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Conto Rosita, livro “Na berma de nenhuma estrada e outros contos” de Mia Couto

Escola Secundária Artística António Arroio


Ano Lectivo: 2008/2009

Disciplina: Português
Professora: Elisabete Miguel
Toya Nereide Vicente Coelho
Ano: 10º
Turma: F
Número: 26

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Toya Nereide Vicente Coelho
Conto Rosita, livro “Na berma de nenhuma estrada e outros contos” de Mia Couto

Introdução

“Rosita” é o último conto do livro de Mia Couto, Na berma de nenhuma estrada


e outros contos e foi o que eu, depois de ter lido todos os outros, escolhi para o meu
trabalho preparatório da apresentação oral, na aula de Português. A minha selecção
tem razões fundamentalmente afectivas pois Mia Couto constrói esta narrativa
partindo de factos reais que já me eram familiares. A história, verídica, da agora
personagem Rosita, já me havia sido contada por uma pessoa que me é muito
querida, por isso não tive nem um momento de hesitação, “Rosita” seria o meu
conto.

Neste trabalho, escrito, dou a informação acerca da leitura e o seu respectivo


motivo; logo depois apresento as frases que acho mais importantes e que realmente
mexeram com o meu sentido estético, com a minha sensibilidade, com as minhas
emoções; de seguida, explico a razão da escolha de minha ilustração; continuo com
as categorias da narrativa, tempo, espaço, acção, personagens, narrador; prossigo
com a minha opinião sobre o desfecho do conto, a conclusão, a bibliografia sumária e
concluo com anexos, algumas notícias publicadas e fotografias legendadas das cheias
em Moçambique.

O conto “Rosita” narra que o protagonista, depois de alguns anos passados,


volta para Chokwé, Moçambique, e, apesar das guerras que por lá havia, reencontra
a sua única riqueza, Makalatani, o seu companheiro, no mesmo lugar onde o tinha
deixado. Entretanto dá-se uma inundação devido ao rio que enlouqueceu, e as águas
bravas com fortes correntes acabaram por engolir tudo, pessoas, que não se
conseguiram salvar, casas, animais. O narrador e Makalatani, para conseguirem
sobreviver, e porem-se a salvo no telhado de uma fábrica, tiveram que subir uma
árvore. O protagonista lembra-se que a sua vizinha Sofia Pedro está grávida e que a
criança pode nascer a qualquer momento ou então que não tenha conseguido escapar
da morte. Durante dias passaram fome, beberam aquela água suja e contaminada. Ao
quinto dia, aparece uma nuvem motor de onde desce um anjo branco que o segura.
De repente acorda, afinal o anjo era um soldado sul-africano que descia de um
helicóptero através de uma corda para o salvar, ele insistindo que não seria salvo se o
seu companheiro – um boi – não fosse também salvo. Depois de tanto
desentendimento o soldado consegue salvá-lo e ele pensa que Afinal nunca houvera
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um boi no meu telhado, eu devia estar delirado. Enquanto olhava para as


pessoas que também foram salvas avista a grávida vizinha Sofia Pedro, que em seus
braços carregava um embrulho. Diante dele, a vizinha abre lentamente a capulana e
surge uma menina … mais recente que um orvalho. Espantado pergunta Não diga
você ninhou essa menina em cima da árvore!? - É Rosita, essa é minha Rosita.
Perante a resposta recebida, e enquanto Sofia Pedro amamenta a recém-nascida, o
protagonista sente que tudo nele se amacia e que Rosita já nascia nele.

A minha leitura

Tive de ler o conto várias vezes pois não percebi logo à primeira o que me estava a
ser transmitido, no entanto, as releituras nunca foram penosas porque à medida que
ia entendendo as imagens, as metáforas, a riqueza linguística, o meu interesse e
prazer foram crescendo. Gostei muito do conto “Rosita” gostei sim, pois este conto
transmitiu-me uma história e em simultâneo uma grande realidade. E é pelo facto de
Mia Couto transmitir essa realidade, penso eu, que torna o conto especial, porque ao
longo da leitura a minha mente já caía na tentação de querer também entrar na
história, sentir o que o narrador estava a sentir. A cada palavra, a cada frase, crescia-
me uma enorme vontade de querer saber mais e mais, sem temer arriscar, por
segundos, parava e cismava no tamanho interesse que crescia sem receio, no meu
desejo incomparável de ir pela história dentro, como se nada me detivesse, logo,
logo, continuava a leitura, dominada pelo toque essencial, único, especial da
narração.

As sensações foram inumeráveis, havia uma mistura de emoções que me


envolviam entre a realidade e a fantasia. Eram sensibilidades, agitações em
simultâneo, descontroladamente umas atrás das outras, sem me aperceber
exactamente do que se passava, mas na verdade era uma simples leitura, digo eu,
mas também não era bem isso, porque, na verdade, não foi uma simples leitura. Há
leituras e leituras, esta envolveu-me totalmente. O que foi bom, não sei o porquê,
mas acredito que talvez tenha sido (como já referi antes), pela proximidade entre a
realidade e a ficção.

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Frases que considero plasticamente importantes e que mexeram comigo:

“Mas quando regressei a Chokwé, lá estava ele me esperando. Fiel, no lugar onde nos
separáramos.”

“E foi num repente: o céu ganhou cor de terra, lembrando cuspes do diabo. As
nuvens pesavam como se feitas de lama. Em tais densidades, o céu deixava de ser
morado por aves.”

“Conhecia suas parecenças – tempo e água. Ambos me levaram filhos, sonhos,


riquezas.”

“E pensei na vizinha Sofia Pedro. Ela estava grávida, bem no final do prazo”

“Deixei de beber quando vi bois e homens flutuando, inchados, na corrente.”

“A morte é outro rio: de uma vez em quando, ela salta a margem e nos inunda com
tamanho de um oceano.”

“O anjo era, afinal, um soldado sul-africano que me abria os braços, suspenso numa
corda. A nuvem era um helicóptero que ventoinhava em cima do armazém onde nos
abrigávamos.”

“ – Meu boi! Me ajude a carregar o meu boi!”

“Mas eu não podia deixar ali o meu velho boi, minha única riqueza.”

“E eu, já em desespero: você não vai, eu também não vou. Prontos, morremos os
dois, um sem o outro.”

“Mas os outros, salvados como eu, se espantaram. Não havia nenhum boi junto de
mim.”

“Afinal nunca houvera um boi no meu telhado (…)”

“ – É Rosita, essa é minha Rosita”

“Sim, nesse destino havia terra. De novo, o infinito território da vida. E Rosita já
nascia em mim.”

Foi-me extremamente difícil seleccionar as frases que mexeram comigo. Optei


pelas que acabei de transcrever. Em cada uma delas é como se encontrasse parte de
cada sequência do conto; considero que talvez sejam das frases mais importantes
contribuir para realçar a história. Nelas encontro a concentração de sentimentos, a
alegria, a estranheza, o espanto, a dor, a mágoa, a tristeza, o delírio, a preocupação,
o amor, o desespero, a felicidade, o passado, o presente, o futuro.

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Explicação da minha ilustração

Não há uma razão específica para esta ilustração, há diferentes razões. Quis ilustrar
não tudo mas algumas das visões/ acções da personagem principal, o que o
protagonista viu, passou, sofreu. Ao centro, em grande plano, estão Sofia Pedro e
Rosita; por detrás há as tristezas, o sufoco, as perdas, as lágrimas , com a imagem
maior, central, de mãe e filha, quis representar exactamente o contrário, a felicidade,
a coragem, a força, a alegria, os sorrisos, numa mensagem de futuro, de esperança.

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Categorias da narrativa

Na acção, o relevo é central, é com a personagem principal e em seu redor


que todas as acções ocorrem; devido a ela existem diálogos; e que, por sua vez, são
realizadas algumas das acções. Durante os acontecimentos é permitido ao leitor poder
localizar-se, mas, mesmo assim, as acções não são solucionadas ao pormenor, não
sendo possível descobrir o que acontece após o salvamento do protagonista nem das
outras pessoas, inclusive a vizinha e sua filha, sendo assim, uma delimitação aberta.

Inicialmente, a acção começa com o narrador a contar, o que sucedeu naqueles


5 dias de sofrimento; após os avisos, que ignora, dá-se uma enorme inundação que
destrói completamente Chokwé (local onde se passa a história), e, para tentar
sobreviver, o protagonista passa esses dias em cima de um telhado de um armazém
com o seu companheiro, Makalatani. Acaba por ser salvo por um soldado sul-africano
e, com tristeza, descobre que o seu companheiro não passava de um delírio seu, em
compensação encontra outras pessoas, também salvas, e a vizinha com quem tanto
se preocupava porque estava grávida e prestes a dar à luz, Sofia Pedro, e conhece
aquela doce criança ( nos braços da vizinha), Rosita, que nasceu minutos antes de ser
salva do topo de uma árvore. Eis a história muito breve, e através dela, temos como
personagem principal, o narrador; como personagens secundárias, Makalatani, Sofia
Pedro e Rosita; e como figurantes o soldado sul-africano e os salvados.

O protagonista do conto tem um papel importante porque é ele que conta a história e
por sua vez participa em todas acções narradas; o papel do Makalatani, penso eu que
seja para poder mostrar os efeitos secundários daquela água contaminada; o do
soldado sul-africano, digo que tenha sido para poder mostrar que seja lá o que for e
no que for devemos sempre ter esperança; o de Sofia Pedro e de sua filha Rosita
presumo que seja um papel bastante importante porque põe-nos diante de uma
realidade, o sofrimento que passou naqueles 5 dias, estando grávida sem qualquer
forma de matar a sede e a fome e, mesmo estando no topo de uma árvore, ainda
conseguiu arranjar forças para dar à luz uma criança; e, por fim, os dos outros que
foram salvos, julgo que seja apenas para dar um pequeno toque no final, assim como
por exemplo quando afirmaram que não havia nenhum “boi” ao lado do protagonista.
As caracterizações das personagens, tanto físicas, como psicológicas ou sociais são

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escassas, mas fisicamente Makalatani era gordo e psicologicamente era guloso,


teimoso, paciente, cauteloso e tranquilo; a respeito da personagem principal concluo
pela teimosice, persistência, impaciência, carinho, preocupação, amizade, coragem
e sensibilidade. São deduções minhas a partir das atitudes e comportamento ao
longo da história narrada, sendo assim pode-se dizer que são processos de
caracterização indirecta.

A história narrada desencadeia-se em Chokwé, Moçambique, África,


primeiramente inicia-se numa casa depois em cima das árvores, em cima do telhado
de um armazém e no interior de um helicóptero.

Relativamente à sua presença, o narrador é participante como personagem, a


sua focalização é externa (relata o que observa) tendo como posição subjectiva.

Desfecho do conto

Fantasia e Realidade, expressões que podem designar o desenlace desta


narrativa.

O final não era o que esperava, na verdade nem me atrevi a esperar, fui
surpreendida sim, mas, penso eu, todo o leitor ficará surpreendido. Primeiro,
descobrir quem é o seu velho companheiro, depois saber que o seu guloso boi, sua
única riqueza, Makalatani, era um delírio, não me passou pela cabeça em instante
algum; para maior surpresa não supunha que a vizinha, Sofia Pedro, tivesse
sobrevivido, ainda para mais nas condições em que se encontrava, não imaginava que
uma mulher, na barriga uma criança prestes a nascer a qualquer momento,
conseguisse fugir daquelas águas furiosas, que pudesse sobreviver àqueles 5 dias em
apertos, sem água nem alimento, que suportasse as dores do parto no topo de uma
árvore, e que tudo vencesse e acabasse a amamentar a filhita a bordo de um anjo
branco que, em boa hora, descera de uma nuvem.

Concluo este meu trabalho, deixando bem expresso que gostei muito do conto e que
apreciei muito o final, foi um “ponto” cativante, acrescentou-lhe suavidade, alegria, e
esperança.
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Anexos

Notícias publicadas por Marcelo Mosse, em Maputo

Em 2000, o ciclone “Eline” passou à volta


da ilha e chegou à costa, provocando
muito chuva e ventos com mais de
100km/h, no entanto veio agravar em As cheias obrigaram centenas de milhares
90% a situação, gerando cheias de pessoas a abandonar as suas casas
catastróficas. (CNN Fevereiro 21, 2000)

Moçambicanos lutam para manter


Estima-se que esta catástrofe tenha
provocado centenas de mortos, 300 secos os seus parcos haveres (CNN
000 refugiados e um milhão de Março 1, 2000)
desalojados.

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1 de Março - O drama é total, os mortos


incontáveis, o choque presente nas faces dos
moçambicanos. Nove mil tinham sido já
resgatadas no Sul, mas milhares continuam
em cativeiro. As imagens na televisão fazem
chorar. A mais emotiva é sem dúvida a do
resgate aéreo de Sofia e da sua filha Rosita,
nascida minutos antes no cimo da árvore
onde a mãe se refugiou da fúria das águas.
Chissano visita de novo as zonas afectadas e
diz que a ajuda internacional está a ser
"lenta". Lenta? Mas ele não a pediu com
antecedência.

A 27 de Fevereiro, enquanto as águas do rio


Save, no norte de Moçambique, continuam a
Uma mulher subir, uma família aguarda, numa ilhota,
refugiada numa junto a uma árvore, que alguém os venha
árvore é salva por libertar do pesadelo.
um helicóptero
sul-africano (CNN Março 1, 2000)

Residentes de Chokwé inspeccionam danos


sofridos numa casa (CNN Março 6, 2000)

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Conclusão

Apesar de ser conto, com um número reduzido de personagens, com uma


narrativa curta, não foi a primeira, não foi a quinta, não foi a décima vez que comecei
a perceber do que se tratava, quais os conceitos ali apresentados e qual a mensagem
que me estava a ser transmitida.

Na capa deste trabalho, tem como imagem de fundo um rio, mas este não é um
rio qualquer, não é um simples rio, é o rio Limpopo, responsável pela cheia que se
deu em Chokwé, Moçambique, a 1 de Março de 2000. Mia Couto escreve esta história
baseando-se nos depoimentos que o próprio recolheu durante as cheias.

As cheias não são um fenómeno raro em Moçambique, as chuvas que


correspondem ao Verão moçambicano, e quando o sol se aproxima do equador,
enquanto a passagem do equinócio, o país é atingido por chuvas fortes que se
repetem ciclicamente. Os ciclones, nesta região, formam-se no Oceano Índico e
rumam para sudoeste. A maior parte das vezes dissipam-se no Canal de Moçambique,
antes de atingirem a costa do continente africano, ou quando chegam à ilha de
Madagáscar.

Da leitura de Mia Couto, do conto “Rosita”, retiro a mensagem e o ensinamento sobre


o sofrimento, a angústia que certas pessoas passam, não porque querem ou porque
só acontece, ocasionalmente, uma vez na vida, mas o da realidade de quem sofre
constantemente e que não tem outra saída, assim, perdendo famílias, amigos, casas e
todos os seus parcos são obrigadas a permanecer no mesmo lugar.

Apesar de tudo, a esperança permanece, porque depois das lágrimas vem


sempre o sorriso e, mesmo que estas pessoas jamais venham a conhecer o poema de
Paul Elouard acreditam que

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La nuit n’est jamais complete

Il y a toujours puisque je le dis

Puisque je l’affirme

Au bout du chagrin une fenêtre ouverte

Une fenêtre ouverte

Une fenêtre éclairée

Il y a toujours un rêve qui veil

Désir à combler faim à satisfaire

Un coeur généreux

Une main tendue une mais ouverte

Des Yeux attentifs

Une vie la vie à se partager.

Bibliografia sumária:

Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos, Mia Couto

Plural, Português, 10º ano, E. C. Pinto, P. Fonseca, V.S. Baptista

Derniers poèmes d’amour, Paul Eluard

Vários sítios da internet

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Índice

Introdução

Leitura pessoal do conto

Frases que considero plasticamente importantes e que mexeram comigo

Explicação da minha ilustração

Categorias da narrativa

Desfecho do conto

Conclusão

Anexos

Bibliografia sumária

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