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Cinema

CINEMA
Paulo Marcelo do Vale

Cinema
Desenvolvimento de Trama
ROTEIRO: Cena
AULA 2 Tema

Vamos expandir o processo de criação a partir do estudo do Personagem.


Por meio do seu conflito, surge uma trama.
E como a trama chega a um final evoca um tema. O que nós realmente queremos
dizer com essa história?

“A palavra-chave, para mim, é sempre conflito. Qual é o conflito na hitória?”


Walter Bernstein

“Um roteiro é uma combinação de poesia e arquitetura. Se você não tiver arquitetura,
o desgraçado vai desabar sobre você”
Billy Wilder

“Ficção é a mentira pela qual falamos a verdade”


Albert Camus

Desenvolvimento de Trama
Como personagens querem ou precisam de algo e enfrentam obstáculos, as
histórias giram em torno de um personagem enfrentando um problema que não
poderia imaginar ou prever.
***
Umas das melhores maneiras para criar uma história é se perguntar: e se?
E se… uma amarga professora aposentada precisasse levar um órfão para sua
família no interior do Brasil?
E se…um brinquedo favorito se visse diante de um novo rival?
E se… um velhinho simpático criasse um alter-ego malvado para jogar xadrez?
***

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O roteirista Aaron Sorkin diz que nós não temos uma ideia para uma história até
usarmos as palavras mas , até que ou então . Parafraseando o autor: “Querer fazer
um filme sobre surf não é uma ideia. Você não tem uma ideia até usar as palavras
mas , até que ou então . Por exemplo, era um belo dia como qualquer outro, saí para
surfar e então …”. E então acontece algo que o personagem não podia imaginar.
Pode ser um tubarão ou um tsunami. Agora sim temos a ideia para uma história.
Woody era o brinquedo favorito do Andy, até que Andy ganha um boneco muito
mais atrativo, Buzz Lightyear.
***
Não existe trama sem personagem. E não existe personagem sem trama. Quando
pensamos nas questões que envolvem a criação dos personagens, começamos a
desenvolver a trama também:
- O que querem ou precisam?
- Quais os obstáculos?
- O que está em jogo?
- Eles conseguem ou não o que querem?
***
Chegamos num momento da criação onde a história começa a ganhar detalhes e
contornos. Precisamos colocá-la em ordem, estruturá-la.
O melhor meio de organizar uma história, do começo ao fim, nos foi sugerido pela
Pixar:

Era uma vez ___. Todo dia___. Até que um dia___. Por causa disso___. Por causa
disso___. Até que finalmente___.

Longas, curtas e séries giram em torno dessa estrutura básica.


O que muda? O meio. A quantidade de “por causa disso”.
Todas as histórias tem começo, meio e fim – mesmo que seja um final aberto.
***
Uma história audiovisual é formada por cenas que compõem sua trama. Um
longa-metragem terá várias cenas. Um curta-metragem terá poucas cenas – talvez,
só uma.
Geri’s Game resolve o conflito do protagonista em uma cena. Em Central do
Brasil, Dora precisa de muitas cenas para levar Josué para sua família e ainda
reencontrar a felicidade.

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Cena
Existem algumas definições sobre o que é uma Cena.
O professor Robert McKee, autor de Story, tem um conceito mais elaborado de
cena: uma ou mais situações uificadas pelo desejo e objetivo do personagem – e
que podem se passar em mais de um lugar. Recomendo que estudem seu famoso
livro.
No entanto, vamos usar a definição mais simples de Cena que coincide com a
formatação de um roteiro. Segundo o roteirista Flávio de Campos, a cena:

“é o segmento de um incidente que, delimitado, por um lugar, o narrador narra”


in: Roteiro de Cinema e Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007 p. 122.

E ele completa o raciocínio em seguida:

“se muda o lugar, muda a cena – mesmo que o incidente seja o mesmo”.

Segundo essa definição, a Cena é uma situação que ocorre num determinado
lugar. Nesse momento que escrevo, estou digitando no meu escritório. Isso é uma
situação que ocorre num lugar. Você está lendo esse texto em algum outro lugar.
Isso também é uma situação que ocorre num lugar.
De acordo com a formatação oficial do roteiro, toda cena começa com um
cabeçalho definindo onde e quando a cena se passa. Por exemplo, se pensarmos
no Geri’s Game:

EXT. PARQUE – DIA


***
Agora, vamos retomar o conceito de história como jogo e aplicá-lo no
desenvolvimento de uma Cena. Segundo o roteirista e dramaturgo David Mamet,
uma cena deve responder três perguntas:

1. Quem quer o que (ou de quem)?


2. O que acontece se não conseguir?
3. Por que agora?

Vamos ver cada uma delas:

- Quem quer o que (de quem)?


Os personagens tem um objetivo: precisam resolver um problema.
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Em Geri’s Game, o velhinho precisa vencer a partida de xadrez – bem como seu
alter-ego maligno.

- O que acontece se não conseguir?


Não basta o personagem ter um objetivo. Ele precisa ter algo importante em jogo.
Se não há risco, não há drama.
O velhinho e seu alter-ego maligno disputam a dentadura no jogo de xadrez.
Pensemos num gerente que precisa demitir um funcionário. A história fica
interessante se o gerente é um grande amigo do funcionário. E pode ficar mais
interessante se o gerente souber que o funcionário precisa do trabalho e, mais, se
a demissão é injusta. O que está em jogo para o funcionário? Sua subsistência. E
para o gerente? Sua consciência e sua amizade.
Colocamos os personagens em situações que não gostaríamos de estar na vida
real e vemos como reagem.
O gerente demite o amigo ou não? Se sim, como o faz? Se não, como ele encara
a consequência?
Comédias funcionam da mesma forma, só que o drama do personagem dentro da
história é risível fora dela. George Costanza tem seu namoro em risco porque sua
“sogra” o flagrou comendo um doce que estava na lata de lixo (Seinfeld). As manias
de Sheldon Cooper são cômicas para nós, mas dramáticas para ele (The Big Bang
Theory).

- Por que agora?


Essa pergunta diz respeito a uma urgência. O objetivo do personagem da história
não pode ser um que possa adiar, que se possa resolver ano que vem. O
personagem precisa resolver agora! O filme flagra justamente esse momento. O
gerente recebeu a ordem de demitir o funcionário naquele dia. Urgência traz
dramaticidade. E obriga o personagem a agir.
***
Costumamos dizer que as cenas viram. Ou seja, não terminam da forma que
começou. Os personagens mudam ou revelam uma segunda faceta no desenrolar
da cena, como o velhinho bonzinho trapaceia no jogo de xadrez para derrotar seu
alter-ego maligno em Geri’s Game.
O curta-metragem do curso será basicamente uma cena, uma situação. Um
conflito que precisa ser resolvido num filme de três e a cinco minutos – e sem
diálogos.
Todas essas ferramentas serão importantes na criação da história.

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Tema
Nós não enviamos mensagens ao público. Para isso existe o correio, disse Ernest
Hemingway. Nós contamos histórias. E as histórias carregam um significado por
trás da narrativa. É o que queremos dizer por meio da história: o Tema.
Vamos ilustrar com a lenda da criação da Cataratas do Iguaçu.

Segundo a Ciência, as Cataratas foram formadas por movimentos de placas e


erosões, centenas de milhares de anos atrás. Segundo os habitantes nativos da
região, as Cataratas foram formadas pelo MBoi – um deus em forma de serpente –
para impedir o amor de Naipi e Tarobá:

Os índios caingangues, que habitavam as margens do rio Iguaçu,


acreditavam que o mundo era governado por Mboi — um deus com forma
de serpente e filho de Tupã. Igobi, o cacique da tribo, tinha uma filha, Naipi,
[…]. Devido à sua beleza, Naipi seria consagrada ao deus Mboi, passando
a viver somente para seu culto. Havia, porém, […], um jovem guerreiro
chamado Tarobá, que se apaixonou ao ver Naipi. No dia da festa de
consagração da jovem índia, […] Tarobá fugiu com a linda Naipi numa
canoa que seguiu rio abaixo, arrastada pela correnteza. Ao saber da fuga
de Naipi e Tarobá, Mboi ficou furioso. Penetrou as entranhas da terra,
retorcendo o seu corpo e produzindo uma enorme fenda que formou as
cataratas. Envolvidos pelas águas dessa imensa cachoeira, […] os fugitivos
caíram de uma grande altura desaparecendo para sempre. Naipi foi
transformada em uma das rochas centrais das cataratas, perpetuamente
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fustigada pelas águas revoltas. Tarobá foi convertido em uma palmeira
situada à beira de um abismo, […]. Debaixo dessa palmeira acha-se a
entrada de uma gruta onde o monstro vingativo vigia eternamente as duas
vítimas. In: O amor proibido de Naipi e Tarobá.
http://www.h2foz.com.br/lenda-das-cataratas. Acessado em 12 de julho
de 2016.

A Ciência explica o fenômeno por meio das leis do mundo físico. A versão dos
caingangues pode ser mera fantasia, mas toca no coração do ser humano com
sentimentos verdadeiros. A lenda de Naipi e Tarobá fala sobre Amor, Coragem,
Desafio, Liberdade e Vingança. São os valores que a história evoca no leitor.
Toda história aborda um valor humano. Como falamos anteriormente, o valor que
está em jogo para o personagem. Então, o Tema da história costuma ser o conflito
interno ou o arco do personagem. Por meio das nossas histórias, revelamos nosso
olhar sobre o mundo.
Em outras palavras, o Tema é a visão do autor, seu ponto de vista. O destino que
um autor dá para a história revela seu ponto de vista. Se é um final feliz, ele expõe
uma visão positiva do ser humano. Se é um final triste, ele expôe uma visão irônica
ou negativa do ser humano.
***
Importante!
Não devemos forçar um Tema para a nossa história. O ideal é que ele apareça
naturalmente na nossa criação, enquanto desenvolvemos a história, como ensina
Stephen King:

“Se você escrever um romance, passando semanas e depois meses


trabalhando nele, (…) você deve ao livro e a si mesmo um descanso (…)
depois de acabar, e deve se perguntar por que se deu o trabalho – por que
dedicou tanto tempo, por que aquela história pareceu tão importante. Em
outras palavras, do que se trata, afinal?
“Quando escreve um livro, o autor passa dias e dias procurando e
identificando as árvores. Quando acaba, é preciso dar um passo para trás
e contemplar a floresta. (...) me parece que todos os livros – todos os que
valem a leitura, pelo menos – tratam de alguma coisa. Seu trabalho,
durante ou depois da primeira versão, é decidir de que coisa ou coisas
tratam o livro. Seu trabalho na segunda versão – um deles, pelo menos –
é tornar essa coisa mais clara. E isso pode demandar grandes mudanças
e reavaliações. Os benefícios, para você e para o leitor, serão um foco
mais apurado e uma história mais coesa.”
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in: Sobre a Escrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015, p. 172.

A Pixar sugere o mesmo, de forma mais resumida:

Buscar o tema é importante, mas você só vai saber sobre o que trata
a história quando terminar. Então reescreva.

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