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Caio Guerra

A Jornada do Roteirista
Anotações do Professor

Marieta

www.projetomarieta.com.br
@projetomarieta

rua Maria Paula 96, ap 2


Centro, São Paulo, SP
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
O ESCRITOR E A ARTE DA ESTÓRIA

INTRODUÇÃO

Objetos do curso:
- Análise da estrutura de uma estória. Beats, Cenas, Atos, Crise, Clímax e Resolução.
- Estudo de exemplos diversos de roteiros de filmes.
- Técnicas eficientes de escrita. Como organizar a tarefa gigantesca que é escrever uma boa estória.
- Escrita criativa; formas de evitar o bloqueio de escritor e os clichês.
- Desenvolvimento de projetos pessoais, inéditos, com acompanhamento técnico, usando as ferra-
mentas dadas aula a aula.

Essa primeira aula é só uma introdução do que vem pela frente. A ideia é que eu apresente aqui para vocês quais
são os primeiros desafios da vida de um escritor e duas formas diferentes de se escrever um roteiro.

A partir da segunda aula, metade de cada aula será dedicada a orientação dos seus projetos.

Avisos:
- O curso é baseado principalmente no livro Story, do Robert Mckee. Escolhi ele primeiro por ser
um grande professor de roteiro, depois pelo fato da técnica dele de escrita ser muito abrangente; na minha opi-
nião, o mais importante é ter uma boa estória, o resto é detalhe.
- Eu vou mandar semanalmente o resumo de cada aula que eu preparei. É importantíssimo fazer
suas próprias anotações para conseguir internalizar o conteúdo, mas se precisar escolher entre fazer uma anotação
e prestar atenção na frase seguinte, pode ouvir a frase seguinte sem culpa.
- Qualquer dúvida, é só me interromper que eu esclareço. O melhor é que a gente só avance quando
todos estiverem na mesma página.
- Se a dúvida é relacionada a um assunto que já foi dito em uma aula anterior ou que ainda será dado
em uma aula futura, pode ser que eu prefira tirar a dúvida só no final da aula.
- Não tenho uma fórmula absoluta que vai fazer com que vocês consigam escrever só estórias exce-
lentes em poucas semanas. A maior parte do trabalho continua sendo por parte de vocês. Mas pelo menos vocês
vão ter a tranquilidade de saber que seu tempo está sendo bem gasto.
- Não sou especialista em produção. Nesse curso, praticamente não vou me focar em questões mer-
cadológicas; em primeiro lugar porque isso é matéria para outro curso completo, em segundo porque não domino
essa área. Eventualmente, posso dar uma dica ou outra baseada na minha experiência pessoal, mas preferiria deixar
questões mais complexas para antes ou depois das aulas. O que eu posso oferecer é uma boa técnica para criar
uma boa estória, e um acompanhamento do seu projeto para tentar fazer com que ele seja o melhor possível! Meu
objetivo é que todos aqui saiam com uma estrutura pronta para transformar em um bom roteiro.
- Dito isso, isso funciona! Não é cagar regra: esse é um estudo de formas universais, não fórmulas.

Em primeiro lugar, quero deixar claro: não existem atalhos. Escrever toma muito tempo. Sintetizar toma muito
tempo! O roteirista não tem onde se esconder como o autor de livros ou o músico; ele precisa resolver todos os
problemas de lógica de seu trabalho. Deve-se pensar no público e respeitá-lo: o público é mais inteligente que a
maioria dos filmes.

Originalidade é uma confluência entre conteúdo e forma. Se a visão for profunda e original, o formato da estória
será único.
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Excentricidade não é originalidade. A diferença pela diferença não vale nada.

O Mundo de um artista eminente sempre nos parece estranho, mas vendo os personagens, encontramos a nós
mesmos.

Mesmo se olharmos pessoas como Horton Foote, Robert Altman, John Cassavetes, Truffaut e Bergman, por
debaixo das narrativas extremamente complexas e até mesmo desconexas, se você deixar de lado o conteúdo dos
filmes e estudar a padronização dos acontecimentos, verá que os formatos de estória são fortemente carregados
de significado.

Os grandes roteiristas são mestres em escolher uma temática e estruturá-la de forma única.

Ficar presa a uma fórmula “bem-feita” pode sufocar a voz da estória, mas as artimanhas de um “filme de arte” vão
emudecê-la completamente. Quebrar regras por quebrar é fazer algo só pra dizer “olha! olha o que eu sei fazer!”

Vale lembrar que não é só por conter uma forma já conhecida que a estória vira um clichê. É importante separar
o arquétipo do estereótipo. A estória arquetípica desenterra a experiência humana universal, depois se encasula em
uma expressão sócio-cultural única. A estereotípica sofre com a pobreza de forma e conteúdo. Arquétipos atiçam
a curiosidade e despertam sentimentos em todos.

Nessa primeira aula, não vou me aprofundar em conceitos; vou dar um panorama geral da situação do roteirista,
depois vamos decupar juntos como criar uma boa estória.

1 - A DIFICULDADE DO CONTADOR DE ESTÓRIA

O DECLÍNIO DA ESTÓRIA

A maior parte do que fazemos no dia a dia é contar ou ouvir estórias; livros, peças, cinema, estórias para crianças,
imprensa, conversas de bar, internet. Até quando sonhamos.

Estórias são equipamento para a vida. Os estudos tradicionais costumam ser forçados e rasos: não é todo mundo
que vai ler Hegel ou Kant sem uma prova pra passar; mas todos consomem estórias avidamente.

Ser entretido é ser imerso na cerimônia da estória para um fim intelectual e emocionalmente satisfatório. Para o
público de cinema, ser entretido é um ritual de se sentar no escuro, rodeado por dezenas de pessoas, concentrado
no significado da estória, que desperta emoções fortes, às vezes até dolorosas.

Para criar algo novo, é preciso estudar. É um bom sinal vocês estarem procurando isso. Experiência é importante,
estudo é mais. Roteiro é uma sinfonia. Autoconhecimento é a chave, sua batuta.

O imperativo da Estória

Uma boa estória faz um bom filme possível, enquanto o fracasso ao fazer a estória basicamente garante o desastre.

Quem são essas personagens? O que elas querem? Por que elas o querem? Como elas tentarão consegui-lo? O que
as impede? Quais são as consequências?

Todos os bons filmes têm algo em comum: essa é a forma da estória. Nunca confundir forma com fórmula! Não
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existem receitas!

Estória e Vida

Nunca confundir verossimilhança com Verdade, e nem verdade com um v minúsculo e a Verdade com V maiús-
culo, que se encontra atrás da realidade.

- verdade: o que acontece na vida. O que estamos fazendo agora, o que vemos acontecer no dia a
dia. Uma conversa normal, uma interação normal, com linguagem fática.
- verossimilhança: “que aparenta ser a verdade”. É tudo o que vemos na ficção que acreditamos
que faz sentido que aconteça. Um personagem que age como acreditamos que ele poderia agir em determinada
situação
- Verdade: A alma da ação. A Verdade com V maiúsculo é encontrada atrás da realidade, nos moti-
vos que movimentam as personagens. A Verdade é vista quando uma personagem é obrigada a fazer uma escolha
e essa decisão é, depois de apresentada, a única que o público poderia conceber que essa personagem escolha.

Não basta mostrar a vida.

Também não se pode fugir completamente da vida. Um espetáculo cinematográfico gratuito substitui a imagi-
nação por uma realidade simulada. Isso pode trazer um turbilhão de emoções, mas, como uma montanha russa,
ele dura pouco.

A estória é uma metáfora para vida. A estória tem que abstrair da vida e buscar a sua essência. Roteiristas de retrato
têm que entender que fatos são neutros. A pior desculpa pra colocar uma situação no roteiro é dizer que aconteceu
assim na vida real; tudo acontece na vida real, tudo imaginável acontece, e até o inimaginável, mas estória não é
a vida em realidade. A estória é verdade. O que acontece de fato não é verdade: verdade é o que nós pensamos
sobre o que acontece.

A estética é uma forma de expressar o conteúdo vivo da estória, mas não pode ser um fim em si.

EXEMPLOS

BOA ESTÓRIA BEM CONTADA

Uma boa estória significa algo válido dizer que o mundo queira ouvir.

O amor por uma boa estória, com personagens extraordinários e um mundo dirigido por sua paixão, coragem e
dons criativos ainda não é o suficiente; a sua meta deve ser uma boa estória bem contada.

O ritmo do dia de um escritor se divide em duas partes: na primeira, você entra no seu mundo imaginário: enquan-
to os personagens falam e atuam, você escreve a ação. Depois, você sai da fantasia e lê o que você escreveu. Você
analisa: isso é bom? Isso funciona? Porque não? Devo cortar? Adicionar? Reordenar?

OS ELEMENTOS DA ESTÓRIA

2 - O ESPECTRO DA ESTRUTURA
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A marca do mestre é selecionar alguns momentos, mas nos dar uma vida inteira.

O que escolher? A estrutura é uma seleção de eventos da estória da vida das personagens composta em uma se-
quência estratégica para estimular emoções específicas e para expressar um ponto de vista específico.

O que incluir? O que excluir? Qual a ordem dos fatos? É como a composição de uma música.

Evento
“Evento” quer dizer mudança. Eventos em uma estória devem ser significativos.

Para uma mudança ser significativa, é preciso expressá-la em termos de valor. Valores são a alma do contador de
estórias. Passagem positivo/negativo ou vice versa. Vivo/morto, amor/ódio, coragem/covardia...

Eventos acidentais não fazem uma estória; as mudanças estruturais devem vir por meio do conflito (qual é a
melhor estória: durante uma seca, a solução é uma chuva ou plano para desviar um rio?)

Cada evento de estória compõe uma Cena. para um filme típico, entre 40 e 60 Cenas.

A cena transforma o personagem em pelo menos 1 valor com grau de significância perceptível.

Como seu personagem começou a cena? Quais valores? Como ele terminou? Se continua igual, porque essa cena
está no meu roteiro?

Normalmente a resposta é “exposição”, mas se esse for o único motivo para a cena existir, É melhor jogar na cena
no lixo e levar essa informação para outra parte do filme. Em geral é possível reconhecer uma cena como uma
cena se ela pudesse ter sido escrita “em uma”, em uma única unidade de ação, e tem um conflito próprio.

conflitos:
Homem contra ele mesmo;
Homem contra Homem;
Homem contra a sociedade;
Homem contra Deus.

Beat
O beat é uma mudança de comportamento que ocorre por ação e reação. É a unidade de ação de uma cena

Sequência
A sequência é um grupo de cenas que criam uma unidade de ação maior. A sequência tem de duas às cinco cenas
que culminam com um impacto maior do que as anteriores.

Ato
O ato é um grupo de sequências que culminam em uma transformação grande para a estória.

Estória
Uma série de atos constrói a maior de todas as estruturas: a estória. O clímax da estória carrega consigo uma
mudança absoluta e irreversível.

Para se construir uma estória, é só fazer com que cada frase seja pensada para trazer mudança em um beat. Depois,
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garantir que seus bits culminem em uma cena, e que suas cenas culminem em uma sequência, e que suas sequênc-
ias culminem em um ato. quando o ato final chegar ao clímax, você terá uma estória.

Atividade: análise de uma cena de um filme.

-Quais é o conflito dentro da cena?


-Quais são os beats?
-Quais são os valores em questão e como eles se modificam ao longo da cena?

TRAMA
A trama de uma estória é a escolha de eventos pelo escritor e a sua colocação no tempo. Representa todas as
escolhas quanto ao que aparece e o que não aparece no filme.

TIPOS DE TRAMA
Existe um triângulo de possibilidades para a narrativa: Arquitrama, Minitrama e Antitrama.

Arquitrama
Design clássico da trama. Estória construída a partir de um protagonista ativo, que luta contra forças antagonístic-
as externas, em tempo contínuo, em uma realidade consistente e causalmente conectada, levando ao final fechado
com mudanças absolutas e irreversíveis.

Minitrama
Design minimalista da trama. Em oposição aos grandes conflitos da Arquitrama, temos aqui a predominância do
conflito interno.

Esse foco no interior das personagens faz com que seja mais comum o uso de um protagonista passivo, ou até um
multi protagonista, para mostrar que ele não é nada frente ao mundo. Uma trama mais mental também permite o
uso do final aberto sem que o público saia decepcionado.

Antitrama
Equivalente ao anti romance e ao teatro do absurdo. Não reduz o clássico, mas reverte-o, contradizendo as formas
tradicionais para explorar, talvez ridicularizar, a ideia dos princípios formais. Extravagância e exagero auto-con-
sciente. (cão andaluz, monty python).

Final Aberto contra Final Fechado


Na Arquitrama, todas as questões levantadas pela estória são respondidas, todas as emoções evocadas são sati-
sfeitas. A Minitrama frequentemente deixa o final aberto; algumas questões são deixadas sem solução, para que o
público as complemente mais tarde, em suas mentes.

Protagonista único vs múltiplos


A narrativa clássica segue um protagonista com uma estória principal dominando o tempo do filme. A diluição da
narrativa em diversos protagonistas com estórias próprias cria uma multitrama.

Exemplos célebres: Pulp Fiction, Intolerância (1916), Grande Hotel (1932), Através de um Espelho (1961), A Nau
dos Insensatos (1965), Faça a coisa Certa, Cenas da Vida, Comer Beber Viver.

Protagonista Ativo vs Passivo


Ativo: na busca de um desejo, ele toma a ação no conflito direto com as pessoas e o mundo que o cerca.
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Passivo: Não inicia a ação externa, busca o desejo internamente, em conflitos com aspectos de sua própria natu-
reza.

Tempo linear vs não-linear


Em geral, a denominação de tempo linear ou não, para o público, é de uma estória que acontece cronologicamente
contra uma que acontece com os fatos misturados no tempo. Mas para o roteirista, como ferramenta, é interessan-
te ver de um jeito um pouco diferente.

Linear: Uma estória, com ou sem flashbacks e arranjada em uma ordem temporal de eventos que o público pode
seguir.
Não-linear: uma estória que salta aleatoriamente através do tempo, ou que obscureça tanto a continuidade tempo-
ral que o público não consiga entender a ordem dos acontecimentos.

A narrativa com tempo não-linear é, em geral, utilizada em antitramas (ex: bad timing, o ano passado em Ma-
rienbad.), mas pode ser vista em tramas como Corra, Lola, Corra e Donnie Darko.

Causalidade vs Coincidência
Causalidade: ações motivadas causam efeitos que, por sua vez, se tornam causas para outros efeitos.

Coincidências: ações não motivadas servem como gatilho para eventos que não causam mais efeitos, fragmentan-
do a estória em episódios divergentes e em um final aberto, representando a desconectividade da existência.

A Arquitrama salienta a relação entre causa e consequência, a causalidade.

A Antitrama pode se valer da coincidência (ex: after hours, Mounty Python)

Realidades consistentes vs não consistentes


Realidades consistentes: uma vez dadas as regras de funcionamento do universo dentro do filme, elas não podem
ser quebradas. Isso vale para modos de interação entre as personagens e seu mundo.

Realidades não-consistentes: ambientes que misturam modos de interação de uma maneira que os episódios da
estória pulem inconsistentemente de uma realidade para a outra, criando um senso de absurdo. Algumas antitra-
mas permitem, mas use com cautela.

Mudança contra estática


A Arquitrama, Minitrama e Antitrama formam um triângulo onde poucos filmes se encontram exatamente nos
vértices; as estórias costumam se encontrar em partes diferentes de um grande espectro narrativo. Ainda assim,
essas tramas são todas categorizadas por trazerem mudanças nas vidas dos personagens e em seu mundo.

Quando lidamos com filmes como “O Discreto Charme da Burguesia”, “Shortcuts”, “Ano Passado em Ma-
rienbad” ou “Faces”, estamos diante de não-tramas. Nos filmes de Porção-de-vida (slice-of-life), protagonistas
solitários em vidas solitárias passam por ainda mais sofrimento e, ao final, parecem resignados à dor da vida.

Em filmes como “O Discreto Charme da Burguesia”, não-tramas anti-estruturadas, são usados o absurdo e a
sátira em um estilo supra-antinaturalista: juntam cenas que ridicularizam os trejeitos da burguesia, tanto sexuais
quanto políticos, mas os tolos cegos das cenas finais estão tão tolos e cegos quanto no início.

Apesar de nada mudar no universo de uma não-trama, ganhamos com ela um panorama sóbrio e, esperançosam-
ente, algo muda dentro de nós.
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A Política do Design da Estória


Arte e política, para o bem e para o mal, estão intrinsecamente conectadas. Mesmo se deixarmos de lado o con-
teúdo individual, podemos destacar duas categorias maiores: O “Filme Comercial” (ou Hollywoodiano) e o “Fil-
me de Arte” (o que por si já é um nome esquisito; imagine se as pessoas começassem a falar de Literatura de Arte,
Teatro de Arte ou Música de Arte). Os termos estão datados, mas em geral nós separamos os filmes em grandes
orçamentos e pequenas produções, efeitos especiais e quadros baseados em pinturas, sistema de estrelas contra
atuação conjunta e roteiristas a toque de caixa contra os grandes autores.

Muitos filmes de Hollywood são internacionalmente aclamados como verdadeiras obras de arte; o significado
político do “Filme Hollywoodiano” se refere apenas aos quarenta filmes de produção titânica feitos anualmente.
Grande parte dos filmes produzidos na Europa são filmes de ação, pornografia ou pastelão, mas o termo “Filme
de Arte” é usado apenas para aquele punhado de filmes excepcionais que cruzam o atlântico.

Esses termos foram cunhados diante de uma guerra cultural de pontos de vista extremos: via de regra, o cinema
Comercial tente a ter uma visão de mundo extremamente (alguns diriam tolamente) otimista em relação às mu-
danças na vida; isso se expressa no uso da Arquitrama e em uma porcentagem excessiva de finais felizes.

O Cinema de Arte, em oposição, costuma mostrar uma visão de mundo extremamente (e, para alguns, de uma for-
ma bem chic) pessimista em relação às mudanças, dizendo que, se a vida não é estática, a mudança provavelmente
é para o pior. Consequentemente, vemos muitos retratos em não-tramas ou Minitramas e Antitramas extremas
com finais negativos.

Até aí, tudo bem. O problema maior se dá quando o roteirista se utiliza desses apoios artificiais para balizar seus
roteiros, não dando importância para as necessidades únicas de sua estória; o otimismo ingênuo faz com que mui-
to frequentemente os filmes de Hollywood forçam finais felizes por questões mais comerciais do que sinceras, e o
pessimismo igualmente ingênuo faz com que Filmes de Arte forcem finais tenebrosos mais por modismo do que
por sinceridade.

Minimalistas tendem a superestimar o apetite do público por conflito interno e superestimar suas capacidades
de apresentar o invisível na tela sem a ajuda de uma estória; cineastas de ação tentem a subestimar o interesse do
público pelos personagens, pensamento e sentimento e superestimar sua capacidade de fugir dos clichês.

Os excessos dos Filmes Comerciais são imagens espelhadas dos excessos dos Filmes de Arte: a narrativa é forçada
a virar uma superfície ofuscante de espetáculo e som para distrair o público do vazio e da falsidade da estória; em
ambos os casos, o resultado é a chatice.

Cada escritor naturalmente tende a se sentir mais à vontade em um lugar do triângulo. Mas algumas coisas são
universais.

Regras para ser um escritor feliz:

1) O escritor deve ganhar a vida escrevendo


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É possível escrever enquanto se trabalha quarenta horas por dia em outro emprego. Mas com o tempo, vem a
exaustão, a concentração vai embora, a criatividade trava e você é tentado a desistir. É necessário encontrar uma
forma de fazer da escrita o seu ganha pão. A sobrevivência de um escritor talentoso no mundo real depende do
reconhecimento de um fato: conforme o filme foge da estrutura da Arquitrama, se enveredando pela Antitrama e
pela Minitrama, o público diminui.

Isso não se dá por falta de capacidade intelectual, mas principalmente por conta de uma identificação natural que
temos para com a Arquitrama, que se reflete na nossa forma de ver o mundo. A Antitrama e a Minitrama são
desafios intelectuais que não são todos que estão dispostos a enfrentar. Alguns cineastas possuem um público
escasso, mas extremamente fiél; Robbe-Grillet, do filme Ano Passado em Marienbad, por exemplo, afirma nunca
ter gastado mais de 750 mil dólares em um de seus filmes (número muito baixo para padrões americanos; um filme
de baixo orçamento Hollywoodiano ainda se coloca na casa das dezenas de milhões de dólares), e lucra o dobro
disso com cada filme, fazendo valer o investimento. Ser um artista não significa deixar de ser pragmático.

2) O roteirista precisa dominar a forma clássica

O minimalismo e a antiestrutura não são formas independentes, mas reações ao clássico. A Minitrama e a Antitra-
ma nasceram da Arquitrama: uma a encolhe, outra a contradiz. Para escrever Minitramas e Antitramas, o roteirista
precisa saber brincar com as antecipações das estruturas e subvertê-las.

3) O roteirista deve acreditar no que escreve

Como você acha que é a vida? É assim que você deve escrever. O público sente o cheiro da falsidade e a repudia
naturalmente. Se você realmente acredita na insignificância e na aleatoriedade da vida, pode sim fazer sua minitra-
ma ou sua antitrama.

Para a maior parte das pessoas, a resposta honesta seria “não”. Ainda assim a antiestrutura e, principalmente, o
minimalismo, atraem os jovens como uma flauta mágica. Talvez pelo que representam extrinsecamente: elas não
são Hollywood. as pessoas acreditam que Hollywood e arte são antitéticos, e querem ser reconhecidos como arti-
stas. Para evitar o comercialismo, se afunda em pretenciosidade. é uma prisão idêntica, porque você se baseia nas
mesmas regras, mesmo que pela negação.

3 - O MÉTODO DO ESCRITOR
Em geral, a diferença entre um escritor com boas obras e um escritor com obras interessantes, mas em última
instância “menores”, pode ser relacionada ao método de trabalho.

ESCREVENDO DE FORA PARA DENTRO


Escrever de fora para dentro é pensar na estória antes de qualquer coisa, e depois construir uma estrutura interna
para deixá-la de pé.

Um escritor que se bate e sofre em escrever sua obra costuma trabalhar mais ou menos assim: ele sonha com uma
boa ideia, matuta um tempo sobre ela, e começa a escrever. Descrição, diálogo A, diálogo B, descrição…

Ele imagina e escreve, cria e estrutura sua estória até chegar na página 120, o número mágico, e para, olhando
contente para sua obra pronta. Depois, ele manda para alguns amigos para ouvir as reações. “Ah, legal! Gostei da
cena X”. “Gostei da Y”. “Mas não sei, tem algo sobre o final, e o meio, que não se juntam”.

Então o escritor junta as reações dos amigos e seus próprios pensamentos para começar o segundo tratamento
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com uma estratégia infalível: “Como manter as seis cenas que eu e todo mundo gostamos e, de alguma forma,
ligá-las com um filme que funcione?”. Depois de pensar um pouco, ele volta pro teclado e reescreve, se agarrando
como um um homem se afogando, às cenas que ele mais gosta.

Mas ainda tem alguma coisa errada. Então ele volta a escrever e reescrever, repetindo o processo anterior até que
se cansa e declara que o filme está pronto.

ESCREVENDO DE DENTRO PARA FORA


Outra opção é usar o processo inverso. Escrever de dentro pra fora. Isso significa se focar primeiro na estrutura,
para depois usar ela como apoio para a construção da estória.

Se, hipoteticamente, um roteiro demorar seis meses para ser escrito, os primeiros quatro meses são gastos escre-
vendo cenas para o filme em pilhas de cartões de dez por quinze centímetros. Uma pilha de cartões para cada ato.
Nesses cartões, ele cria a step-outline da estória.

Step-Outline
A step-outline é a estória contada em passos. “Ele entra esperando encontrar a mulher em casa, mas encontra um
bilhete dizendo que ela o abandonou”.

No verso de cada cartão, o escritor indica qual passo no design da estória a cena apresentada nesse cartão atinge
— ao menos nesse primeiro momento. Quais cenas criam condições para o incidente incitante? Qual é o Incidente
Incitante? Clímax do Primeiro Ato? Segundo Ato? Meio de Ato? E faz isso tanto para a cena central quanto para
as subtramas.

Por que ele faz isso? Porque ele precisa destruir seu trabalho, desapegar do que não é absolutamente bom. Cerca
de noventa por cento das cenas escritas para cada filme são, na melhor hipótese, medíocres, por melhor que seja o
roteirista. Então o que você faz? Ainda nesse passo de escrever descrições rápidas, que permitem uma maleabilida-
de maior, você vai escrever dez vezes mais cenas do que você vai precisar usar, e destruir o excesso que aparecer.

Você pode destruir sequências, atos inteiros. Você pode escrever a mesma cena de dez, doze formas diferentes
até descobrir uma que de fato funcione. Você é um escritor. Tem que saber que não existe limite para criar, que as
ideias não vão acabar. Jogue fora o que não for excelente.

Enquanto isso, o escritor escreve constantemente; a biografia de suas personagens, estudos sobre o tema, expli-
cações sobre o mundo imaginário, vocabulário, expressões idiomáticas, desenhos, esboços. A pesquisa deve dar
uma estrutura abrangente que será depois disciplinada pela step-outline.

Depois de trabalhar por algumas semanas, ou meses, o escritor descobre seu Clímax da Estória. Com isso em
mãos, ele pode até reescrever sua estória de trás para frente. Pelo menos agora ele de fato tem a estória.

Você nunca mostra o step-outline para as outras pessoas. Ao invés disso, você conta a estória resumidamente, e
presta atenção nas reações das pessoas a cada progressão. Ele gostou do meu incidente incitante? Ela se interessou
pelo desenvolvimento? Consegui surpreender alguém com meu clímax?

Antes que a grande maioria dos ouvintes responda com entusiasmo, não adianta seguir adiante. Se a estória não se
sustenta por dez minutos de conversa, provavelmente não vai se sustentar por duas horas de tela. Entusiasmo não
é só o elogio; é conseguir deixar o outro sem palavras, surpreso, sinceramente interessado.
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Quando o step-outline está pronto, é hora de passar para o próximo passo: o argumento.

Argumento
Para adaptar o step-outline, o autor expande cada cena, de uma ou duas sentenças, para um ou cinco parágrafos
de descrição momento a momento, com espaçamento duplo e escrito no presente do indicativo.

No argumento, o roteirista indica sobre o que as personagens falam, mas nunca escreve o diálogo. Um diálogo
escrito antes do tempo engessa a estória. Ao invés disso, aproveite o argumento para escrever o subtexto das per-
sonagens cena a cena. Esse é o único momento para isso.

Os argumentos tinham originalmente duas ou três vezes o tamanho do roteiro pronto; eles continham infor-
mações essenciais para o trabalho do roteirista, mas que nunca chegariam às telas. Hoje em dia, a praxe é escrever
argumentos de dez, doze páginas, que não passam de um esboço da estória. Não é preciso exagerar, mas se você
consegue transformar seu step-outline em um argumento de noventa páginas, detalhado, mas sem enrolações,
você criou material suficiente para fazer seu longa.

No argumento, descobrimos que as coisas que acreditávamos que dariam certo na step-outline na verdade não
funcionam, e precisamos reescrever para conseguir adequar a ideia à realidade. Não mudamos mais o design
estrutural da estória, que já se provou diversas vezes, mas reformulamos a estória dentro dessa estrutura. Cenas
podem ser cortadas, reescritas e reorganizadas. Só quando a estória inteira estiver vividamente representada no
argumento, em texto e subtexto, o escritor vai para o roteiro em si.

ROTEIRO
Se você seguiu todos os passos até aqui, o ato de escrever o roteiro em si vai ser muito prazeiroso. Você converte
o argumento em descrição e adiciona o diálogo. O diálogo, nesse momento, é o melhor que você poderia escrever.
Ele só existe nos momentos em que ele tem que existir, e nós sabemos exatamente o que nossas personagens
querem dizer.

Quando alguma cena deixar de funcionar da forma esperada por conta dos diálogos, muitas vezes não será pos-
sível solucionar o problema com uma mudança de diálogos ou de comportamento das personagens; nesse caso,
volte ao argumento e reestruture a estória para corrigir o problema específico.

O argumento é uma ferramenta poderosa para o roteirista. Se você pular ele, terá que fazer um trabalho equiva-
lente no próprio roteiro. E o maior perigo disso é a escrita e diálogos; se for prematura, ela sufoca a criatividade.
Além disso, a escrita prematura dos diálogos é a forma mais lenta de se escrever. Ela te faz correr em círculo por
anos, até você perceber que nem todas as suas ideias merecem ser transformadas em filme.

Com o step-outline, você percebe rápido se a estória não funciona: ninguém gosta dela. Na verdade, nem você
gosta. Nesse caso, devolva ela pra gaveta. Talvez mais tarde na vida você possa ter alguma inspiração, mas por
enquanto construa uma nova ideia.

Óbvio que, como tudo o que foi falado até aqui, essa não é uma regra absoluta. Existem escritores que escrevem
diretamente e conseguem criar grandes obras. Mas é uma ferramenta que vai ser mais eficiente e despertar mais a
criatividade de 99% dos escritores.

Usar uma técnica conscientemente pode dar medo. É possível que, em um primeiro momento, seja até mais difícil
de coordenar sua criatividade da forma como você fazia naturalmente. Mas quando se domina a técnica, é possível
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disciplinar sua criatividade e aumentar exponencialmente seus limites. Mais do que tudo, é preciso coragem para
enfrentar as dificuldades da escrita. O mundo merece ver o seu melhor trabalho.

Lição de Casa: todos devem escrever os esboços das estórias para analisarmos ao longo do curso.

4 - ESTRUTURA E AMBIENTE

Guerra ao clichê
Os tempos de hoje trazem espectadores saturados de estórias. Dezenas de milhares de horas na bagagem. Como
criar algo que nunca foi visto?

O clichê sempre decepciona o público. A fonte de todo clichê se baseia em um único fato: o roteirista não conhe-
ce o mundo da sua estória e, portanto, se volta para outros trabalhos em busca de cenas, personagens, diálogos e
situações.

AMBIENTE
O ambiente da estória é quadridimensional: período, duração, localização e nível de conflito.

Período é o lugar da estória no tempo. Mundo contemporâneo? Passado? Futuro próximo? Em raras instancias,
não é importante (Revolução dos Bichos, Watership Town).

Duração é a extensão de uma estória ao longo do tempo. Quanto tempo se passa do início ao fim? Horas? Anos?
Minutos? Tempo real? Alguns filmes não deixam claro quanto tempo se passa, como Ano Passado em Marienbad.
Algumas sequências de filmes, como as escadarias de Odessa, em “O Encouraçado Potemkin”, fazem com que o
tempo dentro do filme seja maior do que o do evento ocorrido (3min de ataque viram 15 min de filme).

Localização é o lugar de uma estória no espaço. Em qual cidade? Em qual planeta?

Nível de conflito é a posição da estória na hierarquia das lutas humanas. Representa a dimensão humana do
ambiente. Conflitos internos? Conflitos pessoais? Conflitos contra instituições e sociedade? Contra as forças da
natureza?

O relacionamento entre estrutura e ambiente


O roteirista tem liberdade ilimitada para inventar situações? Não. O ambiente de uma estória define e confina ca-
tegoricamente suas possibilidades. Mesmo em um ambiente fictício, nem tudo o que vem à mente pode acontecer;
apenas certos eventos são possíveis ou prováveis.

Uma estória deve obedecer a suas próprias leis internas de probabilidade. A escolha de eventos de um escritor é
limitada às probabilidades e possibilidades contidas no mundo criado. Não existe uma boa estória portátil. Ela só
pode acontecer em um momento e lugar.

Em geral, quanto mais fantasioso o mundo, mais rígidas as regras narrativas; a coincidência deve ser evitada.

O PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO CRIATIVA


Limitação é vital. As limitações não inibem a criatividade, mas a estimulam. Todas as grandes estórias situam-se
em um mundo limitado e conhecível.

Exercício: o que é mais fácil? se eu te pedir para criar, na hora, uma “estória”, ou se eu te pedir para criar uma
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
estória que se passa dentro de um escritório de contabilidade, em 2008, Manhattan, com um protagonista que
acaba de perceber que pode perder tudo com a explosão da bolha imobiliária?

O mundo da estória deve ser pequeno o suficiente para permitir que a mente do roteirista seja capaz de abarcar
tudo o que acontece nele.

Mas pequeno não significa trivial. Quanto menor o mundo, maior a profundidade do conhecimento do autor e,
portanto, maior o número de escolhas criativas possíveis. Assim, é mais fácil fugir dos clichês.

PESQUISA
A chave para vencer a guerra aos clichês é a pesquisa. Três métodos úteis, que em geral devem ser usados em todos
os filmes, são a pesquisa de memória, imaginação e fato.

Memória
O que eu conheço da minha experiência pessoal que toca a vida de minhas personagens?

Escreva num papel uma experiência real análoga, com seus sentimentos, e depois fique com isso na cabeça para
criar a cena.

Imaginação
Como seria viver a vida de meus personagens, hora após hora, dia após dia? Use essa informação para completar
os fragmentos de mundo não observável.

Uma imaginação trabalhando é pesquisa.

Fatos
Pegue livros, artigos, pesquisas e comentários sobre o assunto. Se você vai escrever um drama familiar, mesmo
tendo experiência fazendo parte de uma família, leia sobre dinâmica familiar.

Resultado
Essas pesquisas culminam no fenômeno dos “personagens se escreverem sozinhos”; isso não é mágica, é o resul-
tado de um árduo trabalho que culmina quando o escritor está saturado de conhecimento sobre o assunto.

Ainda assim, pesquisa não substitui criatividade. Uma estória não se resume a uma acumulação de fatos atrelados
a uma narrativa, mas um design de eventos que nos levam a um clímax.

ESCOLHAS CRIATIVAS

Criatividade nunca é um para um. Você deve criar muito mais do que o que você pode usar. Cinco, dez vezes mais.
A partir daí, pode escolher o caminho a seguir entre as possibilidades.

Criatividade significa escolhas criativas de inclusão e exclusão.

Não aceite seu primeiro instinto quanto a como resolver uma situação de imediato: ele provavelmente veio rápido
assim por estar no topo de sua mente com o consumo de milhares de horas de audiovisual; ou seja, provavelmente
um clichê. Escreva todas as alternativas boas que você conseguir e, então, selecione a melhor. Se for a primeira,
ótimo: agora você sabe que ela é a melhor que você tem. Agora, a questão é conseguir encontrar uma forma única
de colocar essa cena na tela; pesquise o cenário até o talo e crie algo genuíno.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
5 - ESTRUTURA E PERSONAGEM
O que é mais importante? Estrutura ou Personagem? Aristoteles dizia que a estrutura era o essencial. O movi-
mento do romantismo acreditava que o que as pessoas realmente queriam ver eram personagens complexos e
fascinantes. Quando vão escrever, cada um prefere iniciar o processo de uma forma diferente. Mas, na prática,
o Personagem não pode ser menos ou mais importante que a Estrutura porque o Personagem é a Estrutura, e a
Estrutura é o Personagem.

Pra isso fazer sentido, é importante definir a diferença entre Personagem e Caracterização.

Personagem X Caracterização
Caracterização são todos os fatos observáveis sobre um ser humano: idade e QI, sexo e sexualidade, escolhas de
carro e de roupas, educação e trabalho, personalidade, valores e atitude. Ou seja, todos os aspectos de humanidade
que poderíamos conhecer com uma observação diária a longo prazo. Todas essas informações fazem uma pessoa
única, porque cada um de nós é uma combinação única de genes recebidos e experiência acumulada. Esse amon-
toado de traços fazem uma caracterização, não uma personagem.

A VERDADEIRA PERSONAGEM é revelada nas escolhas que um ser humano faz sob pressão. A Personagem
só existe dentro do conflito. Essa é a conexão indissociável com a Estrutura.

A Personagem é forte ou fraca? Generosa ou mesquinha? Corajosa ou Covarde? Sob a superfície da caracteri-
zação, o único jeito de conhecer uma personagem e saber como ela é de fato é observando as escolhas que faz
sob pressão. A pressão é essencial. Sem riscos, a escolha é irrisória. Se o personagem por exemplo diz a verdade
quando uma mentira salvaria sua vida, sabemos que esse é um valor que ele coloca acima da própria vida.

As escolhas são essenciais; se um ônibus escolar bate diante da Personagem, ela para para ajudar ou continua seu
caminho? Chama a ambulância ou corre para dentro do ônibus para ajudar as crianças? Mas não acabou. Quando
vê que não tem mais tempo, que terá que escolher só mais uma criança para salvar, ela vai se esticar para pegar
a criança branca ou ajuda a criança negra que está ao seu lado? De uma forma ou de outra, é por meio dessas
escolhas que descobrimos a verdadeira Personagem. Mas escolhas de vida ou morte não precisam ser literais; pode
ser uma entrevista de emprego, um encontro, uma apresentação…

REVELAÇÃO DA PERSONAGEM

A revelação da verdadeira personagem em contraste ou contradição com a caracterização é fundamental para toda
boa estória. Se a caracterização se mantém em absoluto diante de pressão, a personagem pode ficar previsível.
Uma personagem que parece ser um marido amável e, ao longo do filme, se revela como sendo apenas um marido
amável, sem sonhos perdidos e frustrações, é um pouco decepcionante. Não são necessariamente personagens
não críveis; na vida existem muitas pessoas superficiais e não-dimensionais. Mas elas são chatas.

Rambo vs James Bond. Rambo começa interessante, mas imediatamente perde sua caracterização. James Bond
mantém sua persona “suave” por toda a experiência. 30 filmes.

O ARCO DA PERSONAGEM
Levando o princípio ainda mais longe, a boa escrita não só revela o verdadeiro eu da personagem como cria um
arco de mudança na sua natureza interna, para melhor ou para pior, ao longo da narração.

FUNÇÕES DA ESTRUTURA E PERSONAGEM


A função da Estrutura é prover pressões progressivamente construídas que forçam o personagem a enfrentar
dilemas cada vez mais difíceis.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
A função da Personagem é trazer caracterizações adequadas para realizar escolhas convincentes. A Personagem
deve ser crível. Jovem ou velha o suficiente, forte ou fraca, ignorante ou culta.

Ambos se entrelaçam. Tanto faz se pensamos a partir da Estrutura ou da Personagem, caímos sempre no mesmo
lugar.

A complexidade da Personagem deve também estar de acordo com o gênero escolhido.

CLÍMAX E PERSONAGEM
O Clímax e o terceiro ato são importantíssimos para definir a qualidade da experiência do público. Existe um
ditado: filmes são sobre seus últimos vinte minutos. O Cinema é uma arte temporal, e a regra de ouro é guardar o
melhor pro fim. A experiência mais gratificante deve ser deixada para o último movimento da obra.

Sem um clímax satisfatório, todo o trabalho de elaboração de personagens, diálogos e descrição de cenas não
passam de um exercício de digitação.

Se a caracterização da Personagem se coloca entre você e a trama perfeita, impedindo que a Personagem exerça
sua função maior, mude a caracterização e adapte as ações até então.

Exercício: Criação de vários personagens em seguida. Cada um dá uma restrição para que o outro possa criar a
personagem.

OS PRINCÍPIOS DO DESIGN DA ESTÓRIA

6 - A SUBSTÂNCIA DA ESTÓRIA
O que escrevemos, diferente das outras áreas, é intangível. As palavras que escrevemos nunca verão a tela. Mas
como funciona a estória? O que faz com que as pessoas queiram assistir?

Uma Estória deve crescer até uma ação final além da qual o público não consiga imaginar algo mais.
Não deixar pontas soltas, emoções mal resolvidas, problemas sem solução (ainda que a solução seja “não tem
solução, vivamos com isso”). Diferente de final aberto ou final fechado.

O PROTAGONISTA
Em geral apenas uma pessoa, mas pode ser um pluri-protagonista (para isso, precisa dos mesmos desejos e mesma
progressão ao longo da estória, como em O Encouraçado Potemkin) ou um multi-protagonista (desejos diferentes
uns dos outros, até opostos, se desenvolvendo de forma independente).

O Protagonista é uma personagem voluntariosa.


Um protagonista passivo é um erro infelizmente comum. Uma estória não pode ser contada a partir de um prota-
gonista que não quer nada, que não toma decisões e cujas ações não mudam nada em nenhum nível.

O Protagonista tem um desejo consciente.


Quero X, na semana que vem, Y e por fim Z.

O Protagonista tem a capacidade de buscar o Objeto de Desejo convincentemente.


Ele deve estar equipado de acordo com suas ações. Combinação crível de habilidades. Seu objetivo deve ser coe-
rente com sua força de vontade e capacidades.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
O Protagonista deve ter ao menos uma chance de alcançar seu desejo.
Ou o público não se engajará com a estória. Ninguém acredita nisso em sua própria vida.

O Protagonista deve ter a força de vontade para correr atrás de seu Objeto de Desejo.
Até as últimas instâncias, o fim da linha, o limite do estabelecido como possível no universo de seu filme. Um filme
não é sobre começos e estórias pela metade.

O Protagonista pode ou não ser simpático, mas PRECISA ser Empático.


Simpático: amável. Empático: como eu. “Se eu estivesse nessas circunstâncias, eu seria/agiria/preferiria ser assim”.

A LIGAÇÃO COM O PÚBLICO


O envolvimento emocional do público é sustentado pela empatia. Contrapontos são importantes, emoções que
aproximem o público. Macbeth é um assassino, mas sua crise de consciência nos aproxima dele.

Os Três Níveis de Conflito


O mundo pode ser dividido de acordo com o nível de relacionamento para com o personagem.

O primeiro nível é o dos conflitos internos; corpo, mente, emoções.

O Segundo é a esfera dos conflitos pessoais; Amantes, Família, Amigos.

O Terceiro se dá no conflito extra-pessoal; Relações dadas pelo papel social (doutor/paciente, policial/criminoso,
chefe/trabalhador), conflitos entre sociedades, nações, etc.

A nível de conflito, podemos simplificar em homem contra si mesmo, homem contra homem, homem contra
sociedade, com o adendo eventual de homem contra natureza/deus.

O PRIMEIRO PASSO
Qual a importância da profissão do personagem? Tempo, dinheiro, tipo de estudo. E no resto do tempo? A maio-
ria dos trabalhos é chata. Qual é a diversão da personagem? Religião? Como transam?

Qual é a política do meu mundo? Sempre há uma relação desequilibrada de poder. Na nação, mas também no
escritório e dentro da maior parte dos lares. Amor é político.

Qual a biografia dos meus personagens?

Qual a estória pregressa? (eventos significantes)


Como começar? O que a personagem vai fazer? Todas as personagens à princípio fazem a ação mínima (do seu
ponto de vista) necessária para realizar determinada tarefa, nunca acima. Isso não significa diretamente ser mini-
malista. Para entrar em uma porta, uma pessoa comum pode bater e esperar ser atendido. Um artista marcial com
pressa pode arrombar a porta com um chute.

A grande diferença entre a estória e a vida é que na estória nos concentramos apenas naquele momento em que a
personagem toma uma ação esperando uma reação útil do mundo, mas ao invés disso provoca as forças do anta-
gonismo. O mundo reage de forma diferente do esperado, mais forte do que o esperado ou ambos.

O MUNDO DA PERSONAGEM
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
A BRECHA
Uma Estória nasce no lugar onde os domínios subjetivos e objetivos se tocam.
Seguindo a lógica de reação do mundo, que sempre reage de forma diferente ou mais forte que o esperado pela
personagem, encontramos a “Brecha” (Gap). O mundo constantemente joga o protagonista para mais longe de
seu objetivo, e é nessa diferença entre expectativa e realidade que construimos a tensão da estória. Apenas a partir
desses momentos que a personagem pode sair da ação de energia mínima.

O Risco
Nós sempre tentamos conseguir o que desejamos. Em um estado de perigo, estamos arriscando algo importante
para isso.

Teste para qualquer estória; pergunte: Qual é o Risco? O que o protagonista perde caso não consiga? Qual a pior
coisa que pode acontecer com o protagonista caso ele não consiga?

Se essas perguntas não podem ser respondidas de forma tocante, a estória é mal-concebida em sua essência. O
valor de algo é diretamente proporcional ao risco de sua busca. Examine seus próprios desejos; o que é verdadeiro
pra você será verdadeiro para seus personagens. E você deve estar disposto a investir seu tempo, trabalho, dinhei-
ro, família e amigos nas suas personagens.

Quanto maior o valor, maior o risco. Não esquecer: até a estória de um homem tentando vencer na loteria pode
ser interessante se o que ele arrisca é grande o suficiente. (ex.: apostou tudo o que tinha para pagar uma dívida e
não ser morto)

Brechas em Progressão
A primeira ação do protagonista levanta ações antagonistas que bloqueiam seu desejo e abrem uma brecha, co-
locando-o em conflito maior com o mundo e obrigando uma nova ação, mais difícil e arriscada, que por sua vez
abre outra brecha com a realidade, e assim sucessivamente, até o final do filme.

As ações, riscos, dificuldades e Brechas aumentam progressivamente. A Brecha é mais do que uma questão de
causa e efeito; é o ponto de encontro entre o espírito humano e o mundo.

ESCREVENDO DE DENTRO PARA FORA


Escrever pensando em “como alguém deve tomar essa ação” leva a clichês e moralização. Escrever pensando
em “Como alguém poderia fazer isso” leva a uma estória bonitinha, esperta até, mas desonesta. “Se minha per-
sonagem estivesse nessas circunstâncias, o que ela faria?” te coloca a uma distância muito grande da ação, e as
adivinhações de emoções são imãs para clichês. “Se eu estivesse nessas circunstâncias, o que eu faria?” bom, você
tem a proximidade, mas não é a personagem.

Agora: “Se eu fosse essa personagem nessas circunstâncias, o que eu faria?” cobre os problemas e abre caminho
para a imaginação trabalhar em uma boa direção. Isso deve ser feito beat a beat, passando de personagem a per-
sonagem para cada pergunta e resposta, ação e reação.

Criando a Brecha
Ao criar a cena, entre na cabeça de cada personagem e analise seu desejo. Não procure apenas o valor aparente,
mas o viceral; não é um bolo de notas de dinheiro, é o ticket para a liberdade ou para o poder ou para salvar a vida
da filha.

Para criar as progressões, se pergunte “Se eu fosse essa personagem nessas circunstâncias, o que eu faria?”, depois
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
saia um pouco da cabeça da personagem e analise: “tá, mas o que é o oposto disso?”. Esse pode servir como um
bom ponto de partida. A boa Estória enfatiza REAÇÕES.

Se a reação for exatamente como o público espera, se os personagens conseguem exatamente o que eles querem
da forma como eles querem, a cena não tem razão de ser. Pra que a porta sendo aberta? Corta para o sofá

CENA DE FILME para analisar. Show de Truman: protagonista tenta fugir em três atos diferentes.

A SUBSTÂNCIA E ENERGIA DA ESTÓRIA


As palavras são um meio, não um fim. A substância da estória é a Brecha. A fonte de energia na estória é a Brecha.
A Brecha é o que cria a emoção no público, dá espaço para o Conflito, aproxima o público e leva a estória adiante.

Exercício: Criar Brechas em uma cena improvisada.

7 - O INCIDENTE INCITANTE

Uma estória é um design em cinco partes: Incidente Incitante, Complicações Progressivas, Crise, Clímax e Reso-
lução.

Qual a importância da profissão da personagem? Tempo, dinheiro, tipo de estudo. E no resto do tempo? A maio-
ria dos trabalhos é chata. Qual é a diversão da personagem? Religião? Como transam?

Qual é a política do meu mundo? Sempre há uma relação desequilibrada de poder. Na nação, mas também no
escritório e dentro da maior parte dos lares. Amor é político.

Quais são os rituais do meu mundo? Como eles comem e contam estórias?

Quais os valores do meu mundo? Pelo que dariam a vida? O que os faz rir?

Qual é o gênero ou combinação de gêneros?

Qual a biografia dos meus personagens?

Qual a estória pregressa? (eventos significantes)

Qual o meu design de elenco? Cada personagem deve ter um propósito. Se dois personagens que deveriam ser
diferentes possuem os mesmos objetivos, funções e características, você pode juntá-los em um ou deletar um
deles. Personagens que reagem de forma diferente maximizam o conflito (ex.: filho que diz à mesa que vai fazer
uma faculdade de artes).

AUTORIA
Quando a pesquisa chega a um ponto de saturação, a estória ganha uma atmosfera única, separada do resto, e au-
têntica. Autenticidade não é realismo, mas verossimilhança. Sequência de abertura de Alien: falam como caminho-
neiros. Sangue ácido. Tudo pesquisa.

Deixar sempre a imaginação completar o quadro, em especial nas cenas de sexo e violência: se você exagerar, o
público vai se distanciar, dizendo “meh, isso não é real” ou “caralho, isso é real”. Você faz o público parar de
pensar na personagem e pensar no ator.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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A pesquisa autoral deve também ser usada para criar reações emocionais críveis nas personagens. Lembrando:
originalidade não é excentricidade, é autenticidade.

O INCIDENTE INCITANTE
O primeiro grande evento na estória, que coloca o resto em movimento. Ele deve ser um evento dinâmico e de-
senvolvido. Deve ser uma mudança efetiva nos valores estabelecidos na estória. Não basta “existir um tubarão na
praia que coma banhistas”, é preciso que “um tubarão apareça na praia e coma um banhista”.

O incidente incitante desarranja radicalmente o equilíbrio de forças na vida do protagonista.

O protagonista inicia o filme com uma vida relativamente equilibrada, para o bem ou para o mal. O incidente
incitante vai desestabilizar esse cenário, mudando a carga de valores do negativo para o positivo ou vice-versa.

O Protagonista deve reagir ao Incidente Incitante.


Qualquer reação é possível, realmente depende do protagonista, mas ele deve reagir de alguma forma, ou a estória
não está avançando. Uma recusa a agir não pode durar muito tempo.

O Incidente Incitante deixa a vida do protagonista fora de equilíbrio, e desperta nele o desejo de restaurar esse
equilíbrio; dessa necessidade, ele tira um Objeto de Desejo. Em muitos protagonistas tridimensionais, além do
Objeto de Desejo consciente, é despertado um Desejo inconsciente, que estão em conflito direto. A busca por um
impede o outro.

A ESPINHA DA ESTÓRIA
A espinha é o desejo profundo e o esforço do protagonista para restaurar o equilíbrio da vida. Todas as ações e
cenas do filme se relacionam, causal ou tematicamente, com a espinha.

Se o protagonista não tem um desejo inconsciente, o consciente é a espinha. Ex.: James Bond: Pegar o vilão.

Se o protagonista tem um desejo inconsciente, ele é a espinha; o desejo consciente, nesse caso, pode se modificar
ao longo do filme, mas o inconsciente se mantém.

A JORNADA
Do ponto de vista do escritor, todas as estórias têm uma coisa em comum: elas têm a forma de Jornada.

Para o bem ou para o mau, um evento tira o equilíbrio da vida de um personagem, despertando nele o desejo
consciente e/ou inconsciente por aquilo que ele sente que vai restaurar o equilíbrio, lançando-o em uma Jornada
por seu Objeto de Desejo contra forças do Antagonismo (interna, pessoal, extra-pessoal). Ele pode ou não con-
seguí-lo.

Parece simples, não? Mas acreditar que isso é simples é como dizer que música é simples por só existirem doze
notas. As combinações são infinitas.

O DESIGN DO INCIDENTE INCITANTE


Um Incidente Incitante pode ocorrer de apenas de duas maneiras: aleatória ou causal. Se causal, pode ser criado
pelo protagonista.

O Incidente Incitante da trama central deve ocorrer na tela, não em uma estória pregressa ou nas entrelinhas. Ele
é o Grande Gancho da estória; se não for visto, como você pretende prender a atenção do público?

Primeiro: O Incidente Incitante desperta no público a dúvida: “O que é que vai acontecer?”
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
Segundo: O Incidente Incitante projeta uma imagem da Cena Obrigatória na imaginação do público. Em “Tu-
barão”, a Cena Obrigatória é o embate entre o xerife e o monstro. No começo da trilogia do Senhor dos Anéis,
qual é a cena obrigatória? E como ela acontece no fim do terceiro filme? Notem que a Cena Obrigatória não pode
ser idêntica à da imaginação do público, mas deve recompensar sua imaginação.

Localizando o Incidente Incitante


Onde colocar o incidente incitante na estória? A regra básica é que o primeiro grande evento da Trama Central
acontece no primeiro quarto da estória. Ele pode ser a primeira coisa que acontece, ou aos vinte e sete minutos do
primeiro ato, ou em qualquer momento ao longo desse intervalo. No entanto, em geral, se o Incidente Incitante
demora mais de quinze minutos para acontecer, a chatice passa a ser um risco iminente, e o mais recomendado é
que exista uma subtrama para incitar o interesse do público.

O ideal é que se traga o Incidente Incitante da Trama Central o mais breve possível, mas apenas quando ele estiver
maduro.

O Incidente Incitante vai segurar a atenção do público pela maior parte do filme, então é importante que o impac-
to seja feito o mais cedo possível; no entanto, é necessário que o público já tenha informações suficientes para 1)
entender o Incidente Incitante e 2) estar emocionalmente envolvido por ele.

Em Tubarão, o filme começa com o Tubarão. Não precisamos de mais informações; é uma criatura imensa que
come, pela aleatoriedade, banhistas e toma gosto pela carne humana. Não precisamos saber da vida do xerife para
nos investirmos emocionalmente com a situação.

Em Rocky, o Incidente Incitante chega aos 27 minutos. Por que? É importante entender a fundo a vida e a psique
desse lutador fracassado, suas crises, sua situação, para conseguir sentir a potência do convite para que ele lute con-
tra o campeão dos pesos pesados. Imaginem como seria se o filme começasse com o convite, antes de sabermos
o que está em jogo; teríamos o mesmo avanço emocional muito lento, mas sem o punch que temos no filme de
agora. Mas isso é uma excessão.

Uma falha muito comum é atrasar a cena do Incidente Incitante sem necessidade, enchendo o primeiro quarto do
filme com uma dezena de cenas de exposição, que não levam a estória para frente.

A qualidade do Incidente Incitante deve ser pertinente ao mundo e às personagens do filme. Se pergunte: Ele de-
sarranja a vida do protagonista, criando o desejo dele voltar ao equilíbrio? Cria um Objeto de Desejo? Em um pro-
tagonista complexo, cria também um Desejo Inconsciente? Inicia uma Jornada, levanta uma Questão Dramática
Maior e projeta uma Cena Obrigatória? Se a resposta é “sim” para tudo, ele pode ser pequeno como um olhar
através de um bar ou grande como uma invasão alienígena.

CRIANDO O INCIDENTE INCITANTE


O Clímax do último ato é de longe a cena mais difícil de se criar, mas a segunda cena mais difícil é o Incidente
Incitante.

Perguntas úteis: Qual é a pior coisa que pode acontecer com o meu protagonista? Como essa virada pode tornar-se
a melhor coisa que poderia acontecer com ele?

O Incidente Incitante cria o caos na vida das personagens, e o Clímax vai criar, para melhor ou pior, uma nova
ordem.

Exercício: exemplos de incidentes incitantes de filmes existentes, criar incidentes incitantes para filmes imaginados.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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14 - O PRINCÍPIO DO ANTAGONISMO
Um protagonista e sua estória não podem ser mais ou menos intelectualmente fascinantes e emocionalmente
convincentes que as forças do antagonismo que o criam. Nivele por cima.

Quanto mais fortes as forças do antagonismo, mais desenvolvido deve ser o protagonista.

LEVANDO A ESTÓRIA E A PERSONAGEM ATÉ O FIM DA LINHA


Sua estória contém forças negativas de tal intensidade que o lado positivo tem que superar sua qualidade? Para re-
sponder, comece identificando o valor em questão. Em geral, o protagonista vai representar a carga positiva desse
valor, o antagonismo a negativa. Mas existem vários graus de negatividade. Os graus são:

Positivo: Grau base.


Negativo Direto: Oposição direta do valor positivo.
Negativo Indireto: Oposição indireta; é de certa forma negativa, mas não o exato oposto.
Negação da Negação: Uma oposição não apenas quantitativa, mas qualitativa, que impede a própria utilização da
regra do valor positivo.

Exemplos:

Positivo: Justiça (prender o bandido, ressarcir as vítimas.)


Negativo Direto: Injustiça (crime, assassinato, golpes)
Negativo Indireto: Deslealdade (não é ilegal, logo não nega a justiça, mas é imoral nesse valor)
Negação da Negação: Tirania. (Se o governo é corrupto, o próprio sistema de Justiça deixa de ser confiável.)

Positivo: Amor
Negativo Direto: Ódio
Negativo Indireto: Indiferença
Negação da Negação: Ódio de si mesmo ou Ódio disfarçado de Amor

Positivo: Verdade
Negativo Direto: Mentira
Negativo Indireto: Mentiras Brancas
Negação da Negação: Mentir para si mesmo

Positivo: Inteligência
Negativo Direto: Burrice
Negativo Indireto: Ignorância
Negação da Negação: Burrice confundida com inteligência

Positivo: Rico
Negativo Direto: Pobre
Negativo Indireto: Classe média
Negação da Negação: Rico, mas sofrendo as dores da pobreza

Positivo: Comunicação
Negativo Direto: Isolamento
Negativo Indireto: Alienação
Negação da Negação: Insanidade
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M
Positivo: Sucesso
Negativo Direto: Fracasso
Negativo Indireto: Compromisso
Negação da Negação: Se Vender

Positivo: Coragem
Negativo Direto: Covardia
Negativo Indireto: Medo
Negação da Negação: Covardia percebida como Coragem

Positivo: Liberdade
Negativo Direto: Escravidão
Negativo Indireto: Restrição
Negação da Negação: Escravidão percebida como Liberdade

Exercício: Criar mais exemplos de valores e suas oposições.

15 - EXPOSIÇÃO

NÃO CONTE, MOSTRE


Exposição significa fatos. É a informação que o público precisa para entender a estória. Mas vale sempre a
máxima: não conte, mostre. Se você fizer um personagem começar um monólogo explicativo, você está contando.
Se você fizer um micro flash back com imagens do trauma do protagonista, você está contando. Como mostrar?

A principal função da exposição dramatizada é incitar um conflito imediato, a segunda é passar informação. Não
coloque na boca das personagens informação que ela não teria nenhum motivo para falar naquele momento. “Ah,
Valter, meu velho amigo! Eu sei que você ficou triste quando foi expulso da faculdade, mas você é um gênio! Pre-
cisa superar e voltar à vida…” é horrível. Os dois já sabem disso.

Converta sua exposição em munição. Os personagens têm informação uns sobre os outros, e vão usar ela para
conseguir cumprir seu objetivo.

“Valter, cara, o que você tá fazendo? Você se veste como um indigente, vende há vinte anos a mesma maconha
que te expulsou da faculdade. Você tá desperdiçando sua vida, sua cabeça. Quando você vai acordar?”

É difícil manter a exposição fluida. Às vezes vai dar vontade de acabar logo com isso, colocando toda a exposição
no começo do filme de uma vez pra pode iniciar a ação, mas essa é uma armadilha.

É preciso criar um passo para a exposição, criando um padrão progressivo. Os fatos menos importantes vêm antes
dos mais críticos. Para cada parte do filme, revele a exposição que o público precisa saber, e nada mais.

Se em uma parte da estória você precisa colocar uma exposição sobre a personagem para a narrativa poder conti-
nuar, tente antes inserir a dúvida no público; por que a personagem fez isso? Com a dúvida na mente, é com alívio
que o público recebe a informação.

Um jeito que pode ser eficiente de exposição é mostrar a vida inteira de seu protagonista, do nascimento a vida
adulta, passando pelos pontos-chave. No entanto por mais conveniente que essa solução pareça ser, a maior parte
dos protagonistas não conseguiriam sustentar o mesmo objetivo por sua vida inteira; o filme não teria Espinha. O
risco é o filme virar uma série de episódios não relacionados. Para fugir disso, é preciso uma Espinha elástica. Ex.:
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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O Último Imperador. Objetivo do protagonista: Responder à pergunta “quem sou eu?”.

Via de regra, o melhor costuma ser começar a estória in media res, no meio das coisas. Depois de definir a data do
evento climático da vida do protagonista, começamos o mais perto possível no tempo.

A partir do momento em que você aprende a arte de expor dramaticamente, o maior desafio passa a ser como
fazer as dezenas de viradas necessárias para uma estória.

O USO DA ESTÓRIA PREGRESSA


Só existem duas formas de virar as cenas: com ação ou revelação. Não existem outros meios. Ex.: Casal com rela-
cionamento positivo, apaixonado. Como virar para o negativo? Ação: Tapa na cara enquanto diz que não vai mais
aceitar ser desrespeitada. Revelação: Tenho um relacionamento com a secretária há três anos. O que você vai fazer
quanto a isso?

Revelações poderosas vêm da Estória Pregressa — eventos significantes anteriores na vida das personagens que
o escritor pode revelar em momentos críticos para criar pontos de virada.

Momentos Críticos! Imaginem como seria O Império Contra Ataca se, ao invés do público descobrir que o Darth
Vader é o pai do Luke no Clímax do filme, em um combate até a morte, a informação fosse dada em um momen-
to aleatório com o C3PO falando pro R2D2 “seria muito chato se o Luke descobrisse que o Darth Vader é o pai
dele, não? Não fale nada pra ele.”

Com raras excessões, as cenas não podem ser todas viradas com ação atrás de ação sem revelação.

FLASHBACK
O Flashback é só mais uma forma de exposição que, como as outras, pode ser bem feita ou mal feita. Valem as
mesmas regras:

1) Dramatize o flashback. Não faça uma sequência de imagens explicativas ou um diálogo expositivo
e forçado. O Flashback deve ser uma cena como qualquer outra, onde os personagens têm objetivos e ações.
2) Não traga o flashback antes que você tenha criado no público o desejo de saber aquela informação.
Não adianta chegar com informação nova que ninguém pediu, pois isso só vai distrair o público.

SEQUÊNCIAS DE SONHO
Mesmas regras do Flashback. Cuidado para não cair em uma cena explicativa com um monte de clichês freudianos.

MONTAGE
O termo costuma ser usado para aquelas sequências rápidas de imagens diferentes que condensam uma parte da
narrativa, como o treinamento do Rocky. Valem as mesmas regras. As montagens dificilmente são dramatizadas,
então elas dificilmente são desejáveis.

NARRAÇÃO EM VOICE-OVER
Ou voz off. É outra forma de exposição. Vale a máxima Menos é mais; tudo o que pode ser cortado deve ser cor-
tado. Ainda assim, existe um ditado: “se a estória funciona mesmo sem a narração em off, pode manter ela.” Ou
seja: a narração em off só é desejável quando é usada não como exposição direta do que está acontecendo, mas
como um comentário quanto ao fato que muda seus valores.

Exercício: Como é feita a exposição do seu projeto? Quais são as forças do antagonismo?
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
10 - ESTRUTURA E SIGNIFICADO

EMOÇÃO ESTÉTICA
Na vida, a ideia e a emoção vêm separadamente. Sua reação ao ver um corpo na rua é diferente de sua reação ao ler
sobre a morte em um livro. Ao ver um corpo, você pode sentir asco, pena ou medo, e só depois que a adrenalina
baixar é que você pode parar e pensar sobre a brevidade da vida. A vida intelectual o prepara para a vida emocional
e vice versa, mas raramente ambas agem simultaneamente e com a mesma intensidade frente um fato. Enquanto
a vida separa os dois reinos, a arte os une.

Na estória, você pode criar epifanias a gosto. Esse fenômeno é conhecido como emoção estética.

Quando uma ideia se junta a uma carga emocional, ela gera o que há de mais intenso na existência humana. En-
quanto na vida os fatos só ganham significado quando observados à distancia, arte consegue dar significado ime-
diato aos fatos. A estória não é estritamente intelectual, como um ensaio, ou estritamente emocional.

PREMISSA
Duas ideias sustentam o processo criativo: a Premissa, que é a ideia que inspira o escritor a escrever a estória, e a
Ideia Governante, o significado supremo da estória expressado através da emoção estética do clímax do último
ato.

A premissa costuma se basear no “e se…”. E se um tubarão invadisse uma praia lotada de turistas? E se o prefeito,
com medo de perder uma fonte de renda importante para a cidade, se recusasse a fechar a praia ou anunciar o
perigo?

Mas além disso, a premissa pode ser encontrada em qualquer lugar e criada a partir de qualquer experiência. Uma
boa premissa nos ajuda a continuar escrevendo, mas nada impede que se abandone a premissa em prol de uma
estória mais interessante.

IDEIA GOVERNANTE
A palavra “Tema” ao longo do tempo virou muito vaga. Outro nome para o Tema é Ideia Governante, que pare-
ce mais explicativo. Uma sentença clara e coerente que expresse o significado irredutível de uma estória. A Ideia
Governante deve servir como um farol para as escolhas criativas feitas ao longo do roteiro, ajudando o roteirista
a decidir o que acatar e o que cortar da narrativa.

Uma Ideia Governante pode ser expressa em uma única sentença descrevendo como e por que a vida passa por
mudanças de uma condição de existência no início à outra no final.

Ela possui Valor e Causa. Como a mudança ocorre e o que faz ela acontecer.

Em Dirty Harry, de Clint Eastwood, por exemplo, a “justiça triunfa porque o detetive é mais violento do que os
criminosos”. Nos Sherlock Holmes originais, “a justiça triunfa porque o detetive é mais inteligente do que os cri-
minosos”. No Sherlock Holmes atual, “A justiça triunfa porque o detetive é mais inteligente do que os criminosos
e sabe kong-fu”.

ESTRUTURA COMO RETÓRICA


O Contar de uma estória é uma demonstração criativa da verdade. Uma estória é a prova viva de uma ideia, a
conversão da ideia em ação. A estrutura de eventos de uma estória é o meio com o qual você primeiro expressa e
depois prova sua ideia - sem explicações.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
A explicação ou a discussão de ideias filosóficas, em diálogo ou narração, diminui a qualidade do filme. Uma gran-
de estória se comprova por meio de suas ações.

Qual a tese da maior parte dos filmes de Crime? “O crime não compensa”. É patético quando o detetive fala essa
frase no final; o que vemos deveria ser suficiente. “Eles pegaram o lazarento!”

Significado e o Processo Criativo


Você pode começar o processo criativo de qualquer lugar. Quando você criar o clímax do último ato, ou o clím-
ax da estória, você terá sua ideia governante em mãos. É só se perguntar: que valor, positivo ou negativo, meu
protagonista trás ao mundo? E, vendo o resto da estória, que culminou nesse ponto, se pergunte: qual foi a força
principal pela qual esse valor veio ao mundo do protagonista?

Um bom design da estória é uma combinação do assunto abordado, da imaginação trabalhando e da mente exe-
cutando a arte com folga, porém sabiamente.

Ideia e Contra-Ideia
As progressões são dadas conforme se move a narração entre as cargas positivas e narrativas dos valores em que-
stão na estória e que ligam o início ao fim.

Exemplo: filme de Crime (o crime compensa x o crime não compensa). Em vários momentos, podemos ter valo-
res irônicos, como ao descobrir que seu caso amoroso é o assassino: positivo no ponto de vista da justiça, negativo
no ponto de vista do relacionamento.

DIDÁTICA
É importante balancear os dois lados do argumento na confecção do filme; se a Ideia Governante é “O crime não
compensa”, é bem importante que acreditemos, em muitas partes do filme, que o crime compensa e que o vilão
sairá ileso. Se for “o crime compensa”, é preciso que acreditemos com todas as forças que a justiça prevalecerá.
Ninguém torce para um herói se seu antagonista for simplesmente tolo, ignorante, fraco e sem poder. Faça-o po-
deroso para justificar a potência da vitória.

Se sua estória for unilateral, você despenca na didática e pode até ter o efeito inverso do esperado, perdendo a
discussão pela chatice.

IDEALISTA, PESSIMISTA, IRÔNICO


Estórias podem ser divididas em três grandes categorias, de acordo com a carga emocional da Ideia Governante.

Ideias Governantes Idealistas


Estórias com um final positivo expressam o otimismo, as esperanças e os sonhos da humanidade.

Ideias Governantes Pessimistas


Estórias com um final negativo expressam nosso cinismo, sentimento de abandono e azar.

Ideias Governantes Irônicas


Estórias com um final negativo/positivo expressam nosso senso de uma natureza complexa e dúbia; a vida de
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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forma mais completa e realista.

Ironia positiva: A busca pelos valores contemporâneos vai destruí-lo, mas se você se livrar a tempo de sua obses-
são, pode se salvar. EX: Tiros na Broadway, A Lista de Schindler, A Vida dos Outros.

Ironia negativa: Se você se apega à sua obsessão, sua busca cruel atingirá seu propósito, e então te destruirá. Ex:
Um dia de Fúria, Wall Street: Poder e Cobiça, O Lobo de Wall Street, Nashville, Nixon.

Sobre a Ironia
O efeito da ironia é potente; a vida, afinal, não é preto no branco. A vida é implacavelmente irônica.

Mas um final irônico é o mais difícil de se escrever: já é difícil se fazer um bom final feliz ou um bom final triste,
mas o irônico é os dois simultaneamente.

Em segundo lugar, deve ser dito de forma clara: afinal, a ironia não é ambígua, ironia não é coincidência. Ironia
deve ser honesta.

Em terceiro lugar, como fazer com que os dois valores sejam captados separadamente, de forma que não se anu-
lem?

SIGNIFICADO E SOCIEDADE
Uma vez que você tem sua Ideia Governante, respeite-a. A arte é uma força poderosa na análise social; é impor-
tante que você seja leal à sua forma de ver o mundo.

Exercício: Analisar Ideias Governantes de diversos filmes comerciais e autorais. Explicitar as ideias governantes
dos projetos na sala.

11 - DESIGN DO ATO

COMPLICAÇÕES PROGRESSIVAS
As complicações progressivas compõem a maior parte do filme. Elas geram mais e mais conflito, encarando forças
do antagonismo cada vez mais fortes em uma sucessão de eventos que passa por pontos sem volta.

Uma estória não deve voltar para ações de menor qualidade ou magnitude, mas mover-se progressivamente para
frente. Ex.: Se o herói derrota um vilão na primeira metade do filme, não adianta colocar ele para derrotar um vilão
menor, com mais facilidade, na segunda metade.

Você pode até criar uma cena que pareça mais simples, desde que fique claro que, para o protagonista, a dificulda-
de é exponencialmente maior do que a dos desafios anteriores.

Se o protagonista se mantém realizando as mesmas ações minimalistas ao longo do filme inteiro, o público perce-
be que, mesmo que elas tenham funcionado no Ato I, elas não deveriam funcionar no Ato II e III, e mais, se elas
não funcionaram no Ato I, elas não vão funcionar no Ato II, que dirá no III.

Pontos sem volta


A partir das Brechas entre expectativa e realidade, e os crescentes embates entre o Protagonista e as forças do
Antagonismo, o público deve perceber que as personagens passam por pontos sem volta, ou seja: a partir de sua
escolha, de sua ação, não existe mais a possibilidade de voltar para a vida anterior.

A Lei do Conflito
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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Em uma estória, nada se move para frente se não for através do conflito. Essa é a alma de qualquer estória, mesmo
a mais minimalista. Sem conflito, você pode apelar para efeitos especiais ou para um retrato do que você diz que
é a vida real, mas o risco maior é que você tenha resultados vazios.

A vida é absolutamente recheada de conflitos. Não adianta dizer que quer mostrar a vida e fazer um filme sem
conflitos. Se a gente supre uma necessidade, outra aparece. Sempre. Nossa mente é programada para ver as coisas
em termos relativos, então mesmo que tenhamos a vida quase perfeita, ainda veremos esse “quase” como uma
montanha intransponível.

A vida não é sobre ajustes sutis no stress, nem sobre hiper-conflitos entre entidades supremas e distantes. A vida
é sobre as questões supremas sobre achar o amor e o seu próprio valor, sobre trazer serenidade ao caos interno,
sobre a desigualdade social absurda no nosso mundo, sobre o tempo se esgotando. A vida é conflito.

Complicação contra Complexidade


Complicação é aumentar progressivamente o conflito até o fim da estória. A complicação, como vimos, pode vir
nos níveis interno, pessoal e extra-pessoal. Um filme complicado de forma simples se utiliza de apenas um desses
tipos de conflito.

Conflito interno - Fluxo de Consciência


Conflito Pessoal - Soap Opera
Conflito Extra-pessoal - Ação/Aventura, Farsa

A Complexidade se forma quando você coloca suas personagens em conflito nos três níveis da vida. Ex.: Kramer
vs Kramer.

Design dos Atos


Os Beats, dados pelas mudanças do comportamento dos personagens, constroem as Cenas. Idealmente, toda cena
se desenvolve em um ponto de virada, onde os valores em questão na cena vão do negativo para o positivo ou do
positivo para o negativo.

Uma série de Cenas constrói uma sequência, com um impacto moderado nas personagens, mudando as vidas das
personagens em grau maior do que qualquer cena individual.

Uma série de sequências contrói um ato, cujo clímax é uma cena que cria uma reversão maior na vida das perso-
nagens, mais impactante que qualquer sequência individual que o compõe.

Quanto mais longa a estória, maior a quantidade de pontos de virada maiores que ela tende a ter. Em um Longa
Metragem, três atos costuma ser o mínimo para uma estória se sustentar.

Ex.: Dois atos: As coisas estavam boas, agora estão ruins. Fim da estória.
Três atos: As coisas estavam boas, depois ficaram ruins, mas agora melhoraram. Fim da estória.

Aproximação de tempo base (NÃO É REGRA):

Ato I - 30 min (~25%)


Ato II - 30 - 100 min (~60%)
Ato III - 100 - 120 min (~15%)

O Primeiro Ato, encarregado da abertura, colocação do problema, ocupa cerca de um quarto do filme. O Segundo
Ato é o maior, onde acontece a maior parte da ação da estória. O Terceiro Ato costuma ser o menor de todos,
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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porque quer dar uma sensação de aceleração até o Clímax.

Nessa estrutura, o Segundo Ato fica com 70 minutos. Isso é muito tempo para segurar a atenção do público. Caso
sua estória não seja suficiente para sustentar esse tempo sem criar uma barriga no roteiro, existem duas possibili-
dades para corrigir isso: a primeira é a adição de subtramas que, ao longo do filme, sustentem a tensão. A segunda
é, simplesmente, adicionar mais atos.

Três atos é o número mínimo. Nada impede de criar mais e mais atos. Quatro casamentos e um funeral tem 5 atos,
uma estrutura shakespeariana. Indiana Jones: Os Caçadores da Arca Perdida tem sete atos.

Mas quais as desvantagens de fazer mais atos? Porque não fazemos sempre uma dezena de atos para manter a
estória de pé?

Primeiro, a multiplicação de clímax de ato pode cair em clichês.


Em uma estória de três atos, você precisa de pelo menos quatro cenas memoráveis: Incidente Incitante, Clímax
do primeiro, segundo e terceiro ato. Conforme se adiciona um ato novo, é preciso pensar em um novo clímax, e
essa pode ser uma tarefa criativa acima do alcance do roteirista; a estória pode simplesmente não suportar essas
cenas extras.

Segundo, a multiplicação de atos reduz o impacto dos clímax.


Mesmo se o roteirista sente que é capaz de criar uma grande virada a cada quinze minutos, o público pode acabar
se anestesiando para a emoção no seu filme. Tudo é relativo: o grande só é grande em relação a algo moderado e
menor. Em pouco tempo, o público simplesmente pode não se impressionar com mais nada.

Final Falso
Alguns filmes, em especial os do gênero Ação e Aventura, podem trazer um final falso. Um falso sentimento de
alívio, que se mostra equivocado. O Exterminador do Futuro que sempre volta a andar.

Hitchcock amava finais falsos, colocando eles em timings inesperados, no meio do filme. O suicídio de Madeleine
em Um Corpo que Cai, o assassinato de Marion em Psicose.

Para a maioria dos filmes, o Final Falso não funciona. O Público pode só se sentir enganado.

Ritmo entre Atos


No Cinema, repetitividade é inimiga do ritmo. É preciso sempre criar uma alternância entre as cargas de valores;
se o clímax do último ato é positivo, não dá pro clímax do penúltimo ato ser positivo também. A repetição de
valores corta o impacto pela metade.

No caso de um clímax com carga emotiva irônica, você deve usar como base o valor maior (nunca será equilibra-
do; se for absolutamente equilibrado, a experiência será neutra e, portanto, nula).

Nos outros atos, a carga relativa varia com a estória. É possível construir ritmo mesmo com dois clímaxes positi-
vos ou negativos seguidos, desde que ocorra uma mudança de valor. A única regra, de fato, se dá nos dois últimos.

Subtramas e Tramas Múltiplas


Uma subtrama recebe menos ênfase e tempo de tela, mas pode fazer uma grande diferença. A subtrama tem qua-
tro relacionamentos possíveis com a trama principal:

1) Pode ser usada para contradizer a Ideia Governante da Trama Central, enriquecendo-a com ironia.
2) Podem ressonar a Ideia Governante da Trama Central e enriquecer o filme com variações sobre
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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um tema.
3) Quando o Incidente Incitante da Trama Central precisa ser adiado, pode ser necessária para abrir
a estória.
4) Pode ser usada para complicar a Trama Central; esse é o uso mais importante, pois aumenta as
forças do antagonismo e, portanto, aumenta a carga emocional no protagonista da estória.

O equilíbrio deve ser cuidadosamente calculado para não confundir o espectador quanto ao filme.

Uma excessão é O Beijo da Mulher Aranha. No meio do filme, no clímax de meio de ato, Luís, um homossexual
preso durante a ditadura, é convencido a espionar o revolucionário Valentin, que será colocado em sua cela em
troca de sua liberdade. O começo do filme é extremamente tedioso, mas se tivesse sido feito de outro jeito, nós
instantaneamente odiaríamos o protagonista; antes da virada, precisávamos nos convencer de que o Luís realmen-
te amava Valentim.

De novo: sempre podemos distorcer e quebrar as convenções, mas só para colocar alguma coisa que seja mais
importante no lugar.

12 - DESIGN DE CENA

PONTOS DE VIRADA
A cena é uma estória em miniatura, uma ação através do conflito que transforma as cargas da condição de vida
da personagem. Não existe limite mínimo ou máximo de tempo. Você pode fazer uma cena incrível em quatro
segundos, e pode fazer uma cena de dez minutos de ação onde nada importante acontece.

Existe um pacto não verbal com o público. Se você me der sua atenção, eu vou te deixar curioso e, depois, te
surpreender, despertando novas emoções.

PISTA/RECOMPENSA
Deixar uma pista no filme significa colocar uma nova camada de conhecimento. A recompensa é quando o público
consegue conectar um conhecimento anterior a uma cena posterior. No Império Contra Ataca, por exemplo, no
momento em que Darth Vader revela ser o pai de Luke, o público imediatamente resignifica todas as conversas
com Obi Wan Kenobi e com Yoda desse filme e do anterior, quando eles estavam preocupados com o treina-
mento de Luke e disseram que seu pai fora morto. Seu medo não era que ele perdesse a luta, mas que ele fosse
seduzido para o lado negro da força.

Se você percebe que não vai conseguir fazer seu roteiro avançar a não ser que um personagem faça uma ação que,
para ele, é absolutamente ilógica, uma solução pode ser modificar todo o começo da estória de forma a dar pistas
de que o personagem poderia, sob determinada situação, realizar essa ação.

TRANSIÇÕES EMOCIONAIS
As emoções são controladas não com lágrimas nos olhos dos atores, mas com as viradas que criamos. Preste
sempre atenção na Lei dos Retornos Diminutivos: três cenas tristes em sequência rapidamente perdem o apelo.

A Comédia pode parecer uma excessão, mas não é. A alegria é uma emoção, mas o riso não. Quanto a piadas,
toda piada tem duas partes: uma introdução e um punch. Se você tentar fazer apenas punch atrás de punch, sem
preparação, a platéia rapidamente para de rir. Existem mais regras e técnicas de comédia, mas podemos falar disso
de acordo com os projetos.

Uma excessão para a Lei dos Retornos Diminutivos é quando a melhora do bom ou a piora do ruim é tão extrema
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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que passa a fazer um novo patamar.

A emoção e o sentimento são como o tempo e o clima, respectivamente; um é imediato, outro representa uma
tendência maior. No cinema, inclusive, o sentimento é casualmente chamado de clima.

Exemplo (página 233): Homem que tenta voltar para a Ex por conta de uma dívida. Ela não o deixa entrar, ele faz
barulho para isso. Ele entra, se humilha, ela o afasta. Ele a assusta, ela puxa uma arma. Ele ri, lembrando que ela
estava quebrada, ela dá um tiro de aviso, mostrando que a consertou. Eles lutam pela arma, caem no chão. Um
olha para o outro. Sentem algo que não sentiam há muito tempo. Eles fazem amor. Ela decide ajudá-lo.

O clima da cena vai do negativo para o positivo. Mas as emoções podem variar muito de acordo com a forma
como a estória é contada.

Se essa cena for filmada de dia, com a câmera afastada, com Jim Carrey e a Mira Sorvino ou a Uma Thurman
como o casal. Essa cena vira uma comédia. Sentimos medo temperado de risadas durante a cena, e alegria ao final.

Mesma cena, mesmas falas, mas filmado durante a noite com Al Pacino e Julianne Moore. Nós assistimos a cena
na ponta da cadeira, com a certeza que algum deles vai morrer. Quando se abraçam, suspiramos de alívio.

Em outras palavras, o clima ou sentimento é importante, mas não substitui a emoção; ele dá o caminho. E uma
estória sem emoção não vale a pena ser contada.

A NATUREZA DA ESCOLHA
O Ponto de Virada está centrado na escolha que uma personagem faz sob pressão. Essas escolhas não podem se
resumir a escolher entre o “bem” e o “mal”. Isso não é uma escolha. Todo ser humano sempre escolhe o “bem”.
A questão é que cada ser humano vê o “bem” de uma forma radicalmente diferente.

O criminoso pode se arrepender imediatamente do que fez, mas no instante do crime ele acredita estar fazendo
a coisa certa.

A verdadeira escolha é um dilema. Primeiro, entre dois bens irreconciliáveis. Segundo, uma escolha entre o menor
dos males. Os dilemas mais tocantes costumam combinar as duas formas de escolha.

Se existem apenas dois fatores, como “juntos e separados”, é difícil criar uma estabilidade; afinal, se os dois fi-
caram o filme inteiro variando nesses dois estados, o público vai saber que eles não alcançaram a estabilidade. É
preciso existir ao menos três fatores envolvidos para criar a estabilidade do final.

Em Dona Flor e Seus Dois Maridos, entre seu marido confiável, fiel e amoroso e seu ex-marido, sexy, excitante,
mas morto, ela acaba escolhendo os dois.

Exercício: Criar exemplos de conflitos reais para personagens criadas ao longo das aulas.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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13 - CRISE, CLÍMAX, RESOLUÇÃO

CRISE
Crise é a terceira parte do design em cinco partes. Incidente Incitante, Desenvolvimento, Crise, Clímax e Reso-
lução.

A Crise é uma decisão a ser tomada pela personagem. Aquela velha estória: o ideograma chinês para crise repre-
senta ao mesmo tempo “perigo” e “oportunidade”. O perigo vem do fato de que uma decisão errada pode fazer
o protagonista perder tudo. A oportunidade vem da possibilidade de mudar sua vida e o mundo.

A Crise acontece na Cena Obrigatória. Após um filme inteiro com Complicações Progressivas, todas as possibili-
dades de realizar seu desejo foram descartadas, com excessão de uma. A próxima ação é a última possível.

A Crise deve ser um dilema real. Uma escolha entre bens irreconciliáveis, o menor de dois males ou os dois.

Esse dilema confronta o protagonista que, quando face-a-face com as forças do antagonismo mais poderosas e
focadas em sua vida, deve tomar uma decisão de fazer uma ou outra ação em uma última tentativa para alcançar
seu Objeto de Desejo.

A decisão do Protagonista nos dá a visão mais profunda de sua humanidade.

A CRISE DENTRO DO CLÍMAX


A decisão do protagonista se torna o evento consumado da estória, causando o clímax negativo, positivo ou irôn-
ico positivo/negativo. Mas se conseguirmos abrir uma última brecha de expectativa nesse momento, podemos
fechar com um ponto de virada magistral.

Compare Star Wars com The Empire Strikes Back.

No primeiro, a decisão é única; confiar na tecnologia ou na misteriosa força?

No segundo, é uma série de decisões críticas: lutar com Darth Vader e provavelmente morrer ou fugir e, ao se
salvar, condenar os amigos? Ele escolhe lutar. Darth Vader então para de atacar e revela que é o pai de Luke. Nova
escolha: Tentar matar o próprio pai ou não? Ele escolhe lutar. Darth Vader corta sua mão, e lhe faz uma proposta
de aliança. Nova escolha: se juntar ao lado negro e dominar o universo ou ser morto? Ele escolhe se jogar. Essas
brechas nos dão visões internas fortes dos dois filmes de uma só vez.

Colocação da Crise
A localização da Crise é determinada pela duração da ação climática. Geralmente, Crise e Clímax ocorrem nos
minutos finais da mesma cena. Em alguns casos, no entanto, a Crise ocorre em algum momento anterior, e o que
se desenrola depois é uma ação climática extensa.

Ex.: Casablanca. A Crise é a decisão de ajudar ou não o líder antifascista. Os quinze minutos seguintes, enquanto
vemos seu plano para a fuga de Laszlo e Ilsa acontecer, são uma ação climática única.

Em alguns casos raros, o incidente incitante e a crise acontecem no início do filme, e todo o resto é simplesmente
um desenrolar de um clímax. Ex.: Despedida em Las Vegas. Protagonista é demitido e recebe um dinheiro de
compensação. Decisão Crítica: Ele decide ir a Las Vegas e beber até a morte. O resto do filme mostra isso.

O Design da Crise
Mesmo que em geral os dois ocorram juntos, no mesmo momento e ambiente, não é incomum a Decisão Crítica
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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ocorrer em um lugar e o Clímax da Estória mais tarde, em outro ambiente. Nesse caso, é importante unir os dois
em um corte, encaixar em um espaço fílmico; caso contrário, drenamos a energia contida do público para um
anticlímax.

A decisão da Crise deve ser um momento estático deliberado


Essa é a cena obrigatória. Não a coloque fora da tela ou passe por cima dela. O público quer sofrer com o prota-
gonista toda a dor desse dilema.

CLÍMAX
O Clímax da Estória é a quarta parte de uma estrutura de cinco partes. É uma Reversão Maior Culminante, mas
não precisa ser cheia de barulho ou de violência. Ela precisa, no entanto, estar repleta de significado.

Significado Produz Emoção. O Significado é uma revolução nos valores, indo do positivo ao negativo ou do ne-
gativo ao positivo com ou sem ironia; é um valor mudado em sua carga máxima que é absoluto e irreversível. O
significado dessa mudança move o coração do público.

A ação que cria essa mudança deve ser “pura”, clara e auto-evidente, não exigindo explicações. Explicar essa parte
do filme é chato e redundante.

O Clímax do último ato é seu grande salto imaginativo. Sem ele, você não tem estória.

Por vezes, quando você encontra o Clímax perfeito, você precisa trabalhar em reverso a partir dele para reestrutu-
rar todo o resto do filme de forma que ele faça sentido. Se a lógica permitir, é interessante conseguir fazer com que
as subtramas se resolvam simultaneamente à Trama Principal, no mesmo Clímax; ter uma ação que resolve tudo
de forma natural é um efeito muito potente. Se não for possível, o ideal é resolver a maior parte das subtramas
antes do Clímax da Trama Principal.

Existe uma corrente (William Goldman) que diz que a chave para o final de toda estória é dar ao público o que
ele quer, mas não da maneira que ele espera. Mas o que o público quer? Em geral, filmes com final feliz dão mais
dinheiro, mas não é sempre que isso acontece. Aqui no Brasil, nossos maiores sucessos contradizem essa lógica.
O que o público sempre quer é a satisfação emocional, ou seja, um Clímax que cumpra as antecipações criadas ao
longo do filme.

Sei que é uma série, então é um pouco diferente, mas quem aqui assistiu Lost até o fim e saiu satisfeito com a
experiência?

Quem determina a emoção particular que vai satisfazer o público é o próprio escritor, de acordo com a forma com
que estrutura a estória. Dito isso, é muito fácil fazer um final feliz: é só dar às personagens tudo o que elas querem;
e ainda mais fácil fazer um final triste: é só matar todo mundo. Mas, como Aristoteles, que dizia que um final deve
ser “inevitável e inesperado”, temos que pensar em novas formas de estabelecer essas emoções.

Lembrem-se da Ideia Governante do filme. Crie, com base nela, uma Imagem Chave, uma imagem poderosa que
vai se manter na cabeça do público por muito tempo depois de terminar o filme.

RESOLUÇÃO
A Resolução, a quinta e última parte da estrutura em cinco partes, é qualquer material deixado após o Clímax, e
tem três usos possíveis.

1) Se a lógica da estória não permitir que uma subtrama alcance o Clímax antes ou durante o Clímax
da Trama Central, ela precisará de um cena própria no final. Isso pode ser estranho, porque o público provavel-
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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mente já investiu toda a emoção que tinha durante a Trama Central. No entanto, é possível contornar isso usando
a subtrama como uma forma de, temporariamente, reviver a Trama Central. Ex.: Um Casamento de Alto Risco.
Depois de um roubo milionário, os pais chegam ao casamento que é de repente invadido pelo FBI; mas os poli-
ciais, sem saber quem eram os ladrões, queriam apenas dar um presente aos noivos.
2) O segundo uso é mostrar o alastramento dos efeitos do Clímax. O Público sabe que um clímax de
efeito social vai mudar a vida não só das personagens principais, mas também de coadjuvantes. Para aplacar essa
curiosidade, mostramos o efeito que se espalha pela vida dos personagens principais e dos coadjuvantes.
3) Mesmo se esses dois usos não se aplicarem, precisamos de uma Resolução como uma cortesia para
a audiência. Pois se o Clímax mexeu com o público, se eles estão rindo sem parar, congelados de medo, vermelhos
de indignação social, tentando enxugar as lágrimas, é rude de repente deixar tudo preto e rolar os créditos. Dê dois
minutos a mais de imagens para dar um tempo para as pessoas se recomporem e sair do cinema com um pouco
de dignidade.

Exercício: descobrir ao menos uma possibilidade de Clímax para pelo menos um dos projetos.

OS GÊNEROS DO CINEMA

O gênero é um padrão para uma estória, baseado em seus elementos comuns. É difícil categorizar os gêneros de
forma absoluta, seja por conta da volubilidade da arte, seja por conta de divergências quanto a quais elementos
são realmente importantes.

1) Estória de amor: (com o subgênero “Salvação do Amigo”)


2) Filme de Terror: Dividido em “Mistério” (ameaça “racional”, incluindo ficção científica), “Sobrenatural” (ame-
aça “irracional”, espiritual) ou “Super-mistério” (o público não sabe se a fonte da ameaça é “racional” ou “irra-
cional”)
3) Épico Moderno: Indivíduo contra o estado. Ex: Spartacus, 1984, O Povo contra Larry Flint.
4) Faroeste: Ler Six guns and Society.
5) Filme de Guerra: A guerra não só como pano de fundo, mas como estória principal. Pode ser Anti-Guerra ou
Pró-Guerra.
6) Trama de Maturação: ou estória sobre a vinda da idade. Ex: A primeira noite de um Homem, Bambi, Os Em-
balos de Sábado à Noite.
7) Trama de Redenção: O arco do filme é focado em uma mudança moral interior do protagonista, indo do mal
para o bem. Ex: A Lista de Schindler, A Vida dos Outros.
8) Trama de Punição: O bom rapaz se torna mau e é punido. Ex: Um dia de Fúria, O Lobo de Wall Street, Me-
phisto
9) Trama de Provação: Força de vontade contra o desejo de desistir. Ex: O Velho e o Mar, Forrest Gump.
10) Trama de Educação: Mudança profunda na visão do protagonista sobre a vida, indo da negativa (ingênua,
cética, fatalista, auto-depreciativa) à positiva (sábia, crente, otimista, autoconfiante.). Ex: Dança Comigo, O Casa-
mento do meu Melhor Amigo.
11) Trama de Desilusão: Mudança profunda na visão do protagonista, indo da positiva para a negativa. Ex: O
Grande Gatsby, Macbeth.

Mega gêneros:
12) Comédia: Grande número de subgêneros: Paródia, Sátira, Sitcom, Romântica, Pastelão, Farsa, Humor Negro,
etc, todas com diferentes focos para o ataque cômico e graus de ridicularização.
13) Crime: Os subgêneros costumam variar de acordo com o ponto de vista da estória. “Mistério de assassinato”
(PV do detetive chefe); “Caper” (PV do chefão do crime); “Detetive” (PV do Policial); Thriller ou Conto de Vin-
gança (PV da Vítima); Tribunal (PV do Advogado); Jornalístico (PV do repórter); Espionagem (PV do Espião);
Drama de Prisão (PV do prisioneiro); Filme Noir (PV de um protagonista que pode ser parte criminoso, parte
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
detetive e parte vítima de uma Femme Fatale)
14) Drama Social: Esse gênero identifica problemas na sociedade - pobreza, sistema educacional, doenças conta-
giosas - e então constrói uma estória demonstrando uma cura. (Subgêneros: Drama Doméstico, Filmes Femininos,
Drama Político, Drama Médico, Psico-Drama [doenças mentais])
15) Ação/Aventura: Empresta aspectos de outros gêneros como Guerra ou Drama Político para dar a motivação
de sua ação.

Supra-gêneros
16) Drama Histórico
17) Biografia
18) Docu-drama: eventos recentes
19) Mocumentário
20) Musical
21) Ficção Científica
22) Filmes Esportivos
23) Fantasia
24) Animação
25) Filme de Arte (Minimalismo/Antiestrutura)

A RELAÇÃO ENTRE ESTRUTURA E GÊNERO


Você está invariavelmente preso a expectativas do público quanto a seu gênero. ex: crime no começo de um filme
de crime, machucados não relevantes na comédia pastelão, cenário do faroeste, garoto encontra garota no roman-
ce.

DOMÍNIO DO GÊNERO
Para se antecipar às antecipações do público, o roteirista deve dominar todas as convenções do gênero. Estude a
fundo os filmes que se parecem com o seu.

É importante posicionar o público de forma adequada, para que você saiba qual necessidade você precisa suprir
no filme.

LIMITAÇÃO CRIATIVA
A convenção de gênero deve ser interpretada como uma limitação criativa, para te desafiar a escrever o seu melhor.

O desafio é manter as convenções enquanto foge dos clichês.

MISTURANDO GÊNEROS
Os gêneros são muitas vezes misturados para que seus significados ressoem mutuamente e enriqueçam a expe-
riência da personagem.

REINVENTANDO GÊNEROS
Os gêneros são fluidos; o domínio do gênero mantém o roteirista contemporâneo. Conforme a sociedade se mo-
difica, os gêneros se modificam junto com ela, pois eles são janelas através das quais podemos observar o mundo
real.

Estória de amor
A estória de amor é um bom exemplo da evolução da narrativa. A questão mais importante ao se escrever uma
estória de amor é sempre a mesma: o que pode impedi-los? A parte do amor em si, sem um conflito, é uma das
coisas mais sem graça imaginável. Originalmente, os autores respondiam essa questão com “os pais da garota”,
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
que não achavam o rapaz bom o suficiente. Shakespeare revolucionou a fórmula em “Romeu e Julieta” ao adicio-
nar a família do homem na equação. Mas com a revolução romântica no século XX, o amor toma outra proporção:
os casamentos arranjados deixam de fazer parte do mainstream e as relações entre os casais se distanciam das
famílias, logo os obstáculos devem mudar; em paralelo, com o advento do divórcio como uma prática comum, as
estórias de amor não precisam se resumir a encontros entre dois jovens.

O mundo muda, e as narrativas mudam de acordo. Se você não prestar atenção, pode acabar criando uma obra
antiga, como “Amor a Primeira Vista”, onde o grande obstáculo é que os amantes são casados com outras pesso-
as. Nos anos 50, esse obstáculo representaria alguma coisa, mas não nos 80. Em oposição, temos “Chinatown”,
provavelmente o primeiro filme de gênero Crime com final negativo, onde o vilão não é preso, que foi escrito nos
anos 70, numa época em que a criação do movimento por direitos civis, Watergate e a Guerra do Vietnã acordaram
o grande público americano para a corrupção sistêmica e o fato de que os ricos eram isentos de punição na vida
real.

O DOM DA RESISTÊNCIA
Escrever uma estória não é cem metros rasos, é uma maratona. Um bom roteiro é tão difícil de escrever quanto
um romance de quatrocentas páginas, que tem quase dez vezes o número de palavras.

Você vai precisar de meses, três, seis, nove, um ano, ou mais, de trabalho constante. Para aguentar isso, precisa en-
contrar uma motivação que te carregue com paixão; não adianta escrever para bombar no cinema, nem para ouvir
elogios da turminha intelectual. Temos que escrever o que nos toca para tentar tocar os outros.

Exercício: Em qual gênero o seu projeto poderia se encaixar? Quais filmes poderiam servir como referência? Lista
feita de forma conjunta para cada um dos projetos da sala.

16 - ANÁLISE DE CENA

TEXTO E SUBTEXTO
Uma cena nunca deve ser apenas o que ela parece ser. Existe uma expressão entre os roteiristas que diz que, se uma
cena é sobre o que ela é, você está na merda. Cena romântica: em um restaurante de luxo, à luz de velas, ao som
de um violino, dois amantes se olham, dão as mãos, dizem “Eu te amo”, e eles realmente se amam. Pra que serve
essa cena? Como você vai colocar os atores para atuarem isso? Como você encaixa isso em um filme? Por que os
personagens estão fazendo isso? Como a gente poderia deixar essa cena mais interessante? Resposta: um subtexto.
Talvez ele tenha feito isso porque ele tem medo dela ir embora. Ou porque está com a consciência pesada.

Ou mil outras coisas. Mas se essa cena existe só pra dizer que os dois se amam, existem infinitas formas mais
interessantes de contar essa estória. Pode ser com o casal trocando o pneu de um carro no meio de uma estrada
vazia; eles se ajudam e, quando suas mãos se tocam, os olhares se cruzam, temos nossa estória de amor. Assim, a
cena não será sobre o que ela é.

É impossível expressarmos exatamente o que sentimos para os outros na vida real. E também nos filmes deveria
ser assim.

TÉCNICAS DE ANÁLISE DE CENA


Por vezes, uma cena que parece perfeita pode simplesmente não funcionar, por mais que você reescreva o diálogo.
Para entender o que faz com que essa cena falhe, é preciso quebrá-la em partes e analisá-las separadamente, tanto
a nível do texto quanto do subtexto.

1) Defina o Conflito.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
2) Anote o Valor de Abertura.
3) Quebre a cena em beats, e descreva os valores de cada um.
4) Anote o Valor do Desfecho e compare com o Valor de Abertura.
5) Pesquise os Beats e localize o Ponto de Virada, o beat com a maior brecha criada entre expectativa
e realidade, que muda a direção da ação de forma mais contundente.

17 - COMPOSIÇÃO
Composição significa ordenar e ligar as cenas. Quando se conhece bem o universo da estória, é difícil escolher
quais caminhos seguir. Uma tentação perigosa é a de tentar incluir todos os caminhos. As regras de composição
são: Unidade e Variedade, Passo, Ritmo e Batida, Progressão Social e Pessoal, Ascensão Simbólica e Irônica e o
Princípio da Transição.

UNIDADE E VARIEDADE
Uma estória tem que ser unificada. “Por causa do Incidente Incitante, o Clímax tinha que acontecer.” Nós preci-
samos sentir um laço causal entre o Incidente Incitante, que é a causa mais profunda da estória, e o Clímax, que é
a sua consequência maior. O que os une é a espinha, o desejo do protagonista de restaurar seu equilíbrio.

Além da Unidade, é importante a Variedade. Casablanca é uma Estória de Amor, mas também um Filme Político,
com alguns momentos de comédia e outros que são praticamente musicais.

Não dá pra ser sempre incrivelmente variado, mas alguma variedade é importante. E, para alcançar a variedade, o
passo mais importante é a pesquisa.

PASSO
Se o filme segue sempre na mesma fórmula, com cada cena transformando o personagem exatamente na mesma
medida, a tensão aumentando sempre o mesmo pouco de cada vez, nós desgastamos o público antes da cena final.
É preciso intercalar tensão e relaxamento, sem nunca perder de vista os conflitos, de forma a criar uma relação
direta com o público.

É como sexo. Não adianta ficar bombeando sempre do mesmo jeito, no mesmo lugar, na mesma velocidade. Isso
aumenta a tensão e leva a um clímax? Sim, mas é chato. Existe um objetivo único permeando a experiência, e para
alcançá-lo você precisa coordenar as energias e variar a forma. O clímax tem que ser a junção de uma série de
forças, de uma gama de tensões acumuladas de forma única.

RITMO E BATIDA
O Ritmo é criado pela duração das cenas. Um longa médio tem um pouco menos de duas horas, com entre 40 e
60 cenas. Em média, uma cena tem dois minutos e meio. Mas você não vai fazer todas as cenas com dois minutos
e meio. Cada uma tem uma duração própria. Para cada cena de um minuto, temos uma de quatro minutos, e assim
por diante.

Se você abre seu roteiro e vê que tem uma cena de sete páginas seguida por uma cena de oito páginas seguida por
uma cena de nove páginas, depois sete, depois dois, depois seis, você pode ter certeza que o ritmo do seu filme
será extremamente lento.

Existem excessões, como Doze Homens e Uma Sentença e Carnage, mas esses exemplos criam microcosmos
dentro dos espaços, as chamadas cenas francesas, que basicamente dividem a unidade de ação.

A Batida é o nível de atividade dentro de cada cena, contando diálogo, ação e suas combinações. Um casal conver-
sando em voz baixa na cama pode ter uma batida fraca, uma discussão em um tribunal uma batida forte. Alguém
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
olhando pela janela pode ter uma batida fraca, uma revolta popular uma batida forte.

Lembrem da Lei dos Retornos Diminutivos: Quanto mais pausamos em sequência, menos efeito tem a pausa.
Quanto mais explodimos, menos efeito tem a explosão.

Se as cenas antes do Clímax são longas, lentas e fracas, roubamos a energia do público e impedimos ele de apro-
veitar o Clímax. Se as cenas depois do Clímax são aceleradas e tensas, não conseguimos assimilar emocionalmente
o que está acontecendo.

Devemos merecer nossas pausas. Os momentos de tensão devem levar para clímax, que por sua vez são seguidos
por momentos de relaxamento.

PROGRESSÕES
Quando uma estória progride de forma genuína, existem quatro formas básicas de progressão.

Progressão Social
Aumente o impacto das ações da personagem na sociedade. Problemas íntimos se ramificam para o mundo. Algu-
mas profissões são super-representadas como protagonistas: advogados, médicos, guerreiros, políticos e cientistas.
Por que? Porque elas têm o potencial de impactar diretamente na vida de muitos.

Progressão Pessoal
Guie as ações profundamente para os relacionamentos íntimos e para a vida interna das personagens. Se não dá
para ir para fora, vá para o fundo; comece com um problema aparentemente solúvel que se desenvolve para algo
fora de controle.

Ascensão Simbólica
Construa a carga simbólica das imagens do filme do particular ao universal, do específico ao arquetípico. Simboli-
smo é muito tocante. Você começa com ações, locações e papéis que representam apenas eles mesmos, e ao longo
do filme os substitua por imagens que carreguem mais e mais significados.

Quantos filmes tem o clímax no topo de uma montanha? Por que? O Topo da Montanha é um lugar onde grandes
coisas acontecem. Desde o recebimento dos Dez Mandamentos. Outros exemplos: Diabolique e Show de Truman
(água), Senhor dos Anéis (fogo), Kill Bill (terra/gelo).

Ascensão Irônica
Transforme a progressão com ironia. Não seja óbvio; confie que o público vai entender a ironia.

Seis padrões básicos de ironia:

1) Protagonista consegue o que sempre quis… Mas tarde demais para aproveitar. Ex.: Othello con-
segue a informação de que sua mulher sempre fora fiel, mas ela está morta.
2) Protagonista é empurrado para cada vez mais longe de sua meta… Para descobrir que ele estava
sendo levado direto a ela. Ex.: Por Favor, Matem Minha Mulher.
3) Protagonista joga fora o que, mais tarde, descobre ser indispensável para sua felicidade. Ex.: Jogos,
Trapaças e Dois Canos Fumegantes.
4) Para alcançar uma meta, ele inconscientemente dá os passos necessários para distanciar-se dessa
meta. Ex.: Os Suspeitos. O Delegado, em busca de Keizer Soze, liberta-o sem saber e perde a única chance que
teve de capturá-lo.
5) A ação que ele toma para destruir algo torna-se exatamente o necessário para destruir a si próprio.
Ex.: Dr. Strangelove. O General tenta destruir uma conspiração imaginária, mas acaba destruindo o mundo e a si
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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mesmo.
6) O Protagonista vem a possuir algo que certamente o fará miserável, faz de tudo para se livrar disso,
só para descobrir que isso é o que o fará feliz. Ex.: Ratatouille.

A chave das progressões irônicas é a certeza e a precisão. São estórias sobre protagonistas que acham que sabem
exatamente como o mundo funciona e criam planos detalhados para se preparar para o embate, mas são surpre-
endidos pelo mundo.

O PRINCÍPIO DA TRANSIÇÃO
Quando desenhamos ciclos de ação crescente, devemos ao mesmo tempo criar uma transição para que o público
passe suavemente de uma cena para outra. A transição se dá em dois lugares: algo que as cenas têm em comum e
o que elas têm de oposto.

Exemplos:

1) Um traço da caracterização. Em comum: corte de uma criança mimada para um adulto infantil.
Em oposição: corte de um protagonista desajeitado para um antagonista elegante.
2) Uma ação. Em comum: Início das preliminares para uma cena de pós sexo. Em oposição: Do ta-
garelar para o silêncio frio.
3) Um objeto. Em comum: do interior de uma estufa para uma floresta. Em oposição: Do Congo
para a Antártida.
4) Uma palavra. Em comum: uma frase repetida de cena para cena. Em oposição: de um elogio para
um xingamento.
5) Uma qualidade de luz. Em comum: das sombras da alvorada para as cores do crepúsculo. Em
oposição: do azul para o vermelho.
6) Um som. Em comum: ondas do mar para a respiração de alguém. Em oposição: de um carinho
para um pneu cantando.
7) Uma ideia. Em comum: do nascimento de uma criança para a abertura de uma peça. Em oposição:
do nascimento de uma criança para um assassinato.

Exercício: Quais são as progressões dos projetos da sala? Como elas são levadas adiante? Que valores estão em
questão?
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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18 - PROBLEMAS E SOLUÇÕES

O PROBLEMA DO INTERESSE
Como fazer o público se interessar pela sua estória? Desperte a curiosidade com os pontos de virada. Faça com
que o público se preocupe com os personagens.

O conceito de Centro do Bem é muito útil para isso. O público sempre vai procurar o Centro do Bem do filme, o
personagem que representa os valores positivos da estória. O protagonista, no mínimo, deve se localizar no Cen-
tro do Bem. De novo, isso não significa que ele deva ser um herói, ou mesmo bom (todos, em seu próprio ponto
de vista, acreditam serem bons). Ele não precisa ser simpático. Mas precisa sim ser empático.

Em O Poderoso Chefão, a família Corleone é uma gangue de assassinos corruptos em meio a várias gangues de
assassinos corruptos. Por que nos aproximamos dos Corleone? Porque eles têm uma qualidade boa: a lealdade.
Eles cumprem a palavra, então os vemos como os caras malvados do bem, contra os caras malvados do mal.

Mistério, Suspense, Ironia Dramática


No Mistério, o público sabe menos que as personagens. Nós despertamos a curiosidade do público, desviamos
sua atenção com os red herrings, e escondemos os fatos reais até o fim. Existem duas formas básicas de Mistério
de Assassinato: o Aberto e o Fechado.

Mistério Fechado é quando o crime acontece na estória pregressa. Estórias clássicas de detetive, onde o investiga-
dor deve escolher entre um punhado de suspeitos quem é o real culpado.

Mistério Aberto é quando o público vê o crime sendo cometido e sabe o culpado; a estória gira em torno de quem
vai conseguir capturá-lo.

No suspense, o público e os personagens sabem as mesmas informações. Aumenta a empatia com as personagens,
pois descobrimos as coisas ao mesmo tempo que eles, e podemos testar nossas teorias simultaneamente.

Na Ironia Dramática, o público sabe mais do que as personagens. Eliminando a curiosidade sobre vários dos fa-
tos e consequências, muito do que move o público é a preocupação com as personagens. Assistimos impotentes
enquanto os personagens vão em direção à tragédia sem saber. Em Crepúsculo dos Deuses, a primeira cena revela
que o protagonista vai morrer. Vemos ele morto, boiando em uma piscina.

Mas não eliminamos toda a curiosidade; sempre sobra “mas como isso vai acontecer?”.

O PROBLEMA DA SURPRESA
A Surpresa é um dos grandes motivos pelos quais assistimos a filmes. Mas existem dois tipos de Surpresa: a barata
e a verdadeira.

A Surpresa Verdadeira surge da revelação súbita da brecha entre expectativa e resultado. É verdadeira por ser re-
sultado do embate entre os mundos internos das personagens.

A Surpresa Barata se aproveita da vulnerabilidade do público para fazê-lo esperar algo e cortando bruscamente
para algo que ele não poderia esperar, chocando-o. Nos gêneros de Terror, Fantasia e Thriller, as surpresas baratas
são convenções, às vezes até parte da diversão. O protagonista anda por uma rua escura quando uma mão o pega
bruscamente pelo ombro e… é seu melhor amigo, perguntando como vai a vida. Fora desses gêneros, é quase
sempre um artifício medonho e fraco.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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O PROBLEMA DA COINCIDÊNCIA
Estória cria significado. A coincidência é uma inimiga natural, principalmente se você não souber como usá-la.
Ainda assim, ela faz parte da vida, e pode ser muito importante. O jeito de desviar desse problema é fazer com
que a coincidência chegue cedo na estória, estruturando os parâmetros daquela realidade e fazendo com que, ao
longo do tempo, ela ganhe significado, fazendo com que a anti-lógica da aleatoriedade se torne a lógica da vida
como ela é.

1) Traga a coincidência cedo na estória para permitir que o tempo construa um significado a partir
dela; um personagem que entra na estória por acaso pode passar a fazer parte dela, mas se ele entra apenas para dar
uma informação e depois sai, não terá motivo para existir. Uma regra básica é tentar não usar a coincidência depois
da metade da estória. Em Tubarão, o aparecimento da criatura é uma coincidência, mas ele se mantém próximo à
cidade e se torna o antagonista principal.
2) Nunca use a coincidência para virar um final. Isso é um deus ex machina, o pecado maior do escri-
tor.

O PROBLEMA DA COMÉDIA
Escritores de comédia às vezes acham que estão isentos das regras que regem o roteiro dramático. A comédia é
apenas mais uma estória. Existem diferenças críticas baseadas na essência da visão cômica e da visão dramática.

O dramaturgo quase sempre admira a humanidade e cria trabalhos que dizem, em essência, que apesar de todos os
infortúnios, o espírito humano pode ser bom, magnífico. O comediante aponta que, nas piores das circunstâncias,
os seres humanos sempre encontram alguma forma de estragar tudo.

Por trás da máscara do cinismo cômico, encontramos um idealista frustrado. A sensibilidade cômica quer que o
mundo seja perfeito, mas quando olha em volta, encontra ganância, corrupção, demência.

Outro mito é o de que chamar um comediante para uma festa é uma boa ideia. Até os paramédicos chegarem.

O comediante médio é um idealista frustrado que descobriu que ninguém ouviria se ele fizesse o discurso raivoso
que ele gostaria de fazer, então decidiu trivializar os exaltados, abaixar as calças dos esnobes. Se ele expuser a so-
ciedade e sua tirania, idiotice e ganância e conseguir fazer as pessoas rirem, as coisas podem mudar.

A Comédia é pura: se o público ri, ela funciona; se ele não ri, ela não funciona. Se for pra discutir os grandes dra-
mas, as visões se dividem a cada comentário. Posso discutir Cidadão Kane, dizer que é horrível. Mas se eu falar
que Um Peixe Chamado Wanda não é engraçado, as pessoas vão ter pena de mim.

O dramaturgo é fascinado pelo mundo interno, pelas paixões e pelos pecados, loucuras e sonhos. O comediante
não. Ele se fixa na vida social, a idiotice, a arrogância, a brutalidade na sociedade. Pegue uma instituição que acre-
dita ser incrustada de hipocrisia e burrice e parta para o ataque.

Design Cômico
A comédia tolera mais coincidência do que o drama, e pode até permitir um final deus ex machina, desde que duas
coisas sejam feitas:

1) O público tem que sentir que o protagonista cômico já sofreu o suficiente.


2) O protagonista nunca se desespera, nunca perde as esperanças.

Nessas condições, o público pensa “Ah, foda-se! Só dá pra ele o que ele quer”.

A comédia usa toda a surpresa criada pela Brecha para provocar risadas. Ou seja, a boa risada é criada a partir da
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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estrutura da estória. Não tente se basear apenas na perspicácia para fazer boas piadas e sacadas. Dá pra saber que
você escreveu uma comédia verdadeira quando você pode contar a estória, sem parafrasear as falas, e as pessoas
riem a cada virada no roteiro. Se as pessoas não riem, não vai ser suficiente escrever piadas extras.

O PROBLEMA DO PONTO DE VISTA


De qual ponto de vista é contada a estória?

PV Dentro da Estória
Em termos mais gerais, quem seguimos nessa estória? Em geral, o exercício de nos focarmos unicamente no
nosso protagonista pode ajudar a enriquecer a narrativa; o público testemunha os eventos apenas quando o pro-
tagonista os encontra e, portanto, se sente muito mais próximo do protagonista. Essa é a maneira mais difícil de
se contar uma estória.

A maneira mais fácil seria ficar saltando em tempo e espaço para escolher os pequenos acontecimentos que faci-
litem a exposição, mas isso pode fazer com que a estória perca foco e tensão.

Quanto mais tempo você gasta com uma personagem, mais tempo o público tem para testemunhar suas escolhas.
Isso significa mais empatia e envolvimento emocional.

PV Dentro da Cena
Cada cena acontece em um tempo e lugar específico, mas onde o roteirista se imagina localizado no espaço en-
quanto observa essa ação se desenrolar? O lugar onde o roteirista se coloca modifica diretamente a forma como
o leitor vai entender a estória e a forma como o diretor vai construí-la. Vemos a cena no mesmo cômodo em que
se passa a ação? No porão, apenas ouvindo a ação? Do lado de fora da casa, vislumbrando por entre as janelas
entreabertas? Diretamente diante do protagonista ou com a visão tampada por suas costas?

Como a gente já conversou anteriormente, uma cena pode ser completamente modificada com apenas algumas
escolhas estéticas. A forma como se descreve a cena no roteiro é essencial para passar a mensagem desejada.

O PROBLEMA DA ADAPTAÇÃO
Pessoas pensam que o trabalho duro de se fazer uma estória pode ser evitado simplesmente pegando uma estória
já pronta, que já se provou como uma boa estória, e a transformando em um roteiro. Esse quase nunca é o caso.

A grande força da literatura frente às outras artes é a capacidade de entrar diretamente na psique das personagens.

No teatro, é inegável a força do diálogo, das relações pessoais. A arte do teatro permite um texto milimetricamente
construído com rimas e metáforas, que trazem uma densidade de significado que nunca veríamos na vida real.

No cinema, a maior força, que o destaca das outras artes, está na caracterização do movimento social e da relação
do indivíduo com o seu mundo. É possível passar, em poucos instantes, uma quantidade de informação que to-
maria dezenas de páginas escritas.

Agora, tendo em vista que os grandes escritores de cada uma dessas áreas fazem o melhor para jogar com as forças
de seus meios, pense na dificuldade da adaptação. Como adaptar Ulisses de Joyce para as telas? Como adaptar
trabalhos de literatura mais pura, onde a maior parte da ação se passa dentro da cabeça das personagens?

Se você realmente quer adaptar obras literárias, o mais fácil é fugir de trabalhos de literatura pura e se focar em
obras que tragam os três níveis de conflito, em especial o extrapessoal. Fahrenheit 451, A Ponte do Rio Kwai,
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
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1984, O Senhor dos Anéis.

Uma vez escolhido o livro, aqui vão os passos a se seguir:

1) O primeiro passo é ler a obra a ser adaptada diversas vezes. Mesmo. Sente e leia o mesmo livro dez,
vinte vezes, fazendo anotações para se lembrar de cada detalhe. Quando você estiver compreendendo o universo
tão bem quanto se você mesmo o tivesse criado, você pode continuar.
2) Anote todas as ações da estória. Sem explicações do mundo interno, mas de forma sintética e
analítica; escreva em uma ou duas sentenças cada ação importante para o caminhar da estória. Ex.: “Ele entra
em casa esperando um confronto com sua mulher, mas descobre um bilhete dizendo que ela o deixou por outro
homem”.
3) Leia os eventos e se pergunte: “Essa estória é bem contada?” Como nos roteiros, a resposta será
quase sempre “não”. Não é só porque o livro foi publicado que a estória é bem contada. Em alguns casos, a estória
é tão bem contada que todas as ações são absolutamente essenciais; não é possível descartar qualquer evento sem
destruir a lógica interna, o que seria incrível se o livro não tivesse quatrocentas páginas, três vezes maior do que é
possível se contar em um filme.
4) Em qualquer uma dessas hipóteses, ou seja, a não ser que a estória seja ao mesmo tempo interna-
mente perfeita e adaptada à duração do cinema (e, em muitos casos, mesmo quando a estória é boa e se adapta ao
tempo do cinema), esteja disposto a reinventar.
5) Reorganize todos os eventos da obra em ordem cronológica, ignorando a ordem contada, e crie
uma linha do tempo precisa da estória. A partir daí, crie uma nova ordem que se adeque às suas necessidades nar-
rativas.
6) Corte cenas supérfluas, adicione cenas necessárias para o novo meio.
7) O maior desafio: transforme tudo o que é mental em físico. Não encha a boca das personagens
com diálogo exagerado e autoexplicativo. Coloque em ação, encontre o equivalente visual para seus conflitos in-
ternos.
8) Procure um design que expresse o espírito do original, mas ainda assim fique com ritmo de filme.
Se você fizer um bom filme, mais fiel ao espírito do que aos acontecimentos do livro, ninguém vai reclamar da
divergência. Um filme ruim, mesmo seguindo à risca cada linha do livro, vai frustrar a todo o público.

O PROBLEMA DO MELODRAMA
Em geral, os escritores tentam evitar o melodrama deixando de escrever “grandes cenas”, mantendo as coisas
pequenas. Tão pequenas que, na verdade, nada está acontecendo.

O melodrama, na verdade, não é um resultado da expressão excessiva, mas de falta de motivação. Não é o choro
exagerado da protagonista, mas o sentimento de que ela não deveria estar sofrendo assim com os fatos apresenta-
dos. O poder de um evento só pode ser tão grande quanto a soma total de suas causas. Uma cena é melodramática
se a motivação não justifica a ação. Ex.: Cena final de Seven (SE7EN).

O PROBLEMA DOS FUROS


Um furo é uma outra forma de perder credibilidade. É a falta de lógica na estória, um elo perdido na cadeia de
causa e efeito. Se você pode forjar uma nova relação para pontos ilógicos da sua trama que os tornem lógicos,
faça isso. Mas esse ato pode acarretar na criação de uma cena que não tenha nenhuma utilidade além de remendar
a estória, o que também é ruim.

Em cada caso, se pergunte: eles vão notar? Quando o furo chega, o público pode não ter informação suficiente
da estória para entender que o acontecido não tem lógica, ou pode ocorrer tão rápido que passa despercebido. Na
dúvida, escritores covardes tentam jogar areia sobre os furos, esperando que ninguém perceba, enquanto outros
enfrentam o problema de frente, expondo o furo e, em seguida, negando o furo.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
Em Casablanca, um homem egoísta, que nunca fez nada por ninguém, se vê ajudando o protagonista e reclama
“eu não sei porque estou fazendo isso. Vai logo.”

A premissa baseada em viagem temporal é extremamente frágil na base; em Exterminador do Futuro, Sarah
Connor termina o filme criando um diário em gravação de voz onde se pergunta se seu filho, ainda por nascer no
presente mas líder revolucionário no futuro, sabia que Reese, o jovem oficial que mandara proteger sua mãe, seria
seu pai; depois de um tempo, ela completa com “sabe, você pode ficar louco pensando demais nisso.”

É uma forma feliz de jogar uma parte da lógica no lixo para garantir a coerência narrativa.

Exercício: Análise dos projetos. Quais as surpresas dos projetos da classe? Já existe algum furo de lógica?

DESCRIÇÃO

Colocando um filme na cabeça do leitor


O roteirista, infelizmente, não pode ser um poeta. Ele não pode diretamente usar metáforas, símiles, metonímias,
hipérboles e outras ferramentas da literatura. Ao invés disso, seu trabalho deve conter toda a substância da litera-
tura, mas sem ser literário. O roteiro é feito para a câmera, não para o roteiro. O roteirista deve descrever de uma
maneira que faça o filme fluir na imaginação do leitor.

Responda sempre à pergunta: “O que vemos na tela?”.

Exemplo: “Ele esperou muito tempo” não existe. Algumas opções seriam “Sentado, ele boceja, tentando se man-
ter acordado”. “Ele olha para o relógio”. “Ele pega o décimo cigarro”. A passagem do tempo deve ser mostrada
de alguma forma condizente com a personagem e a situação.

Ação Vivida no Agora


Toda a ação no roteiro é escrita para descrever o aqui e o agora, diferentemente da literatura. Não adianta colocar
temporalidades diferentes; mesmo em flashbacks e flashforwards, não estamos no “passado” ou no “futuro”;
estamos em um novo “agora”.

Uma dica é pensar nos substantivos exatos para as coisas. Evite usar aproximações que podem ser mal interpreta-
das; ao invés de “um prego grande”, fale “cravo”. É importante criar uma imagem vívida na mente do espectador,
mas precisa; se possível, evite adjetivos.

O mesmo vale para verbos e advérbios. Cuidado com frases como “E ele começa a se mover pela sala”. Por que
“começa”? Ele parou? Se é o caso, fale que ele parou. “Ele se move lentamente pela sala” é insosso, vago. “Ele
atravessa a sala arrastando os pés” é mais interessante.

Elimine toda metáfora que não pode ser vista na tela.

Elimine todo “nós vemos”, “nós ouvimos”. O que acontece, acontece, e se nós vemos e ouvimos tudo o que apa-
rece na tela não faz sentido criar essa distinção. Esse tipo de linguagem ocupa espaço e distancia o leitor.

Elimine toda indicação de câmera e edição. “CORTA PARA”, “MUDA FOCO PARA”, “FADE PARA”, “TRA-
VELLING LATERAL”. O leitor sabe que as mudanças são feitas com corte. E, em última instância, não é você
quem escolhe essas coisas.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
Se você acredita que uma determinada posição de câmeras é essencial para contar sua estória, use da linguagem
para provar seu ponto, focando as sentenças nos pontos que você imagina que deveriam ser filmados, separados
em parágrafos.

SISTEMAS DE IMAGEM

O Roteirista como Poeta


O roteirista pode sim ser poético, mas em suas composições imagéticas, não em suas palavras. As imagens que
entram em quadro devem ser muito bem escolhidas para criar um bom filme.

Um Sistema de Imagem é uma estratégia para ornar o filme com significado subliminar por meio da repetição
sutil, e de formas diferentes, de um signo específico. Esse sistema pode se utilizar de imagens externas ao filme
com significados já estabelecidos pela sociedade, como por exemplo colocar uma cruz católica na casa de uma
personagem representando a penitência, mas o mais interessante é quando o filme cria seu próprio sistema de
imagens internas com significados que se criam por conta de sua própria estrutura.

A água é geralmente usada como um signo positivo, que representa a vida, a purificação, o feminino; mas um filme
baseado em um assassinato por afogamento, por exemplo, pode usar as instâncias onde a água aparece como uma
forma de aumentar a tensão aos poucos, até o momento em que o barulho de água pingando é suficiente para
assustar o espectador.

Mas se você pesar demais a mão no símbolo, ele perde sua força. A partir do momento em que o símbolo fica
claro para o público, ele deixa de ser subliminar. Em geral, isso é resultado de ânsia por ser compreendido e ter os
críticos e espectadores mais intelectuais conversando sobre a carga simbólica do filme. Mas isso faz com que você
perca um aspecto importante da narrativa simbólica. O roteirista deve iniciar o trabalho com Sistemas de Imagem,
e cabe ao Diretor, ao lado dos designers, continuar esse trabalho durante as filmagens. Muitas vezes o roteirista
já começa esse trabalho inconscientemente, mas é importante tomar consciência para construí-lo com maestria.

TÍTULOS
O título de um filme é a peça central do marketing que “posiciona” o público, preparando-o para a experiência
que se segue. Um título efetivo aponta para algo sólido que está realmente na estória — personagem, ambiente,
tema ou gênero. Um título não é a única consideração do marketing, é claro, mas é importante ter isso em mente
quando for dar nome à sua obra.

Exercício: Criar os títulos (ou ao menos os Working Titles) dos projetos. Análise final dos projetos, considerações
quanto ao curso, questões pendentes.
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
DESCRIÇÃO

Colocando um filme na cabeça do leitor


O roteirista, infelizmente, não pode ser um poeta. Ele não pode diretamente usar metáforas, símiles, metonímias,
hipérboles e outras ferramentas da literatura. Ao invés disso, seu trabalho deve conter toda a substância da litera-
tura, mas sem ser literário. O roteiro é feito para a câmera, não para o roteiro. O roteirista deve descrever de uma
maneira que faça o filme fluir na imaginação do leitor.

Responda sempre à pergunta: “O que vemos na tela?”.

Exemplo: “Ele esperou muito tempo” não existe. Algumas opções seriam “Sentado, ele boceja, tentando se man-
ter acordado”. “Ele olha para o relógio”. “Ele pega o décimo cigarro”. A passagem do tempo deve ser mostrada
de alguma forma condizente com a personagem e a situação.

Ação Vivida no Agora


Toda a ação no roteiro é escrita para descrever o aqui e o agora, diferentemente da literatura. Não adianta colocar
temporalidades diferentes; mesmo em flashbacks e flashforwards, não estamos no “passado” ou no “futuro”;
estamos em um novo “agora”.

Uma dica é pensar nos substantivos exatos para as coisas. Evite usar aproximações que podem ser mal interpreta-
das; ao invés de “um prego grande”, fale “cravo”. É importante criar uma imagem vívida na mente do espectador,
mas precisa; se possível, evite adjetivos.

O mesmo vale para verbos e advérbios. Cuidado com frases como “E ele começa a se mover pela sala”. Por que
“começa”? Ele parou? Se é o caso, fale que ele parou. “Ele se move lentamente pela sala” é insosso, vago. “Ele
atravessa a sala arrastando os pés” é mais interessante.

Elimine toda metáfora que não pode ser vista na tela.

Elimine todo “nós vemos”, “nós ouvimos”. O que acontece, acontece, e se nós vemos e ouvimos tudo o que apa-
rece na tela não faz sentido criar essa distinção. Esse tipo de linguagem ocupa espaço e distancia o leitor.

Elimine toda indicação de câmera e edição. “CORTA PARA”, “MUDA FOCO PARA”, “FADE PARA”, “TRA-
VELLING LATERAL”. O leitor sabe que as mudanças são feitas com corte. E, em última instância, não é você
quem escolhe essas coisas.

Se você acredita que uma determinada posição de câmeras é essencial para contar sua estória, use da linguagem
para provar seu ponto, focando as sentenças nos pontos que você imagina que deveriam ser filmados, separados
em parágrafos.

SISTEMAS DE IMAGEM

O Roteirista como Poeta


O roteirista pode sim ser poético, mas em suas composições imagéticas, não em suas palavras. As imagens que
entram em quadro devem ser muito bem escolhidas para criar um bom filme.

Um Sistema de Imagem é uma estratégia para ornar o filme com significado subliminar por meio da repetição
sutil, e de formas diferentes, de um signo específico. Esse sistema pode se utilizar de imagens externas ao filme
com significados já estabelecidos pela sociedade, como por exemplo colocar uma cruz católica na casa de uma
personagem representando a penitência, mas o mais interessante é quando o filme cria seu próprio sistema de
Caio Guerra – A Jornada do Roteirista – Anotações
M
imagens internas com significados que se criam por conta de sua própria estrutura.

A água é geralmente usada como um signo positivo, que representa a vida, a purificação, o feminino; mas um filme
baseado em um assassinato por afogamento, por exemplo, pode usar as instâncias onde a água aparece como uma
forma de aumentar a tensão aos poucos, até o momento em que o barulho de água pingando é suficiente para
assustar o espectador.

Mas se você pesar demais a mão no símbolo, ele perde sua força. A partir do momento em que o símbolo fica
claro para o público, ele deixa de ser subliminar. Em geral, isso é resultado de ânsia por ser compreendido e ter os
críticos e espectadores mais intelectuais conversando sobre a carga simbólica do filme. Mas isso faz com que você
perca um aspecto importante da narrativa simbólica. O roteirista deve iniciar o trabalho com Sistemas de Imagem,
e cabe ao Diretor, ao lado dos designers, continuar esse trabalho durante as filmagens. Muitas vezes o roteirista
já começa esse trabalho inconscientemente, mas é importante tomar consciência para construí-lo com maestria.

TÍTULOS
O título de um filme é a peça central do marketing que “posiciona” o público, preparando-o para a experiência
que se segue. Um título efetivo aponta para algo sólido que está realmente na estória — personagem, ambiente,
tema ou gênero. Um título não é a única consideração do marketing, é claro, mas é importante ter isso em mente
quando for dar nome à sua obra.

Exercício: Criar os títulos (ou ao menos os Working Titles) dos projetos. Análise final dos projetos, considerações
quanto ao curso, questões pendentes.

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