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apresenta:

MEU AMIGO
TOTORO
TOTORO

Hayao
Hayao Miyazaki
Miyazaki
Diretor:
Diretor: Hayao
Hayao Miyazaki
Miyazaki
Depois de estrear na direção de longas-metragens com O Castelo de
Cagliostro (1979), o Walt Disney do Japão, Hayao Miyazaki, construiu em
torno de si um legado de animações sensíveis, mas não sentimentais,
acessíveis ao público amplo, embora jamais infantis, e que tocam em temas
caros: o meio ambiente e a obsessão que tem com voo.
Miyazaki inspirou-se no pai, engenheiro aeronáutico, com histórias que
discutem a respeito da liberdade em voar, a exemplo de O Castelo no Céu
(1986), O Serviço de Entregas de Kiki (1989), Porco Rosso (1992) e Vidas ao
Vento (2013). Em certo momento de Meu Amigo Totoro, Kanta brinca com
avião de brinquedo; noutros momentos, está com o chapéu de brigadeiro,
remetendo ao tom autobiográfico da obra de que trataremos à frente.
A preocupação com o meio ambiente é também tema de seus filmes: Nausicaä do Vale do Vento (1984) e Princesa
Mononoke (1997) preocupam-se com a guerra entre os homens (com ou sem o aporte da tecnologia) e a natureza. Já em
Meu Amigo Totoro, a relação entre homem e natureza é amenizada em razão das jovens protagonistas.
Caracterizado por histórias contemplativas protagonizadas por mulheres fortes em frente a cenários épicos, o traço
autoral mais característico de Miyazaki é que o diretor não começa em um roteiro. A história que o diretor conta é feita a
partir de storyboards.
“Eu não tenho a história terminada e pronta quando começamos a trabalhar em um filme. Normalmente não tenho
tempo. A história se desenvolve quando começo a desenhar storyboards. A produção começa logo depois, enquanto os
storyboards ainda estão se desenvolvendo. Nunca sabemos para onde a história vai, mas continuamos trabalhando no
filme conforme ele se desenvolve. É uma maneira perigosa de fazer um filme de animação e eu gostaria que fosse
diferente, mas, infelizmente, é assim que eu trabalho e todo mundo é forçado a se sujeitar a isso”.
Isso que chamo de cinema de fluxo. Fluxo de pensamento na forma de animação.

Filmografia (Ghibli):
NAUSICAÄ MEU AMIGO PORCO A VIAGEM DE
PONYO
DO VALE DO VENTO TOTORO ROSSO CHIHIRO

1984 1988 1992 2001 2008

1986 1989 1997 2004 2013

O CASTELO O SERVIÇO DE PRINCESA O CASTELO VIDAS


NO CÉU ENTREGAS DE KIKI MONONOKE ANIMADO AO VENTO
Sinopse:
Sinopse:
Duas meninas se mudam com o pai para o interior do Japão,
com o objetivo de ficar perto da mãe, que está internada em
um hospital. Lá, elas viverão muitas aventuras ao lado de
um simpático espírito protetor da floresta chamado Totoro,
que vive em uma canforeira gigante.

Ficha Técnica:
Nome original: Tonari no Totoro (となりのトトロ)
Duração: 86 minutos
Produção: Toru Hara
Roteiro: Hayao Miyazaki
Música: Joe Hisaishi
Cinematografia: Hisao Shirai
Direção de arte: Kazuo Oga
Montágem: Takeshi Seyama
Curiosidades:
Curiosidades:
O Studio Ghibli foi fundado em 1985 pelos diretores Hayao Miyazaki e Isao Takahata
(de Túmulo dos Vagalumes, O Conto da Princesa Kaguya e Pom Poko: A Grande Batalha
dos Guaxinins, debatido na edição 9 do Clube do Crítico) e pelo produtor Toshio Suzuki.
Miyazaki trabalhou no cinema e na televisão até o não canônico Nausicaä do Vale do
Vento (1984) tornar-se sucesso de bilheteria e de crítica e inspirá-lo, ao lado de Suzuki, a
montar o estúdio. A dupla convidou Takahata, com quem Miyazaki havia trabalhado em
1964 (na série Okami shônen Ken).
O nome Ghibli foi escolhido por Miyazaki a partir da palavra de origem líbia que
significa “vento quente do deserto”: o Studio Ghibli é o vento da mudança na animação
japonesa.
O primeiro longa do estúdio foi O Castelo no Céu (1986) e se tornou a maior bilheteria
de animação do ano no Japão. Em 1988, o Studio Ghibli lançou dois filmes
simultaneamente: O Túmulo dos Vagalumes, de Takahata, e Meu Amigo Totoro, que
amargou uma arrecadação aquém do esperado antes de alcançar o status de cult movie à
época de seu lançamento na televisão. Até por este motivo, Totoro se tornou o embaixador
do Studio Ghibli.
A internacionalização do Studio Ghibli aconteceu com Princesa Mononoke (1997),
então a maior bilheteria japonesa (até ser desbancada por A Viagem de Chihiro, 2001) e a
primeira animação a receber o Prêmio de Melhor Filme da Academia Japonesa de Cinema.
A Miramax tentou editar (mutilar, melhor dizendo) e adaptar a animação, mas perdeu a
queda de braço e distribuiu a animação nos cinemas dos Estados Unidos em 1999, com
modesto desempenho, até o lançamento em DVD.
Alguns anos depois, A Viagem de Chihiro desbancaria, pela primeira e única vez na
história, a animação americana e venceria o Oscar da categoria. Com a morte de Takahata,
em 2018, e a idade avançada de Miyazaki (83), a herança do estúdio está com Hiromasa
Yonebayashi (As Memórias de Marnie e Mary e a Flor da Feiticeira) e o herdeiro óbvio do
império, Goro Miyazaki, que dirigiu a primeira animação computadorizada do estúdio, Aya
e a Bruxa - e o pior filme do estúdio.
Que os ventos continuem soprando favoravelmente.
Em Japonês, trol (ou troll) é pronunciado tororu, palavra semelhante àquela que Mei
chama a criatura da floresta, Totoro.
A teoria de que Totoro é um troll é enriquecida pela história, pois Mei lê “Os Três
Cabritos Rudes” (ou Os Três Bodes da Montanha), conto de fadas norueguês, escrito por
Peter Christen Asbjørnsen e Jørgen Engebretsen Moe, em seus “Contos Populares
Noruegueses”, obra publicada pela primeira vez entre 1841 e 1844.
O folclore escandinavo que descreve os trolls, as criaturas antropomórficas que
habitam as florestas e caminham durante a noite - longe dos olhares humanos -, pois se
tornam pedra quando expostos ao sol.
Faz sentido que Totoro seja troll, em vez de panda ou espírito da floresta: “Eu queria
que Totoro fosse imenso. Não funcionaria se ele tivesse um pescoço longo, então o
fizemos gorducho. Ele não é um espírito; ele é apenas um animal. Eu acredito que se
alimente de bolotas. Ele é o guardião da floresta, mas esta é só uma aproximação. Seria
mais correto considerá-lo uma criatura que os japoneses modernos tiveram que criar por
desespero” (Hayao Miyazaki).

Existe uma teoria conspiratória e sombria sobre Meu Amigo Totoro. Os conspiradores
falam que o filme é baseado no caso de Sayama. O nome é dado ao município onde
morava Yoshie, uma adolescente de 16 anos, sequestrada e assassinada supostamente
por Kazuo Ishikawa, e cujo cadáver teria sido descoberto por sua irmã mais velha. Em
depoimento à polícia, a irmã afirma ter visto um gato ou guaxinim gigante e, tempos
depois, tira a própria vida.
Kazuo confessou o crime, embora a polícia, em duas buscas realizadas em sua casa,
não houvesse encontrado nada. Inconsistências relacionadas ao mapa que Kazuo
desenhou para encontrar a mochila - que não correspondia a de Yoshie -, à caneta com
que escreveu o bilhete de resgate e ao relógio encontrado consigo - que também não
correspondia ao de Yoshie - acentuam a tese de Hayao Miyazaki realizou Meu Amigo
Totoro para chamar atenção ao caso.
Esse crime reacendeu a discussão da discriminação social japonesa baseada no
sistema de castas que separava os heimin (cidadãos comuns) dos senmin (povo inferior),
abolido após a Revolução Meiji. Na hipótese, Kazuo (senmin) foi incriminado pela polícia
para esconder o culpado pelo crime: um rival da família dos pais de Yoshie (heimin).
IMAGENS: Na teoria, Mei teria sido assassinada. E,
após Satsuki descobrir, cometeria suicídio,
O sapato encontrado no rio igual ao crime de Sayama, juntando-se à
pelos moradores (Sup.);
irmã. Mais indícios: a) o nome das irmãs
Os sapatos de Mei (Inf.) alude ao mês de maio, o do sequestro de
Yoshie: Satsuki significa maio em japonês,
enquanto Mei tem pronúncia similar à may;
b) o destino do gato-ônibus é estrada para o
cemitério; c) Mei está sentada ao lado de
estátuas jizô, a deidade guardiã das crianças.
O Studio Ghibli refutou a teoria: Meu
Amigo Totoro é autobiográfico: Miyazaki
mudou-se para o interior após a mãe ser
internada com tuberculose. Depois, decidiu
trocar o gênero do protagonista e dividi-lo
em dois, eis o motivo de terem nomes com o
mesmo significado.
Cinema
Cinema JapoNEs:
JapoNEs:

Principais Gêneros e Movimentos

Desde seus primeiros anos de existência, o Cinema Japonês era dividido em dois grandes gêneros, o jidaigeki e o
gendaigeki. Esta divisão era acentuada pela logística da operação da Nikkatsu: em Tóquio, a empresa produzia uma
derivação do teatro shinpa, denominada gendaigeki, os dramas contemporâneos ou melodramas sentimentais; em Quioto,
produzia os jigaigeki, os filmes de época por que o Japão ficou conhecido no mundo.
Entretanto, ambos gêneros ainda estavam presos aos códigos teatrais para que pudessem ser desenvolvidos de
maneira cinematográfica. Até que, em 1918, o Jun Eiga Geki Undô ou Movimento do Cinema Puro começou a modificar a
percepção que a sociedade tinha dessa arte: em vez do termo katsudô shashin (imagens em movimento), eiga (cinema), o
primeiro passo desta mudança.
O líder intelectual do movimento foi o crítico e diretor Norimasa Kaeriyama1, fundador da revista Film Record e redator
dos manifestos: Associação para a Arte Cinematográfica, “que estabelecia como objetivo a divulgação de uma linguagem
de cinema amadurecida e portanto independente dos códigos do teatro tradicional”, e Princípios de Filmagem e
Roteirização no Drama Cinematográfico, em que propunha uma interpretação realista avessa àquela dos onnagatas e
oriundas do teatro, a destituição dos benshi e a adoção de uma decupagem cinematográfica.
Isso porque O Nascimento de uma Nação (1916), o cinema expressionista alemão e o cinema de vanguarda francesa
desembarcaram no Japão e muito influenciaram os diretores Murata Minoru, Tanizaki Jun’ichirô e Osanai Kaoru. Apesar do
movimento, o público japonês preferiu os filmes de época ou melodramas narrados por benshi e as obras destes diretores
foram fracassos de público.
Entretanto, o Movimento do Cinema Puro cessou em 1923, quando o terremoto que atingiu Tóquio exigiu a realocação
da produção à Quioto, o centro dos jidaigeki, e acalmou o vento da mudança que soprava com maior intensidade na capital
japonesa. Ainda assim, Yomota Inuhiko acentua a importância do movimento: “o estabelecimento da figura central do
diretor, o desaparecimento dos onnagatas para a contratação de atrizes e até a regulamentação da censura, que atestou
que as autoridades não mais enxergavam o cinema como curiosidade ou espetáculo”. Além disso, o teórico Aaron Gerow
argumenta que graças a este movimento que a discussão de um cinema japonês, em vez de apenas cinema, tornou-se
possível.
A mudança veio com o produtor Kido Shirô à frente da rival Shochiku, com o retrato da vida cotidiana e de emoções com
que o espectador pudesse se relacionar, em vez de apenas o retrato da elite. Estes filmes conquistaram o público porque o
aproximaram do mundo dos personagens, em um período de reconstrução do Japão. A este subgênero, inspirado no
naturalismo (ou shinzen shugi) deu-se o nome de shomingeki ou shoshimingeki, drama das pessoas comuns, “filmes sobre
a vida do proletariado ou da classe média baixa, sobre as relações às vezes engraçadas, às vezes amargas dentro da família,
sobre a luta pela existência” (Joseph L. Anderson e Donald Richie).

1
Norimasa Kaeriyama é creditado por ter dirigido a primeira cena de nudez do cinema japonês em The Phantom Woman (Gen’ei no onna, 1920), mas,
em razão de o filme estar perdido, este fato não pode ser confirmado.
Yasujiro Shimazu, um dos cineastas a não desertar de Tóquio em virtude do terremoto, foi o pioneiro desse subgênero
com: Domingo (Nichiyobi, 1924) e O professor do vilarejo (Mura no sensei, 1925) e A fedorenta (Warutaro, 1926). Shimazu
orientou Heinosuke Gosho, o seu assistente de direção, a trilhar o mesmo caminho com A primavera nas ilhas do sul (Nanto
no haru, 1925) e Um vagabundo solitário (Sabishiki ranbomono, 1927), apesar de a morte do irmão tenha o levado a dramas
mais densos, a exemplo de A esposa do vilarejo (Mura no hanayome, 1928).
Sofrimento humano (Ningenku, 1923), de Kensaku Suzuki, empregou o estilo documental e as filmagens noturnas a fim
de acentuar a condição miserável do proletariado no subgênero denominado Rumpen mono, que Kenji Mizoguchi e Yasujiro
Ozu seguiram de suas próprias formas.

Antes de se estabelecer no shomingeki, shoshimingeki e


rumpen mono, Yasujiro Ozu dirigiu comédias, gênero então
inédito no Japão, batizadas de nansensu mono, filmes
nonsense e inspirados nas comédias malucas
norte-americanas. Dias de juventude (Wakaki hi, 1929) é a
comédia sobrevivente de Ozu, em que dois amigos disputam
o amor de uma mesma mulher. Entretanto, Yutaka Abe é o
diretor mais exitoso por combinar a forma da comédia
americana às tradições japonesas, nos bem sucedidos A
mulher que tocava as pernas (Ashi ni sawatta onna, 1926) e
Cinco mulheres em volta dele (Kare o meguru gonin no onna,
1927).

Ao fim da década de 20, o cinema japonês começou uma etapa de experimentação com a escola neo-sensorialista
(shinkankakuha), alinhada aos movimentos de vanguarda artística na Europa, e com o denominado keiko eiga, o filme de
tendência. Com a crise econômica e a publicação da obra de Marx e Engels no Japão, o gendaigeki evoluiu para incluir
temas de esquerda e o desenvolvimento de consciência social e ideológica proletária.
“O denominador comum dos filmes dessa tendência era um acurado realismo, além de uma implícita simpatia de fundo
para com os oprimidos. No que concerne aos filmes de época, para representar o desalento do povo podia-se alcançar uma
maior liberdade transpondo as problemáticas para ambientes do passado, velando assim a intenção de denúncia” (Maria
Roberta Novielli).
O expoente do cinema de tendência é o diretor Daisuke Ito, com obras com temática social e cujos heróis populares
desencantam-se com a traição dos valores em que acreditavam e se colocam contra o poder instituído, como foras-da-lei.
Deste período, as obras do diretor sobreviventes são Um diário das viagens de Chuji (Chuji tabi nikki, 1927), obra dividida
em 3 partes e dada por perdida até seu descobrimento em 1991, e As grades para Jirokichi Oatsurae (Oatsurae Jirôkichi
kôshi, 1931).

Houve keiko ega com ambientação contemporânea, a


exemplo do bem sucedido clássico de Suzuki Shigeyoshi O
que a levou a fazer isso? (Nani ga kanojo o sô saseta ka,
1930): na trama, Sumiko é enviada para morar com o tio
alcoólatra, vendida ao circo, adotada por uma família rica e
enviada para um orfanato cristão antes de atear a igreja em
chamas.
A vanguarda cinematográfica desta geração de artistas
de esquerda organizou-se na Prokino, cujo objetivo e
finalidade constam no manifesto O classismo nos
filmes-dossiê, de Genju Sasa: “Para compreender a
sociedade através da câmera, para registrar a luta sanguinária pela libertação, projetá-la, propagá-la, despertar o interesse
do público por ela e assim fazer nascer a solidariedade ideológica. Nossa finalidade é: 1) criticar de um ponto de vista social
os filmes-dossiê e evidenciar seus defeitos; 2) demonstrar uma contra-utilização dos filmes-dossiê; 3) filmar e projetar
filmes do proletariado; 4) conduzir uma obra de apresentação e de pesquisa das cinematografias de outros países”.
O movimento de tendência arrefeceu após a invasão da Manchúria, em 1931, e a crescida do sentimento nacionalista no
país, com a censura intensificada que obrigava a produção e distribuição clandestina dos documentários e filmes de teor de
esquerda.
O período compreendido entre 1927 a 1940 é da Primeira Era de Ouro do Cinema Japonês, associada com a criação e o
desenvolvimento do cinema falado no país, a partir do marco A senhora e minha esposa (Madamu to nyobo, 1931), de
Heinosuke Gosho. O fim dos benshi levou consigo “a característica de improviso teatral da experiência cinematográfica e
fez que os espectadores perdessem o vínculo que possuíam com cinemas específicos. Cinema, enfim, tornou-se o mesmo
que era no Ocidente: um espaço de representação de imagem e som” (Yomota Inuhiko).
Essa Primeira Era de Ouro é marcada pelo crescimento da concorrência entre os estúdios Nikkatsu e Shochiku com a
criação da Toho, fato gerador de maiores investimentos na arte, de produções mais ambiciosas e de aumento na frequência
de espectadores. Neste mesmo período, diretores e produtores descontentes com o sistema de estúdio criaram companhias
independentes, a exemplo do Grupo Narutaki (a Primeira Nouvelle Vague Japonesa), criado no início dos anos 30, com o
objetivo de reformar o jidaigeki, trocando aspectos clássicos - o autossacrifício - pelo caráter realista e irônico, de modo a
encurtar as distâncias com o gendaigeki.
Os cineastas do grupo dirigiam sob o pseudônimo de Kinpachi Kajiwara, com destaque para Sadao Yamanaka, que
influenciou o estilo de Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu com planos de conjunto - característica teatral dos personagens em
conjunção com o ambiente - em vez de primeiros planos (close-ups), a câmera distanciada e frequentemente imóvel, e a
encenação e organização da cena em primeiro lugar em comparação com a ação dramática.
“Sobre uma base histórica distante, Yamanaka esboça personagens e temas propositadamente evocativos dos eventos
e dos protagonistas da política de seus anos. [Ele] não privilegia façanhas ou figuras emblemáticas e pela primeira vez
foram encenadas as reações, os sentimentos das pessoas comuns, daqueles que quase não entraram na história” (Maria
Roberta Novielli).

Sadao diluiu e subverteu o jidaigeki, minimizando os


duelos de espada característicos em favor de dilemas
existenciais e teor pessimista característico dos gendaigeki
desse período. Entretanto, só 3 de seus filmes
sobreviveram: Tange Sazen e o Pote de Ouro (Tange Sazen
yowa: Hyakuman ryô no tsubo, 1935) - protagonizado por
um samurai sem um olho e sem um braço -, Kôchiyama
Sôshun (1936) e Humanidade e balões de papel (Ninjô kami
fûsen, 1937), seu filme derradeiro e que inicia com o
suicidio do samurai que precisou vender sua espada para
aplacar a fome.

A renovação ideológica do cinema japonês foi interrompida com o acirramento dos conflitos e a deflagração da Segunda
Guerra Sino-Japonesa, em 7 de julho de 1937, e a Segunda Guerra Mundial. Além de a produção cinematográfica no país
cair para uma fração do que era, o foco modificou-se para os bunka eiga (filmes culturais e educacionais) e nyusu eiga
(cinejornais, com fim informativo), “filmes que contribuem à elevação do espírito nacional e ao desenvolvimento das
faculdades intelectivas nacionais” (Akira Shimizu).
Como havia dito na aula anterior, em razão do deslocamento do investimento financeiro à guerra e do boicote na
importação de películas pelo país, a indústria de cinema sob controle do governo interrompeu a produção ficcional, com
exceção dos geki eiga (filmes de guerra). Tomotaka Tasaka dirigiu Os Cinco Batedores (Gonin no sekkôhei, 1938) e Lama e
Soldados (Tsuchi to heitai, 1939), ambos retratos realistas da incursão japonesa na China.
Até os diretores japoneses mais celebrados, como Kenji Mizoguchi, Yasujiro Ozu e Akira Kurosawa, curvaram-se ao
cinema de propaganda - ficcional ou documental. Somente um se opôs: Fumio Kamei, cujo documentário Soldado em Luta
(Tatakau heitai, 1939) foi proibido pela censura por retratar “não soldados em combate, mas soldados cansados” (Michael
Arnold). Kamei foi preso por violar a Lei de Preservação da Paz de 1925, contrária a movimentos socialista, comunista e
anarquista, e perdeu a licença sob a égide da Lei do Cinema em 1939.
A rendição japonesa na guerra, a devastação provocada pela bomba atômica e a ocupação americana modificaram o
cinema japonês. Os diretores que produziram filmes militaristas foram instados a dirigir produções que exaltavam os valores
democráticos: Não Lamento Minha Juventude (Waga seishun ni kuinashi, 1946), de Akira Kurosawa, narra a trajetória da filha
mimada de um professor acadêmico durante o Japão no período do pré-guerra até seu desfecho; The Ball at the Anjo House
(Anjô-ke no butôkai, 1947), de Kôzaburô Yoshimura, é um melodrama sobre a perda da nobreza após o fim da guerra e a
necessidade de buscar o propósito em um período de mudança; já em The Blue Mountains (Ayo Sanmyaku, 1949), de Tadashi
Imai, uma professora de uma escola rural cativa os alunos enquanto enfrenta o poder do sistema feudal, no pós-guerra.
Durante a ocupação, o Japão refletiu sobre os efeitos da guerra na sociedade através de comédias morais e de humor
ácido, denominadas kigeki: Keisoku Kinoshita dirigiu O retorno de Carmen (Karumen kokyô ni kaeru, 1951) e O amor puro de
Carmen (Karumen junjô su, 1952); já Kon Ichikawa dirigiu O senhor Lucku (Rakki-san, 1952) e O senhor Pu (Pu-san, 1953),
sátiras à alienação e manipulação provocadoras do populismo imperialista e, anos depois, da aceitação da democracia
americana.
Durante e após a ocupação americana, o Japão produz os hibakusha eiga, produções que discutem os efeitos da bomba
atômica. A princípio, de modo sentimental e fatalista, com Os sinos de Nagasaki (Nagasaki no kane, 1950) e Não esqueço as
canções de Nagasaki (Nagasaki no uta wa wasureji, 1952) - o primeiro sobre médico atingido pela radiação e falecido de
leucemia em consequência; o segundo sobre uma mulher, vítima da radiação, apaixonada por um homem americano.
Com a assinatura do Tratado de Paz de São Francisco, em 1951, houve a retomada da autonomia e a produção de obras
acusatórias, ressentidas e mesmo de terror: Os filhos de Hiroshima (Genbaku no ko, 1952), fala do retorno de um professor à
cidade-título e o reencontro com três alunos, cada um lidando com as consequências da bomba consigo e com a sua família;
Dragão Felizardo n. 5 (Daigo fukuryu maru, 1959), relembra do incidente no atol de Bikini durante os testes da bomba, quando
cinzas radioativas atingiram o barco do título; e Godzilla (Gojira, 1954), que narra as consequências da ação americana na
figura do monstro gigante que seria garoto do pôster do kaiju eiga, filmes de monstros gigantes.
O término da ocupação inicia a Segunda Era de Ouro do Cinema Japonês, de 1952 a 1960, já discutida na aula passada, e
a Shochiku Nuberu Bagu, a Nouvelle Vague da Shochiku, na época em que a companhia, carente de ideias, deu a oportunidade
a diretores iniciantes e revolucionários, que propuseram um cinema temática, estilística e formalmente oposto ao produzido
pelos mestres, adeptos à linguagem de jidaigeki e gendaigeki. Apesar do título remeter a experimentações de linguagem
características do cinema moderno, no período de criação de cineclubes e da ascensão de diretores independentes, os
principais nomes do movimento criticaram a comparação com a Nouvelle Vague francesa.
Alguns dos filmes do movimento: Canções Lascivas do Japão (Nihon shunka-kô, 1967), O Enforcamento (Kôshikei, 1968)
e Diário de um Ladrão de Shinjuku (Shinjuku dorobô nikki, 1969), do polêmico Nagisa Oshima; Todos Porcos (Buta to gunkan,
1961), A Mulher Inseto ou Tratado Entomológico do Japão (Nippon konchûki, 1963) e Desejo Profano (Akai satsui, 1964), de
Shohei Imamura, discípulo de Yasujiro Ozu; A Mulher da Areia (Suna no onna, 1964), de Hiroshi Teshigahara; ou Onibaba - A
Mulher Demônio (1964), de Kaneto Shindo, dentro outros.
Junto ao movimento de renovação dos diretores, a
atualização de gêneros: o yakuza ou ninkyô eiga (filmes da
yakuza ou de cavalheiros), com histórias ambientadas do pré
ao pós-guerra, protagonizadas por gangsteres errantes que
substituíram as katanas dos ronin por armas da yakuza, por
ex. Theater of Life (Jinsei gekijô: Hishakaku, 1963); o pink
film ou pinku eiga define o cinema erótico, com menções à
violência e a torturas sexuais, mas com cunho político dentro
de um contexto de produção independente e responsável por
cerca da metade da produção japonesa na década de 70, por
ex. Segredos por Trás das Paredes (Kabe no naka no
himegoto, 1966), exibido clandestinamente no Festival de
Berlim; na esteira do sucesso do cinema pornográfico, a
Nikkatsu assistiu à debandada de artistas ao decidir tocar
adiante o roman porno, com a diretriz de exibir certo número
de cenas de sexo e atraindo jovens diretores que puderam
explorar sua autoralidade.
Após o declínio do sistema de estúdios, o Japão somente retornou às graças internacionais em meados dos anos 90.
Um dos marcos é o anime Princesa Mononoke (Mononoke-hime, 1997), distribuído internacionalmente pela Miramax. Além
disso, o retorno do Japão aos festivais, no período apelidado de Renascimento, trouxe a consolidação de diretores veteranos
e o surgimento de diretores independentes, a exemplo de Naomi Kawase, Hirokazu Kore-eda, Ryosuke Hamaguchi, Takashi
Miike e Takeshi Kitano.
Para concluir a aula, não posso esquecer de mencionar o j-horror, o termo que denomina o terror japonês dos anos 90 e
2000, que explorou o medo entre as rachaduras da existência cotidiana e os fantasmas influenciados pelo kaidan (ou
kwaidan), conservando a aparência humana, ex. O Chamado (Ringu, 1998), Água Negra (Honogurai mizu no soko kara,
2001), O Grito (Ju on, 2003) ou Pulse (Kairo, 2001).
Debate:

Primeiras Impressões:

Leila - Explicou a princípio sobre a rejeição inicial com o anime, mas como se apegou às crianças, ao Totoro e como entrou
em desespero quando a Mei desapareceu.

Ygor - As animações tentam ser realistas ou tentam dar uma abordagem que se comunique com nosso mundo, e o Miyazaki
tende a ir ao caminho inverso: abraçar a fantasia, exagerar a forma. Dentro dessa fuga do realismo, o filme se desenvolve e
dispensa de conflito ou de antagonista. As resoluções são simples e lúdicas: a mudança e o mal assombrado são divertidos;
o pai não critica, mas incentiva a imaginação das filhas; os vizinhos são acolhedores e, mesmo o agir de Kanta, é provocação
superficial, não conflito. É um filme encantador, doce, atraente, sem recorrer à estrutura dramática tradicional.

Luan - Eu nunca achei que ia chorar por uma espiga de milho. Admira como Miyazaki adota o ponto de vista de uma criança,
apesar da idade, e o Totoro passa a ideia de como as irmãs encaram o problema de saúde da mãe. Considera a narrativa uma
forma de fuga das irmãs utilizada para enfrentar a situação, de forma carinhosa, dispensando problemas ou reviravoltas.

Luyan - Gosta do abraço da comunidade ao redor das irmãs, que não desacreditam, nem rechaçam a ideia. O Pai
incentiva, até.

Samene - Na nossa cultura, nós desacreditamos do que as crianças falam. Elas sonham, mas os adultos não lhes dão credibi-
lidade. A forma como os adultos se relacionam com a narrativa infantil é respeitosa.

Lula - Esse filme poderia ser material didático a professores em como educar os pais e os filhos. As meninas respeitam o pai,
a mãe ou a “avó”. A irmã mais velha respeita a caçula. O pai as deixa livres para explorarem o mundo e viverem suas aventu-
ras. Reflete que, embora os adultos não vejam a fantasia, acreditam nas crianças. Além do respeito, traz atenção à questão
da gentileza, como o instante em que presenteia Totoro com um guarda-chuva, e o personagem incorporou isto no seu dia
a dia. A doença, mesmo a morte, não é escondida das crianças na narrativa, e exemplifica com o momento em que Mei
invade a sala de aula de Satsuki.

Rui - Ficou chocado com o número de teorias a respeito, enquanto o Miyazaki leva o público sempre em direção à simplici-
dade. Lembra da cena em que o pai fala que, quando viu a árvore, achou que seria um bom lar para criar sua família. Os seres
da floresta são seres da floresta, elementares; os adultos não os veem porque perderam a ingenuidade e a pureza infantil.
Hoje, é mais difícil porque as crianças já nascem adultas.

Pedro Alberti - Elogia o trabalho do compositor Joe Hisaishi para, depois, começar a falar de momentos de reflexão caracte-
rísticos do cinema de Miyazaki. É um filme sobre crianças que devem lidar com um mundo desconhecido (a doença da mãe,
a mudança de cidade). E não basta a realidade para enfrentar com isto, é para isto que Totoro e a fantasia aparecem. Conclui
falando que o motivo por que ama o cinema do Miyazaki é a empatia e generosidade para com os personagens.
Alvaro - O filme trata o fim a partir da perspectiva de uma criança. A teoria conspiratória é absurda porque certamente deve
partir de um adulto ressentido. A narrativa é baseada nas experiências do Miyazaki quando a mãe teve tuberculose. O filme
trata do amadurecimento da Satsuki e revela como as crianças devem lidar com a frustração e o medo decorrentes de um
evento traumático. É uma obra que discute o fantástico e como as pessoas tentam destruir a fantasia dentro do mundo
contemporâneo. Reflete também como os adultos não questionam a fantasia das crianças, dentro de um Japão pós-guerra
em que as crianças foram obrigadas a lidar com situações com que não estavam preparadas. De certo modo, é um filme
espelho de Túmulo dos Vagalumes. O Totoro é tudo o que nós precisamos, mas, ao longo de nossa maturidade,
abandonamos.

Camila Mendonça - Hoje, muitas crianças não têm a possibilidade da imaginação ou fantástico, e Totoro é um filme
apaixonante por recrutar uma parte nossa que deixamos adormecido na floresta. Nós lembramos de muitas vivências a que
nos apegamos durante a narrativa. Exemplifica com a experiência de consultório em que os pais tolhem a imaginação dos
filhos.

Gabriella Fischer - Quando era pequena, teve uma impressão. Agora, teve outra percepção e a apresentou aos afilhados. O
poder da animação está em como se comunica ao longo de gerações. Totoro, às irmãs, é o porto-seguro, que as auxilia com
a relação familiar. Exalta a beleza do desenho animado, a iluminação e as sombras, o cuidado, a profundidade que o
desenhista trouxe.

Diogo - Após confessar ter chorado com Túmulo dos Vagalumes, lembrou a experiência do cinema com o estúdio Ghibli e
afirmou que tinha temido sobre o destino das garotas.
“Vamos
“Vamos dar
dar risada,
risada,
assim
assim espantamos
espantamos oo medo
medo

Ambientalismo espiritual

Em Meu Amigo Totoro, Hayao Miyazaki parte de um evento que vivenciou - o deslocamento ao campo durante o
tratamento médico da mãe - para ilustrar a natureza em harmonia com a presença humana, ou mesmo não perturbada. O
período é o do Japão do pós-guerra, sugerido a partir do telefone com que Satsuki telefona ao Pai após receber o telegrama
comunicando sobre o estado de saúde da mãe e coincidente com a adolescência do diretor. Como visto, o diretor explorou
a questão ambiental em outras produções, e em Meu Amigo Totoro fez de uma forma discreta e espiritual.
Na opinião de Ursula K. Heise, a animação está associada ao ambientalismo, por atribuir ao mundo natural, personagens
não humanos e objetos não vivos valor, sensibilidade e vivacidade, dotando-os muitas vezes de agência. Assim: “[A
animação deve] ser entendida como o principal gênero estético que se relaciona com a reificação da natureza e suas
possíveis alternativas na sociedade moderna”.
Enquanto o ambientalismo do estúdio Disney é, muitas vezes, sentimental, higienizado e antropomórfico, o de Hayao
Miyazaki representa o oposto, na opinião de Cindy Toh: “Ele insiste em não simplificar os problemas do mundo para crianças
e retratar a natureza como inquestionavelmente benevolente
para com os humanos. Em vez disso, ele enfatiza a
humildade”.
Isso é alcançado com planos que subordinam, de forma
visual e ideológica, Mei e Satsuko à natureza ou que revelam
que a natureza não é benévola nem malévola, somente
indiferente à questão humana. Por exemplo, a ventania
subjuga Satsuki à sua força, assustou-a, porém não é hostil:
trecho 18:22. Já no trecho 48:22, a natureza é associada à
espiritualidade nos bustos de raposas, ou kitsunes, animais
folclóricos japoneses bons ou maus, a depender da história,
mas sempre sábios igual é a natureza.
Cindy continua: “Opondo-se à ética antropocêntrica, Miyazaki lembra às crianças que elas são só uma pequena parte de
um ecossistema maior através das paisagens naturais de seus filmes, que muitas vezes superam os personagens humanos
com sua vastidão e profundidade épicas. Em outras palavras, o ambientalismo de Miyazaki é sua crença de que os humanos
são da natureza e não externos a ela”.
Miyazaki desafia o pensamento exploratório da natureza e inverte as relações de poder estabelecidas muitas vezes nos
estúdios Disney, de tal maneira que Mei é somente aceita dentro do mundo mágico da floresta em razão de sua ingenuidade.
Satsuko demora um tempo mais considerável. Ela não adentra na natureza, é a natureza que se aproxima dela. Ao
presentear Totoro com o guarda-chuva que seria do seu pai - devolvendo o gesto de generosidade de Kanta -, ao mesmo
tempo associa a figura mágica à figura paterna a ponto de encontra nela o socorro no ato final, e também está prestando
oferenda à criatura - que pode ser considerada um espírito da floresta.
Totoro devolve-lhe um presente: sementes envoltas em uma embalagem particular, folhas. Se o presente foi para testar
o comprometimento de Satsuki com o ambientalismo, então não poderia ter sido mais acertado.

A ansiedade das meninas em relação à saúde da mãe é temporariamente deslocada às sementes plantadas, que
teimosamente não crescem. Miyazaki ensina as irmãs a respeitar o tempo da natureza, que é também o tempo da
recuperação da mãe: o tema é introduzido no retorno do hospital (no trecho abaixo) e é recordado quando Satsuki vai ao
colégio (“Já é o almoço?”, pergunta Mei logo após o término do café da manhã).

A cena em que Mei encontra girinos no córrego (trecho na próxima página) é intrigante porque, além de se associar às
sementes de modo direto na montagem, ainda tem um cunho ideológico em como a magia é o que permite que as árvores
cresçam e, é diante de um ser mágico, que o sapo aparece e testemunha o encontro de Satsuki e Totoro (o sapo não é o
girino que Mei tinha em mãos mas um lembrete do passar do tempo).
Enquanto a lição de Mei está relacionada com o tempo, a da pré-adolescente Satsuki está em aceitar a magia. No trecho
57:04, a câmera se aproxima do rosto dela, sonolenta, incrédula enquanto Totoro (e Totorinhos) dançam ao redor das
sementes e revelam o que as espera se tiverem paciência. Satsuki é a última a subir na barriga de Totoro, antes de se tornar
uma com a natureza (“Nós somos o vento”).

À distância, atrás de muitos volumes de livros, o Pai tem


um breve vislumbre de Totoro e de suas filhas sobre a copa
da árvore antes de coçar os olhos, acreditando estar vendo
uma miragem em razão do cansaço.
O mundo mágico da floresta não é acessível aos adultos,
corrompidos com a visão materialista dos bens naturais, ou
com a certeza de que já passou o tempo em que homens e
árvores eram amigos, no trecho 39:48 - momento em que,
mais uma vez, a natureza e a espiritualidade se encontram
no gesto de reverência do Pai.

A canforeira é o que o japonês denomina pawāsupotto, um ambiente abundante em energia mística, localizado distante
dos centros urbanos. Além de servir de morada a Totoro, a árvore é também uma personagem: “Imagens da árvore parada
silenciosamente em si ou balançando na brisa podem sugerir que Miyazaki reconhece a árvore como um ator, para mostrar
que a árvore está sempre presente, e até ‘observando’, ‘cuidando’ e ‘protegendo’ os outros personagens” (Ellen Olsen).
A natureza que socorre os personagens é contraditória com a dita natureza indiferente aos personagens, até Mei
reencontrar-se com a irmã depois de se perder no caminho, no trecho 1:07:43. A forma áspera com que Satsuki trata a irmã
caçula - resultado da ansiedade, da frustração e de serem só crianças lidando com temas universais, mas monopolizados
pelo mundo dos adultos -, é obstáculo à relação fraterna e dá início ao 3º ato em que Satsuki, pela primeira vez, pedirá ajuda
a natureza para encontrar a irmã perdida.

A ideia de espiritualidade retorna: depois de correr por


todas as partes atrás da irmã, Satsuki, suja dos pés à
cabeça, contorna o Torii, portal que dá acesso a templos.
Não passa sob ele, por estar suja, mas o contorna. Além do
gesto de respeito, concede à natureza a característica de
templo, no trecho 1:16:52. Como uma divindade que se
compadece com a angústia humana, Totoro invoca o
Gato-Ônibus para proporcionar o reencontro entre Satsuki e
Mei e, depois, o vislumbre, à distância, do Pai e da Mãe.
Desse modo, a natureza opera a função de distrair as duas irmãs das ansiedades sobre o retorno da mãe que tornará
íntegra “a casa assombrada” para onde se mudaram. Na natureza e uma com a outra, Satsuki e Mei encontram o consolo
do mundo real, onde até temem pensar, em voz alta, na possibilidade de a mãe morrer.
Por falar em espiritualidade, em duas ocasiões estátuas de Jizô Bosatsu, as guardiãs das crianças, estão espalhadas
pela narrativa. No primeiro encontro, durante a chuva, Satsuki pede e agradece o abrigo concedido. Na segunda ocasião,
Satsuki encontra Mei ao lado de seis estátuas, pois cada uma está associada a um dos Seis Reinos da Existência.

Hayao entende que a natureza e a espiritualidade são unas, e justifica a inspiração do filme: “Naquela época, uma
história sem um herói ou uma garota com superpoderes, e o cenário japonês comum como pano de fundo, não era
considerada divertida o suficiente. Entretenimento naquela época era sobre armas, ação e velocidade. Eu queria que meu
filme fosse pacífico, tranquilo e inocente. Eu queria criar esse tipo de mundo. Além disso, eu queria provar que um filme
como esse poderia ser um sucesso”.
Do mesmo modo como na história, Miyazaki convida o espectador a abrir mão do ritmo e do utilitarismo característicos
do cinema ocidental em favor do olhar contemplativo e do ritmo sereno e bucólico do cinema japonês, ou: “Essas cenas em
que os personagens interagem com a natureza, acompanhados apenas por som diegético ou partitura mínima, são uma
assinatura estilística de Miyazaki, incomum na animação tradicional japonesa e ocidental. Elas não avançam a trama, mas
forçam o público a apreciar o fugaz e momentos subliminares na natureza”. (Brendan C. Walsh)
Essas cenas são convidativas a observar a natureza em mínimos detalhes, de uma forma realista. É um realismo
existente nos traços - observe as imagens -, e na ênfase em como a natureza persiste a despeito dos personagens-centrais,
encorajando-nos a pensar além de nós mesmos, além da humanidade.

Se em Alice no País das Maravilhas ou em O Mágico de Oz, Alice e Dorothy escapam em direção a realidades fantásticas
sem poder apagar os conflitos que as perturbam, apenas conferindo-lhes aparência diversa, em Meu Amigo Totoro a
natureza não é o reino de fuga, é um destino ou simplesmente é a tutora emocional e o memento do Japão rural da década
de 50, antes de o capitalismo e a industrialização dos anos 80 transformarem o campo para sempre.
Para Miyazaki, Meu Vizinho Totoro é um gesto de saudade e reverência. Para mim, conforto e paz. Ao vermos as
crianças, à distância, assistindo o reencontro dos pais, a sensação é de que aprenderam que o tempo da cura é parecido com
o tempo da natureza, trecho 1:22:06.

Na opinião de vocês, como a fantasia ajuda Satsuki e Mei a lidarem com a doença da mãe?

TURMA DE SÁBADO:

Grazi (grupo 2) - As meninas, na natureza, entendem sobre a doença da mãe; a Ellen falou a respeito da ansiedade e de como
é essencial re-energizar a partir da ferramenta da imaginação e idealização. Exemplificou com o filme Ponte para Terabítia.

Bruna (grupo 4) - Fala em como a fantasia, embora não seja fuga, é brincadeira que as auxilia a lidar com os problemas. As
crianças podem precisar lidar com os problemas muito cedo, e isto os amadurece rapidamente. Mas a Lula, na discussão,
discordou de que não há esta distinção entre crianças e adultos, não há esta hierarquia. A Samene acrescentou com o
contraponto entre o Totoro e as crianças; a preguiça dele versus a energia delas.

Alexandra (grupo 3) - A Karla discutiu que, em relação com a natureza, as crianças amadureceram e aprenderam a se
relacionar com o tempo. A cena em que as crianças dançam para a árvore crescer é uma evidência de como o Totoro revela
no que se transformará aquilo que plantam. A relação com o Totoro é de proteção, segurança e conforto. A mãe não estava
por perto e o pai se ausentava pelo trabalho, e Totoro é uma forma de mostrar que as crianças não estavam a sós. A cena
da chuva torrencial é um exemplo disto: Totoro se apresenta no escuro e sob a chuva para fazer companhia às garotas.

Louise (grupo 5) - A natureza é alternativa para não pensar naquilo, embora não seja uma fuga, e sim um modo de elaborarem
o que sentiam. A fantasia não é importante só para as crianças, mas também para os adultos: além de alimentar a
imaginação delas, também extraem valor disso.

Ygor (grupo 1) - A fantasia é uma forma de proporcionar paz e refúgio para melhor lidarem com a ansiedade em relação à
doença da mãe. Tratar a natureza como ela é poderia ser realista se a nossa cultura ocidental não nos ensinasse, desde o
princípio, que é a paisagem onde vivemos, pura e simplesmente. Para nossa cultura ocidental pode parecer fantástico falar
que nós somos natureza, então aprender a lidar com a natureza é um ato de se voltar para si, reconhecer que a natureza e a
magia fazem parte de nosso ser, em momentos fáceis ou desafiadores.

TURMA DE SEGUNDA:

Vitor (grupo 4) - É uma fuga infantil em que as crianças encontram artimanhas para fugir da realidade, é uma beleza da
infância quando envelhecemos. Tem elementos culturais com as deidades e o oculto japoneses.

Isaque (grupo 7) - O filme é sobre processos e tem a divisão entre a fantasia, este aspecto lúdico, e a realidade. A Ju comentou
a respeito da natureza e da espiritualidade, e a falta de controle que temos. A Isa acrescentou com a criação do amigo
imaginário como meio para lidar com o real.

Henrique (grupo 1) - A fantasia foi utilizada pelas personagens como forma de escapismo da realidade que estavam lidando:
a mãe no hospital, o pai no trabalho, a ida à escola.
Maria Eduarda (grupo 2) - As crianças, de seu modo peculiar, encontram um meio de lidar com as dificuldades do dia a dia. E
o Totoro assume esse papel de ser protetor. A partir do momento em que as crianças dão respeito à natureza, recebem de
volta este respeito. Satsuki e a Mei são, na verdade, uma personagem só, cada uma representa uma maneira diferente de
lidar com a situação da doença da mãe. Satsuki prioriza a racionalidade, dizendo que a mãe precisa ficar no hospital para
melhorar. Já a Mei mostra o lado irracional ou emocional, quando não aceita que a mãe vai demorar pra voltar para casa.

Gabriella Fischer (grupo 8) - O Cícero citou que o pai aceita a relação da casa com a natureza, tratando-a não de modo
utilitarista. A Carol mencionou que o fato de o pai não matar a fantasia, que é típico do cinema americano, é um modo de
manter viva a fantasia dentro de si e nutrir a sua esperança (a criança interior). O Ivo citou a risada para que os monstros da
fuligem fujam, evitando a formação do medo, e como os aparecimentos do Totoro sempre ocorrem quando as crianças estão
sujeitas à tamanha ansiedade. A Ana acrescentou que o Totoro é o modo de personificar a natureza.

Mariah (grupo 9) - O filme tem leveza para mascarar com o tema pesado: a doença e o medo da perda da mãe. Isto traz
expectativa que não lhe permite relaxar enquanto assiste ao filme. É uma atmosfera em que deslumbrava com a fantasia,
mas ao mesmo tempo estava ao lado das crianças no momento do desamparo, a ameaça de perder o vínculo com a mãe. A
natureza é, por muitas culturas, considerada como mãe; neste sentido, o Totoro é a entidade que personifica o acolhimento,
nos momentos mais difíceis para as crianças. Cita como o Totoro leva às crianças para enxergar as coisas de outras
perspectivas.

A respeito do papel da criação da fantasia, não somente para as crianças, mas para a formação de quem nós somos,
resumiu na frase a gente cria para não morrer.

Catarina (grupo 3) - A fantasia torna-se um modo de ir para outro mundo, ajudando as crianças a esquecerem, não
completamente, o momento difícil pelo qual passavam. Não é um escape consciente, mas isto as ajudava a minimizar a
ansiedade do que passavam. Ainda pensou em como a fantasia, por ter muitas possibilidades, dá a crença de que algo bom
sempre pode acontecer. Nós, na vida ou como espectadores, buscamos explicações racionais, enquanto as crianças apenas
fluem com o ritmo natural da vida.

Ricardo Kleine (grupo 5) - O Totoro é uma ponte entre o mundo espiritual e o mundo real. As crianças estão lidando com o
trauma por terem uma mãe doente que talvez possa morrer. O Totoro realiza uma mediação que mostra para eles que isto
pode ser natural, que os aproxima do mundo fantástico espiritual. Talvez seja o filme do Miyazaki que está no meio do
caminho entre Princesa Mononoke (o debate da natureza) e A Viagem de Chihiro (o debate do mundo espiritual).

Ravel (grupo 6) - A Milena lembra de ter ficado surpresa na época em que assistiu pelo empoderamento das crianças, pela
autonomia que possuem. A Luciana falou dos cuidados da medicina paliativa, e da experiência em ressignificar esses filmes
para poder levá-los às crianças. O ensinamento para que as crianças comportem-se como adultas no mundo de hoje não
encontra paralelo na válvula de escape das crianças representadas pelo filme. Uma palavra que pode resumir isso tudo é a
esperança.
Filmografia Indicada:
Princesa
Nausicäa Mononoke
do Vale do Vento
Uma Viagem ao
Indomável Mundo das Fábulas
Sonhadora

“Muito obrigado. Até a próxima!”

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