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apresenta:

東京物語
ERA UMA VEZ
EM TÓQUIO

小津 安二郎

Ozu Yasujiro
Foi um diretor de cinema e roteirista japonês.
Ele começou sua carreira durante a era do
cinema mudo. Ozu fez cinquenta e três filmes:
vinte e seis em seus primeiros cinco anos como
diretor, e todos apenas três para o estúdio
Shochiku. Ozu primeiro fez uma série de
comédias curtas, antes de voltar a temas mais
sérios na década de 1930.
Casamento e família, especialmente as relações
entre as gerações, estão entre os temas em sua obra. Suas obras pendentes
incluem Pai e Filha (Banshun, 1949), Tanbém Fomos Felizes (Bakushū,1951),
Era uma vez em Tóquio (Tōkyō Monogatari,1953), e Ervas Flutuantes
(Ukigusa,1959). Ele fez grande uso de reticências, onde muitos eventos não
são representados visualmente, e também usou um estilo de cinema em que
a câmera raramente se move e é geralmente posicionada abaixo do nível dos
olhos dos atores.
Sua reputação continuou a crescer desde a sua morte, e ele é amplamente
considerado como um dos diretores mais influentes do mundo.

Filmografia (parcial):

EU NASCI, ERA UMA VEZ TAMBÉM FOMOS ERA UMA VEZ BOM
MAS... UM PAI FELIZES EM TÓQUIO DIA

1932 1942 1951 1953 1969

1936 1949 1952 1957 1959

FILHO PAI E O SABOR DO CHÁ CREPÚSCULO ERVAS


ÚNICO FILHA VERDE SOBE O ARROZ DE TÓQUIO FLUTUANTES
O idoso Shukishi (Chishu Ryu) e
sua esposa, Tomi (Chieko
Higashiyama), fazem uma longa
viagem de sua pequena vila à
beira-mar para visitar seus filhos
adultos em Tóquio. O filho mais
velho, Koichi (Sô Yamamura),
médico, e a filha, Shige (Haruko
Sugimura), cabeleireira, não têm
muito tempo para ficar com os
pais idosos, cabendo a Noriko
(Setsuko Hara), a viúva de seu
filho mais novo que foi morto na
guerra, para fazer companhia
aos sogros.

Elenco:
Zen Murase
So Yamamura MINORU HIRAYAMA
KOICHI HIRAYAMA
Kuniko Miyake Mitsuhiro Mori
FUMIKO HIRAYAMA ISAMU HIRAYAMA

Chishu Ryu Haruko Sugimura


SHUKICHI HIRAYAMA SHIGE KANEKO
Nobuo Nakamura
KURAZO KANEKO
Chieko Higashiyama
TOMI HIRAYAMA Shiro Ozaka
KEIZO HIRAYAMA
Setsuko Hara
NORIKO HIRAYAMA
Kioko Kagawa
KIOKO HIRAYAMA
A crítica notou que Era Uma Vez em Tóquio foi inspirado por A Cruz
dos Anos (Make Way for Tomorrow, 1937), de Leo McCarey. Embora
Yasujirô Ozu não tenha assistido, o roteirista Kogô Noda, sim.
A Cruz dos Anos conta a história do casal aposentado Barkley e Lucy
Cooper, que perdem a casa por não conseguirem pagar a hipoteca. Ao
recorrerem aos filhos, são aconselhados a se separem temporariamente:
Lucy fica na casa do irmão mais velho; Barkley, com a filha Cora, a
centenas de quilômetros de distância. O arranjo não funciona da forma
esperada e os pais permanecem separados: Barkley muda para a casa de
outro filho e Lucy é enviada para casa de repouso. Lucy e Barkley se
encontram ao retornarem ao hotel onde passaram a lua de mel, antes de
se despedirem novamente, pela última vez na narrativa.
Em ambas as produções, os pais idosos representam um fardo aos
filhos ingratos: em A Cruz dos Anos, de natureza econômica, após a
Grande Depressão desempregar Barkley e a realidade do mercado
impossibilitá-lo de obter um emprego em razão da idade. Já em Era Uma
Vez em Tóquio, o fardo é de natureza social, na sociedade japonesa
industrial do pós 2ª Guerra Mundial que modificou a estrutura patriarcal
das famílias, empurrando a geração para fora do lar ou mesmo da cidade
em busca de emprego e independência, o princípio do individualismo
ocidental.
Apesar de não terem a mesma trama, até por questões culturais, as
narrativas enfrentam a dissolução familiar com senso de humor gentil e
lágrimas contidas, a marca registrada de Yasujirô Ozu.

IMAGEM:
O casal Lucy e
Barkley, vividos por
Beulah Bondi e
Victor Moore
respectivamente.
O sucesso de Rashomon (1951) no Festival de Cinema de Veneza abriu
as portas da distribuição internacional àqueles dispostos a explorar o
cinema de época (os jidaigeki). No entanto, aos dramas contemporâneos,
as portas continuavam fechadas. Yasujirô Ozu não pôde, assim, assistir
à aclamação internacional de sua obra, por ser muito japonês.
Lançado em 3 de novembro de 1953, a primeira exibição de Era Uma
Vez em Tóquio fora do Japão apenas aconteceu cinco anos depois, no BFI
London Film Festival. Na ocasião, a crítica Lindsay Anderson escreveu que
“É um filme sobre relacionamentos, um filme sobre o tempo e como isso
afeta os seres humanos (principalmente pais e filhos) e como devemos
nos reconciliar com isso”.
Apenas após a morte de Yasujirô Ozu que o filme começou a ser
distribuído mundo afora: a estreia nos Estados Unidos aconteceu apenas
em 13 de março de 1972, no New York Theater, enquanto no Brasil, em 3
de novembro de 2005 que o cinéfilo pôde assistir ao filme no Festival de
Cinema do Rio de Janeiro.
O crítico Roger Ebert escreveu sobre o filme em 2003: “Era Uma Vez em
Tóquio carece de gatilhos sentimentais e emoções artificiais; parece longe
de momentos que um filme menor teria explorado. Não quer forçar nossas
emoções, mas compartilhar sua compreensão. Faz isso tão bem que estou
quase chorando nos últimos 30 minutos. Enobrece o cinema. Diz que sim,
um filme pode nos ajudar a dar pequenos passos contra nossas
imperfeições”.
Já imaginaram quantos Yasujirô Ozu podem estar ou estiveram
espalhados pelo mundo, com a obra desconhecida por falta de
distribuição?

Era Uma Vez em Tóquio é a parte final da denominada Trilogia Noriko,


a partir do nome da personagem interpretada por Setsuko Hara em Pai e
Filha (1949) e Também Fomos Felizes (1951).
Nos filmes, Setsuko interpreta uma mulher símbolo da modernidade:
o figurino ocidental, a despeito dos quimonos tradicionais; o trabalho em
escritório; o jeito livre e independente de viver a vida. Apesar de não ser
a mesma mulher, a despeito de interpretadas pela mesma atriz, Noriko
representa a reflexão do diretor a respeito da mulher japonesa do
pós-guerra.
Em Pai e Filha, Noriko (27 anos) ainda vive com o pai viúvo, Somiya,
que deseja casá-la contra a vontade da filha. Em Também Fomos Felizes,
a família arranja o casamento da filha Noriko (28 anos), que decide se
casar com um amigo de infância, independente da vontade da família.
Em ambos os filmes, Noriko está na iminência de cumprir a obrigação do
casamento. Em Era Uma Vez em Tóquio, porém, a personagem é viúva.
Deve ser a prova cabal da montagem elíptica da obra de Ozu: suprimir
dos filmes o período em que Noriko está casada, para conservar a
identidade e individualidade da personagem ante o olhar do espectador.
(Ao menos, gosto de pensar assim).
O amor de Yasujiro Ozu pelo cinema era tamanho que, segundo a anedota, o diretor optou por
assistir a The Prisoner of Zenda (1922) em vez de realizar a prova admissional na Escola Superior
do Comércio de Kobe, em que estudou o irmão mais velho. Alguns anos mais tarde, após perder o
emprego de professor, Ozu foi contratado como o assistente de direção na Shochiku, onde, anos
depois, estreou na direção com o único jidaigeki de sua carreira, Espada da penitência (Zange no
yaiba, 1927), um filme perdido.
No início da carreira, influenciado pelo cinema norte-americano de Ernst Lubitsch e King Vidor,
Ozu dirigiu melodramas e comédias malucas (nansensu mono). A maior parte dos filmes dirigidos
na década de 20 também está perdida, com exceção de Dias de Juventude (Wakaki hi, 1929) e Um
garoto franco (Tokkan kozo, 1929).
As críticas recebidas de que “cheirava a manteiga” - alusão à ocidentalização -, fizeram com que
Ozu modificasse tema e estilo e experimentasse com o gênero shoshimingeki em Coral de Tóquio
(Tokyo no gassho, 1931), Eu nasci, mas… (Umarete wa mita keredo, 1932) ou Mulher de Tóquio
(Tokyo no onna, 1933). Resistente a mudanças, Ozu só deu o primeiro passo no cinema falado em
Filho Único (Hitori musuko, 1936).
É apenas quando começa a produzir filmes falados que o estilo de Ozu se aperfeiçoa em dramas
familiares interessados em explorar a existência humana, em vez das contradições da sociedade.
“O tipo de japonês retratado por Ozu, com sua apatia política, não contribuiu à política nacional e se
mostrou impotente e submisso diante do avanço da crise” (Yomota Inuhiko).
Ozu pode ter retratado a si mesmo em suas obras. Tanaka Masasumi comenta que o diretor
aceitou, resignado, a convocação ao serviço militar - diferente do contemporâneo Kenji Mizoguchi -
e participou de batalhas na China, antes de ser enviado a Cingapura. A convicção de que o Japão
venceria a guerra acabou após assistir à Cidadão Kane (1941), em um cinema apropriado pelas
forças militares japonesas no país asiático.
Após a 2ª Guerra Mundial, Ozu percebeu que não havia mais espaço ao humor singelo
e discreto da vida cotidiana. O conflito, que divide a carreira dele em duas, marca o
momento em que Ozu abdica da experimentação, elimina a maior quantidade possível de
elementos da linguagem cinematográfica e estabelece o seu estilo mínimo, austero e
contemplativo, com que pôde apresentar o dilema da existência humana através de
pessoas comuns, de conflitos geracionais e de famílias deterioradas.
“Eu formulei meu estilo de direção em minha cabeça, procedendo sem qualquer imitação
desnecessária do estilo dos outros. Não havia professor. Eu confiei inteiramente em minha
própria força” (Ozu).

Em Pai e Filha (Banshun, 1949), Ozu dirige Setsuko Hara, a sua atriz favorita, e narra
a história de Noriko que ainda vive com o pai idoso e viúvo, o professor Somiya. Enquanto
ele deseja casar a filha, ela bate o pé de que
prefere continuar cuidando do pai e
permanecer ao seu lado. Para dissuadi-la,
Somiya finge que irá se casar a fim de
libertar a filha do fardo. Há um conflito
entre tradição e modernidade e ainda o que
o crítico Robin Wood denomina “morte da
identidade” (a mulher passará a ser definida
por esposa). Ozu retornará ao tema do
matrimônio noutras ocasiões, sempre com a
melancolia que define Pai e Filha.

A composição imagética de Yasujiro Ozu é obsessiva na organização de personagens e


de objetos, com a ênfase em espaços vazios e em quadros dentro de quadros organizados
em profundidade e divididos geometricamente, sugestivos de que a existência dos
personagens é confinada ao espaço onde estão.
Em matéria de encenação, Ozu favorece a criação de tableaux vivants, planos estáticos
que parecem pinturas ou fotografias em um álbum, com a redução drástica da
movimentação de câmera. Ozu também renunciou às convenções do cinema clássico, a
exemplo da regra de 180 graus em que, durante uma conversa entre personagens, a
câmera é mantida em um único eixo para conservar a mesma posição no espaço.
David Desser afirma que Ozu substituiu a regra acima pelo que denomina de regra dos
360 graus e exemplifica com a passagem de Era Uma Vez em Tóquio, vista em imagens
abaixo:

Ozu substituiu o popular plano e contraplano, em favor de padrões de imagem que


colocam os personagens olhando diretamente para a câmera enquanto conversam. Esta
quebra da quarta parede, na opinião de Nick Wrigley, “teve o efeito incomum de colocar o
espectador diretamente no centro da conversa, em vez da convenção de Hollywood de
espiar por cima dos ombros dos personagens durante essas sequências”. Ou seja, no
cinema de Ozu, não somos mais voyeurs, mas partícipes das histórias que
acompanhamos.
A encenação de Ozu é, portanto, minimalista, com esforços envidados a diálogos
cotidianos e, em geral, ao mosaico de personagens, por cujas interessa-se de forma a
flutuar deste para aquele. Com isto, o diretor permite que temas simples aflorem em
dramas humanistas e existenciais com o estabelecimento de gramática cinematográfica
mínima e que não mais abandonaria.
Uma das marcas registradas do diretor é
a altura em que posiciona a câmera: a do
olhar de quem está sentado no tatame
(tatame shot ou pillow shot), enquanto
observa a ação ou o diálogo dos
personagens. Em vez de empregar ângulos,
Ozu adota o ponto de vista direto, distante e
não intervencionista. A estaticidade remete
à forma meditativa com que assiste à vida
acontecer, de tal maneira que, ao término de
suas narrativas, a impressão é de que os
personagens são palpáveis e reais. Ao lado,
o exemplo de Pai e Filha:

Ozu estabeleceu um rigor espacial na forma de organizar a imagem, encená-la e


retratá-la, e também desafiou as convenções temporais. Na obra do diretor após a guerra,
“O tempo predomina de forma esmagadora sobre os personagens, aos quais nada mais
resta a não ser adaptar-se ao seu fluir, sendo que apenas a morte pode provocar sua parada
brusca” (Maria Roberta Novielli).
Enquanto eliminou os efeitos de transição, em favor do corte seco, Ozu amadureceu a
ideia de montagem elíptica, na qual suprime eventos principais ou acessórios e convida o
público a inferi-los. A consequência desta montagem é a ênfase maior à passagem do
tempo, das estações e da vida. David Desser, ao analisá-la, define três tipos de elipses:
“Elipses menores referem-se à supressão de eventos menores da trama - por exemplo, um
personagem discute enviar seus pais de férias e a próxima cena mostra os pais de férias
(Ozu suprime as cenas em que os pais são persuadidos a sair de férias). Elipses surpresas
em que Ozu prepara o espectador para uma cena e, em seguida, suprime o evento para obter
um efeito específico. E as elipses dramáticas referentes a eventos que ocorrem fora do campo
e sobre os quais o espectador só fica sabendo mais tarde”.
É uma opção estilística oposta ao cinema clássico de Hollywood, baseado justo nos
eventos que Ozu suprime.
A montagem elíptica do diretor está associada ao tempo em que a câmera permanece em
espaços vazios (cômodos em que personagens entrarão ou dos quais já saíram) ou em
objetos no cenário. Este gesto de reverência, dentro da filosofia do diretor, é justificado pela
possibilidade de ser o último momento em que veremos estes cômodos ou objetos.
Bom exemplo é o corte para o vaso em Pai e Filha, quando a expressão de Noriko
substitui o sorriso melancólico pelas lágrimas. Paul Schrader afirma tratar-se do estilo
transcendental (tema de seu livro); o crítico
David Bordwell, evidência do formalismo do
diretor, em cortar para o objeto que não está
no campo de visão de Noriko e evidenciar a
existência de pontos de vista que não o das
emoções dela; o filósofo Gilles Deleuze
escreveu: “Há devir, mudança, passagem.
Mas a forma daquilo que muda não muda ela
mesma, não passa. Este é o tempo, o próprio
tempo. Um pouco de tempo em seu estado
puro”.

O elemento recorrente que concilia esse trabalho espacial e temporal de Ozu são os
trens, que conferem mobilidade à, em geral, mise-en-scène estática e sugerem, de forma
visual, a passagem ou a transição do tempo, aproximando ou distanciando personagens.

Da mesma forma que demorou em adotar o cinema falado, Ozu começou a trabalhar
com cores tardiamente em Flor do Equinócio (Higan-Bana, 1958). O tema do casamento
retorna quando um pai e homem de negócios intervém contra o desejo da filha, Setsuko,
de casar. A partir desse filme, toda a obra do
diretor será fotografada em cores, com
destaque para Ervas Flutuantes (Ukikusa,
1959), refilmagem da obra dirigida por Ozu
em 1934. Um dos 10 filmes preferidos de
Roger Ebert e “o mais fisicamente bonito da
filmografia de Ozu”, segundo o crítico
Donald Richie, Ervas Flutuantes fala de
uma companhia de teatro kabuki que aporta
em uma ilha de pescadores. Na
oportunidade, o fundador do grupo
reencontra a amante, dona do bar local.

Se mencionei refilmagem, Ozu revisitou história similar a de Pai e Filha, mas noutro
ângulo em Dia de Outono (Akibiyori, 1960). Agora, Setsuko Hara interpreta a mãe viúva
que deseja casar a filha e finge desejar casar-se para convencê-la.

Ozu é conhecido como o mais japonês de todos os diretores, alcunha de que Hasumi
Shigehiko discorda. Para este autor, o cinema de Ozu prefere a luz solar seca, em oposição
à névoa do cinema de Kenji Mizoguchi ou à chuva de Akira Kurosawa, com o objetivo de
“aproximar-se do brilho da luz do sol do meio do verão”. O oposto do que defende ser o senso
estético “muito japonês”. Mas foi por ser muito japonês, ao menos conforme o ponto de
vista do ocidente, que o cinema do diretor só começou a ser distribuído e conhecido no
mundo após a sua morte, na década de 70, com mostras ocasionais realizadas em meados
dos anos 60.
O cinema de Yasujiro Ozu, cujos trabalhos derradeiros, Fim de Verão (1961) e A Rotina
tem Seu Encanto (1962), aproximam o diretor do tema do fim da vida, após a morte de sua
mãe e a iminência de sua morte de câncer. Não é motivo de tristeza, entretanto, se adotado
o conceito do mono no aware, uma sensação de empatia ante o reconhecimento da
efemeridade das coisas, a consciência de que tudo é transitório. É a impermanência que
dá beleza às coisas, e Ozu, ao perceber a fugacidade do tempo, eternizou de forma
definitiva.

“Embora eu possa parecer o mesmo para outras


pessoas, para mim cada filme que produzo é uma
nova expressão, e sempre faço cada trabalho a partir
de um novo interesse. É como um pintor que pinta
sempre a mesma rosa.”
(Ozu)
Primeiras Impressões

Diogo - É um filme melancólico, triste e, a cada pedido de desculpas dos pais, parece ser facada
dentro do coração do espectador.

Bruna - O ritmo lento ainda me incomoda, mas o filme é bonito e se identifica com a questão dos pais
visitarem os filhos (por morar longe dos pais). Refletiu em como os filhos não atingem as expectativas
dos pais.

Márcia - É um filme atual - perpetuado dessa maneira - e contemplativo - o passar do tempo em


contraste com a vida de hoje, urgente e frenética, no tocante às urgências externas, mas não às
internas. Provoca uma tristeza diante da noção de finitude: o mundo não para em razão dos nossos
sentimentos. O trem continuará passando, a modernidade não pode ser contida e não sabemos
quando será o momento derradeiro do encontro final.

Renan - O fim lembrou-lhe Amor, de Michael Haneke. Imaginou, em algum momento da vida do casal,
este diálogo: “É saber que isso não pode continuar para sempre. Provavelmente um de nós terá que
passar dias sozinho. Talvez cheguemos aos quarenta anos juntos. Mas um dia eu irei embora. Ou um
dia você irá embora. Se fossemos vampiros e a morte fosse uma piada. Nós sairíamos na calçada e
fumaríamos. Riríamos de todos os amantes e seus planos. Eu não sentiria a necessidade de segurar
sua mão. Talvez o tempo esgotado seja um presente. Vou trabalhar duro até o final do meu turno. E
dar-lhe cada segundo que encontrar. E espero que não seja eu quem será deixado para trás”. É por
isto que não ressentem a vida deles, mesmo quando os filhos não tenham lhe dado a atenção que
mereciam. Chegam ao fim da vida com leveza e mansidão.

Matheus - Realiza um adendo dentro da edição: em como os filmes escolhidos falam muito sobre
família, abandono familiar. Este filme é um conto de alerta para o que vivemos.

Lula - É um dos filmes mais importantes da minha vida como cinéfila e crítica. No livro A Elegância
do Ouriço, a protagonista do livro menciona o tempo inteiro Yasujiro Ozu e isso atiçou a sua
curiosidade.
Jean Werneck - Reflete a respeito de como a negligência dos membros de uma família pode acarretar
consequências catastróficas e como o carinho singelo do amor pode fazer muita diferença. Gosta da
contextualização social em como Tóquio é esta metrópole que distancia os membros da família. É um
filme incômodo porque você reprova a atitude dos filhos, ao mesmo tempo em que teme se tornar igual
a eles. É muito cinema japonês, emocionante sem precisar de rompantes, destroça lentamente o
espectador como se estivesse fazendo-lhe carinho.

Amanda - “As pessoas falam coisas tristes, sorrindo”, citou Lara. O sorriso é carregado de tristeza.
A direção de arte chamou-lhe bastante atenção; a arquitetura japonesa é organizada, limpa,
trabalhada com materiais naturais, e percebeu que os ambientes eram caóticos e conturbados.
Sentiu que Ozu tentou criar uma sensação de claustrofobia e tumulto, e que evolui à medida que o
tempo passa.

Paulo Régis - De modo geral, o cinema japonês é elegante, simples e contemplativo. Os primeiros 30
minutos de Era Uma Vez em Tóquio, andou com grilo falante na cabeça em se perguntar por que este
é um dos melhores filmes de todos os tempos. Ao esquecer esta pergunta e se deixar levar pelo filme,
e continuar com ele na cabeça, entendeu porque é um dos melhores de todos os tempos.

Alvaro - O cinema de Ozu é um cinema de observação e de se perder no tempo, apesar de ser um


cinema do tempo por si só. Gosta de como Ozu é apto a contemplar a beleza que há nas rachaduras
dos relacionamentos familiares, tal as cerâmicas Kintsugi. Fala do trem, do aspecto da mobilidade,
e de como não assistimos aos protagonistas dentro do trem. Ao mencionar o plano do tatame, fala
que somos a mosquinha que assiste àquela vida, enquanto assistimos ao movimento de ir e vir dentro
daquele movimento. Mesmo que tenha profundidade de campo, Ozu achata a vida daquelas pessoas
em duas dimensões, em espaços claustrofóbicos.
Os filhos pródigos

Era Uma Vez em Tóquio é o exemplo da


resignação de Yasujirô Ozu acerca da
passagem do tempo, a partir da viagem que
Shukichi e Tomi realizam para visitar os
filhos em Tóquio e a insensibilidade
combinada com desprezo com que são
recebidos. A primeira reflexão que podemos
realizar é a partir do fato de que são os pais
que viajam para visitar os filhos e não os
filhos que retornam ao lar onde cresceram
para visitar os pais (trecho 22:30).
O que provoca o tratamento indiferente
dos filhos aos pais, portanto? No momento
mais divertido da narrativa, quando
Shukichi retorna bêbado à casa de Shige, temos a impressão de que há assuntos mal
resolvidos acerca do passado, comentando com o marido que o pai “chegava bêbado em
casa, fazendo a mamãe sofrer”.
Shige, cabeleireira, é quem apresenta o comportamento mais hostil em relação aos pais:
no trecho 15:02, enquanto Noriko recebe a sogra com afeto, Shige é direta em mencionar
que a mãe ganhou peso. Além do mais, a filha não esconde o descontentamento com o
retorno antecipado dos pais (trecho 56:40) e critica o marido por haver comprado doces
caros para agradar os sogros (trecho 32:10).

O trecho final revela, em detalhes, o poder


da montagem elíptica característica da obra
de Yasujirô Ozu. Até então, acreditávamos
que os pais estavam hospedados com
Koichi, o filho primogênito. Entretanto, ao
subir as escadas, o marido de Shige revela a
passagem do tempo e a surpresa de que,
agora, os pais estão hospedados com eles,
modificando a cena: agora, podemos estar
inferindo o que levou os pais a sair da casa
de Koichi ou se os pais puderam escutar a
conversa da filha com o marido.

A direção oferece pistas de que os pais deixaram a casa de Koichi em como retrata o
tempo em suspensão ou o tempo em estado puro de que trata Gilles Deleuze. No trecho
16:15, a permanência da câmera em espaços vazios sugere que esta é a oportunidade
derradeira de ter visto aqueles cômodos.

Isso não parece muita coisa até o momento em que Noriko e Tomi encontram-se pela
última vez. Então, sem nem perceber, o espectador está treinado a perceber a
impermanência que orienta a obra de Ozu e como a atitude gentil de Noriko de hospedar a
sogra, presenteá-la com dinheiro e ser atenciosa (trecho 1:24:10) é a prova concreta da
frase que Keiza escuta do colega de trabalho: “Honre seus pais enquanto eles ainda estão
vivos. Não se pode fazer nada pelos pais quando já morreram”.

Dentro da estrutura familiar, Keiza é definido pela ausência (o personagem-elipse,


portanto). O encontro com os pais, na ida, é suprimido por questões narrativas, enquanto
o encontro do espectador com o personagem
é um evento fortuito. O adoecimento da mãe
obriga-nos a parar na cidade de Osaka, e é
quando conhecemos Keiza.

Na opinião de David Bordwell: “Atrasar a


apresentação de Keizo permite-nos
escrutinar qualquer indício de indiferença ou
ingratidão de Koichi e Shige, ou a bondade
espontânea de Noriko”. Keizo é o
personagem que está no meio do caminho e
se repreendeu por não ter sido um bom filho
(trecho 1:55:17), conhecê-lo cria
profundidade ao comportamento dos
demais irmãos e Noriko.
Ainda resta Koichi, que Shukichi descobre não ser bem sucedido quanto acreditava ser.
É apenas o médico do bairro, confessa ao amigo de longas datas. O pragmatismo de Koichi
torna difícil, até mesmo, penetrar detrás da casca criada ao redor de si, tratando a morte
da mãe com o distanciamento da câmera de Ozu.
O trabalho de Koichi afasta-o do convívio dos pais, obrigando-nos a olhar para seus
filhos e chegar à conclusão de que não eram bem-vindos, senão de modo protocolar: a
mudança de mesa de Minoru e a forma como reage a isto é o primeiro destes indícios. Um
outro ocorre quando Tomi passeia com o neto caçula nos campos e planta a pista de que
não chegará ao fim viva (trecho 29:50).

A resignação paterna em relação ao comportamento dos filhos acontece em dois trechos:


o primeiro deles, 1:11:20, durante o papo informal entre amigos no bar; o segundo,
1:31:18, quando Shukichi e Tomi confessam a surpresa negativa com o comportamento
dos filhos e a frustração da expectativa que criaram.

É o modo de Yasujirô Ozu comentar a respeito da frustração das gerações anteriores


com a ocidentalização introduzida no Japão depois do término da 2ª Guerra Mundial. É a
reflexão acerca da mudança do modo de vida das famílias japonesas provocada pelo
individualismo e industrialização que tomam o cenário externo do país em indústrias que
contrastam com os templos.
Com exceção de Kyoko, que permaneceu ao lado dos pais, todos os demais filhos
tiveram as vidas alteradas pela guerra, de forma direta (ex. o marido de Noriko morto no
conflito) ou indireta, com o desembarque de valores ocidentais que alteraram o Japão
definitivamente. Até estranhos teriam tido mais respeito, comenta a caçula a Noriko,
resignada com o fato de que, quando mais velhos, os filhos se afastam dos pais.

Na opinião de vocês, qual dos filhos agiu pior para com os pais?

Bruna - Quem lhe despertou mais raiva foi a Shige, pela insensibilidade após a morte, sair e
ir embora para retornar ao trabalho. Era a mais expressiva no sentido da ingratidão para
com os pais.

Márcia - A Shige lhe deu mais ranço, embora tenha dado passos para trás em razão do
eventual alcoolismo do pai e as necessidades que não foram atendidas. Lembra de Nelson
Rodrigues: “Os canalhas também envelhecem”. No enterro, Shige não parece enlutada. Em
comparação com o Keiza, parece ter elaborado a situação ao reconhecer não ter sido bom
filho.

Louise (chat) - Os dois homens são muito indiferentes e acomodados. Tem uma coisa cultural
também. Acho que a Shige, como a filha mulher mais velha deve ter muitos ressentimentos
de papel de cuidado, de ter que resolver as coisas. Me passou isso. Enquanto o filho médico
parece muito acomodado. Não saber o que aconteceu na infância deles é bem difícil para
responder essa pergunta. Mas verbalmente ela tem uma tratativa muito ruim e que chama
muito mais atenção que os outros.

Milena Angelloti - Lembrou do momento em que Koichi teve um imprevisto médico e teve que
cancelar a saída com os pais, proibindo, porém, a esposa de sair com os sogros e filhos para
cuidar da casa. De certo modo, a esposa do Koichi morreu antes dentro da instituição
familiar.

Henrique Debski - Se a mãe houvesse sido ruim para a Shige, a filha não teria defendido no
momento em que reflete o comportamento do pai. O tratar com indiferença está nos filhos não
quererem visitar os pais ou enviarem os pais ao hotel longe de Tóquio. A filha é, talvez, a que
os trate com maior ingratidão. Enquanto isso, Koichi parece ser quem trata os pais com
menor hostilidade, porque acata qualquer ideia que a irmã traz. Já Keiza, que mora em
Osaka, é o que pensou em mudar.

Alvaro - Pensa a respeito do fora do campo, na Noriko, que apesar de tratar bem os sogros,
não nos dá indícios de como trata os próprios pais. A forma com que Shige trata a mãe pode
ser meio de criticar sua permissividade com o alcoolismo do pai. Reflete, em relação a Koichi:
qual de nós não se afundou no trabalho para não lidar com determinada situação? Talvez a
maior parte das pessoas tenha se antipatizado com a Shige, mas talvez seja quem sofreu
mais dentro dos dramas daquela família. Pensa que, de certa forma, o filho morto é o que
“pior agiu”. Sua morte sobrecarrega Noriko e os demais irmão. A morte não deixa de ser um
escape; Sua morte na guerra foi a serviço de “outros pais”: a pátria e o imperador.
Ricardo Kleine - Diante da exposição da Shige, é fácil antipatizar com a Shige, por expor a
insatisfação e agressividade dela. O Koichi, além de ser eclipsado, ao interagir com os pais,
ri quando lembra da mãe ter adoecido e perdido trabalho para encontrá-la.

Vitor Stefano - O filho que morre é o que deixa o maior peso; deixa a Noriko a tarefa de ser
substituta de um filho. Julga complexo julgar qualquer um deles. São escolhas feitas na vida
e é prático apontar dedos. Será que a Kyoko é a melhor delas por ter permanecido na cidade
do interior, embora não viva a própria vida?

Pedro Alberti - Lembra da cena no fim que a Noriko pede a Kyoko para não julgar os irmãos
mais velhos. E, ao refletir sobre a decepção dos pais com os filhos, talvez estes não sejam o
que esperavam ser. A estrutura familiar japonesa não é mais a mesma de um ou dois séculos
atrás em que as pessoas não saíam do mundo. Esse é um ponto do filme, da mudança de
valores que o Japão passa no pós-2ª guerra.

Mariah - Apesar de o drama familiar ser o que nos envolve, Ozu retrata a quebra inevitável
entre gerações, entre o passar do tempo. Uma trilha sonora boa para a narrativa seria
Encontros e Desencontros, de Milton Nascimento. O filme é esta metáfora para o tempo e a
inevitabilidade de nos tornarmos estrangeiros em nosso próprio corpo, em nossa própria
terra, e como este processo é doído. Por isto que a vida é uma decepção. Embora não
concordemos com as atitudes dos filhos, é fácil perceber que, em pouco tempo, estes estarão
sofrendo o que os pais sofreram. É um ciclo em que precisamos aprender a conviver.
O estilo imutável de Yasujirô Ozu

Apesar dos filhos de Shukichi e Tomi, quem lhes presta a maior assistência é Noriko ou,
para ser justo, ela e Fumiko. É o momento de refletirmos a respeito do estilo de Yasujirô
Ozu e como este ajuda a perceber o que esperam os personagens.

Tome o trecho 6:48, o diretor emprega a estética de quadro no interior do quadro (frame
within frame) para mostrar o quanto Fumiko está presa àquele papel de esposa, mãe e
nora. Não há alternativa senão a resignação com o estado em que está, e mesmo que a
liberdade pareça perto, depende do desígnio de Koichi (quando está a metros de colocar o
pé para fora de casa, o marido interrompe o passeio para atender um paciente).

Essa é apenas uma das formas que o estilo de Ozu ajuda-nos a compreender melhor o
que a vida impôs aos personagens e que, talvez, não percebamos enquanto assistimos ao
que está em primeiro plano - a indiferença ou ingratidão dos filhos - ignorando o restante.

A ideia da supressão está na alma da montagem do diretor. No trecho 3:50, apesar de


induzir o espectador a acreditar que Kyoko deixará os pais na estação, não nos mostra a
despedida. Já no trecho 11:25, depois de sermos informados que Noriko iria buscar os
sogros, descobrimos mais tarde que isso não ocorreu.

A elipse é a forma eleita por Ozu para decantar a passagem do tempo, obrigando o
público a refletir a este respeito, inclusive a partir de elementos cênicos inseridos na
imagem (ex. o incenso na forma da espiral que é consumida a olhos vistos). A montagem
também auxilia a reflexão.
No trecho 1:47:55, logo após a morte de Tomi, Ozu intercala espaços vazios e serenos
sem que haja qualquer um dos personagens para testemunhar o início da manhã. Para
Hasumi Shigehiko, isso retrata, “bela e
absolutamente, o fato de que é o começo de
um dia quente. É simultaneamente o instante
em que um novo dia começa e uma vida
termina. Esta cena extremamente curta, em
apenas algumas tomadas, representa o início
e o fim”.

Logo depois, Noriko encontra Shukichi


parado enquanto assiste ao amanhecer.
Enquanto a filha Shige lamenta a brevidade
da vida, Shukichi aproveita a fugacidade
para apreço maior pelo amanhecer (trecho
1:52:47).

Kathe Geist explica melhor: “Imediatamente após o falecimento de sua esposa, ele deixa
a casa e observa o amanhecer. Recusando-se a mencionar sua tristeza, ele comenta sobre o
nascer do sol para Noriko, que veio procurá-lo. O final do filme o mostra sentado sozinho,
triste mas serenamente. ‘Você vai se sentir sozinho’, sugere a vizinha em uma reprise da
visita fugaz que ela fez no início do filme. Shukichi acena com a cabeça amavelmente. Ele
ficará sozinho”.

A resignação está presente na aceitação das coisas como são: a morte da esposa é menos
triste do que a poluição industrial no ambiente de Tóquio ou o comportamento indiferente
dos filhos e netos. Ao menos o primeiro é parte do ciclo natural da vida.

Retornemos a Noriko. A hospitalidade e gentileza dela é enfatizada a partir de um corte


simples, evidência do controle que Ozu tem da narrativa, no trecho 45:13. Na cena, Noriko
abana os sogros e, na cena seguinte, Kiochi e Shige abanam-se.

A impressão é de que Noriko é boa o bastante para ser a personagem complexa que a
narrativa requer, certo? Errado. David Bordwell afirma que “Sem uma carreira para ocupar
seu tempo, sentindo que não deveria se casar novamente, ela encontra sua vida em uma
incerteza desesperada. A atitude tradicionalmente adequada de uma jovem viúva está em
guerra com seus desejos. Shukichi gentilmente afasta sua auto-recriminação”.

Ao conversar com Kyoko, assente que a vida é decepcionante. Noriko foi filha e esposa,
agora é viúva e, pode-se argumentar, mãe, pois adota postura de cuidado dos sogros
durante a estada deles (trecho 2:05:00).

Entretanto, a personagem guarda um segredo, ao ver de Darrel Davis: “Ela não está
sendo gentil com o velho casal por obrigação para com seu falecido marido, mas permite que
eles acreditem que sim”. Noriko é muito mais filha dos sogros do que os próprios filhos,
mesmo que confesse o egoísmo de quem está esquecendo o marido falecido e deseja buscar
a felicidade.
Noriko é a personagem que retira, ainda que artificialmente, os sogros da estaticidade e
do imobilismo da vida. Durante o city tour pela cidade de Tóquio, apesar de a câmera
permanecer estática, o ônibus está em movimento. Se não pelas próprias forças, Shukichi
e Tomi se movimentam.
O desfecho retorna ao início, na opinião
de David Bordwell, “agora não mais planos
de estabelecimento, mas imagens e sons
carregados de conotações narrativas: o trem
que carrega Noriko ecoando o ruído da
locomotiva que se repete ao longo do filme, a
visão dos barcos lembrando os ruídos
rítmicos, marteladas, perfurações e chilrear
das cigarras que ouvimos ao longo do filme.
A imagem final do porto de Onomichi
permanece suspensa entre ser o ponto de
vista de Shukichi e constituir uma rima
graduada e onisciente com o prólogo”, no
eterno retorno do início ao fim e deste ao
início de novo.
Nesse contexto, Shukichi permanecerá sentado e sozinho enquanto encara o tempo. É
a maneira de o diretor evidenciar, ainda que carregado com melancolia, que a beleza só
pode ser apreciada quando se está parado. A modernização obrigou o japonês (o mundo
inteiro para falar a verdade) a se movimentar em um ritmo mais rápido e impeditivo de
perceber a beleza que cerca os personagens.

É o motivo de Ozu mover a câmera em apenas duas ocasiões, nos trechos 1:00:51 e
1:02:45: no primeiro movimento, a câmera montada sobre um trilho é movimentada na
lateral do muro até encontrar Shukichi e Tomi sentados. No segundo movimento, a câmera
acompanha (tracking shot) o caminhar dos personagens ao longo do rio. Em ambos os
casos, a altura permanece a mesma, a 3 pés do chão, o tatame shot.

Na opinião de vocês, por que Ozu movimenta a câmera nas cenas


apresentadas?

Matheus - As duas cenas são próximas umas das outras e acontecem no momento em que os
personagens estão à deriva em uma cidade estranha. O movimento de câmera dá a
impressão de estar perdido.

Márcia - No segundo, pegou a direção da movimentação e o enquadramento de costas como


o ato de retornar ao passado. A situação de estarem perdidos, órfãos em uma cidade
estranha.

Louise - A sensação que tenho é de que, nas cenas em que houve movimento, o tempo passa
enquanto observamos as pessoas. Nas demais cenas em que há mudança de tempo, nós
acompanhamos de maneira estática, contemplando o ambiente e a natureza. Aqui, são os
momentos em que sentimos o tempo passar. Reflete sobre a estabilidade e a não
movimentação da câmera: você é observador da vida alheia.

Alvaro - Quando Ozu filma os fragmentos mais simples da vida, as situações cotidianas ou
os momentos de contemplação, faz isto com a câmera estável. No entanto, quando
movimenta a câmera, mostra a força do tempo sobre os personagens. Tem esta dualidade,
entre permanência e movimentação.

Catarina - Concorda com o Álvaro em se tratando de uma vivência mais concreta do tempo.
Havia pensado em uma relação da câmera com os personagens: a câmera cria uma relação
de empatia do espectador com os pais. No primeiro movimento, a câmera registra o momento
em que saem de casa, da segurança, em direção ao desconhecido. A câmera, através do
movimento, é capaz de acompanhar o sentimento dos personagens, em que os pais retornam
de um momento difícil.

Ricardo Kleine - Se fosse resumir ambos os movimentos de câmera, resumiria em


impermanência (um tema essencial no budismo). Na morte de Tomi, o pai deixa o velório para
contemplar o pôr-do-sol, porque a vida continua. E o movimento são momentos de
impermanência, em que os pais precisarão tomar decisões: deixar a casa da filha e retornar
ao vilarejo.
“Muito obrigado. Até a próxima!”

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