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NADA COMO VIVER 


 

Com músicas de Belchior 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PERSONAGENS: 
 
BEBELO 
ANGELA 
SEU ANÍSIO 
LUZIA 
DONA AUGUSTA 
BIBITO 
JOÃO 
GAROTA ATROPELADA 
MÃE DE BEBELO 
PAI DE BEBELO 
IRMÃ DE BEBELO 
VÓ DE BEBELO 
ASSALTANTES 
PUTA MARIA 
SEU PADRE  
ZÉ DO CÔCO 
 
 
 
ÍNDICE: 
 
CENA 1 -​ pág. 3 
CENA 2 -​ pág. 9 
CENA 3 - p
​ ág. 16 
CENA 4 -​ pág. 23 
CENA 5 -​ pág. 30 
CENA 6 -​ pág. 35 
CENA 7 -​ pág. 39 
CENA 8 -​ pág. 44 
 
 
 
 
 

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CENA 1 - Bebelo Belo (Abertura) 
 
(As  cortinas  se  abrem  e  tudo  fica  escuro,  B.O.  completo.  Alguns  segundos  se  dão  até  que  a 
plateia ouve Bebelo falando) 
 
BEBELO  -  Pois,  Mãe,  o  Pai  já  tá  sabendo  e  até  quis.  Minh’irmã,  querendo  o  quarto  só  pra 
ela,  ficou  foi  feliz.  E  a  vó  já  tá  é  rezando,  chamando  jesus.  Eu  deixei  a  senhora  por  último, 
mas não se sinta mal com isso não, é que eu sei que pesa mais na senhora. Mas é o que tenho 
pra te dizer: amanhã eu vou partir pra Fortaleza porque minha vida há de se fazer por lá. 
 
(Assim  que  ele  fala  isso,  as  luzes  começam  a  acender,  o  instrumental  de  “Bebelo” começa a 
tocar  e  nós  vemos  Bebelo  de  frente  pra  sua  mãe.  Ela  começa  a  pegar  o ar do mundo todo e, 
enquanto  a  música  toca  bem  alto  no  fundo,  só  a  vemos  gritando  com  ele,  com  toda  a  fúria 
de uma mãe que vai perder seu filho metido a artista que quer ganhar o mundo) 
 
(Logo,  a  cena  começa  a  se  modificar.  Vemos  ele  abraçando  sua  irmã,  pedindo  a  benção  de 
sua  vó  e baixando a cabeça pra seu pai. Sua mãe hesita por um momento, mas dá um abraço 
apertado em seu filho e faz um sinal da cruz em sua testa. Bebelo parte) 
 
(As  pessoas  começam  a  andar  rápido  de  um  lado  para  o  outro,  como  se  vagassem  na 
vastidão  centro  da  cidade.  Bebelo  entra  naquele  emaranhado  de  gente,  tentando  se 
encontrar. Logo, todos se põem a cantar “Bebelo”, como os bichos da cidade grande) 
 
TODOS (MENOS BEBELO) -  

BE 
BEL 
B BELO 
BE BELO BELO 
BEL BELO 
BEL BELO BELO BELO BELO 
BELO BELO BELO BELO 
É BOBAGEM 
B BLA BLA BLA 
BA BLA BLA BLA 
BAL B L A 
B BALA 
BA BALA BALA 
BAL BALA 
BAL BALA BALA BALA BALA 
BALA BALA BALA BALA 
EMBALAGEM 

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TRA TRA TRA 
TRA TRA TRA 
T R A 
 
(Quando  a música se encerra e todos param de cantar, Bebelo está imerso dentre a multidão 
-  Até  que  o  instrumental  de  “Apenas  Um  Rapaz  Latino  Americano” começa a tocar e ele sai 
daquele emaranhado e, finalmente, se apresenta para o público cantando) 
 
BEBELO - ​EU SOU APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO 
SEM DINHEIRO NO BANCO 
SEM PARENTES IMPORTANTES 
E VINDO DO INTERIOR 
 
(Os outros, antes pedestres avulsos, saem e retornam como as suas personagens da história. 
Ao  longo  da  música,  eles  vão  montando  ao  fundo  as  mesas,  cadeiras  e  afins  do  Bar  do 
Anísio) 
 
MAS TRAGO DE CABEÇA UMA CANÇÃO DO RÁDIO 
EM QUE UM ANTIGO COMPOSITOR BAIANO ME DIZIA: 
"TUDO É DIVINO, TUDO É MARAVILHOSO" 
 
MAS TRAGO DE CABEÇA UMA CANÇÃO DO RÁDIO 
EM QUE UM ANTIGO COMPOSITOR BAIANO ME DIZIA: 
"TUDO É DIVINO, TUDO É MARAVILHOSO" 
 
TENHO OUVIDO MUITOS DISCOS 
CONVERSADO COM PESSOAS 
CAMINHADO MEU CAMINHO 
PAPO, SOM, DENTRO DA NOITE 
E NÃO TENHO UM AMIGO SEQUER 
 
QUE 'INDA ACREDITE NISSO, NÃO 
TUDO MUDA! 
E COM TODA RAZÃO 
 
MAS NÃO SE PREOCUPE, MEU AMIGO 
COM OS HORRORES QUE EU LHE DIGO 
ISTO É SOMENTE UMA CANÇÃO 
A VIDA REALMENTE É DIFERENTE 
QUER DIZER... 
A VIDA É MUITO PIOR 
 

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E EU SOU APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO 
SEM DINHEIRO NO BANCO 
POR FAVOR, NÃO SAQUE A ARMA NO SALOON 
EU SOU APENAS O CANTOR 
 
MAS SE DEPOIS DE CANTAR 
VOCÊ AINDA QUISER ME ATIRAR 
MATE-ME LOGO! 
À TARDE, ÀS TRÊS 
QUE À NOITE TENHO UM COMPROMISSO 
E NÃO POSSO FALTAR POR CAUSA DE VOCÊS 
 
(Aos poucos uma moça começa a passar na sua frente, vindo à distância) 
 
MAS SE DEPOIS DE CANTAR 
VOCÊ AINDA QUISER ME ATIRAR 
MATE-ME LOGO! 
À TARDE, ÀS TRÊS 
… 
 
(Então,  repentinamente,  ouve-se  apenas  o  último  suspiro  da  moça.  Ela  é  atropelada  - 
acidente  ou  suicídio?  -  em  plena  Avenida  Beira  Mar  na  frente  de  Bebelo.  Ouvimos  o 
desespero  de  todos  que  estavam  pela  rua  e no bar. Conversas, lamentos, movimentos, tudo 
ao  redor  de  Bebelo,  que  continua  estático. Seu Anísio percebe o estado do rapaz e o convida 
para respirar um pouco no seu bar. Bebelo senta enquanto o povo olha ao redor da moça) 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Augusta,  pegue um copo de água pro rapaz que se continuar assim, esse aqui 
de hoje não passa também não! 
 
(Dona  Augusta  vai  pegar  um  copo  d’água  para  Bebelo,  enquanto  isso,  ouvimos  alguns 
comentários das pessoas ao redor do corpo da garota) 
 
LUZIA - M​ inha nossa, aí não tem médico que dê jeito. Ela já foi dessa pra melhor... 
 
PUTA MARIA - ​Alguém conhece a moça? Sabe de onde ela é? (Todos acenam que não) 
 
SEU PADRE - Q ​ ue Deus todo poderoso proteja essa pobre alma. 
 
ZÉ  DO  CÔCO  -  ​Eu  vou  voltar  pros  côco  porque  já  já  os  cana  passa  e  eu  aviso  pra  eles  da 
garota  aqui.  Mas  oh,  pra  melhorar  a  situação,  quem  quiser  colocar  pra  dentro  as  água 
perdida  com  o  choro,  eu  vou  dar  dois  côco  pelo  preço  de  um!  Mas  é  pra  quem  viu  a 
tragédia!! 

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(A  multidão  vai  se  dispersando,  cada  um  falando  o  que  bem  lhe  deve.  Vemos  Bebelo 
ligeiramente mais calmo com sua água) 
 
BEBELO - ​Obrigado aos senhores viu. 
 
DONA AUGUSTA - Q ​ ue é isso, meu filho. Não é todo dia que alguém morre na sua frente. 
 
SEU ANÍSIO - V ​ ocê não parece que é daqui não. De onde você é? 
 
BEBELO  -  ​Desculpa  a  falta  de  apresentação,  minha  mãe  me  ensinou  melhor,  é  que  eu  não 
sou  daqui  mesmo  não  e  a  morte  da  garota  foi  minha  primeira  impressão…  Mas  eu  me 
chamo Bebelo. Eu cheguei há pouco do interior, lá de Sobral. 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Eu  sou  o  Anísio,  pode  chamar  de  Seu  Anísio  mesmo.  Essa  aqui  é  a Augusta, 
minha  mulher.  A  gente  toma  conta  aqui  do  bar,  é  casa  e  trabalho pra gente. E o que você tá 
fazendo por aqui? Visitando parente? 
 
BEBELO - ​Nada. Eu vim porque senti que tinha que vir. 
 
DONA AUGUSTA - (​ Interrompendo-o) Artista? 
 
BEBELO - ​Sim, me considero de berço. Por quê? 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Nada  não,  só  já  vi  muito  mesmo,  palpite  certeiro.  E  da  minha 
experiência,  nem  sempre  é  só  sobre  vir  porque  alguma  coisa  tá  te chamando, mas também 
tem algo da tua terra te expulsando. 
 
BEBELO  -  ​É,  a  senhora  é  certeira  mesmo!  Sobral  ainda  não  é  o que um dia pode vir a ser. E 
nem  meu  pai...  Por  isso  quis  vir  logo,  tentar  a  sorte  grande,  vamos  ver  se  a  cidade  é  o  que 
promete ser. 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Se  é  ou  não  é,  aí  fica  a  teu  critério. Como você vais ler tua experiência aqui é 
que  vai  decidir.  Bom,  ruim,  a  certeza  é  que  vai  ser  num  lugar  aí  no  meio.  Mas  diga  aqui, 
você acabou de pôr os pés aqui? Não tem emprego, nem onde dormir? 
 
BEBELO  -  ​Seu  Anísio,  confesso  pra  ti  que: não. Tudo que eu sei fazer é cantar sobre a vida e 
não  sei  onde  vou  fazer  isso  por  aqui. Mas preciso fazer isso pra ter dinheiro e poder dormir 
em  algum lugar por aí! Até dinheiro pra hotel eu tenho, só que só por uma noite… Tô mesmo 
é na pindaíba! 
 

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SEU  ANÍSIO  -  ​Então,  tu  é cantor? Do nível de sofrimento na vida, só perde pro ator! Porque 
oh  bicho  sofrido  é  quem  gosta  de  atuar  e  o  pior  é  que  não  tem  quem  dê  o  valor.  Mas  diga 
aqui de novo, tu é bom no que faz? 
 
BEBELO  -  ​Bom  ou  ruim,  eu  vou  ter  que  provar  pra  quem  quiser  ouvir.  Não  sei  se  o senhor 
vai  gostar,  mas  é  o  que  eu  sei  fazer  de  melhor,  é  tudo  que  eu  sei  fazer.  Eu  ia  procurar  um 
lugar  pra  me  provar,  mas me perdi todinho com a morte dessa menina aí. Vocês conheciam 
ela? 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Nunca  nem  vi,  mas  do  jeito  que  as  coisas  andam,  vamo  ver  muito mais 
por aí. 
 
SEU ANÍSIO - E ​ você canta mais música de que cantor? 
 
BEBELO  -  ​Minhas  mesmo,  senhor!  Eu  vejo  as  coisas  na vida e as coisas vão virando palavra 
até  que  sai  em  música.  Eu  toco  uns  instrumentos,  mas  é  pouco  e  ruim,  só  pra  me  guiar 
mesmo. A coisa que eu mais gosto mesmo é cantar. 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Pois  não  se  preocupe  que  aqui  a  gente  tem  banda. Você vai cantar é hoje pra 
gente ver! 
 
DONA AUGUSTA - É ​ o que, Anísio? A gente já não tem a anja? 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Tem,  mas  tá  em  falta!  Até  ela  voltar  de  viagem  a  gente  se  arranja  com  o 
Bebelo,  se  ele  for  bom.  As  noites  do  bar  tão  tudo  sem  graça,  tem  que  ter  alguma coisa pras 
pessoas  ouvirem  enquanto  bebem,  seja  pra  rir  ou  pra  chorar,  pra  animar  ou  pra lamentar. 
Mas diga aqui, o que me diz? Vai cantar hoje? 
 
BEBELO  -  ​Canto  sim,  na  hora! Uma chance dessa com gente boa e eu vou perder?! O senhor 
quer que eu cante o quê? Pode dizer o que quiser que a música sai hoje à noite! 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Se  é  assim,  eu  vou  lançar  um  desafio  e  se  tu  for  bom  mesmo,  fica  como 
cantor  temporário  da  casa.  Aí  quando  a  anja  voltar,  que  é  quem  sempre  canta  por  aqui,  a 
gente  se ajeita. Traga hoje uma canção sobre vida e morte, sobre o que tu acha disso, sobre a 
garota que morreu na tua frente mais cedo. 
 
DONA AUGUSTA - P ​ elo amor de Deus, Anísio! Isso deve ser até pecado! Pense noutra coisa. 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Pecado?  Que  é  isso,  Augusta!  A  gente  tá  transformando  o  que  vai  sair  nos 
jornais  como  uma  notícia  de  uma  moça  qualquer  ou  até  no  boca  a  boca  do  povo  como  a 
desatenta  atropelada  em  arte.  Acho  que  se  Bebelo  fizer  um  bom  trabalho,  a  gente  vai  é 

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honrar  a  morte  dessa  garota,  ninguém  vai  dizer  alguma  coisa  bonita  como  a  gente  quer 
dizer. Num é, Bebelo? É pegar ou largar! 
 
BEBELO  -  ​Pois  é  pegar  mesmo!  Não  se  preocupe  que  o  trabalho  vai  ser  bem  feito  e  aquela 
moça vai ser bem dita aqui no seu bar. 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Pois  vou  chamar  Luzia pra gente terminar de montar o bar que já já tem 
gente  por  aqui  bebendo.  Anísio,  mostre  as  coisas  pro  menino  se  instalar. Deixe suas coisas 
lá dentro, Bebelo. Boa sorte viu! 
 
BEBELO - ​Obrigado, Dona Augusta e Seu Anísio, de verdade! 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Agradeça  mesmo  depois  que  a  gente  te  quiser.  Tome  cuidado  que  o  tombo 
pode  ser  maior.  Mas  eu  acho  que  de  ti  vem  coisa  boa,  espero  que  tu  esteja  preparado 
mesmo! 
 
BEBELO  -  ​Tô  sim,  pode  confiar!  (Agora  falando  para  o  público)  Mas  eu  não  tô  é  nada 
preparado!  (Enquanto  ele  fala,  aos  poucos  o  lugar  vai  se  ajeitando:  Seu  Anísio,  Dona 
Augusta  e  Luzia  montam  o  restante  do  bar, a banda entra e, depois, Seu Padre, Puta Maria, 
Zé  do  Côco,  todos  clientes,  entram  e  já  pedem  suas  bebidas,  sentando  pelo  bar.)  A  garota 
morre  ali,  na  minha  frente,  e  eu  já  tenho  que  superar  meu  luto  pela  desconhecida  pra  ela 
virar  tema  de  canção?  Rapaz,  eu  sou  cardíaco!  (Suspira  brevemente)  Mas  é  o  que  eu tenho. 
Voltar  já  não  é  mais  opção  pra  mim.  Seu  Anísio  e  Dona  Augusta  foram muito bons comigo 
me  dando  essa  oportunidade  pra  eu  desperdiçar  assim…  Eu  vou  compôr  o  que  tiver  que 
compor.  Mas quem era aquela moça? (Ela aparece na frente dele, sem falar nada) Você tinha 
família?  Amor?  Carinho?  Ou  você  quis  encerrar  tua  vida?  Foi  tudo  tão  rápido  que  eu  não vi 
se  foi  um  tropeço  ou  se  tu se jogou. Você queria aliviar o fardo que te deram na tua vida? Eu 
acho  que  tu  vai  ser  o  que  eu  quiser  que  tu  seja né? Mas se preocupe não, eu vou tentar fazer 
jus  à  tua  memória.  Eu  já  tô  sentindo  que  vou  te  carregar  por  muito  tempo  comigo  ainda. 
Tudo começa agora. 
 
(Dito  isso,  Bebelo  vai  cumprimentar  a  banda  e  se  senta  perto  deles.  A  Garota  Atropelada 
continua no recinto, olhando para Bebelo no fundo do bar) 
 
BEBELO - ​Boa noite, pessoal. Sou Bebelo e vim dedicar uma canção a você, moça. 
 
(A  Puta  Maria  acha  que  ele  falou  com  ela  e  fica toda animada. Bebelo e a Garota Atropelada 
não param de se encarar, mas só ele a vê. A banda começa a tocar “Carisma”) 
 
BEBELO - ​DEU A VIDA PELOS SEUS: 
ISTO É MAIS FORTE QUE A MORTE 
MAIS IMPORTANTE QUE DEUS; 

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QUE DEUS E O MUNDO; 
QUE DEUS E TODO MUNDO 
SUA VOZ, MORTA, AINDA CANTA; 
AINDA ESPANTA O MAU AGOURO 
NESSA TERRA, ONDE O SILÊNCIO 
LITERALMENTE, É DE OURO 
EU NASCI LÁ, NUMA TERRA 
ONDE O CÉU É O PRÓPRIO CHÃO 
 
(Todos  no  bar  aplaudem  e  Bebelo  fica  maravilhado  com  isso.  Seu  Anísio  logo  vai  falar  com 
Bebelo) 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Rapaz,  não  é  por  nada  não  viu, mas pode ficar. Eu quero que você fique aqui 
com a gente porque isso que é música mesmo!  
 
(Ele  abraça  forte  Bebelo  e,  nesse  momento,  ele  perde  a  Garota  Atropelada  de  vista  e  ela 
desaparece.) 
 
BEBELO - ​Obrigado mesmo, Seu Anísio! Obrigado! 
 
 

CENA 2 - Plano Belo 


 
(Todos  os  clientes  saem  aos  poucos.  Só  ficam  em  cena,  ao  fundo,  a  banda  e  Dona Agusuta, 
Luzia  e  Bebelo  que  limpam  e  ajeitam  algumas  coisas  do  bar.  Seu  Anísio  vai  à  frente,  falar 
diretamente com o público) 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Esse  aí  sabe  o  que  faz.  Parece não saber, mas mostrou que tem coisa boa pra 
dizer.  Tem  muita gente boa por aí. Tem mais gente boa que oportunidade. E dá gosto de ver 
um  rapaz  que chega do nada, mas que agarra sua primeira oportunidade com unha e dente. 
Esse Bebelo… 
 
BEBELO - ​(Vindo do fundo) Chamou, Seu Anísio? 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​(Agora  falando  com  Bebelo)  Chamei  sim,  olhe  rapaz,  o  que  você  fez naquela 
noite foi muito bonito. Bonito mesmo, deu gosto de ver. 
 
BEBELO - ​Fico feliz de ouvir isso! 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Mas  olhe  uma coisa, eu falei com Augusta e nós não temos como manter dois 
artistas  na  casa,  aqui  é  pequeno,  não  tem  muita  clientela  e  por  aí  vai!  Por agora, você pode 
ficar  por  aqui,  mas  eu  não  posso  garantir  nada  quando  a  anja  voltar.  Ela  tá  com a gente há 

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muito  tempo  e  também  é  boa  que  nem  tu.  A  gente  é  bom,  dá oportunidade, mas também é 
leal  e  honesto.  Por  isso  que  eu  digo  que  seu  posto  aqui  tá  garantido  até  ela  voltar,  mas 
depois  disso  a  gente vai ver como fica. Se não tiver um plano a mais aí de ganhar dinheiro, é 
melhor ir pensando logo, viu? 
 
BEBELO - ​Pode deixar, já tô pensando em umas coisas que acho que vai dar é certo! 
 
SEU ANÍSIO - R ​ apaz bom!! (Fala saindo) 
 
BEBELO  -  ​(Agora  falando  com  o  público)  Não  vai  dar  é  nada  certo!  Eu  não  tenho  plano  B 
nenhum.  Até  a  moradia  foram  Seu  Anísio  e  Dona  Augusta  que  me  arranjaram no fundo da 
casa  deles  que  é  no  fundo  do  bar!  Esses  dois  aí  vão  pro  céu  certeza…  Mas  plano  B  de 
trabalho?  De  ganhar  dinheiro? Tudo que eu sei fazer é isso, é música! (Os clientes do bar vão 
entrando  de  novo  e  a  banda  e  os  funcionários  vão  se  arrumando)  Os  poucos  bares  e 
restaurantes  por  aqui  já  tem  quem  cante.  E olha que nem tem quem cante em todos porque 
não  querem,  pode  atrapalhar  o  jantar  da  clientela.  Se  é  música  que  dá  o  gosto  da  comida… 
Seu  Padre  não  pode  fazer  nada  por  mim  além de rezar. Eu não ia saber vender um côco pro 
Zé  do  Côco  ajudar.  E  é  melhor  com  a  Puta  Maria eu nem falar… Só me resta esperar pra ver 
como  é  essa  tal  de  anja.  Já  tá virando questão de sobrevivência! Se eu for artista melhor que 
ela, certeza que vou ter mais chance de ficar por aqui! Mesmo que essa anja seja daqui desde 
que era o jardim do Éden! Vamo só ver…  
 
(Então,  ele  senta  pelo  bar  perto  de Luzia. Todos estão aguardando a entrada da cantora, até 
que ela entra, cumprimenta os músicos e vai até o microfone) 
 
ÂNGELA - ​Boa noite, pessoal. É tão bom estar de volta! Depois da viagem que eu fiz, deu pra 
perceber  o  que mais me importava e eu resolvi trazer em forma de canção pra vocês. Espero 
que gostem. 
 
(Dito isso, a banda começa a tocar “Nada Como Viver”) 
 
BEBELO  -  ​Mas  é  claro  que  pra  piorar  a  situação,  ela  tinha  que  ser  bonita  como  uma  anja 
mesmo. Misericórdia. 
 
ÂNGELA - N ​ ADA 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
NADA, NADA, NADA, NADA! 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 

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ALEGRIA É UMA BELEZA 
COM CERTEZA EU VIVERIA 
NESSA COR QUE A MOÇA USA 
ALÉM DA BLUSA 
EU QUERO VIVER 
 
AMAR, PRAZER, POR QUE NÃO DIZER 
O PALAVRÃO, A PALAVRA, TENTAÇÃO 
AMAR, PRAZER, POR QUE NÃO DIZER 
O PALAVRÃO, A PALAVRA, CORAÇÃO 
 
NADA 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
NADA 
NADA, NADA, NADA, NADA 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO TE VER TÃO CONTENTE 
 
(Quando  ela  termina,  Bebelo  é  o  primeiro  a  se  levantar  e  puxar  as  palmas.  Todos  do  bar 
aplaudem em seguida. Ele, encantado, vai falar pessoalmente com Ângela)  
 
BEBELO  -  ​Olha,  se  o  Seu  Anísio  quiser  me  expulsar  pra  ficar  só  contigo,  eu  vou  entender 
demais. Tu foi espetacular! 
 
ÂNGELA - A ​ h, obrigada. Você que é o famoso Bebelo, artista revelação do bar?  
 
BEBELO - ​Em carne viva e puro osso. 
 
ÂNGELA - (​ Ela ri) É um prazer, eu sou a Ângela. 
 
BEBELO - ​Ângela? Num era a famosa anja? 
 
ÂNGELA  -  ​É  Ângela,  mas  eu  deixo  eles me chamarem assim por aqui. Acho bonito e a Dona 
Augusta não ia querer me chamar do meu nome mesmo. 
 
BEBELO  -  ​Ia  mesmo  não!  Mas  eu  queria  muito  te  perguntar:  essa  música  é  tua?  Eu  nunca 
tinha ouvido antes e pra mim é a coisa mais linda que ouvi nos últimos tempos! 
 
ÂNGELA - E ​ u viajei, nessas poucas semanas fora, porque minha mãe tava nas últimas. 
 

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BEBELO - ​Ah, desculpe perguntar! 
 
ÂNGELA  -  ​Não,  tá  tudo  bem.  E  foi  só  eu chegar lá que uns dois dias depois ela morreu. Isso 
faz duas semanas hoje. 
 
BEBELO - ​Foi no finzinho de tarde? 
 
ÂNGELA - F ​ oi sim, mas por quê? Como você sabia? 
 
BEBELO  -  ​É  que…  Uma  moça  morreu  nesse  mesmo  dia  e  horário  aqui  em  frente,  na 
avenida. Foi no dia que cheguei aqui, primeira impressão. 
 
ÂNGELA - N ​ ossa, sinto muito. 
 
BEBELO - ​Não, não, já foi, nada como o que tu passou! 
 
ÂNGELA  -  ​É, pode ser… Pois bem, eu fiz essa música porque me lembrou o que era viver pra 
mim. 
 
BEBELO - ​E o que é viver pra ti? Por que tu vive? 
 
ÂNGELA  -  ​Eu  vivo  porque… Ué. Porque eu sinto. Porque eu sou. Mas foi minha mãe morrer 
que  as  coisas  mudaram,  sabe?  Ela  me  criou  bem,  me  fez  aproveitar  cada  momento,  sentir 
cada  coisa,  e  isso  me  fez  viver  sempre  no  presente.  E antes que ache qualquer coisa, eu não 
sou contra ter planos não. Acho que a gente tem que planejar e viver olhando pra frente sim! 
Mas  isso  não  é  pra  ser  maior  que  viver no presente. O futuro é nosso guia, mas o presente o 
nome mesmo já diz. 
 
BEBELO  -  ​Tu  fala  de  um jeito… Dá pra ver logo que é artista como eu porque vive no rodeio, 
mas é um rodeio bonito de se ouvir. 
 
ÂNGELA  -  ​Mas  isso  não  veio  da  minha  cabeça  do  nada  não,  viu?  É  que  quando  você  perde 
alguém  que  ama  muito,  querendo  ou  não,  você  se  questiona sobre a vida. Até mesmo sobre 
a  sua  vida.  Mas  minha  mãe  não  deixou  que  eu  pensasse  muito  sobre  isso  não.  Ela  morreu 
feliz  e  agradecida  e  foi  justamente  por  viver  o  presente.  Mesmo  sendo  triste,  ela  só  me 
deixou alegrias! 
 
BEBELO  -  ​Olha,  tua  mãe  te  ensinou  bem  mesmo!  Queria  eu  já  ter  essa sabedoria na minha 
vida…  Mas  eu  tenho  que  admitir,  fiquei  encucado  porque as duas faleceram com a gente na 
mesma hora praticamente. Parece até um sinal, num acha não? 
 
(Luzia vem ao encontro de Bebelo) 

12
ÂNGELA - S ​ inal de quê? 
 
BEBELO - ​Aí a gente vai ter que descobrir ainda! 
 
LUZIA  -  ​Ô,  Bebelo!  Tá  quase  na  hora pra tu cantar, Seu Anísio tá te procurando. E boa sorte 
viu.  Começou  agora o teste pra ver quem dos dois fica. Nada contra você, mas é claro que eu 
tô torcendo pra Ângela…  
 
BEBELO  -  ​Se  preocupe  não  que  eu  também  tô.  Tô indo lá falar com ele, mas vai pensando o 
que pode ser esse sinal, viu, anja? (Ele olha um instante para a Ângela e sai) 
 
ÂNGELA  -  ​Sinal…  É  cada  coisa.  (Ela  também  sai  rindo,  indo  se  sentar  perto  da  banda  para 
ver Bebelo) 
 
LUZIA  -  ​(Falando  com  a  plateia)  Bebelo  não  é  besta  não,  né?  Já  tá  se  engraçando  com  a 
Ângela,  pensa  que  eu  não  sei…  Se  é  pela  beleza  da moça ou pra iludir a concorrência, aí fica 
a  seu  critério  porque  eu  mesma  já  sei  o  que  acho.  Hum… E é sempre com esse mesmo papo 
de  “O  que  é  viver  pra  ti?”  e  “Por  que  você  vive?”!  Ele  já  perturbou  toda a clientela desse bar, 
perguntando a mesma coisa, mas cada um respondendo o que bem entende: 
 
(Os  clientes  vão  falando  onde  estão  mesmo pelo bar, como se respondessem Bebelo quando 
ele fizera a pergunta) 
 
ZÉ  DO  CÔCO  -  ​Eu  vivo  pelo côco, né?! É do côco que veio o homem. Ou, pelo menos, é o que 
me dá dinheiro pra beber uma gelada, ouvir uma musiquinha, essas coisas aí. 
 
SEU PADRE - ​Por Deus, meu filho, por Deus. Eu vivo em nome da palavra Dele até a hora da 
minha morte, amém! 
 
PUTA  MARIA  -  ​É  o  que,  Bebelo?  Artista  é tudo doido, né? Eu vivo porque num tenho mais o 
que  fazer  e  é  isso…  E  também  porque  tudo  que  me  restou  foi  minha  vó  e  nem ela consegue 
mais  cuidar  dela  mesma.  Aí  sobrou  pra  mim  cuidar  de  nós  duas.  A  história  é  boa, me paga 
que eu te conto o resto…  
 
LUZIA  -  ​(Ainda  com  a  plateia)  Não  sei  qual  a  intenção  dele,  nem  o  que  ele  quer  fazer  com 
isso.  Seu  Anísio  se  sente  culpado  porque  acha  que  foi  ele  que  fez  Bebelo fazer isso, quando 
pediu  pra  pensar  na  garota  morta  e  fazer  uma  música.  Eu  acho  que  isso  é  coisa  da  cabeça 
dele  mesmo,  coisa  de  quem  não  tem mais o que fazer. Mas a hora de Bebelo tá contada, não 
tem  o  p  do  perigo  dele  superar  a  Ângela.  Ela  tem  alma,  ela  canta  como  quem  só  sabe  fazer 
isso  da  vida.  Enquanto  o  Bebelo  só  sabe  perturbar  os  outros.  (Ela  vê  que  Bebelo  está  se 
preparando com a banda). Eita, é chegada a hora, vamo ver como fica esse desastre aí! 
 

13
(Luzia  vai  se  sentar  pelo  bar.  A  banda  começa  a  tocar  o  instrumental  de  “Coração 
Selvagem”) 
 
BEBELO - ​MEU BEM,  
GUARDE UMA FRASE PRA MIM  
DENTRO DA SUA CANÇÃO 
ESCONDA UM BEIJO PRA MIM  
SOB AS DOBRAS DO BLUSÃO 
EU QUERO UM GOLE DE CERVEJA  
NO SEU COPO, NO SEU COLO E NESSE BAR 
 
MEU BEM, O MEU LUGAR  
É ONDE VOCÊ QUER QUE ELE SEJA 
NÃO QUERO O QUE A CABEÇA PENSA  
EU QUERO O QUE A ALMA DESEJA 
ARCO-ÍRIS, ANJO REBELDE,  
EU QUERO O CORPO  
TENHO PRESSA DE VIVER 
 
(Ele  começa  a  canção  como  um  desenvolvimento  de  tudo  que  ele  pensa  no  momento  sobre 
sua vida) 
 
MAS QUANDO VOCÊ ME AMAR,  
ME ABRACE E ME BEIJE BEM DEVAGAR 
QUE É PARA EU TER TEMPO,  
TEMPO DE ME APAIXONAR 
TEMPO PARA OUVIR O RÁDIO NO CARRO 
TEMPO PARA A TURMA DO OUTRO BAIRRO,  
VER E SABER QUE EU TE AMO 
 
MEU BEM,  
O MUNDO INTEIRO ESTÁ NAQUELA ESTRADA ALI EM FRENTE 
TOME UM REFRIGERANTE,  
COMA UM CACHORRO-QUENTE 
SIM, JÁ É OUTRA VIAGEM  
E O MEU CORAÇÃO SELVAGEM 
TEM ESSA PRESSA DE VIVER 
 
(Mas, aos poucos, torna-a um chamado para Ângela, ele canta diretamente para ela) 
 
MEU BEM, MAS QUANDO A VIDA NOS VIOLENTAR 
PEDIREMOS AO BOM DEUS QUE NOS AJUDE 

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FALAREMOS PARA A VIDA:  
"VIDA, PISA DEVAGAR  
MEU CORAÇÃO CUIDADO É FRÁGIL; 
MEU CORAÇÃO É COMO VIDRO,  
COMO UM BEIJO DE NOVELA" 
 
MEU BEM, TALVEZ VOCÊ POSSA  
COMPREENDER A MINHA SOLIDÃO 
O MEU SOM, E A MINHA FÚRIA  
E ESSA PRESSA DE VIVER 
 
E ESSE JEITO DE DEIXAR  
SEMPRE DE LADO A CERTEZA 
E ARRISCAR TUDO DE NOVO COM PAIXÃO 
ANDAR CAMINHO ERRADO  
PELA SIMPLES ALEGRIA DE SER 
 
(Ele canta cada vez mais fervorosamente, um tipo de clamor) 
 
MEU BEM, VEM VIVER COMIGO,  
VEM CORRER PERIGO,  
VEM MORRER COMIGO 
MEU BEM, MEU BEM, MEU BEM 
 
(Aos  poucos  Ângela  se  aproxima  dele  e  corresponde  -  ela  entende  seu  clamor  como  um 
pedido para se juntar a ele na canção, uma mistura de letra e improviso vocal) 
 
ÂNGELA - T ​ ALVEZ EU MORRA JOVEM 
ALGUMA CURVA DO CAMINHO,  
ALGUM PUNHAL DE AMOR TRAÍDO 
COMPLETARÁ O MEU DESTINO 
 
(Ele  começa  guiando-a,  mas  logo  ela  entende  a  música  e  como  funciona,  então,  eles  se 
entrosam nela. Luzia claramente demonstra seu ódio pela sua feição) 
 
ÂNGELA E BEBELO - M ​ EU BEM, VEM VIVER COMIGO,  
VEM CORRER PERIGO, VEM MORRER COMIGO 
MEU BEM, MEU BEM, MEU BEM 
MEU BEM, MEU BEM, MEU BEM 
TODOS CANTORES CHAMAM BABY 
TODOS CANTORES CHAMAM BABY 
TODOS CANTORES CHAMAM BABY, MEU BEM 

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CENA 3 - O Lamento Dos Que Ficam 


 
(No final, Bebelo e Ângela terminam se olhando assim que termina a parte cantada. Quando 
o  instrumental  também  se  encerra,  todos  aplaudem.  Bebelo  olha  em  volta  e  sente-se  feliz, 
porém,  logo  vê  que  um  rapaz  não  está  batendo  palmas,  na  verdade,  ele  chora.  Então,  vai 
falar com Seu Anísio) 
 
BEBELO - ​Seu Anísio, o senhor sabe quem é aquele rapaz ali? 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Sei  não,  Bebelo.  É  a  primeira  vez  que  vejo  o  homem  por  aqui.  Se  ele  tivesse 
aparecido  antes,  ainda  chorando  desse  jeito,  eu  saberia.  Tu  tá  querendo  ir  falar  com  ele, 
num é? 
 
BEBELO  - ​E o senhor não? Não ia querer que te acudissem se te vissem triste assim, sozinho 
num bar? 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Eu  mesmo  não, ia querer que me deixassem em paz. Mas vai lá ver, ninguém 
vai conseguir te parar mesmo. E também não tem pessoa melhor que tu pra isso. Vá lá, vá. 
 
(Bebelo  só  acena  concordando e vai falar com o rapaz. Ele chega enquanto o rapaz olha para 
o horizonte, em direção à rua e o mar) 
 
BEBELO  -  ​Posso?  (Perguntando  se  podia  sentar  à  mesa.  O  rapaz  o  olha  e  começa  a  limpar 
algumas lágrimas ainda no rosto com a mão) 
 
JOÃO  -  ​Essa  cerveja  na  tua  mão é nossa? (Bebelo ri de canto de boca e acena que sim) Então, 
pode sentar aí. 
 
(Bebelo  senta  e  serve  dois  copos,  um  para  cada.  João  vira  o  dele  e  Bebelo  enche  o  copo 
novamente) 
 
BEBELO - ​Eita, tava seco né. 
 
JOÃO  -  ​Foi  de  chorar.  (Bebelo  faz  um  cara  levemente  desconfortável)  O  quê?  Achou  que  eu 
não percebi que você só veio aqui quando eu comecei a chorar no final da música? 
 
BEBELO - ​Não queria que fosse na cara assim, mas foi. Num tem pra que mentir. 
 
JOÃO - S​ índrome do herói? 
 
BEBELO - ​Como é? 

16
 
JOÃO  -  ​Nada  não.  (Um  breve  silêncio  se  instaura,  mas  logo  João  o  interrompe)  Não  vai 
perguntar não? 
 
BEBELO - ​O quê? 
 
JOÃO - O​ ra, a causa do choro. 
 
BEBELO  - ​Ah. Eu fiquei na dúvida. Querer eu queria. Mas chegando aqui fiquei sem jeito de 
perguntar…  
 
JOÃO - N ​ a dúvida, pergunte. Mas te adianto logo: foi morte. 
 
BEBELO  -  ​Como  se  fosse  novidade  na  minha  vida por aqui… Só o que tem acontecido. Mas, 
me desculpe, de quem foi? 
 
JOÃO  -  ​Numa nice. Não sei se tu ficou sabendo, deve ter sabido, mas há umas duas semanas 
uma garota foi atropelada por aqui, bem em frente a esse bar. 
 
BEBELO  -  ​Se  não  sei!!! Foi bem ali! (Apontando) Ela foi atrop… Faleceu na minha frente. No 
dia que cheguei aqui. 
 
JOÃO - E ​ ntão, você foi a última pessoa que ela viu em vida? 
 
BEBELO  -  ​Isso  eu  não  sei.  Foi  tão  rápido  que  não sei se ela olhou pra mim de volta como eu 
olhei pra ela na hora do… Mas que mal me pergunte, tu era o que dela? 
 
JOÃO - N ​ oivo. 
 
BEBELO - M ​ eu Deus. 
 
JOÃO  -  ​Na  escala do lamento, deve pesar mais que irmão, mas menos que pai. Vai depender 
muito  da  família.  No  caso  dela,  pesa  mais  que  qualquer  um  porque  eu  era  toda  a  família 
dela. E ela a minha. 
 
BEBELO - ​(Inquieto) Como é que pode, meu senhor, tamanha tragédia? 
 
JOÃO - T ​ ambém não sei. Só tem sido bem mais difícil encarar o dia a dia sozinho. 
 
BEBELO - ​Não sei nem como deve ser. Meus sentimentos…  
 

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JOÃO  -  ​Obrigado,  ainda  que  não  mude  muito,  ajuda  a  consolar.  (Percebendo  Bebelo  meio 
inquieto) Que foi? 
BEBELO - ​Que foi o quê? 
 
JOÃO - P​ arece que você tá incomodado. Quer falar, perguntar, desembuchar algo. Diga. 
 
BEBELO  -  ​Olhe,  até  eu,  do  meu  jeito  intrometido  de  ser,  sei  até  onde  devo  ir.  Tenho  que 
respeitar os sentimentos do senhor. 
 
JOÃO  -  ​Se  nem  o  destino  respeitou.  Se  o  destino,  que  é  bem  mais  forte  e  importante  que 
você,  não  respeitou  meu  amor  e  tirou  sua  vida  de  mim,  por  que  que  eu  iria  me  incomodar 
contigo? Ora, Bebelo! 
 
BEBELO - ​E sabe meu nome? 
 
JOÃO  -  ​Como  é  que  eu  não  saberia  o  nome  da  estrela  do  bar  que  me  arrancou  as  lágrimas? 
Ainda  mais  num  dueto  tão  bonito  como  aquele,  pode  até  não  ser,  mas  o  amor  tava  no  ar, 
hein. Foi isso que me emocionou. Melhor, que me entristeceu. 
 
BEBELO - ​Mas antes me diga o teu nome que o mal educado aqui nem se interessou. 
 
JOÃO  -  ​Bebelo,  você  veio  aqui  atrás  de  algo  mais  importante  que meu nome, que foi minha 
dor.  Não  sei  se  ficou  culpado  pela  música  ter  tido  esse  efeito,  mas  não  acho  que  veio  se 
aproveitar dela, queria me ajudar. Tem coisa que dá pra sentir. Eu sou João, é um prazer. 
 
BEBELO - ​Pois, João, eu só vim. É natural já. 
 
JOÃO - P ​ ois pergunte. 
 
BEBELO  -  ​Se  insiste, vamo lá. Desde que se sua noiva morreu na minha frente, eu fiquei me 
perguntando  sobre  minha  vida,  sabe?  Como  ela  pode  sumir  num  piscar  de  olhos e o que eu 
tô  fazendo  dela.  Eu  ainda  não  respondi,  sei  nem  se um dia eu vou responder! Mas eu vi que 
conversando  com  o  povo,  ficava  mais  fácil  de  responder  pra  mim  mesmo  também!  Aí,  eu 
vivo perguntando pra todo mundo um negócio…  
 
JOÃO - P ​ ode dizer, tenha medo não. Vá. 
 
BEBELO  - ​Por que tu vive? (Nervoso) Mas eu só tô dizendo porque tu insistiu, eu não queria, 
pode ser pior pra ti, e…  
 
JOÃO  -  ​(Interrompendo-o)  Bebelo.  Quem  fica  nervoso  com  isso  agora  sou  eu.  Mas  não 
porque  é  difícil  de  responder,  mas,  na  verdade,  porque  é  bem  fácil.  E  também  porque  não 

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sei  se  você  tá  pronto  pra conhecer alguém como eu. Pessoas como você vão atrás de pessoas 
como eu, é como tu se comporta. 
BEBELO - ​Agora eu que digo pra não se preocupar! Se for te fazer bem, pode dizer…  
 
(No  fundo,  a  banda  começa  a  tocar  o  instrumental  de “Mucuripe” e João fala por cima, logo 
antes de cantar) 
 
JOÃO - B ​ ebelo, tá vendo bem ali? 
AS VELAS DO MUCURIPE 
VÃO SAIR PARA PESCAR 
VOU MANDAR AS MINHAS MÁGOAS 
ÀS ÁGUAS FUNDAS DO MAR 
 
HOJE À NOITE NAMORAR 
SEM TER MEDO DA SAUDADE 
SEM VONTADE DE CASAR 
 
AS VELAS DO MUCURIPE 
VÃO SAIR PARA PESCAR 
VOU MANDAR AS MINHAS MÁGOAS 
ÀS ÁGUAS FUNDAS DO MAR 
 
HOJE À NOITE NAMORAR 
SEM TER MEDO DA SAUDADE 
SEM VONTADE DE CASAR 
 
CALÇA NOVA DE RISCADO 
PALETÓ DE LINHO BRANCO 
QUE ATÉ O MÊS PASSADO 
LÁ NO CAMPO AINDA ERA FLOR 
 
SOB O MEU CHAPÉU QUEBRADO 
UM SORRISO INGÊNUO E FRANCO 
DE RAPAZ NOVO ENCANTADO 
COM VINTE ANOS DE AMOR 
 
CALÇA NOVA DE RISCADO 
PALETÓ DE LINHO BRANCO 
QUE ATÉ O MÊS PASSADO 
LÁ NO CAMPO AINDA ERA FLOR 
 

19
(Bebelo  ouve  tudo  o  que  é  dito  e  tal  hora  começa  a  expressar  pelo  seu  corpo  que  quer dizer 
algo, mas não sabe o que. Não se tem muito o que dizer em discursos assim… ) 
 
AQUELA ESTRELA É DELA 
VIDA VENTO VELA LEVA-ME DAQUI 
AQUELA ESTRELA É DELA 
VIDA VENTO VELA LEVA-ME DAQUI 
DAQUI 
 
Bebelo,  não  diga  nada.  (Percebendo  todo  o  incômodo  de  Bebelo,  mesmo  sem  ter  olhado 
direito  para  ele  enquanto  cantava)  Você  não  tem  nada  a  dizer.  E  nem  tem  que  ter.  Tem 
algumas  coisas  na  vida  que  são  sobre  lutar,  outras  só  aceitar.  Você  pode  pegar  a  conta  pra 
mim? Acho que tá na hora de seguir pra casa. 
 
BEBELO  -  ​Pego.  (Pensativo,  ele  se  vira  para  sair,  mas  logo  se  desvira)  Mas  oh,  tu  não 
costuma vir aqui não né? 
 
JOÃO - N ​ ão, não tinha tido coragem ainda. 
 
BEBELO  - ​Pois eu quero te pedir uma coisa. Eu comecei agora no bar, ainda tô começando a 
vender meu trabalho, num quer me ajudar não? 
 
JOÃO - T ​ e ajudar? 
 
BEBELO  -  ​É,  ué,  vem  aqui  todo  dia!  (Ele  vê  que  o  João  estranha  o  pedido)  Se você vier todo 
dia,  é  um  cliente  a  mais  pro  bar,  nem  que  seja  só  meia  hora  pra  me  ver  cantando por aqui! 
Em  troca,  eu  prometo,  todo  dia  eu  canto  uma  música  pra  ti,  pode  ser repetida ou não, mas 
tem que vir aqui pra ver! 
 
JOÃO - E ​ u vou pensar. 
 
BEBELO - ​Pois pense com jeitinho! 
 
JOÃO - A ​ conta, Bebelo. 
 
BEBELO  -  ​Pode  deixar,  tô  indo  buscar  agora!!!  (No  caminho  para  pegar  a  conta,  Bebelo  se 
questiona  -  falando  com  a  plateia)  Minha  gente,  será  que  ainda  tem  vida  ali?  Tem  vida 
depois  da  morte  de  um  amor?  (Breve  pausa)  Se vocês querem saber minha opinião, eu acho 
que  tem,  tanta  coisa  tem  vida  na  vida  ainda…  (Pausa)  Mas  se  o  João  sabe  disso,  aí eu já não 
sei. 
 

20
LUIZA  -  ​Para  de  ficar  vagando  aí  no  nada  e  vai  levar  a  conta  do  teu  colega  ali.  (Ela  fala 
batendo a conta contra o peito de Bebelo) 
 
BEBELO - ​Já tô indo! (Ele vai até João e entrega a conta para ele) Tá aqui, dito e feito. 
JOÃO - O​ brigado, Bebelo.  
 
BEBELO - ​Até amanhã? 
 
(João  dá  um  leve  riso  e  sai.  Quando  ele  sai,  os  outros  clientes  e  a  banda  também  saem.  Só 
ficam  os  donos  e  outros  funcionários  do  bar  -  Bebelo,  Ângela  e  Luzia  -  limpando  e 
organizando as coisas) 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Parem  um  instante  o  que vocês tão fazendo porque tenho uma notícia muito 
importante  pra  dar  agora.  (Os  três  funcionários  prestam  atenção  nele)  Eu  andei 
conversando com Augusta…  
 
DONA AUGUSTA - (​ Interrompendo-o) E eu dei uma opinião bem dada e bem boa. 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Isso  mesmo.  E  nós  decidimos  que  quem  vai  continuar  sendo  artista  da  casa 
é…  
 
(Os três viram-se, quando vão falar, para a plateia e voltam a prestar atenção no resultado:) 
 
BEBELO - ​Eita pau! É a anja! 
 
ÂNGELA - É ​ o Bebelo sim. 
 
LUZIA - É ​ o Bebelo não. Bebelo não! 
 
SEU ANÍSIO - É ​ os dois! Decidimos manter os dois com a gente, cantando aqui sempre! 
 
LUZIA - E ​ da onde vai tirar o dinheiro pra pagar os dois? Vai tirar do meu é? 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Se  preocupe  não,  Luzia.  O  povo novo que veio aqui hoje gostou e parece 
que vai continuar vindo. 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Mas  isso  num  basta.  É  por  isso  que  os  dois  aí  vão ter que ser muito bons pra 
atrair  mais  gente  pro  bar.  E  também  manter  os  que  já  tão  com  a  gente.  Tratem  de  fazer 
umas músicas bem boas porque a casa vai precisar e eu quero é lotar isso aqui! 
 
BEBELO  -  ​Obrigado,  Seu  Anísio,  Dona  Augusta. (Ângela também acena agradecendo, feliz. 
Luzia demonstra imensa insatisfação) 

21
 
DONA  AUGUSTA  -  ​De  nada.  Pois  bem,  notícia  dada,  agora  a  gente  vai  se  retirar  lá  pra 
dentro. Vocês arrumar as coisas aí pra gente né? 
 
BEBELO - ​Na hora! 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Pois  pronto,  demore  muito  a  entrar  também  não,  Bebelo.  Boa  noite, 
gente. (Ela e Seu Anísio vão saindo) 
 
BEBELO,  ÂNGELA  E  LUZIA  -  ​Boa  noite.  (Cada  um  numa  tonalidade  extremamente 
diferente da outra) 
 
(Bebelo  e  Ângela  comemoram.  Luzia  congratula  Ângela,  apenas.  Em  seguida,  Ângela 
questiona Bebelo e Luzia ouve a conversa enquanto todos continuam organizando o bar) 
 
ÂNGELA - M ​ as vem cá, você tá dormindo por aqui pelo bar mesmo? 
 
BEBELO  -  ​É  sim.  Seu  Anísio  e  Dona  Augusta deixaram eu ficar por aqui até achar um lugar 
pra  ficar,  tô  dormindo  num  quartinho  que  eles  têm  no  fundo  da  casa  que  já  é  no  fundo  do 
bar, né. 
 
ÂNGELA - E ​ tá sendo legal ficar por aqui, com eles? 
 
BEBELO  -  ​Tá  sim,  tá tudo ótimo ali. (Para a plateia) Num tá não, viu. Já tem três dias que eu 
não durmo direito porque eu fui pegar água na cozinha de madrugada e lá estava Seu Anísio 
parado,  em  pé,  com  seus olhos fechados e de cueca. Tá nada ótimo não. (Para Ângela) Mas é 
aquela  coisa  né, é chato ficar abusando da boa vontade dos dois. Já tem duas semanas aqui e 
não acho um lugar que eu possa pagar…  
 
ÂNGELA - D ​ orme lá em casa hoje. 
 
BEBELO - ​O quê? 
 
LUZIA - É ​ o que, mulher? Tá bem da cabeça? 
 
ÂNGELA  -  ​É  melhor  que  ele  ficar  aqui  mais  uma  noite,  se  sentindo  assim.  Lá  em  casa  tem 
espaço  e  minha  irmã  que  morava  comigo  resolveu  ficar  uns  tempos  no  interior  desde  que 
mamãe  morreu.  Então,  tô  meio  só  e  preciso  de  alguém  pra  dividir  a  casa.  Bebelo  também 
precisa e tá decidido. 
 

22
LUZIA  -  ​Não  me  leve  a  mal,  Bebelo,  mas  eu  não  confio  em  ti  de  jeito nenhum. Só tem duas 
semanas  que  tu  chegou  aqui  e  é  macho.  Se tem coisa que não confio fácil, é em macho. Mas 
o pior é tu (falando com Ângela) que chegou hoje e já tá chamando ele pra dormir contigo. 
 
ÂNGELA  - ​Que dormir comigo o quê, ele vai é pro sofá mesmo. Melhor que os fundos daqui, 
tenho certeza! 
BEBELO  -  ​Também  num  é por nada não, eu confio em mim, mas acho que Luzia tem razão, 
anja…  
 
ÂNGELA  -  ​Tá  decidido  e  pronto. Tu quer ou não quer ir lá pra casa? Decida agora porque eu 
quero que você vá. 
 
BEBELO  -  ​(Ele  olha  rapidamente  para  a  plateia  com uma cara de felicidade e surpresa, mas 
logo  volta  a  falar  com  ela) Pois então sendo assim eu vou. Espera só eu juntar minhas coisas 
aqui,  demora  não.  Também  vou  só  avisar  e  agradecer  os  dois  lá  dentro.  Me  dê  cinco 
minutos. 
 
ÂNGELA - V ​ ou fumar um lá fora, me encontra lá. 
 
(Bebelo sai apressado) 
 
LUZIA - M ​ ulher, tu tá ficando é louca é? Tem titica na cabeça? 
 
ÂNGELA  -  ​Olha,  Luzia,  te  agradeço  mesmo,  de  coração,  a  preocupação,  mas  precisa  não, 
viu? Me deixa que eu sei o que eu tô fazendo. 
 
LUZIA  -  ​Sabe  muito  viu.  Mas  qualquer  coisa,  fale  comigo.  Na  hora.  Se  quiser  eu  bato  lá na 
tua casa. Bato até em Bebelo também. 
 
ÂNGELA - (​ Rindo) Disso eu sei. Obrigada mesmo, mas vou ali fumar um. Até amanhã! 
 
LUZIA - ​Até… (Ângela sai, Luzia falando para a plateia) Tem é bosta na cabeça essa aí, viu?! E 
eu também, só amarro meu burro em canto em errado… Boa noite pra quem fica aí. 
 
(Luzia sai do bar que já está com suas mesas e cadeiras recolhidas) 
 
 

CENA 4 - O Amor e O Poder 


 
(Bebelo e Ângela chegam na casa dela) 
 

23
ÂNGELA  -  ​Estamos  na  sala  de  estar,  jantar e cozinha. Ali é o banheiro, sinta-se à vontade, e 
ali é o quarto. 
 
BEBELO - ​Você é mesmo uma anja. Obrigado de novo. 
 
ÂNGELA - (​ Vendo Bebelo pôr suas coisas no sofá) O que você tá fazendo? 
 
BEBELO - ​Eu, eu… Não pode? Desculpa! 
 
ÂNGELA  -  ​Não,  não  é  isso.  É  pra  você  se  sentir  à  vontade  mesmo,  mas  tão  à vontade que o 
quarto também é pra ti…  
 
BEBELO - ​Mas o sofá aqui tá bom pra mim, sim. 
 
ÂNGELA - V ​ ocê não quer dormir lá na cama? Eu te garanto que é bem melhor que o sofá. 
 
BEBELO  -  ​É  que  eu  fiquei pensando nas coisas que a Luzia disse, ela tinha razão, por que tu 
já tá confiando em mim? 
 
ÂNGELA  -  ​Porque  se  eu  for  esperar  pra  confiar de verdade, pode demorar uma eternidade. 
E se eu perder a oportunidade? 
 
BEBELO - ​Oportunidade? 
 
ÂNGELA  -  ​De finalmente ter alguma companhia nessa casa, lá no quarto também. A vida de 
artista por aqui pode ser bem solitária. 
 
BEBELO  -  ​Eu  acho  que  tô  entendendo.  E  não  tô  dizendo  não,  também,  viu?!  Quer dizer, tô 
agora,  mas  não  queria.  Querer  num  é  poder…  E  eu  também  fico  todo  embaraçado  nessas 
coisas, eu sou muito pra trás e…  
 
ÂNGELA  -  ​(Acalmando-o)  Calma,  respira.  Tá  tudo  bem,  sem  pressão.  Mas  eu  também  sei 
que  você  aproveitou  a  minha  intenção…  Sei  que  não  é  besta  nesse  ponto.  Se  não  quiser 
dormir  lá  no  quarto,  não  tem  problema algum. O sofá pode ser todo teu. Agora… (Começa a 
tocar  o  instrumental  de  “Vício  Elegante”)  Se  você  quiser  e  só  não  souber  como  falar,  não 
precisa.  Teus  olhos  já  tão  me  dizendo  tudo.  Você  é  tão  transparente  e  solar,  Bebelo,  mas 
deixa que eu te guio nisso… (Pegando vagarosamente na mão dele) 
SE UMA ESTRELA CAI DO CÉU 
VAI PARA O JAPÃO 
E ENTRA EM MEU QUARTO DE HOTEL 
COMO A GUEIXA DE PLANTÃO 
 

24
BEBELO - ​(Para a plateia)  
TODO ZEN, FUMANDO ESPERO 
ESSA DEUSA VEM ME VER 
MAIS SENSUAL QUE BOLERO 
EM CALMA, LUXO E PRAZER 
 
 
ÂNGELA - (​ Recuperando a atenção de Bebelo) 
VERSOS PERVERSOS  
DAS FLORES DO MAL 
NESSE ROMANCE,  
FANTASIA ORIENTAL 
 
BEBELO - ​(Deixando-se levar completamente por ela) 
CENAS OBSCENAS? NÃO!  
APENAS DE AMOR! 
QUE ESTOU NAVEGANDO  
NUMA TELA MULTICOR 
 
(No instrumental, eles começam a dançar bem próximos, envolvendo-se um ao outro) 
 
ÂNGELA E BEBELO - L ​ IGO O RÁDIO CONTRA O TÉDIO 
QUE VÍCIO ELEGANTE! 
EM GOZO EM PAZ TEU ASSÉDIO 
NUMA ONDA DE AMANTE! 
 
O VIVER É DE IMPROVISO 
FAZ SUA PRÓPRIA LEI... 
MAS NAVEGAR É PRECISO: 
VOU MANDAR-TE UM LAY-LADY-LAY 
 
TÃO PÓS-MODERNA A ETERNA PAIXÃO 
NESSE PROGRAMA GUIA DE NAVEGAÇÃO 
VI SEU POEMA NO MEU COMPUTADOR 
QUE ESTOU NAVEGANDO NUMA TELA MULTICOR 
 
(Eles  terminam  o  restante  da  música  ainda  entrosados,  mas  indo  em  direção  ao quarto. As 
luzes  mudam  e  tudo  se  ilumina  mais,  marcando  a  chegada do dia. Ouvimos o diálogo deles 
que vem de dentro do quarto) 
 
ÂNGELA - B ​ ebelo!!!!! Olha a hora!!! 
 

25
BEBELO - ​Ué, e é hora de quê?? 
 
ÂNGELA  -  ​A  gente  tá  atrasado  que  só!!!  Se  arrume  rápido  aí  que  já  era  pra  gente  tá  lá  há 
meia hora pra ajudar a arrumar as coisas! 
 
BEBELO - ​Eita!!! Vou só me assear, pera ainda! 
 
(Então,  a  cena  volta  para  o  bar,  Luzia,  Seu  Anísio  e  Dona  Augusta  já  estão  organizando 
tudo) 
 
LUZIA  -  ​Eu  tô  preocupadinha!  Eu  disse  pra  ela  me  ligar  qualquer  coisa,  mas  ela  nunca  se 
atrasa. 
 
SEU ANÍSIO - E ​ nem Bebelo. 
 
DONA AUGUSTA - D ​ eixa de ficar avexada que também pode ser outra coisa…  
 
LUZIA - E ​ o que mais seria, Dona Augusta? 
 
(Ângela e Bebelo chegam ao bar) 
 
DONA AUGUSTA - O ​ lha aí, falando nos cão! 
 
LUZIA - E ​ u disse pra tu não levar o Bebelo, Ângela! Tá tudo bem? 
 
ÂNGELA  -  ​Tá  sim!  Foi  só  um  atraso  porque  a  gente  tava  ajeitando  as  coisas  por  Bebelo 
dormi na sala e tal…  
 
BEBELO - ​Pois é, ô sofá bom viu! 
 
SEU ANÍSIO - T ​ á dando pra ver na tua cara como foi bom esse sofá aí, chega tá corado! 
 
BEBELO  -  ​(Nervoso)  Mas  agora  que  a  gente  chegou,  vamo  pôr  a  mão  na  massa!  Tá na hora 
de ajeitar aqui! (Ele fala isso já colocando as cadeiras e mesas no lugar) 
 
LUZIA  -  ​Já  fez  foi  passar  da  hora…  (Cochichando  para  Ângela)  Mas  se  tiver  qualquer  coisa, 
pisca duas vezes pra mim. Pode piscar, tenha medo não! 
 
ÂNGELA  -  ​Mais  uma  vez,  obrigada  mesmo,  Luzia!  Mas  tá  tudo  ótimo.  Você  é  uma amiga e 
tanto!  (Ela  fala  e  sai  para  ajudar  a  organizar  as  coisas.  A  palavra  “amiga”  fica  ecoando  na 
cabeça de Luzia que até fica cabisbaixa com isso) 
 

26
(Repentinamente, um homem chega ao bar) 
 
BIBITO - O ​ pa, com licença! 
 
BEBELO - ​Bibito? 
 
BIBITO - B ​ ebelo? Meu querido! (Eles se abraçam) 
 
LUZIA - B ​ ebelo e Bibito? Agora só falta o Babaca… (Falando e rindo consigo mesma) 
 
BEBELO - ​Pessoal, esse aqui é Bibito, meu primo aqui da cidade! 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Meu  filho,  parece  que  vocês  num  se  veem  tem  um  tempo,  se  preocupe 
não,  vá  conversar  com  seu  primo.  Se  tem  uma  coisa  que  a  gente  aprendeu,  foi  a arrumar a 
casa só nós quatro! 
 
BEBELO  - ​Brigado, Dona Augusta. (Ele se volta para Bibito e conversa com ele) Mas o que tu 
tá fazendo por aqui? 
 
BIBITO - E ​ u soube que você estava por aqui e vim checar como andavam as coisas. 
 
BEBELO - ​Foi mamãe, num foi? 
 
BIBITO  -  ​Foi  ela,  sim.  Não  que  eu  não  quisesse  te  encontrar,  é  que  eu  sempre  estou  muito 
ocupado com o trabalho. Mas a tia tem um jeitinho especial de convencer você. 
 
BEBELO  -  ​Na  ameaça  e  no  grito,  né?  (Eles  riem)  Tem  problema  não,  eu  sabia  que  cedo  ou 
tarde  ela  ia  mandar  alguém  me  espionar.  Por  aqui  tá  tudo  bem!  Tô  trabalhando  aqui,  eu 
canto e ajudo toda noite. Se quiser ver, é só se aprochegar! 
 
BIBITO  - ​Assim como eu arranjei um tempo para te ver hoje, eu também consigo algum dia. 
Talvez daqui umas duas semanas, quem sabe, por ti vale à pena. 
 
BEBELO  -  ​Eita,  imagine  se  num  valesse.  Mas  e  tua  vida  por  aqui?  Me  diga  como  tem  sido 
desde que saiu lá da gente. Tem o quê? Uns quatro anos já? Por que você vive? 
 
(O instrumental de “Máquina II” começa a tocar e Bibito canta - respondendo Bebelo) 
 
BIBITO - Ê ​  
MÊ 
E M 
 

27
BEBELO  -  ​(Bebelo  começa  a  falar  enquanto  Bibito  canta,  sobrepondo-se)  Ele  começou  a 
falar  e  já  vi  que  a  vida  era  só  trabalho.  Trabalho  era  razão  de  viver.  Tentava  falar  de outras 
coisas  e  num  conseguia. Ele tava igualzinho o povo que eu vi quando cheguei aqui (Algumas 
pessoas  vão  entrando  pelo  palco  e  também  cantam  a  mesma  coisa  que  Bibito.  É  uma 
entrada  gradual  das  pessoas  que  apareceram  em  “Bebelo”,  representando  os  robôs  da 
cidade  grande),  tudo  no  automático.  De  longe  parecem  tudo  focado,  mas  tavam  era 
perdidos, ê ê. Sei não viu. Esse povo não sabe o que é viver. 
 
BIBITO - [​ E M E A M A 
Q U I Q U I 
E N E A N A] (x4) 
N A (X6) 
MÁQUINA (x14) 
N A (X6) 
 
(Bibito  repete  a  estrofe  infinitamente,  enquanto  Bebelo  começa  a  cantar  uma  melodia  que 
encaixa  com  o  que  está  acontecendo  enquanto  os  outros  cantam.  Ele canta “Pequeno Perfil 
De  Um  Cidadão  Comum”  por  cima.  Enquanto  os  “vagantes”  são  o  suporte  na  música  de 
Bibito, os quatro que estão no bar são o suporte musical de Bebelo, como coro) 
 
BEBELO - ​ERA UM CIDADÃO COMUM  
COMO ESSES QUE SE VÊ NA RUA 
FALAVA DE NEGÓCIOS,  
RIA, VIA SHOW DE MULHER NUA 
VIVIA O DIA E NÃO O SOL,  
A NOITE E NÃO A LUA 
 
ACORDAVA SEMPRE CEDO,  
ERA UM PASSARINHO URBANO 
EMBARCAVA NO METRÔ,  
O NOSSO METROPOLITANO 
ERA UM HOMEM DE BONS MODOS 
COM LICENÇA, FOI ENGANO 
 
ERA FEITO AQUELA GENTE  
HONESTA, BOA E COMOVIDA 
QUE CAMINHA PARA A MORTE  
PENSANDO EM VENCER NA VIDA 
 
ERA FEITO AQUELA GENTE  
HONESTA, BOA E COMOVIDA 
QUE TEM NO FIM DA TARDE  

28
A SENSAÇÃO DA MISSÃO CUMPRIDA 
 
Que a terra lhe seja leve 
 
(Os dois cessam. Os cidadãos comuns ao redor de Bibito saem de cena) 
 
BIBITO - F ​ alou alguma coisa, Bebelo? 
 
BEBELO  -  ​Nada  não,  primo.  Mas  oh,  tenho-lhe  uma  proposta: venha me ver aqui, nem que 
seja  uma noite por semana começando nesta. Se tu vier, eu sempre vou dedicar uma música 
pra  ti!  É  o  único  poder  que  tenho,  não  me  deixe ao léu usando ele pra nada, hein? Pode ser? 
Será que tu podia fazer isso por mim? 
 
BIBITO - B ​ ebelo… Eu vou tentar, juro que vou.  
 
BEBELO  -  ​E  vai  conseguir  porque  o  primo  que  te  ama  aqui  tá  pedindo  de  coração  aberto, 
num é não? 
 
BIBITO - ​(Ele ri) É sim. Pois eu venho nessa semana ainda, me espere por aqui, viu? Foi bom 
te rever, meu primo. (Eles se abraçam) 
 
BEBELO - ​Pois que se torne um hábito! 
 
BIBITO - A ​ té mais, primo! (Saindo) 
 
BEBELO - ​Inté, primo!  
 
SEU ANÍSIO - (​ Vindo do fundo) Já tamo quase abrindo, viu? Vá ajeitar suas coisas. 
 
BEBELO  -  ​Pode  deixar!  (Anísio  sai,  Bebelo  fala  com  a  plateia)  Vocês  também  num  ficam 
com  gastura  não?  De  ver  um  primo  seu  ou  também  parente,  amigo, que vive de trabalhar e 
esquece  que  não  tem  nada  como  viver?  Mas  nesse  caso  aqui,  até  eu  fiquei  de  boca  aberta, 
num  é  que  ele  veio  toda  semana  mesmo?!  Gostou  da  primeira  vez  e  ficou  vindo  mesmo.  E 
tinha  semana  que  ele  ainda  vinha mais de uma vez… Isso foi gostoso de ver, viu?! E cada vez 
que vinha, ele dizia: 
 
BIBITO  -  ​(Entrando  em  cena)  Isso  que  é  viver,  meu  querido!  (E  vai  sentando  em  uma  das 
mesas pelo bar) 
 
(Depois  que  Bibito  entra,  os  outros  clientes  -  e  ainda  mais  gente  -  vai  entrando  e  se 
sentando) 
 

29
BEBELO  -  ​(Ele  ri)  Dá  é  gosto  de  ver!  Fico  feliz  que  meu  primo  começou  a  aproveitar  um 
tiquinho  mais  da  vida.  E  ainda  foi com muita música, bebida e gente! Se tem uma coisa boa 
nesse  mundo, é gente! Tem muita gente pra salvar, mas também tem muita gente que salva. 
No  caso  do  bar,  o  tanto  de gente que veio nos outros meses salvou meu trabalho e o da anja! 
Depois  do  terceiro  mês  que  eu  e  ela  tava  cantando  junto,  deu  tanta  gente  que  tinha  que 
colocar  mesa  na  calçada  também.  Tudo  tava  indo  muito  bem,  melhor  que  nunca,  parecia 
que não ia mais parar, nunca mais! Até que chegou aquele dia…  
 

CENA 5 - Aquele Dia (Fim de Ato) 


 
SEU  ANÍSIO  -  ​(Chegando  por  trás,  enquanto  o  bar  já  está  todo  movimentado)  Ê  ê,  Bebelo. 
Falando com os espírito de novo é? Vá lá que o pessoal tá pedindo é música! 
 
BEBELO - ​A casa tá cheia e viva! Bom é assim! (E começa a sair) 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​(Interrompendo)  Bebelo… (Bebelo olha) Obrigado, viu, meu filho? Se esse bar 
hoje tem vida mais vida que nunca, é porque foi tu que trouxe. 
 
BEBELO  -  ​Que  é isso, Seu Anísio. Eu é que vou agradecer o senhor pra sempre! (Bebelo sai e 
vai sentar com a banda e Ângela) 
 
(Seu  Anísio  olha  um  instante  para  ele  e  em  seguida  vai  para  o  bar  com  Dona  Augusta.  O 
instrumental de “Viva La Dolcezza” começa) 
 
ÂNGELA  -  ​(Falando  já  do  microfone  do  bar  com  os  clientes  do  bar  e  a  plateia)  Boa  noite, 
pessoal  aqui  do  bar  do  Anísio!  Nessa  bela  noite  de  casa  lotada,  eu  convido  vocês  a  cantar 
junto  também!  Bebelo  canta  e  a  gente  responde  com  Viva  La  Dolcezza,  pode  ser?  É  só  me 
acompanhar! 
 
BEBELO - ​DAQUI DA ZONA FANTASMA 
TE MANDO MINHA LÁGRIMA FEMININA 
DE SUPER-HOMEM 
OS BÁRBAROS VOLTARAM, QUEM DUVIDARÁ? 
 
ÂNGELA  -  ​VIVA  LA  DOLCEZZA!  (Ela  canta  primeiramente  sozinha,  mostrando  como 
responder.  Alguns  cantam  junto  com  ela  -  os  clientes  do  bar  mais  frequentes  e  também 
pessoas da plateia que já conheçam a música) 
 
BEBELO - ​E A GRAMA QUE PISARAM REVERDECERÁ? 
 
TODOS  -  ​VIVA  LA  DOLCEZZA!  (Logo,  todos  aprendem  e  cantam  juntos.  Ângela  deve 
incentivar esse momento de junção da banda e cantores com clientes e plateia) 

30
 
BEBELO - ​JÁ DEI ADEUS AS ARMAS, QUEM ME LIVRARÁ? 
 
TODOS - V ​ IVA LA DOLCEZZA! 
 
BEBELO - ​SE O RESTO E SOM E FÚRIA, QUE SE CANTARÁ? 
 
TODOS - V ​ IVA LA DOLCEZZA! 
(No  breve  intervalo  da  música, todos curtem o momento e também alguns conversam entre 
si.  Vemos  também  Bebelo  e  Ângela  muito  mais  entrosados  entre  si,  até  já  se  beijando 
livremente na frente de todos) 
 
BEBELO - ​OS BÁRBAROS VOLTARAM, QUEM DUVIDARÁ? 
 
TODOS - V ​ IVA LA DOLCEZZA! 
 
BEBELO - ​E A GRAMA QUE PISARAM REVERDECERÁ? 
 
TODOS - V ​ IVA LA DOLCEZZA! 
 
BEBELO - ​JÁ DEI ADEUS AS ARMAS, QUEM ME LIVRARÁ? 
 
TODOS - V ​ IVA LA DOLCEZZA! 
 
BEBELO - ​SE O RESTO É PÃO E CIRCO, QUE SE CANTARÁ? 
 
TODOS - V ​ IVA LA DOLCEZZA! 
NA NA NA NA NA NA NA NA NA (x2) 
 
(No  final,  todos  comemoram  e  aplaudem,  muito  empolgados.  Mas  toda  a  empolgação  vai 
por  água abaixo quando dois jovens assaltantes armados e mascarados entram subitamente 
no bar, rendendo todo mundo) 
 
(ASSALTANTE)  LÍDER  -  ​Perdeu,  perdeu!  Isso  é  um  assalto,  ninguém  grita,  ninguém  faz 
nada  senão  leva  tiro!  (Falando  com  o  seu  parceiro)  Vá  lá  pro  caixa.  (Voltando  a  falar  com 
todos  enquanto  o  outro  assaltante  vai  render  Seu  Anísio  e  Dona  Augusta  a  fim  de  pegar  o 
dinheiro  do  caixa)  A  gente  só  quer  o  dinheiro  da  casa,  mas  quem  gritar  leva  tiro e eu ainda 
levo  suas  coisas  também.  (Enquanto  fala,  vai  apontando  a  arma  para  todos,  inclusive  a 
plateia) 
 
(Todos  estão  extremamente  tensos.  Luzia  está  pálida,  Ângela  parece  estar  pensando  em 
uma forma de resolver a situação e Bebelo está em choque, paralisado) 

31
 
(ASSALTANTE) PUPILO - B ​ ora, Seu Anísio, abra o caixa e coloque tudo nessa sacola aí. 
 
SEU ANÍSIO - E ​ u num vou dar o dinheiro do bar pra ladrão, isso aí é arma é de brinquedo. 
 
DONA AUGUSTA - A ​ nísio, pelo amor de deus!  
 
PUPILO  -  ​Como  é  que  é,  tá  ficando  gagá  é  coroa? (Ele bate com a arma na cabeça de Anísio, 
que cai no chão com o impacto) 
 
DONA AUGUSTA - N ​ ão!!! Não faça nada, eu abro o caixa pra tu, pode deixar. 
 
PUPILO  -  ​Pois  encha  tudo  aí,  minha  senhora,  que  se  qualquer  um  aqui no bar se mexer, eu 
vou mostrar pra vocês que isso aqui não é brinquedo não! 
 
LÍDER  -  ​(Vendo  Ângela  se  mexer,  inquieta)  Se  você  se  levantar  ou  fizer  qualquer  coisa,  eu 
estouro a cabeça do cantor aí. (Ela responde acenando, mostrando que entendeu) 
 
PUPILO  -  ​(Pegando  a  sacola  com  o  dinheiro)  Valeu,  minha  senhora.  Parece  que  tu  não  é 
burra  como  o  teu  homem  aí.  (Ele  vai  saindo  com  a  sacola,  até  que  Seu  Anísio,  caído  ainda, 
segura o tornozelo dele) 
 
SEU  ANÍSIO  -  ​Espere  aí!  Esse  é  o  dinheiro  que  vai  pagar  minha  família  aqui.  Um  moleque 
que nem tu não tem direito de pegar isso aí. 
 
PUPILO - ​Só pode tá frescando com minha cara!!! (Ele aponta a arma para Anísio) 
 
LÍDER - ​Deixe pra lá, só vamo embora! Bora, porra! 
 
PUPILO - ​Agora só depois de mostrar meu brinquedo aqui pro velho! 
 
(O  Pupilo  atira  em  Seu  Anísio.  Nesse  momento  tudo  fica  escuro,  B.O.,  e  em  silêncio. 
Ouvimos apenas Bebelo falando depois de alguns segundos, ainda no breu) 
 
BEBELO  -  ​Tudo  foi  numa piscada só. Num segundo, no segundo que eu pisquei, parece que 
tudo  aconteceu.  Eu  fechei  os  olhos.  Assim  que  eu  fechei,  veio  primeiro  todo  o  barulho  do 
mundo. (Ele fala isso e, repentinamente, todos começam a falar e gritar, sobrepondo-se) 
 
DONA AUGUSTA - N ​ ãããão!!! 
 
ÂNGELA - S ​ eu Anísio! 
 

32
LUZIA - M​ eu senhor…  
 
LÍDER - ​Puta que pariu, vamo embora! 
 
PUPILO - ​Correu, correu, porra! 
 
(Inclusive, todos os clientes também reagem. Subitamente, o silêncio volta) 
BEBELO  -  ​Quando  eu  terminei  de  piscar  e  abri  meu  olhos,  depois  do  silêncio,  a  tristeza  já 
tinha tomado conta. 
 
(As  luzes  voltam.  Os  assaltantes  saíram  do  bar.  Dona  Augusta  está  segurando  o  marido 
morto  em seu colo. Todos estão ao redor deles, exceto por Bebelo que está ainda em choque, 
sentado, observando tudo) 
 
(Depois  de  algum  tempo  que  vemos  todo  o  lamento  das  pessoas, começa o instrumental de 
“Como Nossos Pais”) 
 
DONA AUGUSTA - N ​ ÃO QUERO LHE FALAR 
MEU GRANDE AMOR 
DAS COISAS QUE APRENDI 
NOS DISCOS 
 
QUERO LHE CONTAR 
COMO EU VIVI 
E TUDO O QUE 
ACONTECEU COMIGO 
 
(Enquanto  os  homens  começam  o  coro,  todas  as  mulheres  cantam  a  melodia  com  Dona 
Augusta. O único que não canta é Bebelo) 
 
MULHERES - ​VIVER É MELHOR QUE SONHAR 
E EU SEI QUE O AMOR 
É UMA COISA BOA 
 
MAS TAMBÉM SEI 
QUE QUALQUER CANTO 
É MENOR DO QUE A VIDA 
DE QUALQUER PESSOA 
 
POR ISSO CUIDADO, MEU BEM 
HÁ PERIGO NA ESQUINA 
ELES VENCERAM E O SINAL 

33
ESTÁ FECHADO PRA NÓS 
QUE SOMOS JOVENS 
 
(Dona  Augusta  canta  quebrando  a  voz  de  emoção  o  tempo  inteiro.  As  outras,  mesmo 
abaladas,  e  os  homens  seguram  melhor  essa  emoção  fúnebre.  Todos  representam  um 
suporte  vocal,  mas a dor é completamente interpretada por Augusta, que vê momentos dois 
e a morte de seu amado, dentre outras coisas. Bebelo observa tudo até o final) 
PARA ABRAÇAR MEU IRMÃO 
E BEIJAR MINHA MENINA 
NA RUA 
É QUE SE FEZ O MEU LÁBIO 
O MEU BRAÇO 
E A MINHA VOZ 
 
VOCÊ ME PERGUNTA 
PELA MINHA PAIXÃO 
DIGO QUE ESTOU ENCANTADO 
COMO UMA NOVA INVENÇÃO 
 
VOU FICAR NESTA CIDADE 
NÃO, NÃO VOU VOLTAR PRO SERTÃO 
POIS VEJO VIR VINDO NO VENTO 
O CHEIRO DA NOVA ESTAÇÃO 
 
E EU SEI DE TUDO 
NA FERIDA VIVA 
DO MEU CORAÇÃO 
 
JÁ FAZ TEMPO 
EU VI VOCÊ NA RUA 
CABELO AO VENTO 
GENTE JOVEM REUNIDA 
 
NA PAREDE DA MEMÓRIA 
ESTA LEMBRANÇA 
É O QUADRO QUE DÓI MAIS 
 
MINHA DOR É PERCEBER 
QUE APESAR DE TERMOS 
FEITO TUDO, TUDO 
TUDO O QUE FIZEMOS 
 

34
AINDA SOMOS OS MESMOS 
E VIVEMOS 
COMO OS NOSSOS PAIS 
 
(Ao fim, Bebelo olha para a plateia, com os olhos cheios de lágrimas. Fim de ato) 
 
 

CENA 6 - “Deslaços” (Início de Ato) 


 
 
(Quando  a  cena  se  inicia,  vemos  todos  parados,  olhando  para  frente,  mas  para  um  mesmo 
ponto. O instrumental de “Até Mais Ver” se inicia) 
 
TODOS - A​ TÉ MAIS VER,  
ATÉ MAIS VER, MEU CAMARADA 
CONTIGO EM MIM E AINDA EM TI,  
VOU INDO EM DOIS 
 
QUALQUER DISTÂNCIA ENTRE NÓS,  
TORNADA EM NADA 
SÓ ASSINALA UM NOVO ENCONTRO  
PRA DEPOIS 
 
''SO LONG'' SEM GESTO,  
UM ''BYE'' AO LÉU.  
NÃO DIGA SORTE 
 
NÃO FALE ADEUS,  
QUE ENRUGA O OLHAR  
MAIS COMPASSIVO 
 
SE, SOB O SOL,  
NADA MAIS VELHO E VIL  
QUE A MORTE 
 
QUEM VIU, NA VIDA,  
NOVIDADE EM ESTAR VIVO? 
 
SE, SOB O SOL,  
NADA MAIS VELHO E VIL  
QUE A MORTE 
 

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QUEM VIU, NA VIDA,  
NOVIDADE EM ESTAR VIVO? 
 
(No  final  da  canção,  aos  poucos,  todos  vão  saindo.  Luzia  sai  consolando  Dona  Augusta.  Só 
ficam em cena Ângela e Bebelo, ambos olhando para a plateia) 
 
ÂNGELA  -  ​(Para  a  plateia)  Naquele  dia,  há  sete  dias.  Aquele  dia  que  tudo  aconteceu.  Que 
Seu  Anísio…  Enfim,  deu  pra  entender.  Naquele  dia,  eu  achava que ia perder mais do que só 
um  amigo,  mas  também  um  novo  amor.  Isso  porque, enquanto todo mundo tava acudindo 
o  Seu  Anísio,  Bebelo  começou  a  passar  mal.  Não  falava  coisa  com  coisa  e  sentia  uma  dor 
forte  que  só  no peito. Eu achei que fosse só um estado de choque, do susto, mas levei ele pro 
hospital  com  Bibito  e  João.  Chegando  lá  que  a  gente  descobriu  que  ele  tinha  problema  no 
coração.  Irônico  né?!  Pois  é.  Eu  achava  que  todo  artista  não  batia  bem  da  cabeça  nem  do 
coração,  mas  parecia  que  até  nisso  Bebelo sentia mais… Bebelo sentia demais as coisas. Pro 
bem e pro mal. Tanto que desde d’aquele dia ele tem andado diferente…  
 
BEBELO  -  ​(Logo  em  seguida,  também  pra  plateia,  mas  falando  com  Ângela,  como  se  visse 
algo)  Anja, tu sabia que naquele momento, no momento do tiro, dar dor no peito e do medo, 
eu  senti  falta  do  interior.  Lá  também  tem  tiro,  isso  não  é  novidade,  mas  quem  morre,  é 
quem  tá  marcado.  Quem  morre  sabia  que  ia  morrer.  Aqui  não  foi  assim.  Foi  do  nada. 
Parece  que  por aqui se despedir de quem se gosta é um luxo, né? Mas é um luxo que eu tinha 
no  interior.  Saudade  de  minha  mãe.  Minh’irmã.  Minha  vozinha.  E  também  tinha meu pai. 
Saudade  da  hora  do  almoço.  Não  era  a  melhor  coisa  do  mundo,  não.  Tinha  coisa  melhor. 
Mas  saudade  da  hora  do  almoço.  (Com  isso,  o  instrumental  de  “Na  Hora  Do  Almoço” 
começa a tocar) 
 
(Durante  o  instrumental  inicial,  uma  mesa  é montada e entra a família de Bebelo: mãe, pai, 
irmã e avó. Todos sentam-se à mesa, menos Ângela que assiste a cena) 
 
BEBELO - ​NO CENTRO DA SALA, DIANTE DA MESA 
NO FUNDO DE UM PRATO: COMIDA E TRISTEZA 
A GENTE SE OLHA, SE TOCA E SE CALA 
E SE DESENTENDE NO INSTANTE EM QUE FALA 
 
FAMÍLIA - ​MEDO, MEDO, MEDO, MEDO, MEDO, MEDO 
 
BEBELO - ​CADA UM GUARDA MAIS O SEU SEGREDO 
A SUA MÃO FECHADA, A SUA BOCA ABERTA 
O SEU PEITO DESERTO, A SUA MÃO PARADA 
LACRADA E SELADA E MOLHADA DE MEDO 
PAI NA CABECEIRA:  
 

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(Cada vez que um parente de Bebelo canta, esta pessoa se levanta e fica olhando para ele) 
 
PAI DE BEBELO - "​ É HORA DO ALMOÇO" 
 
BEBELO - ​MINHA MÃE ME CHAMA:  
 
MÃE DE BEBELO - "​ É HORA DO ALMOÇO" 
 
BEBELO - ​MINHA IRMÃ MAIS NOVA, NEGRA CABELEIRA 
MINHA AVÓ RECLAMA:  
 
VÓ DE BEBELO - ​"É HORA DO ALMOÇO" 
 
IRMÃ DE BEBELO - ​EI, MOÇO! 
 
(Quando  a  irmã  canta,  todos  estão  em  pé.  Eles  começam  a  se  movimentar  ao  redor  de 
Bebelo,  como  se  até  aquela  bela  lembrança  tivesse  sido  corrompida  por  toda  dor  que  ele 
carrega no peito nesse momento) 
 
BEBELO - ​E EU INDA SOU BEM MOÇO PRA TANTA TRISTEZA 
DEIXEMOS DE COISAS, CUIDEMOS DA VIDA 
 
SENÃO CHEGA A MORTE OU COISA PARECIDA 
E NOS ARRASTA, MOÇO, SEM TER VISTO A VIDA 
 
BEBELO E FAMÍLIA - ​OU COISA PARECIDA, OU COISA PARECIDA 
OU COISA PARECIDA, APARECIDA 
OU COISA PARECIDA, OU COISA PARECIDA 
OU COISA PARECIDA, APARECIDA 
 
(No  final,  ele  fica  em  pé  enquanto  toda  a  família  sai  durante  os  últimos  acordes.  Um 
pequeno  momento  de  silêncio  até  que  Luzia  entra,  irada,  empurrando  Bebelo  que  cai  no 
chão.  Ângela,  que  estava  contemplando  toda  a  memória  de  Bebelo,  desperta  e  corre  para 
ajudá-lo) 
 
LUZIA - P​ orra, Bebelo!!! 
 
ÂNGELA - P ​ ara com isso, Luzia! Pra que isso? 
 
LUZIA  -  ​Pra  que  isso?!  Vou  te  dizer  pra  que  isso!!  Duas semanas atrás, Seu Anísio disse pra 
Dona  Augusta  que  tinha  sonhado  com  Bebelo  tomando  de  conta  do  bar.  Disse  que  esse 

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sonho  ficou  na  cabeça  dele e que achava que era a coisa certa, que Bebelo tinha uma energia 
forte e cativante, que era o melhor pra tomar conta do bar no futuro mesmo. 
 
BEBELO - ​Eu? 
 
(Bebelo permanece no chão, estático. Ângela está do lado dele) 
LUZIA  -  ​Você  mesmo!!!  Pois  num  é?  E  sabe  qual  é  a  melhor  parte?  Dona  Augusta  agorinha 
chegou  pra  mim  e  disse  que  tava  muito  cansada,  que  não  ia  dar  mais  conta  do  bar  e  tudo 
mais. E adivinha pra quem que ela pensa em passar o bar adiante? 
 
ÂNGELA - B ​ ebelo…  
 
LUZIA  -  ​Isso  mesmo!  Pro  cabra  que  chegou  do  nada  e  roubou  todas  as  minhas  chances  de 
vitória  nessa  vida.  Eu amo esse bar, eu tô nele já tem mais de cinco anos! E você, seu merda, 
chega  aqui  e  rouba  tudo  de  mim!  Eu  só  queria  duas  coisas  na vida. A primeira foi o bar que 
tu  roubou  mesmo  num  tendo  um  ano  de  estadia  com  a  gente.  A  outra…  (Olhando  para 
Ângela) Deixa pra lá. 
 
BEBELO  -  ​(Ele  fala  isso  com  certa  lucidez  que  tem  durante  um  momento  que sai do estado 
de  apatia,  solidez)  Luzia,  espera,  vamo  tentar  resolver  isso,  eu  gosto  muito  de  ti  pra  que 
tudo termine assim, tragédia atrás de tragédia! 
 
LUZIA  -  ​Tem  coisa  que  eu  não  devia  ter  falado  aqui  mesmo.  Mas,  oh,  com  todo  respeito, 
agora que o senhor é patrão: eu me demito. 
 
ÂNGELA  -  ​Ô,  Luzia,  não  faça  isso  não,  por  favor…  Chega  eu  tenho  pena  de  onde  a  gente 
chegou com tudo isso! 
 
(O  instrumental  de  “Balada  do  Amor  Perverso”  começa  e  Luzia,  com  outras  palavras, 
começa  a  colocar  para  fora  tudo  que  sentiu  e,  principalmente,  que  esperava  mas deixou de 
sentir) 
 
LUZIA  -  ​Pena?  De  todo  mundo  aqui,  a  última  pessoa  que  eu  precisava  ter  a  pena  é  tu, 
Ângela.  Tudo  que  me  restava  era  o  orgulho e até isso tu me tirou com tua pena. É chegada a 
hora de parar de lutar e aceitar o que me é devido. 
 
NÃO QUERO AMAR, NÃO! 
NUNCA MAIS 
QUE ESSE NEGOCIO DE AMOR 
JÁ NÃO SE FAZ SEM PUNHAIS 
 
MISTER DE MISTÉRIOS TAIS 

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AH! EU NASCI PERDEDOR 
PRA QUÊ MENTIR DE FINGIDOR 
DE DORES TÃO REAIS? 
 
QUE ROMANTISMO E INSOLÊNCIA 
TORNA-SE O AMOR EM VIOLÊNCIA 
SÓ A PAIXÃO LUZ NATURAL 
TESÃO DE DEUSA PAGà
QUE VENCE O AMOR A LA DON JUAN 
CERTEZA E GLÓRIA DE FAZER O MAL 
 
AMOR QUE MOVE O SOL E OUTRAS ESTRELAS 
AH! QUEM PENOU A LUZ DELAS 
ESSES EU CONHEÇO JÁ DЕ OUTROS CARNAVAIS 
 
DEIXEM-ME SЕR APRENDIZ 
DO AMOR PERVERSO, DO AMOR FELIZ 
LUGAR-COMUM DE ANJOS E DE ANIMAIS 
 
DEIXEM-ME SER APRENDIZ 
DO AMOR PERVERSO, DO AMOR FELIZ 
LUGAR-COMUM DE ANJOS E DE ANIMAIS 
 
(Ela quebra o olhar final, pedinte de amor, para voltar a perceber sua própria realidade) 
 
Mas  tem  coisas  que  a  gente  não  merece  mesmo  e  a  vida  deixa  isso  bem  claro.  Agora,  me 
pergunte Bebelo, “Por que tu vive?”. Pergunte. Eu não vou saber responder nada porque vou 
ter que começar do zero de novo a procurar o que me faz querer viver…  
 
(Dito  isso,  ela  sai  de  cena.  Bebelo  sai  com  os  olhos  todos  marejados.  Ângela  fica  em  cena, 
sem saber o que fazer) 
 
 

CENA 7 - Antes do Fim 


 
ÂNGELA  -  ​(Para  a  plateia)  Tudo  foi  muito  difícil  pra  todo  mundo,  mas  especialmente  pra 
Bebelo.  Foi…  Muito.  Muita  coisa.  Eu  via  que  ele  tava  no  fundo  do  poço.  Já  se  passou  uma 
semana da missa de sétimo dia e ainda nada. Nenhuma vida pulsava nele… Mas também: ele 
perdeu  um  chefe,  amigo  e  uma  figura  paterna  como  nunca  teve  antes,  descobriu  que  seu 
coração  também  já  não  era  forte  e  mesmo  tentando  sempre  ajudar  os  outros,  ser  o  super 
herói,  vem  a  Luzia  e  destrói  tudo  que  ele achava que tinha feito de bom. Eu queria uma luz, 
saber  o  que  fazer,  mas  eu  não  sei.  Me  sinto  uma  inútil  nisso  tudo.  Queria  ter  o  poder  do 

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Bebelo  pra  fazer  algo  nele  mesmo…  Mas  eu  sozinha  não  consigo,  eu  preciso  de  ajudar  pra 
tirar ele desse… (É interrompida por Bebelo, que entra em cena) 
 
BEBELO - ​Tá pensando no quê? 
 
ÂNGELA - N ​ ada. 
 
BEBELO - ​Em mim? 
 
ÂNGELA - T ​ alvez. Mas acima de tudo, ainda agradecendo. 
 
BEBELO - ​Pelo quê? 
 
ÂNGELA  -  ​Pelo  tanto  de  coisa  que  a  vida  tem  pra  oferecer.  Por  mesmo  com  tudo  isso  eu 
ainda te ter. Entende? 
 
BEBELO - ​Não mais. 
 
ÂNGELA - C ​ omo assim “não mais”? 
 
BEBELO - ​Não mais ué. Não consigo lembrar desses bons tempos aí que tu diz. 
 
ÂNGELA  -  ​Mas  eu  não  tô  nem  falando  do  ontem,  tô  falando  é  do  hoje. Hoje eu ainda tenho 
muito o que agradecer. Tenho mais que agradecer do que reclamar até! 
 
BEBELO - ​Isso quer dizer que tu tá vivendo numa ilusão, não na realidade. 
 
ÂNGELA  -  ​Ilusão,  realidade,  tanto  faz!  Você  vive  no  que  acredita!  No  que  sente,  no que vê, 
no  que  quer!  Queira  melhorar,  Bebelo!  Esse  é  o  primeiro  passo.  Vem  comigo,  eu  quero 
muito  que  você  consiga  voltar  a  ver  a  vida  como  ela  é.  Eu  queria  que  você  visse  que  a  tua 
realidade é você quem faz! (Ela fala quase o chacoalhando, puxando sua camisa) 
 
(Então,  começa  o  instrumental  de  “Alucinação”  e  Bebelo  começa  a  cantar  sobre  como  está 
vendo seu mundo cinza e no que não mais o interessa) 
 
BEBELO - ​EU NÃO ESTOU INTERESSADO 
EM NENHUMA TEORIA 
EM NENHUMA FANTASIA 
NEM NO ALGO MAIS 
 
NEM EM TINTA PRO MEU ROSTO 
OU OBA OBA, OU MELODIA 

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PARA ACOMPANHAR BOCEJOS 
SONHOS MATINAIS 
 
EU NÃO ESTOU INTERESSADO 
EM NENHUMA TEORIA 
NEM NESSAS COISAS DO ORIENTE 
ROMANCES ASTRAIS 
A MINHA ALUCINAÇÃO 
É SUPORTAR O DIA-A-DIA 
E MEU DELÍRIO É A EXPERIÊNCIA 
COM COISAS REAIS 
 
UM PRETO, UM POBRE, UM ESTUDANTE 
 
ÂNGELA - U​ ma mulher sozinha 
 
BLUE JEANS E MOTOCICLETAS 
PESSOAS CINZAS NORMAIS 
 
GAROTAS DENTRO DA NOITE 
REVÓLVER: CHEIRA CACHORRO 
OS HUMILHADOS DO PARQUE 
COM OS SEUS JORNAIS 
 
CARNEIROS, MESA, TRABALHO 
MEU CORPO QUE CAI DO OITAVO ANDAR 
E A SOLIDÃO DAS PESSOAS 
DESSAS CAPITAIS 
 
A VIOLÊNCIA DA NOITE 
O MOVIMENTO DO TRÁFEGO 
 
(Ângela começa a contestar a visão que ele tem sobre a realidade) 
 
ÂNGELA - U ​ M RAPAZ DELICADO E ALEGRE 
QUE CANTA E REQUEBRA 
É DEMAIS! 
 
BEBELO - ​CRAVOS, ESPINHAS NO ROSTO 
ROCK, HOT DOG 
"PLAY IT COOL, BABY" 
DOZE JOVENS COLORIDOS 

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DOIS POLICIAIS 
 
ÂNGELA - C ​ UMPRINDO O SEU DURO DEVER 
E DEFENDENDO O SEU AMOR 
E NOSSA VIDA 
 
 
CUMPRINDO O SEU DURO DEVER 
E DEFENDENDO O SEU AMOR 
E NOSSA VIDA 
 
BEBELO - ​MAS EU NÃO ESTOU INTERESSADO 
EM NENHUMA TEORIA 
EM NENHUMA FANTASIA 
NEM NO ALGO MAIS 
 
ÂNGELA - L ​ ONGE O PROFETA DO TERROR 
QUE A LARANJA MECÂNICA ANUNCIA 
AMAR E MUDAR AS COISAS 
ME INTERESSA MAIS 
 
AMAR E MUDAR AS COISAS 
AMAR E MUDAR AS COISAS 
ME INTERESSA MAIS 
 
(Logo  em  seguida  já  começa,  por  uma  transição  da  música  anterior,  o  instrumental  de 
“Ypê”) 
 
BEBELO - ​Para com isso. 
 
ÂNGELA  -  ​Isso  o  quê?  Tentar  te  mostrar  o  que  eu  vejo  nesse  mesmo  cenário  que  você  tá 
descrevendo aí? Sabe o que eu realmente vejo no presente, no passado e no futuro?  
CONTEMPLO O RIO, QUE CORRE PARADO 
E A DANÇARINA DE PEDRA QUE EVOLUI 
 
COMPLETAMENTE SEM METAS, SENTADO 
NÃO TENHO SIDO, EU SOU NÃO SEREI NEM FUI 
 
A MENTE QUER SER, MAS QUERENDO ERRA 
POIS SÓ SEM DESEJOS É QUE SE VIVE O AGORA 
 
VEDE O PÉ DO YPÊ, APENASMENTE FLORA 

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REVOLUCIONARIAMENTE 
APENSO AO PÉ DA SERRA 
 
VEDE O PÉ DO YPÊ, APENASMENTE FLORA 
REVOLUCIONARIAMENTE 
APENSO AO PÉ DA SERRA 
 
(Da mesma forma anterior, a música transiciona agora para “Antes do Fim”) 
 
BEBELO  -  ​Pois  que  seja,  eu  não  quero  mais um presente. Cada presente que esperei foi por 
água abaixo! Tá na hora de desistir e se despedir. 
QUERO DESEJAR, ANTES DO FIM 
PRA MIM E OS MEUS AMIGOS 
MUITO AMOR E TUDO MAIS; 
 
QUE FIQUEM SEMPRE JOVENS 
E TENHAM AS MÃOS LIMPAS 
E APRENDAM O DELÍRIO COM COISAS REAIS 
 
NÃO TOME CUIDADO 
NÃO TOME CUIDADO COMIGO: 
O CANTO FOI APROVADO 
E DEUS É SEU AMIGO 
 
NÃO TOME CUIDADO 
NÃO TOME CUIDADO COMIGO 
QUE EU NÃO SOU PERIGOSO: 
- VIVER É QUE É O GRANDE PERIGO 
 
ÂNGELA - B ​ ebelo…  
 
BEBELO - ​Por hoje é só, Ângela. 
 
ÂNGELA - E ​ u ainda não desisti. (Ela sai) 
 
BEBELO  -  ​(Falando  com  a  plateia)  Pois  eu  já.  Se  você  aí  acham  que  eu  gosto de discutir, eu 
odeio…  Nunca  que  eu  imaginei  chegar  aqui,  desse  jeito.  Ainda  mais  falando  isso,  desse 
jeito,  com  a  minha  anja.  Anja.  Até com ela eu perdi o controle… Depois dessa briga, nós não 
falamos  mais  um  com  o  outro durante um tempo, uns dois dias. A única coisa que ela disse, 
no dia depois da discussão, foi:  
 

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ÂNGELA  -  ​Tá  bem,  se  você  quer  desistir,  ótimo.  Mas  vai  ter  que  fazer  uma  coisa,  em 
respeito  a  Seu  Anísio:  sábado  nós  vamos  lá  no  bar.  A  gente  vai  se  despedir  de  tudo  por  lá, 
antes de abandonar. Se é pra fugir, que faça direito. 
 
BEBELO  -  ​Aquilo  eu  não  podia  dizer  não. Mesmo querendo, eu também sabia que era certo 
dar  adeus  a  tudo  por  lá,  o  espaço,  Dona  Augusta…  É  a  honra  dos  que  sofrem.  E  era  Ângela 
pedindo,  difícil  negar  depois  de  ter  sido  grosso  com  uma  anja.  Ô  vida.  E  será  que  isso  um 
dia vai passar? Tudo que eu queria era saber responder minha própria pergunta. 

CENA 8 - Nada Como Viver (Encerramento) 


 
(No  bar,  todos  estão  cantando  e  relembrando  momentos  por  meio  da  música  -  e  cerveja. 
Estão  presentes  os  clientes  mais  recorrentes,  como  Bibito,  João,  Seu  Padre,  Zé  do  Côco, 
Puta Maria e alguns outros, além da Dona Augusta e, até, Luzia) 
 
TODOS - N ​ ADA 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
NADA, NADA, NADA, NADA! 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
JOÃO - A​ LEGRIA É UMA BELEZA 
COM CERTEZA EU VIVERIA 
NESSA COR QUE A MOÇA USA 
ALÉM DA BLUSA 
EU QUERO VIVER 
 
(Puta Maria e Seu Padre cantam mais entrosados) 
 
PUTA MARIA - ​AMAR, PRAZER, POR QUE NÃO DIZER 
O PALAVRÃO, A PALAVRA, TENTAÇÃO 
 
SEU PADRE - A ​ MAR, PRAZER, POR QUE NÃO DIZER 
O PALAVRÃO, A PALAVRA, CORAÇÃO 
 
TODOS - N ​ ADA, NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
BIBITO - N ​ ADA 
NADA, NADA, NADA, NADA 
NADA COMO VIVER 

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COMO VER É COMOVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
DONA AUGUSTA - Q ​ UANDO A VIDA ACONTECER 
TÃO BONITA MOCIDADE 
A PALAVRA INDEPENDENTE 
O CORPO QUE SENTE 
SABE FAZER 
ZÉ DO CÔCO - ​AMAR, PRAZER, POR QUE NÃO DIZER 
O PALAVRÃO, A PALAVRA, SENSAÇÃO 
 
LUZIA - A​ MAR, PRAZER, POR QUE NÃO DIZER 
O PALAVRÃO, A PALAVRA, SEM O SENÃO 
 
TODOS - N ​ ADA 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO VIVER DE REPENTE 
 
(Bebelo  chega  com  Ângela  e  aos  poucos todos vão percebendo, até que, claramente, cantam 
a última frase direcionada a ele) 
 
NADA 
NADA, NADA, NADA, NADA 
NADA COMO VIVER 
NADA COMO TE VER TÃO CONTENTE 
 
BEBELO - ​Ora, eu sabia que tinha coisa nesse convite teu, Ângela. 
 
ÂNGELA - É ​ , tinha. Mas eu não sabia que ia ser desse jeito, que iam tá aqui assim…  
 
BEBELO - ​E como é que ia ser? 
 
DONA AUGUSTA - ​Bebelo, pare. A culpa não é de Ângela, não. Pelo menos não só dela. Todo 
mundo aqui, sem tirar ninguém, se preocupou contigo. 
 
BEBELO  -  ​A  troco  de  quê,  minha  gente?  Agora  vamo  fazer  uma  roda  do  AA  pra  mim 
também? 
 
BIBITO  -  ​Não  é  isso,  primo.  A  gente  percebeu  que,  se  era  pra  fechar  o  bar,  ainda  tinha 
muita  coisa  a  ser  dita.  Não  só  uns  aos  outros  aqui,  mas pra ti. Então, se ajeite por aí, pegue 
logo uma cadeira se quiser, porque você não sai daqui antes de ouvir tudo! 
 

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BEBELO - ​(Suspirando) O que é que vocês ainda querem me dizer? 
 
DONA  AUGUSTA  -  ​Eita,  homem  agoniado!!!  Espere  ainda.  A  gente  quer  mais  tirar  essas 
coisas  pra  fora  contigo  do  que  mudar  tua  cabeça!  Teimoso  do  jeito  que  tu  é! Só escute! (Ele 
aceita, afinal é um pedido de Dona Augusta) Me digam aí, quem vai começar? 
 
(Todos se olham um instante, com uma breve vergonha, até que João toma a iniciativa) 
 
JOÃO  -  ​Eu  vou  logo  começar  dizendo  que  eu  acho  que  todo  mundo  aqui  tem  uma  dívida 
contigo  e  talvez  a  minha  seja  a  maior  de  todas.  Lembra  quando  você  veio  falar  comigo 
naquele  primeiro  dia?  Eu  não  sei  se  foi por curiosidade, pena ou carência, mas me fez bem. 
Hoje  em  dia  é  tão  difícil  achar  alguém  que  escute,  que  se  importe  mesmo,  ainda  mais com 
quem  não  se  conhece!  Minha  dívida  contigo,  por  mais  que você ache que não, é a vida, meu 
amigo.  Pra  tirar  um  peso  disso:  não  é  a  vida,  vida  mesmo,  é  a  beleza  dela.  É  conseguir  ver 
que  vale  à  pena  ainda.  Depois  daquele  dia  Bebelo,  tu,  tua  música,  o  povo  do  bar,  as 
conversas,  tudo  me  fez  me  sentir  vivo  de  novo.  Tudo  porque  tu  me  convidou  a  ver  a  vida 
desse  jeito.  Só  queria  te  dizer  isso porque foi nesse bar que minha história contigo se deu e, 
já  que  ele  vai  se  acabar,  achei  que  era  o  momento  certo  de  te  dizer  isso.  Obrigado,  meu 
amigo. 
 
(Todos aplaudem e Bebelo, Ângela e Luzia estranham) 
 
ÂNGELA  -  ​Pelo  amor de deus, aplauso não, né, gente? Aí sim vai ficar parecendo reunião do 
AA.  Não  foi  assim  que  a  gente  combin…  (Bebelo  olha  para ela) Pois é, Zé do Côco, pense em 
ir pro AA, tá precisando! 
 
ZÉ DO CÔCO - ​Valha, tava bem quietinho aqui no meu canto…  
 
PUTA  MARIA  -  ​Eu  vou  falar  é  agora!  Preciso  dizer  a  verdade,  minha  vó  morreu  faz  é 
tempo…  (Alguns  se  surpreendem,  outros  dizem  que  já  sabiam)  E  aí,  eu  mentia  e  falava  da 
tristeza  da  morte  dela  -  foi  triste  mesmo,  viu, gente - porque ganhava umas coisas de graça 
e  era  melhor  que  ficar  fazendo  programa.  Mas  eu  também  ainda  mantinha  uns  clientes  de 
sempre,  né…  Mas  foi  só  quando  Bebelo  me  perguntou  porque  eu  vivia  que  eu  percebi  que 
tava  era  perdendo  tempo,  que eu tava apaixonada pelo meu cliente, o que pagava mais né, e 
agora vou me casar com ele! Esse cliente é Seu Padre! 
 
SEU  PADRE  -  ​(Extremamente  desconcertado)  Com  a  graça  do  senhor!  (Beija  Puta  Maria) 
Não precisava anunciar assim agora, não é, Maria? 
 
PUTA MARIA - ​Mas eu não consigo controlar, eu te amo, Jorjão! 
 
SEU PADRE - V ​ em cá, pitchulinha! 

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ZÉ DO CÔCO - ​Seu Padre é Jorjão? O teu cliente conhecido por causa do… Eita, menino! 
 
BIBITO - V ​ ai pagar o casório com nosso dízimo, né não? 
 
JOÃO  -  ​Se  o  Seu  Padre  vai  casar,  quem  é  que  vai  ser  o  padre  do  casamento?  Ele  pode  se 
casar? 
 
DONA AUGUSTA - M ​ inha Nossa Senhora e meu Bom Senhor Jesus, perdoe essas almas! 
(Todo  mundo  fica  comentando  várias  coisas  diferentes  a  respeito  do  casório,  até que Zé do 
Côco se prontifica) 
 
ZÉ DO CÔCO - ​Já que todo mundo tá falando mesmo, eu vou falar também! 
 
DONA AUGUSTA - P ​ ois fale, meu filho. 
 
ZÉ  DO  CÔCO  -  ​Se  não  fosse  Bebelo,  eu  nunca  tinha  pensado  nos  côco  com  álcool.  Hoje  eu 
me  sinto  um  homem  de  negócios  justamente  porque  Bebelo  me  fez  vender  essa  ideia  boa. 
Pode  ver  ali,  ó,  todo  dia  tem  gente  desmaiada  na  praia  de  tanto  beber  “Cocoipirinha,  o 
drinkoco da galera”! 
 
BIBITO  -  ​É  com  essa  deixa,  que  eu  também  quero  falar  de  negócios.  Obrigado,  Zé,  por 
antecipar isso. 
 
ZÉ DO CÔCO - ​Metido da peste. 
 
BIBITO  -  ​Vou  ser  bem  breve  porque  senão  isso  aqui  não  acaba  hoje.  Mas,  como João disse, 
obrigado,  Bebelo,  por  me  fazer  ver  a  vida  como  ela  pode  ser  vista,  tudo  por  conta  de quem 
você é e das suas músicas. Eu mudei muito já, mas sei que o caminho é longo ainda…  
 
ZÉ DO CÔCO - ​E pense como é longo pra ti viu! 
 
BIBITO  -  ​(Incomodado  pela  interrupção)  Enfim!  Mas  você  me  mostrou  o  caminho  que  eu 
preciso  seguir  pra  me  sentir  melhor  e  não  deixar  ninguém  mais  dizer  quais  são  minhas 
prioridades  a  não  ser  eu  mesmo!  Pode  deixar  que  eu  vou  fazer  jus  ao  teu  esforço  comigo, 
meu querido. Obrigado, primo! 
 
(Todo mundo bate palma de novo) 
 
ÂNGELA - G ​ alera! 
 
SEU PADRE - F ​ oi mal, anja, é a emoção do senhor nessas horas! 

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ÂNGELA  -  ​Sei.  (Voltando-se  para  Bebelo, com muito afago) Bebelo, eu… Eu já te falei tudo e 
mais  um  pouco.  Mas  eu precisava que você visse o quão bem você também fez pras pessoas! 
Eu  sei  que  foi  difícil  acreditar,  porque  tudo  desmoronou  do  nada  e  você  não  sabia  o  que 
fazer.  Você  achava  que  era  sua  culpa.  Mas  você  é  culpado  só  de  ter  dado  teu  melhor  e  ter 
mostrado  pra  todo  mundo  aqui,  eu  inclusa,  que  a  vida  é  linda!  E  tudo  que  a  gente  queria  é 
que você visse isso também agora… 
 
BEBELO - ​Anja…  
DONA  AUGUSTA  -  ​Bebelo,  olhe,  tu  não sabe, mas o bar aqui tava numa crise doida. Mas foi 
só  tu chegar aqui que numas poucas semanas tudo se ajeitou. Quem chegava por aqui ficava 
até  a  hora  de  fechar  e  toda semana ficava vindo. Quando o Anísio falou comigo sobre tu, foi 
falando  disso  mesmo,  que  tu  mudou  a  energia  daqui,  mudou  até  como  a  gente  via  e  ouvia 
música.  É  por  isso  que  a  proposta  de  tu  assumir  o  bar  ainda tá de pé… Eu não vou sumir do 
nada,  mas  também  num  tenho  mais  idade  pra  ficar  nesse  movimento  todo  não.  O  que  tu 
acha disso? A gente precisa de tu, home. 
 
BEBELO  -  ​Eu…  Não  sei  ainda…  (Agora  para  a  plateia)  Eu  sabia  era  demais,  queria  voltar 
depois  de  tudo  isso  sim,  mas  tinha  que  fazer  esse  joguinho  porque  tava  achando  era  bom 
ficar  ouvindo  o  povo  dizendo  aquelas  coisas!  (Ele  ri  e  volta  a  ficar  sério  para  falar  com  o 
pessoal novamente) Gente, eu agradeço demais, mas não sei… Por que Luzia não assume? 
 
LUZIA  -  ​Bebelo,  me  desculpa,  tá?  Eu  errei  contigo.  Eu  não  deveria  ter  feito  nada  daquilo. 
Até  depois  da  briga  tu  ainda  continuou  me  ajudando  porque  eu  só  fiquei  pensando  no  que 
me  fazia  viver.  A  resposta  é  esse  bar  aqui  e  isso  não  depende  do  que  eu  seja nele. Vivo feliz 
aqui.  Mas  não  tem  como  num  ver  que  depois  que  tu  chegou  aqui,  as  coisas  mudaram. 
Então, assuma logo de uma vez isso aqui! 
 
BEBELO - ​E que tal, sócios? (Todos se surpreendem) 
 
BIBITO - E ​ sse é meu primo! 
 
BEBELO  -  ​Eu  também  num  posso  ficar  à  frente  disso  aqui  sozinho,  tem  que  ter  alguém 
comigo pra eu ficar cantando com a anja! 
 
LUZIA - B ​ ebelo…  
 
BEBELO - ​Eu só fico se tu aceitar! A gente vai trabalhar é junto! 
 
LUZIA - E ​ u aceito sim! Bora nessa! 
 
(Todos comemoram) 

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BEBELO  -  ​Oh,  gente.  Enquanto  vocês  falavam  aí,  eu  tava  prestando  atenção  né,  claro,  fico 
feliz  com  tudo.  Mas  eu  não  conseguia  tirar  da  minha  cabeça  o  tanto  de  coisa  que  eu  tava 
perdendo  com  vocês.  Eu  fiquei  foi  com  ciúmes  de  ver  todo  mundo  aí  feliz,  cantando,  sem 
mim!  Eu  num  podia  deixar  isso  acontecer,  eu  queria  de  novo  vocês  na  minha  vida.  É  por 
isso que foi fácil voltar ao que eu queria ser de novo, alguém feliz. Feliz por sentir tudo que a 
vida  tem  pra  sentir,  podendo  ser  até  tristeza  mesmo.  Mas  precisou  disso  tudo  mesmo  pra 
eu perceber o que tava perdendo. Obrigado mesmo, pessoal. Obrigado, minha anja! 
 
(Bebelo beija Ângela, todos comemoram com a nova notícia.) 
 
JOÃO - P ​ ois, então, Bebelo, hoje tem?! 
 
BEBELO  -  ​Hoje  tem  que  ter!  (Fala  tudo  euforicamente  com  todos  satisfeitos  ao  seu  redor. 
Aos  poucos  vai  direcionando  sua  fala  ao  público)  Vamo  reabrir  isso  aqui  porque  a  vida  é 
música,  arte  e  o agora! Vamo viver o agora porque o passado já se foi e o amanhã ainda nem 
é  nosso.  Amor,  arte,  vida!  Que  a  gente  aprenda  que  não  precisa  saber  porquê  se  vive  pra 
viver!  A  vida  é  o  presente  que  a  gente  tem  que  usar  bem,  do  jeito  que  você  preferir. E eu tô 
falando  da  gente  porque  é  gente,  gente  é  a  melhor  coisa  que  tem,  eu  não ia ser nada se não 
fosse  por essa gente e nem por essa gente! (Falando primeiro dos atores e depois do público) 
Obrigado  por  estarem  todos aqui, comigo, porque se um tivesse faltado, já não ia ser bonito 
desse  jeito. E vamo continuar cantando porque é o que cria nosso sorriso e se tem uma coisa 
que  a  gente  tem  que  fazer  mais,  é  sorrir  nessa  vida!!!  (O  instrumental  de “Sujeito de Sorte” 
começa) 
 
BEBELO - ​PRESENTEMENTE EU POSSO ME CONSIDERAR UM SUJEITO DE SORTE 
PORQUE, APESAR DE MUITO MOÇO, ME SINTO SÃO E SALVO E FORTE 
E TENHO COMIGO PENSADO: "DEUS É BRASILEIRO E ANDA DO MEU LADO" 
E ASSIM JÁ NÃO POSSO SOFRER NO ANO PASSADO 
 
TENHO SANGRADO DEMAIS, TENHO CHORADO PRA CACHORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
 
TENHO SANGRADO DEMAIS, TENHO CHORADO PRA CACHORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
 
(Durante  o instrumental vemos todos comemorando, dançando, cantando no bar e também 
interagindo com a plateia) 
 
TODOS - P ​ RESENTEMENTE EU POSSO ME CONSIDERAR UM SUJEITO DE SORTE 

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PORQUE, APESAR DE MUITO MOÇO, ME SINTO SÃO E SALVO E FORTE 
E TENHO COMIGO PENSADO: "DEUS É BRASILEIRO E ANDA DO MEU LADO" 
E ASSIM JÁ NÃO POSSO SOFRER NO ANO PASSADO 
 
TENHO SANGRADO DEMAIS, TENHO CHORADO PRA CACHORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
 
TENHO SANGRADO DEMAIS, TENHO CHORADO PRA CACHORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
 
PRESENTEMENTE EU POSSO ME CONSIDERAR UM SUJEITO DE SORTE 
PORQUE, APESAR DE MUITO MOÇO, ME SINTO SÃO E SALVO E FORTE 
E TENHO COMIGO PENSADO: "DEUS É BRASILEIRO E ANDA DO MEU LADO" 
E ASSIM JÁ NÃO POSSO SOFRER NO ANO PASSADO 
 
TENHO SANGRADO DEMAIS, TENHO CHORADO PRA CACHORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
 
TENHO SANGRADO DEMAIS, TENHO CHORADO PRA CACHORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO 
ANO PASSADO EU MORRI, MAS ESSE ANO EU NÃO MORRO…  
 
(Palmas. Comemoração. Sorrisos.) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Obrigado, Belchior. 

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