Casamento e família, especialmente as relações
entre as gerações, estão entre os temas em sua obra. Suas obras pendentes
incluem Pai e Filha (Banshun, 1949), Tanbém Fomos Felizes (Bakushū,1951),
Era uma vez em Tóquio (Tōkyō Monogatari,1953), e Ervas Flutuantes
(Ukigusa,1959). Ele fez grande uso de reticências, onde muitos eventos não
são representados visualmente, e também usou um estilo de cinema em que
a câmera raramente se move e é geralmente posicionada abaixo do nível dos
olhos dos atores.
Sua reputação continuou a crescer desde a sua morte, e ele é amplamente
considerado como um dos diretores mais influentes do mundo.
Filmografia (parcial):
EU NASCI, ERA UMA VEZ TAMBÉM FOMOS ERA UMA VEZ BOM
MAS... UM PAI FELIZES EM TÓQUIO DIA
Elenco:
Zen Murase
So Yamamura MINORU HIRAYAMA
KOICHI HIRAYAMA
Kuniko Miyake Mitsuhiro Mori
FUMIKO HIRAYAMA ISAMU HIRAYAMA
IMAGEM:
O casal Lucy e
Barkley, vividos por
Beulah Bondi e
Victor Moore
respectivamente.
O sucesso de Rashomon (1951) no Festival de Cinema de Veneza abriu
as portas da distribuição internacional àqueles dispostos a explorar o
cinema de época (os jidaigeki). No entanto, aos dramas contemporâneos,
as portas continuavam fechadas. Yasujirô Ozu não pôde, assim, assistir
à aclamação internacional de sua obra, por ser muito japonês.
Lançado em 3 de novembro de 1953, a primeira exibição de Era Uma
Vez em Tóquio fora do Japão apenas aconteceu cinco anos depois, no BFI
London Film Festival. Na ocasião, a crítica Lindsay Anderson escreveu que
“É um filme sobre relacionamentos, um filme sobre o tempo e como isso
afeta os seres humanos (principalmente pais e filhos) e como devemos
nos reconciliar com isso”.
Apenas após a morte de Yasujirô Ozu que o filme começou a ser
distribuído mundo afora: a estreia nos Estados Unidos aconteceu apenas
em 13 de março de 1972, no New York Theater, enquanto no Brasil, em 3
de novembro de 2005 que o cinéfilo pôde assistir ao filme no Festival de
Cinema do Rio de Janeiro.
O crítico Roger Ebert escreveu sobre o filme em 2003: “Era Uma Vez em
Tóquio carece de gatilhos sentimentais e emoções artificiais; parece longe
de momentos que um filme menor teria explorado. Não quer forçar nossas
emoções, mas compartilhar sua compreensão. Faz isso tão bem que estou
quase chorando nos últimos 30 minutos. Enobrece o cinema. Diz que sim,
um filme pode nos ajudar a dar pequenos passos contra nossas
imperfeições”.
Já imaginaram quantos Yasujirô Ozu podem estar ou estiveram
espalhados pelo mundo, com a obra desconhecida por falta de
distribuição?
Em Pai e Filha (Banshun, 1949), Ozu dirige Setsuko Hara, a sua atriz favorita, e narra
a história de Noriko que ainda vive com o pai idoso e viúvo, o professor Somiya. Enquanto
ele deseja casar a filha, ela bate o pé de que
prefere continuar cuidando do pai e
permanecer ao seu lado. Para dissuadi-la,
Somiya finge que irá se casar a fim de
libertar a filha do fardo. Há um conflito
entre tradição e modernidade e ainda o que
o crítico Robin Wood denomina “morte da
identidade” (a mulher passará a ser definida
por esposa). Ozu retornará ao tema do
matrimônio noutras ocasiões, sempre com a
melancolia que define Pai e Filha.
O elemento recorrente que concilia esse trabalho espacial e temporal de Ozu são os
trens, que conferem mobilidade à, em geral, mise-en-scène estática e sugerem, de forma
visual, a passagem ou a transição do tempo, aproximando ou distanciando personagens.
Da mesma forma que demorou em adotar o cinema falado, Ozu começou a trabalhar
com cores tardiamente em Flor do Equinócio (Higan-Bana, 1958). O tema do casamento
retorna quando um pai e homem de negócios intervém contra o desejo da filha, Setsuko,
de casar. A partir desse filme, toda a obra do
diretor será fotografada em cores, com
destaque para Ervas Flutuantes (Ukikusa,
1959), refilmagem da obra dirigida por Ozu
em 1934. Um dos 10 filmes preferidos de
Roger Ebert e “o mais fisicamente bonito da
filmografia de Ozu”, segundo o crítico
Donald Richie, Ervas Flutuantes fala de
uma companhia de teatro kabuki que aporta
em uma ilha de pescadores. Na
oportunidade, o fundador do grupo
reencontra a amante, dona do bar local.
Se mencionei refilmagem, Ozu revisitou história similar a de Pai e Filha, mas noutro
ângulo em Dia de Outono (Akibiyori, 1960). Agora, Setsuko Hara interpreta a mãe viúva
que deseja casar a filha e finge desejar casar-se para convencê-la.
Ozu é conhecido como o mais japonês de todos os diretores, alcunha de que Hasumi
Shigehiko discorda. Para este autor, o cinema de Ozu prefere a luz solar seca, em oposição
à névoa do cinema de Kenji Mizoguchi ou à chuva de Akira Kurosawa, com o objetivo de
“aproximar-se do brilho da luz do sol do meio do verão”. O oposto do que defende ser o senso
estético “muito japonês”. Mas foi por ser muito japonês, ao menos conforme o ponto de
vista do ocidente, que o cinema do diretor só começou a ser distribuído e conhecido no
mundo após a sua morte, na década de 70, com mostras ocasionais realizadas em meados
dos anos 60.
O cinema de Yasujiro Ozu, cujos trabalhos derradeiros, Fim de Verão (1961) e A Rotina
tem Seu Encanto (1962), aproximam o diretor do tema do fim da vida, após a morte de sua
mãe e a iminência de sua morte de câncer. Não é motivo de tristeza, entretanto, se adotado
o conceito do mono no aware, uma sensação de empatia ante o reconhecimento da
efemeridade das coisas, a consciência de que tudo é transitório. É a impermanência que
dá beleza às coisas, e Ozu, ao perceber a fugacidade do tempo, eternizou de forma
definitiva.
Diogo - É um filme melancólico, triste e, a cada pedido de desculpas dos pais, parece ser facada
dentro do coração do espectador.
Bruna - O ritmo lento ainda me incomoda, mas o filme é bonito e se identifica com a questão dos pais
visitarem os filhos (por morar longe dos pais). Refletiu em como os filhos não atingem as expectativas
dos pais.
Renan - O fim lembrou-lhe Amor, de Michael Haneke. Imaginou, em algum momento da vida do casal,
este diálogo: “É saber que isso não pode continuar para sempre. Provavelmente um de nós terá que
passar dias sozinho. Talvez cheguemos aos quarenta anos juntos. Mas um dia eu irei embora. Ou um
dia você irá embora. Se fossemos vampiros e a morte fosse uma piada. Nós sairíamos na calçada e
fumaríamos. Riríamos de todos os amantes e seus planos. Eu não sentiria a necessidade de segurar
sua mão. Talvez o tempo esgotado seja um presente. Vou trabalhar duro até o final do meu turno. E
dar-lhe cada segundo que encontrar. E espero que não seja eu quem será deixado para trás”. É por
isto que não ressentem a vida deles, mesmo quando os filhos não tenham lhe dado a atenção que
mereciam. Chegam ao fim da vida com leveza e mansidão.
Matheus - Realiza um adendo dentro da edição: em como os filmes escolhidos falam muito sobre
família, abandono familiar. Este filme é um conto de alerta para o que vivemos.
Lula - É um dos filmes mais importantes da minha vida como cinéfila e crítica. No livro A Elegância
do Ouriço, a protagonista do livro menciona o tempo inteiro Yasujiro Ozu e isso atiçou a sua
curiosidade.
Jean Werneck - Reflete a respeito de como a negligência dos membros de uma família pode acarretar
consequências catastróficas e como o carinho singelo do amor pode fazer muita diferença. Gosta da
contextualização social em como Tóquio é esta metrópole que distancia os membros da família. É um
filme incômodo porque você reprova a atitude dos filhos, ao mesmo tempo em que teme se tornar igual
a eles. É muito cinema japonês, emocionante sem precisar de rompantes, destroça lentamente o
espectador como se estivesse fazendo-lhe carinho.
Amanda - “As pessoas falam coisas tristes, sorrindo”, citou Lara. O sorriso é carregado de tristeza.
A direção de arte chamou-lhe bastante atenção; a arquitetura japonesa é organizada, limpa,
trabalhada com materiais naturais, e percebeu que os ambientes eram caóticos e conturbados.
Sentiu que Ozu tentou criar uma sensação de claustrofobia e tumulto, e que evolui à medida que o
tempo passa.
Paulo Régis - De modo geral, o cinema japonês é elegante, simples e contemplativo. Os primeiros 30
minutos de Era Uma Vez em Tóquio, andou com grilo falante na cabeça em se perguntar por que este
é um dos melhores filmes de todos os tempos. Ao esquecer esta pergunta e se deixar levar pelo filme,
e continuar com ele na cabeça, entendeu porque é um dos melhores de todos os tempos.
A direção oferece pistas de que os pais deixaram a casa de Koichi em como retrata o
tempo em suspensão ou o tempo em estado puro de que trata Gilles Deleuze. No trecho
16:15, a permanência da câmera em espaços vazios sugere que esta é a oportunidade
derradeira de ter visto aqueles cômodos.
Isso não parece muita coisa até o momento em que Noriko e Tomi encontram-se pela
última vez. Então, sem nem perceber, o espectador está treinado a perceber a
impermanência que orienta a obra de Ozu e como a atitude gentil de Noriko de hospedar a
sogra, presenteá-la com dinheiro e ser atenciosa (trecho 1:24:10) é a prova concreta da
frase que Keiza escuta do colega de trabalho: “Honre seus pais enquanto eles ainda estão
vivos. Não se pode fazer nada pelos pais quando já morreram”.
Na opinião de vocês, qual dos filhos agiu pior para com os pais?
Bruna - Quem lhe despertou mais raiva foi a Shige, pela insensibilidade após a morte, sair e
ir embora para retornar ao trabalho. Era a mais expressiva no sentido da ingratidão para
com os pais.
Márcia - A Shige lhe deu mais ranço, embora tenha dado passos para trás em razão do
eventual alcoolismo do pai e as necessidades que não foram atendidas. Lembra de Nelson
Rodrigues: “Os canalhas também envelhecem”. No enterro, Shige não parece enlutada. Em
comparação com o Keiza, parece ter elaborado a situação ao reconhecer não ter sido bom
filho.
Louise (chat) - Os dois homens são muito indiferentes e acomodados. Tem uma coisa cultural
também. Acho que a Shige, como a filha mulher mais velha deve ter muitos ressentimentos
de papel de cuidado, de ter que resolver as coisas. Me passou isso. Enquanto o filho médico
parece muito acomodado. Não saber o que aconteceu na infância deles é bem difícil para
responder essa pergunta. Mas verbalmente ela tem uma tratativa muito ruim e que chama
muito mais atenção que os outros.
Milena Angelloti - Lembrou do momento em que Koichi teve um imprevisto médico e teve que
cancelar a saída com os pais, proibindo, porém, a esposa de sair com os sogros e filhos para
cuidar da casa. De certo modo, a esposa do Koichi morreu antes dentro da instituição
familiar.
Henrique Debski - Se a mãe houvesse sido ruim para a Shige, a filha não teria defendido no
momento em que reflete o comportamento do pai. O tratar com indiferença está nos filhos não
quererem visitar os pais ou enviarem os pais ao hotel longe de Tóquio. A filha é, talvez, a que
os trate com maior ingratidão. Enquanto isso, Koichi parece ser quem trata os pais com
menor hostilidade, porque acata qualquer ideia que a irmã traz. Já Keiza, que mora em
Osaka, é o que pensou em mudar.
Alvaro - Pensa a respeito do fora do campo, na Noriko, que apesar de tratar bem os sogros,
não nos dá indícios de como trata os próprios pais. A forma com que Shige trata a mãe pode
ser meio de criticar sua permissividade com o alcoolismo do pai. Reflete, em relação a Koichi:
qual de nós não se afundou no trabalho para não lidar com determinada situação? Talvez a
maior parte das pessoas tenha se antipatizado com a Shige, mas talvez seja quem sofreu
mais dentro dos dramas daquela família. Pensa que, de certa forma, o filho morto é o que
“pior agiu”. Sua morte sobrecarrega Noriko e os demais irmão. A morte não deixa de ser um
escape; Sua morte na guerra foi a serviço de “outros pais”: a pátria e o imperador.
Ricardo Kleine - Diante da exposição da Shige, é fácil antipatizar com a Shige, por expor a
insatisfação e agressividade dela. O Koichi, além de ser eclipsado, ao interagir com os pais,
ri quando lembra da mãe ter adoecido e perdido trabalho para encontrá-la.
Vitor Stefano - O filho que morre é o que deixa o maior peso; deixa a Noriko a tarefa de ser
substituta de um filho. Julga complexo julgar qualquer um deles. São escolhas feitas na vida
e é prático apontar dedos. Será que a Kyoko é a melhor delas por ter permanecido na cidade
do interior, embora não viva a própria vida?
Pedro Alberti - Lembra da cena no fim que a Noriko pede a Kyoko para não julgar os irmãos
mais velhos. E, ao refletir sobre a decepção dos pais com os filhos, talvez estes não sejam o
que esperavam ser. A estrutura familiar japonesa não é mais a mesma de um ou dois séculos
atrás em que as pessoas não saíam do mundo. Esse é um ponto do filme, da mudança de
valores que o Japão passa no pós-2ª guerra.
Mariah - Apesar de o drama familiar ser o que nos envolve, Ozu retrata a quebra inevitável
entre gerações, entre o passar do tempo. Uma trilha sonora boa para a narrativa seria
Encontros e Desencontros, de Milton Nascimento. O filme é esta metáfora para o tempo e a
inevitabilidade de nos tornarmos estrangeiros em nosso próprio corpo, em nossa própria
terra, e como este processo é doído. Por isto que a vida é uma decepção. Embora não
concordemos com as atitudes dos filhos, é fácil perceber que, em pouco tempo, estes estarão
sofrendo o que os pais sofreram. É um ciclo em que precisamos aprender a conviver.
O estilo imutável de Yasujirô Ozu
Apesar dos filhos de Shukichi e Tomi, quem lhes presta a maior assistência é Noriko ou,
para ser justo, ela e Fumiko. É o momento de refletirmos a respeito do estilo de Yasujirô
Ozu e como este ajuda a perceber o que esperam os personagens.
Tome o trecho 6:48, o diretor emprega a estética de quadro no interior do quadro (frame
within frame) para mostrar o quanto Fumiko está presa àquele papel de esposa, mãe e
nora. Não há alternativa senão a resignação com o estado em que está, e mesmo que a
liberdade pareça perto, depende do desígnio de Koichi (quando está a metros de colocar o
pé para fora de casa, o marido interrompe o passeio para atender um paciente).
Essa é apenas uma das formas que o estilo de Ozu ajuda-nos a compreender melhor o
que a vida impôs aos personagens e que, talvez, não percebamos enquanto assistimos ao
que está em primeiro plano - a indiferença ou ingratidão dos filhos - ignorando o restante.
A elipse é a forma eleita por Ozu para decantar a passagem do tempo, obrigando o
público a refletir a este respeito, inclusive a partir de elementos cênicos inseridos na
imagem (ex. o incenso na forma da espiral que é consumida a olhos vistos). A montagem
também auxilia a reflexão.
No trecho 1:47:55, logo após a morte de Tomi, Ozu intercala espaços vazios e serenos
sem que haja qualquer um dos personagens para testemunhar o início da manhã. Para
Hasumi Shigehiko, isso retrata, “bela e
absolutamente, o fato de que é o começo de
um dia quente. É simultaneamente o instante
em que um novo dia começa e uma vida
termina. Esta cena extremamente curta, em
apenas algumas tomadas, representa o início
e o fim”.
Kathe Geist explica melhor: “Imediatamente após o falecimento de sua esposa, ele deixa
a casa e observa o amanhecer. Recusando-se a mencionar sua tristeza, ele comenta sobre o
nascer do sol para Noriko, que veio procurá-lo. O final do filme o mostra sentado sozinho,
triste mas serenamente. ‘Você vai se sentir sozinho’, sugere a vizinha em uma reprise da
visita fugaz que ela fez no início do filme. Shukichi acena com a cabeça amavelmente. Ele
ficará sozinho”.
A resignação está presente na aceitação das coisas como são: a morte da esposa é menos
triste do que a poluição industrial no ambiente de Tóquio ou o comportamento indiferente
dos filhos e netos. Ao menos o primeiro é parte do ciclo natural da vida.
A impressão é de que Noriko é boa o bastante para ser a personagem complexa que a
narrativa requer, certo? Errado. David Bordwell afirma que “Sem uma carreira para ocupar
seu tempo, sentindo que não deveria se casar novamente, ela encontra sua vida em uma
incerteza desesperada. A atitude tradicionalmente adequada de uma jovem viúva está em
guerra com seus desejos. Shukichi gentilmente afasta sua auto-recriminação”.
Ao conversar com Kyoko, assente que a vida é decepcionante. Noriko foi filha e esposa,
agora é viúva e, pode-se argumentar, mãe, pois adota postura de cuidado dos sogros
durante a estada deles (trecho 2:05:00).
Entretanto, a personagem guarda um segredo, ao ver de Darrel Davis: “Ela não está
sendo gentil com o velho casal por obrigação para com seu falecido marido, mas permite que
eles acreditem que sim”. Noriko é muito mais filha dos sogros do que os próprios filhos,
mesmo que confesse o egoísmo de quem está esquecendo o marido falecido e deseja buscar
a felicidade.
Noriko é a personagem que retira, ainda que artificialmente, os sogros da estaticidade e
do imobilismo da vida. Durante o city tour pela cidade de Tóquio, apesar de a câmera
permanecer estática, o ônibus está em movimento. Se não pelas próprias forças, Shukichi
e Tomi se movimentam.
O desfecho retorna ao início, na opinião
de David Bordwell, “agora não mais planos
de estabelecimento, mas imagens e sons
carregados de conotações narrativas: o trem
que carrega Noriko ecoando o ruído da
locomotiva que se repete ao longo do filme, a
visão dos barcos lembrando os ruídos
rítmicos, marteladas, perfurações e chilrear
das cigarras que ouvimos ao longo do filme.
A imagem final do porto de Onomichi
permanece suspensa entre ser o ponto de
vista de Shukichi e constituir uma rima
graduada e onisciente com o prólogo”, no
eterno retorno do início ao fim e deste ao
início de novo.
Nesse contexto, Shukichi permanecerá sentado e sozinho enquanto encara o tempo. É
a maneira de o diretor evidenciar, ainda que carregado com melancolia, que a beleza só
pode ser apreciada quando se está parado. A modernização obrigou o japonês (o mundo
inteiro para falar a verdade) a se movimentar em um ritmo mais rápido e impeditivo de
perceber a beleza que cerca os personagens.
É o motivo de Ozu mover a câmera em apenas duas ocasiões, nos trechos 1:00:51 e
1:02:45: no primeiro movimento, a câmera montada sobre um trilho é movimentada na
lateral do muro até encontrar Shukichi e Tomi sentados. No segundo movimento, a câmera
acompanha (tracking shot) o caminhar dos personagens ao longo do rio. Em ambos os
casos, a altura permanece a mesma, a 3 pés do chão, o tatame shot.
Matheus - As duas cenas são próximas umas das outras e acontecem no momento em que os
personagens estão à deriva em uma cidade estranha. O movimento de câmera dá a
impressão de estar perdido.
Louise - A sensação que tenho é de que, nas cenas em que houve movimento, o tempo passa
enquanto observamos as pessoas. Nas demais cenas em que há mudança de tempo, nós
acompanhamos de maneira estática, contemplando o ambiente e a natureza. Aqui, são os
momentos em que sentimos o tempo passar. Reflete sobre a estabilidade e a não
movimentação da câmera: você é observador da vida alheia.
Alvaro - Quando Ozu filma os fragmentos mais simples da vida, as situações cotidianas ou
os momentos de contemplação, faz isto com a câmera estável. No entanto, quando
movimenta a câmera, mostra a força do tempo sobre os personagens. Tem esta dualidade,
entre permanência e movimentação.
Catarina - Concorda com o Álvaro em se tratando de uma vivência mais concreta do tempo.
Havia pensado em uma relação da câmera com os personagens: a câmera cria uma relação
de empatia do espectador com os pais. No primeiro movimento, a câmera registra o momento
em que saem de casa, da segurança, em direção ao desconhecido. A câmera, através do
movimento, é capaz de acompanhar o sentimento dos personagens, em que os pais retornam
de um momento difícil.