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Professora: Adriana Câmara

CENA, SEQUÊNCIA,
ESCALETA
Bibliografia:
FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do
texto cinematográfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
McKEE, Robert. Story: substância, estrutura, estilo e
os princípios da escrita de roteiro. Curitiba: Arte &
Letra, 2006.
SEQUÊNCIA

Uma SEQUÊNCIA é uma série de cenas ligadas,


ou conectadas, por uma única ideia, com início,
meio e fim definidos.

Nem toda cena faz parte de uma sequência. Há


cenas isoladas, que, sozinhas, são suficientes para
dar conta daquela ideia.
CENA

A cena é o momento e lugar em que uma ação


específica acontece.
O propósito da cena é mover a história adiante.
Toda cena, como a sequência, um ato ou um
roteiro inteiro, tem um início, meio e fim
definidos. Mas você só tem que mostrar parte da
cena. Você pode escolher entre mostrar somente o
início, apenas o meio ou só o fim.
Uma cena é uma ação em tempo contínuo, sem
elipse temporal.
Uma cena isolada ou uma sequência de cenas unidas pela
mesma ideia devem possuir um conflito que transforma a
vida do personagem em algum valor.
Valores da estória são as qualidades universais da
experiência humana que podem mudar do positivo para o
negativo ou do negativo para o positivo, a cada momento.
Por exemplo: vivo/morto (positivo/negativo) é um valor da
estória, assim como amor/ódio, liberdade/escravidão,
verdade/mentira, coragem/covardia, lealdade/traição,
sabedoria/estupidez, força/fraqueza, excitação/tédio e
assim vai. Todas as qualidades binárias de experiência
humana que podem mudar a qualquer momento são
valores da estória. Eles podem ser morais, como bom/mau;
éticos certo/errado; ou simplesmente carregados de valor.
A esperança e o desespero não envolvem valores éticos ou
morais e todos nós sabemos quando é um ou outro.
Um evento da estória cria mudanças significativas na
situação de vida do personagem, que é expressa e
experimentada em termos de valor e alcançada
através do conflito.
O ideal é que toda cena isolada (ou toda sequência,
no caso das cenas unidas pela mesma ideia) seja um
evento da estória.
Observe a cena isolada ou sequência que você
escreveu. Qual é o valor em questão na vida do
personagem no início? E como está o valor no final?
Se nada mudou, essa cena/sequência não tem razão
para estar no roteiro.
Como se cria uma cena?
Primeiro crie o contexto e depois determine o
conteúdo.
O contexto é:
O propósito da cena (Por que ela está lá?
Como ela move a história adiante?)
O lugar
O tempo
Uma vez determinado o contexto, o conteúdo
vem naturalmente.
Há três tipos de tensão numa história: estática,
com salto e que sobe lentamente.

Digamos que uma esposa insiste com o marido


para que ele coloque o lixo para fora, coisa que
ele sempre se recusa a fazer.
Estática: A discussão vai e volta e problema
não é resolvido.

Salto: Eles discutem o assunto e, de


repente, por nenhuma outra razão, a
mulher enfia uma faca no peito do marido,
matando-o.

Subindo lentamente: A discussão leva ou à


ação ou a uma revelação que desenvolve a
narrativa ou as caracterizações de maneira
crível.
Esse terceiro tipo é aquele que devemos seguir, pois
nem para a ação nem desafia a lógica.

Isso vale tanto para cada cena como para o roteiro


inteiro.

Por exemplo: Três melhores amigas começam a morar juntas e, por


conta da convivência íntima, uma delas começa a se apaixonar por
outra. Essa paixão precisa surgir devagar, ir evoluindo, crescendo de
uma cena para outra. Se assim não for, o público pensará que a paixão
sempre existiu e que ela sempre foi arrebatadora.
Realidade Consistente e Relação de
Causalidade!

Cuide da realidade da ação dos personagens e da


sua motivação.*

Deve haver uma lógica interna, um entendimento


com base no que foi estabelecido, para a ação.

* A menos que você esteja escrevendo um roteiro non-sense, no


domínio da antitrama.
Se cresce uma segunda cabeça no personagem, se ele é
capaz de disparar uma arma com absoluta precisão, se ele
é um excelente espadachim, isso acontece por razões
específicas que foram clara e previamente estabelecidas
pelo roteirista.

Se a personagem tem em suas mãos um vidrinho de


arsênico, é preciso justificar como ela teve acesso a isso
(Madame Bovary).

Se o personagem será derrubado de uma torre porque,


ao escalar, flagrou os irmãos fazendo sexo, é preciso que
a gente já saiba que escalar torres é um costume dele
(Brandon, Game of Thrones).
Se todo mundo entra em John Malkovich, mas ninguém
o controla, é preciso justificar porque o protagonista
consegue controlá-lo – só um titereiro conseguiria (Quero
ser John Malkovich).

Se uma esposa vai descobrir que sua consorte a está


traindo porque encontra um pouco de cabelo ruivo no
ralo do banheiro, é preciso que, ao longo da história, a
gente receba a informação de que ela sempre deixa
cabelo no ralo (Minhas mães e meu pai)

Suely vai rifar a si mesma. Ela já vendia rifa antes (O Céu


de Suely)
Se a filha adolescente do protagonista de S1MONE
consegue sentar-se no computador dele e recuperar o
software que gerava a atriz virtual, software este que
havia sido destruído intencionalmente pelo protagonista
com o uso de um vírus, é preciso que a gente tenha visto
em outros momentos do filme que essa menina de 15
anos sabe mexer em programação de computador.
E não adianta fazer esses elementos
aparecerem na história somente na hora em
que a personagem for usar: eles precisam ter
sido inseridas antes, ao longo da história.
Do contrário, a ação fica forçada e o
espectador deixa de acreditar na história,
arruinando-se o processo de “suspensão da
descrença.”
Só deve estar descrito no roteiro aquilo que é
VISTO ou OUVIDO.
Um dos erros mais irritantes feitos pelos
roteiristas é a suposição de que só porque algo é
mencionado na narrativa, ele vai magicamente
ser entendido pelo eventual espectador do filme.
Descrições subjetivas, intenções, motivações,
pensamentos dos personagens devem ser
deixados de lado. As informações devem ser
sempre visuais/sonoras e mais do que isso,
capturáveis em imagem ou som.

O espectador NÃO é capaz de dizer, pelo


rosto do ator que ele "está pensando em
Paris”, “quer voltar para casa”, “está com
fome”, “está triste porque foi desprezado
pela esposa”.
“Eulália foi à janela, relanceou a vista pelo Campo, e, se
lhes disser que com uma pontazinha de tristeza nos olhos,
podem crer que é a pura verdade. Não era, todavia, a
tristeza dos débeis ou dos indecisos; era a tristeza dos
resolutos, a quem dói de antemão um ato pela mortificação
que há de trazer a outros, e que, não obstante, juram a si
mesmos praticá-lo, e praticam. Convenho que nem todas
essas particularidades podiam estar nos olhos de Eulália,
mas por isso mesmo é que as histórias são contadas por
alguém, que se incumbe de preencher as lacunas e divulgar
o escondido. Que era uma tristeza máscula, era; - e que daí
a pouco os olhos sorriam de um sinal de esperança,
também não é mentira.
– Isto acaba, murmurou ela, vindo para dentro.” –
Machado de Assis – D. Benedita.
Tudo isso precisa ser inferido da ação ou da
fala.

É útil que o personagem tenha um


interlocutor com o qual possa conversar para
que saibamos o que está pensando.
Se o personagem está sozinho, só
conseguiríamos conhecer seus pensamentos
de duas maneiras:

* Num monólogo: personagem fala consigo


mesmo ou com o público. Funciona muito
bem nos apartes de House of Cards, mas tem
resultados lamentáveis em algumas novelas
de TV.
* Num Off: os pensamentos do personagem são
revelados por uma Voice Over do próprio
personagem em primeira pessoa ou de um narrador
onisciente. Segundo McKee, “qualquer idiota é
capaz de usar narração em Voice Over para explicar
os pensamentos do personagem”. A Voice Over só
deve ser usada no roteiro se a sua história não
depende dela para ser contada. Escrever um roteiro
cuja história só possa ser compreendida por causa
da Voice Over é uma maneira preguiçosa de contar
uma história com imagem e som.
Muitos roteiristas usam algumas estratégias
para informar ao público o que os seus
personagens solitários estão pensando:
• a antropomorfização de um objeto ou
animal ou
• o uso de um dispositivo de gravação.
Por exemplo:
O náufrago, na ilha deserta, conversa com uma
bola de vôlei a que dá o nome de Wilson.
Em S1mone, o protagonista solitário fala com a
imagem da atriz virtual que dirige e com o
túmulo do criador do software que a gera: eles
são seus únicos confidentes.
Uma criança órfã pode conversar com seu
bicho de pelúcia ou com a foto da falecida mãe.
Alguns personagens fazem confidências a seus
animais de estimação.
Diversos detetives e promotores falam para
um gravador suas observações e deduções.
O alpinista que tem o braço preso na pedra
comunica seus pensamentos e sentimentos a
uma câmera de vídeo.
Algumas regras de ouro no processo de criação de
um roteiro:
Uma cena acontece agora. Não escrevam em
tempo passado ou futuro, mas em tempo
presente.
Uma cena acontece num determinado lugar e
num determinado tempo. O tempo é
contínuo, sem elipses. Considerando isso,
verifiquem se a cena de vocês está ou não
excessivamente longa.
Vocês não precisam mostrar o início, meio e
fim de uma cena, basta mostrar uma parte
dela, o que é essencial.
Numa cena, há sempre conflito: o valor em
questão na vida do personagem muda! E ela
move a história adiante.
Lembrem-se: Só deve estar descrito no roteiro
aquilo que é VISTO ou OUVIDO.
Cuidem da lógica interna do roteiro para a
ação dos personagens!
Quando forem escrever o roteiro (já no final do
processo) falem primeiro os diálogos em voz
alta e depois passem para o papel, para que não
percam a naturalidade.
ESCALETA:
É uma lista de cenas.
Coloque o cabeçalho e, abaixo dele, faça um resumo
do que acontece na cena. O diálogo só pode entrar
em discurso indireto.
Lembrem-se de tudo o que falamos sobre cenas nessa
aula ao fazer a escaleta do seu roteiro.
Por enquanto, não numere as cenas. Muitas serão
eliminadas, outras acrescentadas, a ordem pode
mudar, e, se você as tiver numerado, terá de
renumerar várias vezes.
Pode ser feita em cartões (um por cena) ou digitada
no computador como uma lista.
CABEÇALHO

Deve conter:
TIPO DE LOCAL. NOME DO LOCAL – TEMPO
Tipo do local:
INT. Interior.
Ex.: INT. QUARTO DE HOTEL
EXT. Exterior
Ex.: EXT. ESTRADA DE TERRA
INT./EXT. Interior/Exterior
Ex.: INT./EXT. CARRO EM FRENTE AO
BAR
Tempo:
DIA (vale para manhã e para tarde)
AMANHECER, NASCER DO SOL OU
AURORA
ANOITECER, PÔR DO SOL OU
CREPÚSCULO
NOITE.
Nome do local:
Seja específico quanto ao local. Cada ambiente de
uma casa é outro ambiente!
CASA DE BIA (COZINHA)
CASA DE BIA (JARDIM)
CASA DE BIA (QUARTO DE BIA)
BOATE (BALCÃO)
BOATE (PISTA)
BOATE (FACHADA)
EXEMPLOS DE CABEÇALHO:
INT. QUARTO DE HOTEL – NOITE
EXT. ESTRADA DE TERRA – DIA
INT./EXT. CARRO EM FRENTE AO BAR – AMANHECER

INT. BOATE (BALCÃO) – NOITE


INT. BOATE (PISTA) – ANOITECER
EXT. BOATE (FACHADA) – DIA
INT. CASA DE BIA (COZINHA) – ANOITECER
EXT. CASA DE BIA (JARDIM) – DIA
INT. CASA DE BIA (QUARTO DE ANA) – NOITE
Como escrever uma passagem de tempo no
mesmo local?
Na ação / descrição de uma cena você não deve
usar palavras ou frases que sugiram que o
tempo passou, por exemplo, "minutos depois",
"no final do jogo", “depois de um tempo”,
“quando a festa termina” etc. Isso fica
perfeitamente bem em um romance, mas não
pode ser feito num roteiro, porque isso não é
visível nem audível!
Se você quer saltar no tempo, a maneira mais
simples de escrever isso é usar um novo cabeçalho
seguido da palavra MAIS TARDE.
INT. BAR – DIA
INT. BAR – DIA (MAIS TARDE)

Em todo o caso, isso só é visível para o leitor, não


para o espectador. E você está escrevendo um
roteiro para ser filmado e ser visto e ouvido por
um espectador!
Para que o espectador entenda que o tempo passou, você
terá de descrever a cena diferentemente à medida que o
tempo vai passando.

O que mudou entre a primeira cena do BAR e a


segunda?

Na primeira cena, o protagonista e os amigos estão


dançando; na segunda cena, estão todos sentados à
mesa?

Na primeira cena, o relógio marca 8:00h; na segunda


cena, o relógio marca 23:00h?
Na primeira cena, o bar está animado, a música
tocando, o protagonista pisca um olho para uma
moça bonita e o namorado dela percebe; na
segunda cena, o bar está vazio, em silêncio e tem
mesas e cadeiras reviradas, e o protagonista está
sangrando com um saco de gelo na cabeça?
Na primeira cena, o protagonista pergunta,
aborrecido, ao amigo que está paquerando
uma moça: “Quanto mais teremos de
esperar?”, o amigo responde: “Mais duas
horas”; na segunda cena, o protagonista
levanta-se da mesa, dá um batidinha no
relógio e diz: “O seu tempo acabou!”?.
Mesmo assim, a transição funciona muito melhor
se você coloca uma cena num local diferente
entre essas duas cenas.
Reparem nos filmes a que vocês assistem. Na
imensa maioria das passagens de tempo, há um
corte para outro local entre as duas cenas, de
modo que esse salto no tempo fica suave.

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