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RODRIGO BORGES DIAS

O AVIVAMENTO DA RUA AZUSA E AS SEMELHANÇAS COM O


MOVIMENTO MONTANISTA

OS DOIS GRANDES MOVIMENTOS CARISMÁTICOS DA HISTÓRIA DA


IGREJA, SUAS SIMILARIDADES E INFLUÊNCIAS.

BRASÍLIA – DF
2019
2

O AVIVAMENTO DA RUA AZUSA E AS SEMELHANÇAS COM O


MOVIMENTO MONTANISTA

OS DOIS GRANDES MOVIMENTOS CARISMÁTICOS DA HISTÓRIA DA


IGREJA, SUAS SIMILARIDADES E INFLUÊNCIAS.

DIAS, Rodrigo Borges 1

RESUMO

Uma grande controvérsia ultrapassa gerações sendo motivo de intensos


debates e até mesmo citada em concílios em toda a história do Cristianismo,
com maior relevância no início do século XX, quando teve início uma reunião
em 14 de Abril de 1906 em um prédio na Rua Azusa 312, em Los Angeles
Califórnia EUA, onde aconteceu um suposto reavivamento que foi
caracterizado por experiências de Glossolalia (falar em línguas estranhas),
iniciando uma liturgia heterodoxa, supostas curas, e passou a ser ensinado um
ascetismo excessivo por causa da crença em um eminente retorno de Cristo.
Para muitos uma novidade na história do cristianismo, para outros uma
nova seita cristã, para alguns um reavivamento autêntico que levou a igreja a
um “novo mover espiritual” como em Pentecostes. Mas houve um movimento
semelhante na metade do segundo século, com as mesmas ênfases e
propósitos que nos levam a refletir suas similaridades, em que a igreja
considerou herética, mas com muitas dificuldades de análise, a saber, o
Montanismo. Neste artigo investigamos por meio de pesquisa em documentos
primários e contemporâneos o que há entre os dois movimentos carismáticos
de equivalente e se podemos chegar a alguma conclusão na controvérsia
levantada por ambos de que, os dons miraculosos dos tempos apostólicos
cessaram com a morte deles ou continuam? Esses movimentos foram
autênticos ou um contrassenso cristão?

Palavras-chave: Rua Azusa; Montanismo; Avivamento;


3

ABSTRACT

A great controversy over generations has been the subject of intense debate
and even quoted in councils throughout the history of Christianity, with greater
relevance in the early twentieth century, when a meeting began on April 14,
1906 in a building on Azusa Street 312 , in Los Angeles California USA, where a
supposed revival took place which was characterized by experiences of
Glossolalia (speaking in tongues), initiating a heterodox liturgy, supposed cures,
and was taught an excessive asceticism because of the belief in an eminent
return of Christ.
For many a novelty in the history of Christianity, for others a new Christian sect,
for some an authentic revival that led the church to a "new spiritual move" as at
Pentecost. But there was a similar movement in the middle of the second
century, with the same emphases and purposes that lead us to reflect its
similarities, in which the church considered heretical, but with many difficulties
of analysis, namely, Montanism. In this article we investigate through research
in primary and contemporary documents what exists between the two
charismatic movements of equivalent and if we can come to any conclusion in
the controversy raised by both that the miraculous gifts of apostolic times
ceased upon their death or continue? Were these movements authentic or a
Christian counter-claim?

Keywords: Azusa Street; Montanismo; Revival;

1
Graduando do Curso de Bacharel em Teologia da Sociedade de Estudos
Bíblicos Interdisciplinares – SEBI - DF, r.borges27@gmail.com;

INTRODUÇÃO
4

O Tema Avivamento, é recorrente na História da igreja cristã, é


impressionante como a igreja declina, ou como perde o que Jesus chamou de
“primeiro amor” como a igreja de Éfeso (Apocalipse 2.4), ou está morta como a
Igreja de Sardes (Apocalipse 3.1) ou até morna, como a Igreja de Laodicéia
(Apocalipse 3.16), é surpreendente saber que estas igrejas citadas, ainda estão
localizadas na história no primeiro século da era cristã ainda com a presença
de pelo menos um apóstolo de Cristo, João. Mas , sempre há uma intervenção
de Deus para despertar seu povo, como sempre há também indivíduos ou
movimentos que querem trazer o avivamento por seus próprios métodos ou
supostas revelações divinas. Outro fenômeno histórico é o debate sobre o
carisma, se os dons miraculosos vistos no ministério de Jesus e em Atos dos
Apóstolos e elucidados pelo Apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios,
cessaram com a morte dos apóstolos ou não, porque temos menções dos Pais
da Igreja da continuidade dos dons em sua época como Irineu de Lyon no
século II, como também Tertuliano, Justino Mártir e Hipólito. Mas há uma
citação no livro do Orígenes, pai da igreja e apologista, que também viveu entre
o segundo e terceiro séculos e nos faz imaginar que estes sinais estavam
minguando:

“O Espírito Santo deu sinais de Sua presença no início do


ministério de Cristo, e após Sua ascensão Ele deu ainda mais;
mas desde então esses sinais diminuíram, embora ainda haja
vestígios de Sua presença em alguns que tiveram suas almas
purificadas pelo Evangelho e suas ações reguladas por sua
influência” (Contra Celso, Livro VII, 8).

Diante dessa circunstância podemos ter duas abordagens: A que a


maioria seguiu, de que Deus descontinuou isso e simplesmente não
interessava mais fazer, então Deus parou esse tipo de ação; Ou se posicionar
como o Bispo da região da Frígia, Montano, que dizia que esses dons
miraculosos haviam desaparecido por causa da apostasia da Igreja, devido ao
mundanismo da Igreja.
5

Depois do período dos reformadores, houve mais uma vez um declínio


na Igreja deixando-a apática. Tinha a Verdade nas mãos, acreditando nela,
mas sem vida, sem vibração, estava morta, como a Igreja de Sardes. Isso
aconteceu na virada do século XVII para o XVIII, em todas as frentes. É o que
se chama de “Ortodoxia Morta”, pois não há heresia, pelo contrário há uma
crença em todas as verdades, mas sem vida.
Justamente quando o iluminismo e o romantismo cresciam, ganhando
força atacando e tentando derrubar o Cristianismo e seus fundamentos, a igreja
estava apática, morta, sem ação, sem capacidade de reação. É nesse contexto
que surge o movimento Pietista dentro da Igreja Luterana e um reavivamento.
É quando aparece na história os 300 cristãos da Morávia que estavam fugindo
sem coisa alguma, pois tinham deixado tudo para trás e Nikolaus Ludwig Von
Zinzendorf o Conde acolheu a todos na sua propriedade. E algo aconteceu em
1727, algo surpreendente, o chamado “verão de ouro”. Houve uma
transformação em todas aquelas pessoas, o avivamento caiu sobre elas que se
tornaram uma verdadeira força na igreja do Senhor. Mais tarde eles seriam um
grupo separado, chamados de Irmãos Unidos, ou Irmãos Morávios.
Os irmãos Morávios tiveram um impacto sobre o Metodista John Wesley,
a sua conversão se deve a eles. E isso causará um grande impacto na
Inglaterra, pois a situação também não era nada boa. É impressionante como a
Igreja declina rápido, porque na virada do século XVII para o XVIII, o
Movimento Puritano estava muito perto, pois eles são século XVII.
O avivamento veio por alguns meios, um deles com os Irmãos Morávios.
Os Irmãos Morávios foram importantes para que a Inglaterra fosse alcançada
pelo avivamento. Vemos nos Morávios um desejo de verdadeira piedade que
levou a igreja da Inglaterra a experimentar um avivamento evangélico por
assim dizer.
No início do século XVIII, nos Estados Unidos a situação também estava
difícil. Jonathan Edwards disse que naquela época havia uma espécie de
sonolência, ou seja, ortodoxia morta. Quando Edwards chegou a Northampton
em 1727, ele observou a falta de compromisso dos jovens. Havia também a
chamada “aliança do meio caminho” onde as Igrejas da Nova Inglaterra,
entraram em aliança e combinaram que pessoas decentes, corretas, mas que
não professavam a fé passaria a serem aceitas na membresia, ou seja, eles
6

podiam batizar seus filhos e participar da ceia do Senhor. Sua visão da


existência humana como um grande e impressionante drama foi ofuscado pela
ideia de que a natureza é benigna, o homem é racional, a salvação é virtude
moral e boas obras, e Deus é a benevolência universal. Novamente vemos a
igreja “esfriando” Mas levantaram-se diversos jovens pregadores que
começaram a pregar o Evangelho com nova urgência e força, batiam firme no
coração dos ouvintes. Mas não houve um verdadeiro despertamento até a
chegada de George Whitefield. E, em, 1734 aconteceu o que Edwards chamou
de a “obra surpreendente de Deus” o Avivamento. Entretanto, no segundo
despertamento dos EUA no século XIX, porque depois do primeiro grande
despertamento, após o ano de 1750 começou um esfriamento, uma sonolência
novamente na igreja americana. Surge então um personagem controverso
Charles Grandison Finney o reavivalista, e é importante conhecer esse
momento histórico porque foi esse Segundo Grande Despertamento que
moldou o protestantismo americano, que deu a imagem do protestantismo
americano e consequentemente do brasileiro. Finney descreve uma
experiência pós-conversão:

“Recebi um poderoso batismo com o Espírito Santo” e “o Espírito


Santo desceu sobre mim de tal maneira que parecia atravessar-
me o corpo e a alma. A impressão era de que uma onda de
eletricidade passava sobre mim e através de mim. Realmente, a
sensação parecia vir em ondas e ondas de amor liquefeito”
(Memórias originais Charles G. Finney Garth Rosell e Richard
Dupuis pg 16).

Com ele ocorre uma grande mudança na história dos avivamentos. Ele
praticamente imaginou que o Espírito Santo é controlável, que se seguirmos
alguns passos conseguiremos que o Espírito Santo faça a obra, nós
conseguiremos alcançar o objetivo. Finney parecia reagir a Edwards que cria
na soberania de Deus no avivamento, pois é completamente o oposto da visão
de surpresa de Jonathan Edwards que chamou o avivamento de “Uma obra
surpreendente de Deus”, quando menos esperávamos Deus intervém. O
Professor Herman Hanko em sua obra The Standard Bearer, Volume 82,
7

edição três diz que os reavivamentos de Finney eram acompanhados por


barulho, que algumas vezes era tão grande que tudo o que Finney podia fazer
era andar no meio do povo e gritar o evangelho no ouvido de um, e então no de
outro. Gritos, rugidos, choros, berros e risos santos, todo tipo de
comportamento bizarro era o resultado da pregação de Finney, e tal
comportamento era considerado um sinal seguro da presença do Espírito
Santo e do sucesso do reavivamento. Esse movimento vai espalhar nos
Estados Unidos e influenciar líderes em todo o país e fora dele como no País
de Gales, e esta influência chega ao final do século XIX quando inicia o
chamado “Movimento de Santidade” (Holiness Movement) que vai entrar no
século XX e produzir talvez um instrumento fundamental na formação
do pentecostalismo o pastor Metodista Charles Fox Parham que depois de uma
campanha no Texas EUA em 1905, fundou ali um trabalho em que um dos
frequentadores chamava-se William Joseph Seymour, o grande nome por trás
do reavivamento de Rua Azusa que iremos comentar neste artigo.
Percebemos que este debate foi intenso durante toda a História Cristã.
Vários movimentos surgiram reivindicando avivamentos e sinais e prodígios, e
sempre houve reação da Ortodoxia, analisaremos então o que há de igual em
alguns deles, mas com ênfase no Avivamento da Rua Azusa 1906 e suas
semelhanças com o movimento Montanista do segundo século.

Montanismo

Ainda na era apostólica a igreja batalhava contra heresias, tais como


judaizantes, libertinos, gnosticismo, nesse contexto também surge o
Marcionismo, talvez um dos maiores inimigos da fé cristã. E na metade do
segundo século na região centro-oeste da Ásia menor na Frígia surge um
homem chamado Montano, ex-sacerdote de uma deusa pagã, Cibele, que se
havia convertido ao Cristianismo em 155 d.C de acordo com Epifânio, ou se
seguirmos Eusébio, em 172 d.C. Os dons sobrenaturais entraram em declínio
gradual durante o período patrístico, não havia mais profecias, mais curas, tudo
começou a desaparecer, não acontecia mais como na era apostólica, a ponto
de Orígenes dizer:
8

“O Espírito Santo deu sinais de Sua presença no início do


ministério de Cristo, e após Sua ascensão Ele deu ainda
mais; mas desde então esses sinais diminuíram, embora
ainda haja vestígios de Sua presença em alguns que
tiveram suas almas purificadas pelo Evangelho e suas
ações reguladas por sua influência” (Contra Celso, Livro
VII, 8).

Diante dessa circunstância podemos ter duas abordagens: o que a


maioria seguiu, de que Deus descontinuou isso, então Deus parou esse tipo de
ação como disse o exegeta da Patrística João Crisóstomo que viveu entre o IV
e o V século:

“A passagem inteira (falando sobre 1 Coríntios 12) é muito


obscura, mas a obscuridade é produzida por nossa
ignorância dos fatos referidos e por sua cessação, fatos
que ocorriam, mas agora não tem mais lugar.” (João
Crisóstomo. Homilias em I Coríntios, 36.7).

Havia um minguar dos dons miraculosos, mas outra coisa que se nota
era que o entusiasmo que havia nos primeiros tempos do Cristianismo, a
dedicação e o desejo pelo retorno de Jesus havia esfriado. As reuniões em
que o Espírito Santo atuava visivelmente com manifestações extraordinárias da
graça e os carismas foram diminuindo pouco a pouco, um arrefecimento da fé e
um crescente mundanismo dos cristãos, quer dos leigos, quer do próprio corpo
eclesiástico chegava à igreja.
Foi-se instalando um sentimento generalizado de abrandamento da fé no
regresso iminente de Cristo, isso trazia um perigoso relaxamento nos
comportamentos e na piedade de algumas comunidades. Foi neste contexto
que surgiu a pregação de Montano e a chamada “nova profecia”, ele dizia que
os dons miraculosos haviam desaparecido por causa da apostasia da Igreja, ao
mundanismo, ela não era suficientemente séria. O movimento Montanista
então, fora, uma reação ao “esfriamento” da igreja e uma suposta tentativa da
volta do entusiasmo e expectativa para a proximidade do fim, Montano
9

anunciava revelações pessoais e a chegada de uma nova era, pois a era dos
Apóstolos para ele foi à era do filho e agora, era a era do Espírito, sendo ele
próprio o porta-voz do Paracleto e esta era, brevemente seguiria o retorno de
Cristo pelo qual Montano prega um extremo ascetismo, e até a entrega ao
martírio, à expectativa do fim dizia, Montano, “era um retorno às origens”, ele
dizia que Deus não havia cessado as revelações e que Deus assim como
falava através de Paulo ainda falava através do homem principalmente através
de um o próprio Montano.
Montano não estava só, com ele havia duas mulheres que tinham papel
importante na “nova profecia” (nome dado pelos próprios Montanistas), Priscila
e Maximila eram as profetizas de Montano, pregadoras do fim e de novas
revelações, os três eram o oráculo Montanista, eles conseguiram reavivar a
adormecida expectativa do fim dos tempos e faziam crescer um movimento que
absorvia elementos da apocalíptica judaica e por não serem contra a ortodoxia,
ou ao credo dos apóstolos ou aos escritos neotestamentários e até mesmo a
regra da fé tornou-se um grande desafio para a igreja. Com a expectativa do
imediato retorno de Cristo e o estabelecimento de um reino de mil anos de paz
e na crença que através do Pacacleto e seu porta voz (Montano) o último grau
da revelação já havia sido alcançado o fim então para o Montanismo já estava
às portas. Montano profetizava que Jerusalém celeste desceria numa planície
perto de Papuza na Frigia o que não se cumpriu. 1 Por causa da crença de um
fim iminente, os Montanistas tinham uma disciplina “espiritual” severa e isso
feito por causa das revelações de Montano e suas profetizas, longos jejuns. O
celibato era incentivado e às vezes até ordenado, toda tentativa de fugir do
martírio era condenado, eles tinham os cristãos ortodoxos como “psíquicos”
pelo fato de não serem como eles, “pneumáticos”, ou seja, que tinham uma
nova revelação vinda direta do Espírito e não como eles diziam “um bando de
Bispos”. O rigor dos Montanistas foi o que provavelmente atraiu Tertuliano a
seguir esta controversa ideologia carismática, levando-o a até escrever sobre o
ideal espiritualista dos montanistas fazendo-o afastar-se da organização
episcopal das comunidades:

1
História da Igreja Católica, LENZENWEGER, Josef, Loyola 39
10

“onde há três há igreja, ainda que sejam apenas leigos”


(Exortação a Castidade VII. 3).

Tertuliano não identificava o Paracleto como os líderes desse


movimento, principalmente as mulheres, mas ensinava que o próprio Espírito
levava o mundo à consumação. O quadro para as suas doutrinas era uma
visão da história de acordo com as idades da vida humana “o reino que estava
na infância foi introduzido por Cristo na idade da juventude para finalmente
chegar à vida adulta” 2·. Exatamente essa “nova idade” que era caracterizada
por uma vida moral mais rigorosa. A mensagem de Montano era
particularmente arrebatadora, porquanto Montano afirmava ser instrumento da
manifestação do Espírito Santo, que falava através dele.
As ideias escatológicas dos montanistas baseavam-se de modo geral
nos Capítulos 20 e 21 de Apocalipse. Satanás seria acorrentado pelo espaço
de mil anos, os santos reinariam com Cristo na nova Jerusalém, depois
Satanás seria liberto por um breve tempo e iria desenvolver uma rebelião, mas
seria definitivamente vencido e haveria então o fim do mundo atual o último
juízo e um novo céu e uma Nova Terra.
Eles ensinavam que ao reino milenar deveria preceder uma vida de
grande austeridade, para isso proibiam primeiro, qualquer matrimônio em
seguida ao menos as segundas núpcias e exigiam um jejum rigoroso
declaravam ilícito fugir da perseguição e aconselhavam até procurar o martírio.
As mulheres deveriam renunciar a qualquer enfeite, os que depois do batismo
tivessem caído em pecado mortal, deviam ser excluídos para sempre da igreja.
As questões disciplinares deles não são heréticas no sentido próprio da
palavra, mas a ideia do profetismo individual ou de uma nova profecia são. Eles
então se opunham à autoridade eclesiástica que afirmava a autoridade objetiva
da tradição apostólica, conforme refletida nas Escrituras e como anunciavam
assim a vinda imediata do fim do mundo, negavam também a missão Universal
que Cristo dera à igreja de anunciar o evangelho a todo o mundo. Por isto
opuseram-lhe os bispos de várias localidades.

2
Apesar dessas mudanças, Tertuliano não conseguiu conquistar um grande numero de
adeptos para o Montanismo.
11

Profetizando sob êxtase

Os outros movimentos considerados heréticos pela igreja no segundo


século, o Marcionismo e Gnosticismo foram muito claros de que tratava de
heresia, já o Montanismo é mais sutil e mais difícil de identificar.
As duas profetisas Priscila e Maximilla para se entregarem ao novo
movimento, deixaram seus maridos para servir a nova profecia sendo à Tríade
do Montanismo3, algo contrário às cartas de Paulo e à veneração existente ao
matrimônio na igreja católica4.
A maior fonte que temos sobre o Montano e suas práticas é o historiador
cristão Eusébio de Cesareia, considerado o pai da história da igreja e o maior
historiador dos primeiros anos da história cristã. Ele escreve em sua obra
“História Eclesiástica” algumas informações importantes “O que se menciona
5
sobre Montano e os pseudoprofetas de sua companhia” Eusébio descreve o
que parecia ser uma das características mais atacadas pela ortodoxia em
relação aos montanistas que era o profetismo em êxtase algo anormal para
toda a história do profetismo Bíblico.
Na primeira menção a Montano e suas profetizas ele diz:

“Sobre Apolinário, por outro lado, ainda que sejam muitas as


obras que se conservaram entre muitas pessoas, até nós
chegaram as seguintes: O Discurso dirigido ao mencionado
imperador, cinco livros Contra os gregos, dois Sobre a verdade,
dois Contra os judeus, e também os que, depois destes, escreveu
Contra a heresia dos frígios, que não muito depois iniciaria suas
inovações, mas que já então começava a despontar, pois
Montano, junto com suas falsas profetisas, já andava assentando
os princípios do descaminho”. (História Eclesiástica, de
CESARÉIA, Eusébio. Livro 4. Capítulo XXVII, 1).

3
STEWART, Angus, Era o direito da igreja condenar o montanismo, uma breve história do
montanismo (http://www.cprf.co.uk/languages/portuguese_montanism.html#.XA-n2ItKjIX)
4
Universal, igreja única.
5
História Eclesiástica, de CESARÉIA, Eusébio. Livro 5 cap. XVI
12

Não são muitas informações sobre Cláudio Apolinário, bispo de


Hierápolis da Ásia, a não ser por esta obra de Eusébio, pois todas as suas
obras foram perdidas, mas Eusébio descreve um tratado de Apolinário “Contra
a Heresia dos Frígios” e vai utilizar bastante para descrever o Montanismo
como um “descaminho” vejamos antes disto que Eusébio descreve o
Montanismo como inimigo da igreja e seus ensinos como heréticos:

Como o inimigo da Igreja de Deus é em último grau avesso


ao bem e amante do mal e de forma alguma deixa de lado
qualquer maneira de conspirar contra os homens, fez com
que de novo brotassem estranhas heresias contra a Igreja.
Destes hereges alguns, como serpentes venenosas,
rastejavam pela Ásia e Frígia, vangloriando-se de ter como
modelo Montano e nas mulheres de sua companhia,
Priscila e Maximila, as supostas profetisas de Montano.
(História Eclesiástica, livro 5. Capítulo XIV 1).

Voltando a Apolinário e sua luta contra a heresia dos Frígios ou Catafriga


Eusébio escreve:

Contra a heresia chamada catafriga, o poder defensor da


verdade levantou em Hierápolis uma arma potente e
invencível: Apolinário, a quem esta obra já mencionou mais
acima, e com ele muitos outros homens doutos daquele
tempo, dos quais foi-nos deixado abundante material para
historiar.
Ao começar, pois, um dos mencionados seu escrito contra
aqueles, assinala primeiramente que também lutou contra
eles com argumentos orais. Escreve no prólogo desta
maneira:
Faz muito e bem longo tempo, querido Avircio Marcelo, que
tu me ordenaste escrever algum tratado contra a heresia
dos chamados "de Milcíades", mas até agora de certa
maneira sentia-me indeciso, não por dificuldade em poder
13

refutar a mentira e dar testemunho da verdade, mas por


temor de que, apesar de minhas precauções, parecesse a
alguns que de certo modo acrescento ou junto algo novo à
doutrina do Novo Testamento, ao qual não pode juntar nem
tirar nada quem tenha decidido viver conforme este mesmo
Evangelho. (História Eclesiástica, livro 5. Capítulo XVI. 1,3).

Eusébio diz que Apolinário foi levantado pelo que ele chama de “poder
defensor da verdade”, para ser uma arma contra a “heresia catafriga” o
Montanismo e que havia muito material para historiar e cita o prólogo da obra
dele em que ele diz que a luta contra esta nascente heresia não foi apenas
escrito, mas também oralmente e que tinha receio e cuidado de que alguns dos
que o ouvissem entendessem que ele estava acrescentando algo ao Novo
testamento, pois para aqueles irmãos já havia a certeza de que o Cânon já
estivesse pronto mesmo que ainda não juntos e não existia como dizia os
Montanistas, uma “nova profecia” em que ele chamará de “pseudoprofecia”:

“Encontrando-me recentemente em Ankira da Galácia e


compreendendo que a igreja local estava aturdida por esta,
não como dizem nova profecia, mas mais propriamente,
como se demonstrará, pseudoprofecia, enquanto nos foi
possível e com a ajuda do Senhor, durante vários dias,
discutimos intensamente sobre estes mesmos homens e
sobre os pontos propostos por eles, tanto que a igreja
encheu-se de alegria e ficou robustecida na verdade,
enquanto que os contrários eram rechaçados na hora e os
inimigos abatidos.” (História Eclesiástica, livro 5. Capítulo
XVI 4).

Apolinário, segundo Eusébio em seu prólogo, diz que aqueles que


seguiam tal ideologia religiosa eram oposicionistas à doutrina da verdade, e
que a pedido dos presbíteros da região da Galácia iria escrever algo
combatendo a “heresia”. Ele então passa a informar em sua obra a causa da
14

heresia mencionada onde teremos boas informações do surgimento e práticas


do montanismo:

"Diz-se que em Misia da Frígia existe uma aldeia chamada


Ardaban. Ali foi, dizem, que um recém-convertido à fé chamado
Montano, pela primeira vez, em tempos de Grato, procônsul da
Ásia, saindo contra o inimigo com a paixão desmedida de sua
alma ambiciosa de proeminência, ficou a mercê do espírito e de
repente entrou em arrebatamento convulsivo como se possesso e
em falso êxtase, e começou a falar e a proferir palavras
estranhas, profetizando desde aquele momento contra o costume
recebido pela tradição e por sucessão desde a Igreja primitiva.
Dentre os que naquela ocasião escutaram estas expressões
bastardas, uns, ofendidos com ele como energúmeno,
endemoninhado, embebido no espírito do erro e perturbador das
multidões, repreendiam-no e tentavam impedi-lo de falar,
lembrando-se da explicação e advertência do Senhor sobre estar
em guarda e alerta com a aparição de falsos profetas; os outros
em troca, como que excitados por um espírito santo e um carisma
profético, e não menos inchados de orgulho e esquecidos da
explicação do Senhor, fascinados e extraviados pelo espírito
insano, sedutor e desencaminhador do povo, provocavam-no para
que não permanecesse mais em silêncio.” (História Eclesiástica,
livro 5. Capítulo XVI 7,8).

De acordo com Eusébio, Apolinário fala do início do Montanismo,


descrevendo uma experiência estranha ao que se via até o momento na
história da igreja, no que tem relação com ser cheio do Espírito ou com o
profetismo, desde os profetas do Antigo testamento, passando pelo Novo
Testamento e até aquele momento. Por isso a descrição demonstra espanto
tanto de Apolinário quanto as pessoas que presenciaram, ele diz que a primeira
vez que aconteceu com Montano sendo um neófito que de repente saiu de si,
com movimentos desordenados, e/ou outras reações anormais como perda do
controle motor, como se passando mal. Apolinário diz que parecia uma
15

possessão, ou como se transportado para fora de si, mas de forma falsa, e


começou a proferir palavras estranhas, ele diz que os que escutaram Montano
com expressões estranhas, (forma que contrariava o costume relacionado com
a tradição e a sucessão da igreja desde o início) o repreendiam e tentava o
impedir de falar considerando-o desequilibrado e herege, outros aceitando o
acontecimento como um real derramamento do espírito o incentivava a não se
calar, mas continuar, ou seja, já no início obteve adeptos em que Montano
inflamou ainda mais com o que Apolinário chamou de “métodos fraudulentos
por querer proeminência”, e levou aqueles que já estavam longe da verdade a
segui-lo. Aqui entram em cena suas duas profetizas Priscila e Maximilla, que
também passaram a ter manifestações iguais às de Montano . Nas palavras de
Apolinário “um falar delirando inoportuno e de modo estranho” (História
Eclesiástica, livro 5. Capítulo XVI 16.9).
É dito que o espírito pseudoprofético começava a blasfemar contra a
igreja católica, por que não obteve louvor nem aceitação nela, e que a igreja na
Ásia reuniu-se em vários momentos para analisar a recente doutrina a qual foi
considerada heresia e seus adeptos expulsos da igreja. (História Eclesiástica,
livro 5. Capítulo XVI 10). Ainda citando a obra de Apolinário, Eusébio mostra a
citação a Milcíades um escritor que escrevera um tratado contra o Montanismo,
onde ele refutava mostrando que não era necessário que um profeta entrasse
em êxtase para falar em nome de Deus (História Eclesiástica, livro 5. Capítulo
XVII 1). Mostrando que nenhum dos profetas Bíblicos no Antigo ou Novo
Testamento profetizou de tal forma:
Na mesma obra menciona-se também Milcíades, um escritor que,
parece, também escreveu um tratado contra a dita heresia. Depois de citar
algumas passagens destes continua dizendo:

"Isto encontrei em uma obra das que atacam o escrito de


Milcíades, nosso irmão, escrito que demonstra não ser necessário
que um profeta fale em êxtase, e fiz um resumo."
Um pouco mais abaixo na mesma obra estabelece uma lista dos
que profetizaram no Novo Testamento; entre eles enumera um tal
Amias e a Codrato; diz assim:”. mas o falso profeta, no êxtase ao
qual seguem o descaramento e a ousadia -, começa em
16

voluntária ignorância e termina em demência involuntária da alma,


como se disse anteriormente.
Mas não poderão mostrar um só profeta, nem do Antigo nem do
Novo (Testamento) que tenha sido arrebatado pelo espírito desta
maneira, nem poderão gloriar-se de Acabo, nem de Judas, nem
de Silas, nem das filhas de Felipe, nem de Amias de Filadélfia,
nem de Codrato nem de nenhum outro, se há, porque nada tem a
ver com eles." (História Eclesiástica, livro 5. Capítulo XVII 1-3.)

Algo que podemos analisar em relação ao êxtase dos montanistas é que


Montano antes da conversão era um sacerdote do culto Oriental de Cibele, a
deusa mãe da fertilidade e esse culto, era conhecido, por seus sacerdotes
entrarem em êxtase.

Apolônio e Serapion

Outro escritor eclesiástico é citado por Eusébio como refutador da


heresia dos Frígios. Apolônio escreveu uma refutação onde contrapõe e corrige
palavra por palavra as profecias montanistas e expõe o tipo de vida que seus
líderes levavam o que é de suma importância para nossa comparação a seguir.
Sobre o próprio Montano, Apolônio diz que seus ensinamentos e as obras dele,
demonstravam quem ele era de fato, que, por exemplo, ensinava o rompimento
de matrimônios, pois convocava a uma entrega total a obra do Espírito, ainda
que à custa de romper com o cônjuge, e que impôs rígidos jejuns, e que disse
que Jerusalém celeste desceria e descera em Papuza (cidade da Frígia)
porque queria fazer desta região um centro Montanista para reunir pessoas de
todas as partes para arrecadação de donativos estabelecendo arrecadadores
de dinheiro, mas a esses donativos pôs o nome de oferendas o que sustentava
os líderes do movimento. Sobre Priscila e Maximila que eram as grandes
profetizas e líderes da doutrina Montanista, Apolônio escreve que ambas ao
“encher-se do espírito” e seguirem a Montano abandonaram seus maridos, mas
que enganavam as pessoas inclusive se chamando de a “Virgem Priscila”, e
que recebia ouro, prata, vestidos luxuosos, sendo que a escritura proíbe tais
coisas a profetas. Apolônio dizia que por isso também deveria colocar-se
17

contra. Cita também Temiso e Alexandre que eram confessores 6, sobre eles se
diz o que se segue:

"Mais ainda: também Temiso, que envolveu sua avidez com


mantos de aceitabilidade e que não suportou as insígnias da
confissão, mas que depôs as correntes em troca de muito
dinheiro, quando por tudo isto devia humilhar-se, fez-se de mártir
e, compondo uma Carta católica, em imitação ao Apóstolo,
atreveu-se a catequizar aos que eram melhores crentes do que
ele, a combater com palavras vazias de sentido e a blasfemar
contra o Senhor, os apóstolos e a santa Igreja."
E sobre outro, também dos que eles estimam como mártires,
escreve assim: "E para não falar demais, que nos diga à profetisa
o que há de Alexandre, o que a si mesmo chama de mártir, com o
qual ela banqueteia e que muitos inclusive adoram. Não é preciso
que citemos os latrocínios e demais crimes seus pelos quais foi
castigado: estão conservados no opistodomo.
Quem, pois perdoa a quem de seus pecados? Qual dos dois: o
profeta ao mártir por seus latrocínios, ou o mártir ao profeta por
sua avareza? Porque, tendo dito o Senhor: não possuireis nem
ouro nem prata nem duas túnicas, estes pecaram fazendo tudo ao
contrário no que tange à posse destas coisas proibidas.
Efetivamente, vamos demonstrar que os chamados entre eles de
profetas e mártires não somente caem sobre as posses dos ricos,
mas também sobre as dos pobres, dos órfãos e das viúvas.”
(História Eclesiástica, livro 5. Capítulo XVIII 5-8).

O que se vê era que aqueles que refutavam tais profetas queriam o


arrependimento deles e que parassem de prevaricar, o que não aconteceu,
pois Alexandre foi condenado por Emílio Frontino, procônsul de Éfeso, por
roubo, mas usando de mais mentiras em nome de Deus enganou os fiéis do
6
Pessoas que tinham sido levadas ao martírio, mas que de alguma forma sobreviveram estes
foram colocados como confessores os únicos que poderiam perdoar ou não o pecado de
apostasia, ou seja, aqueles que negaram a fé para escaparem da morte, mas queriam voltar à
comunhão com a igreja, foi uma grande controversa nos primeiros quinhentos anos da igreja o
que levou a surgir à igreja Donatista.
18

lugar e foi solto, entretanto não foi recebido pela sua própria comunidade por
ser ladrão. Apolônio diz que a refutação era feita mostrando a eles a natureza
bíblica do verdadeiro profeta e estes não suportavam o confronto, por exemplo,
se fosse provado que eles recebiam presentes, ouro, prata e dinheiro eles não
seriam considerados profetas e Apolônio dizia que tinha milhares de provas
que eles recebiam. Outro exemplo e curioso era que, se eles pintassem o
cabelo, ou sobrancelhas e cílios ou jogassem jogos de tabuleiro, ou
emprestassem dinheiro a juro e Apolônio afirma que entre esses profetas, havia
estas coisas, então eram falsos.
Apolônio diz que Zotico enfrentou Maximila em Papuza tentando refutar
o espírito que operava nela, mas que foi impedido por seus seguidores. O
Bispo de Antioquia chamado Serapion mencionou a obra de Apolônio em uma
carta dirigida a Carico e Pôncio refutando também o Montanismo, onde
Eusébio mostra que muitos outros bispos também o refutaram, e até há
menção de que um deles tentou expulsar o “demônio” de Priscila, como se
segue:

"Mas, para que também saibais que a influência desta enganosa


tropa a chamada nova profecia é abominada por todos os irmãos
do mundo, enviei-vos também uns escritos de Cláudio Apolinário,
bispo beatíssimo que foi de Hierápolis da Ásia."
Na mesma carta de Serapion conservam-se também as
assinaturas de diversos bispos, um dos quais assina assim:
"Aurélio Cirinio, mártir: rogo que estejais bem"; e outro desta
maneira:
"Elio Publio Júlio, bispo de Develto, colônia da Tracia: vive o Deus
dos céus, que o bem-aventurado Sotas de Anquialo quis expulsar
o demônio de Priscila, e os hipócritas não o deixaram."
Também se conservam na carta aludida as assinaturas autógrafas
de muitos outros bispos que estão de acordo com estes. Isto é o
que há sobre eles (História Eclesiástica, livro 5. Capítulo XIX 2-4).

Como mencionado, o Montanismo a princípio foi mais difícil de refutar


por causa da sua crença nas verdades fundamentais da fé cristã como o Credo
19

apostólico, por exemplo, e a crença nos dois testamentos, diferentemente do


gnosticismo e do marcionismo, que foram identificados facilmente pela igreja
católica, o montanismo era mais sutil até mesmo Hipólito de Roma admitiu:
"Eles, como a Igreja, confessaram que Deus é o Pai do universo e o criador de
todas as coisas, e eles aceitam tudo o que o evangelho testemunha de Cristo."
Epifânio, porém, em seu escrito expõe Montano, como se equiparando ao Pai
ou como tomado pelo Pai:

"Montano diz que ele próprio é o Pai" (Panarion 48.11.9). Nem


anjo, nem o enviado, mas eu, o Senhor Deus, o Pai veio
(Panarion 48.11.1). Eu sou o Senhor Deus, o Todo-Poderoso que
habita no homem (Panarion 48.11.9).

O que veremos a seguir é que de fato o pregador tinha razão:

O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo
debaixo do sol.
Haverá algo de que se possa dizer: "Veja! Isto é novo!”? Não! Já existiu há
muito tempo; bem antes da nossa época.
(Eclesiastes 1:9,10 Nova versão Internacional)

O Reavivamento da Rua Azusa

No final do século XIX os EUA e parte da Europa foram influenciados


pelo segundo grande despertamento porque foi esse Segundo Grande
Despertamento que moldou o protestantismo americano, como já dissera. É
totalmente diferente graças ao Charles Finney. Segundo Finney, um
avivamento poderia ser produzido. Sua experiência pós-conversão vai moldar
seu trabalho evangelístico e vai influenciar o protestantismo nos EUA:

“... recebi um poderoso batismo com o Espírito Santo” e “o


Espírito Santo desceu sobre mim de tal maneira que parecia
atravessar-me o corpo e a alma. A impressão era de que uma
20

onda de eletricidade passava sobre mim e através de mim.


Realmente, a sensação parecia vir em ondas e ondas de amor
liquefeito... (Memórias originais Charles G. Finney, Garth Rosell e
Richard Dupuis pg 16).

Neste cenário as igrejas estavam cheias e cresce o movimento chamado


Holliness Movement ou movimento de santidade7, principalmente nas igrejas
metodistas onde se buscava uma segunda benção de Deus o batismo no
Espírito Santo, como mencionava Finney, pelo qual os crentes seriam
santificados para viver uma vida santa. Ainda nesse contexto histórico, surge
um fenômeno teológico, uma corrente de pensamento que se espalhava - o
pré-milenismo dispensacionalista de John Nelson Darby e a irmandade de
Plymouth que fez com que as posições pré-milenistas ficassem conhecidas.
Muitos começaram a propagar a ideia de um século cristão no qual a igreja e a
tecnologia (talvez por causa da revolução industrial) pronunciaria o reino de
Deus, os pré-milenistas, no entanto, afirmavam que o fim dos tempos estava
próximo, pois seria caracterizado pelo irromper de uma atividade espiritual.
Mas o maior incentivo para a chegada do avivamento de Azusa foi o
avivamento no País de Gales em 1904, não só para o movimento em Los
Angeles, mas para todo o clima religioso no protestantismo americano além do
que já fora citado. Um ex-mineiro chamado Evan Roberts viajava por todo o
país e também pelo mundo proclamando a chegada de um grande avivamento
em Gales. A ênfase era o poder espiritual, pois o falar em línguas ainda não era
enfatizado, aproximadamente cem mil pessoas de Gales se uniram ao
movimento.
Um pequeno grupo de pastores da área de Los Angeles visitou o País de
Gales e tentou trazer o avivamento para suas igrejas, mas obtiveram sucesso
limitado. Mas segundo o professor de História da Igreja e Novo Testamento
Herman C. Hanko houve outros motivos para a chegada do suposto

7
O movimento da Santidade ( Holiness Movement) envolve um conjunto de crenças e práticas
que surgiram no Metodismo do século XIX . Um número
de denominações cristãs evangélicas , organizações para-eclesiásticas e movimentos
enfatizam essas crenças como doutrina central. O movimento é wesleyano - arminiano em
teologia e é definido por sua ênfase na doutrina de John Wesley de uma segunda obra de
graça que leva à perfeição cristã . (OlSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades .
p. 25.)
21

avivamento, após a guerra civil de 1861 a 1865, as igrejas da América


começaram a ter mais controle organizacional Eclesiástico e se tornaram mais
formais e intelectuais. Antes ela era livre de qualquer restrição organizacional
era bem mais emotiva do que intelectual o que era e conhecido como Religião
de Fronteiras. Novamente nos deparamos com o que muitos chamavam na
época de ortodoxia morta ou frieza e em resposta a isto surge o movimento de
santidade Holiness Movement que colocava sua ênfase na experiência interior
da religião, santificação e proximidade de Deus. Nesse movimento então
surgiram as chamadas Igrejas de Santidade principalmente no meio Metodista.
Nesse contexto aparece um professor do Bethel Bible College em Topeka,
Kansas, chamado Charles Fox Parham que se tornava cada vez mais
insatisfeito com a frieza e formalidade das igrejas da região. Ele chegou à
conclusão que o problema estava no fato de que as igrejas tinham se afastado
da simplicidade e do fervor da Igreja Primitiva em Jerusalém tornando-se
institucional, formal e dogmática. Em consequência disso começou a ensinar
as pessoas comuns e ministros a orarem pelo retorno do Espírito e por uma
renovação, como aconteceu em Pentecostes descrito em Atos 2.
Simultaneamente, na virada do século XIX, havia outro movimento de
restauração que apelava para um retorno aos dons e às práticas da igreja
apostólica, especialmente o dom de cura através de John Alexander Dowie que
afirmava que era Elias, o restaurador. Alexander estabeleceu uma comunidade
cristã que mais tarde foi chamada de cidade Zion ou Sião localizado no Estado
de Illinois e no Estado de Maine e outro pregador afirmava ser Elias
restaurador era Franck Standford que também estabeleceu uma comunidade
cristã e chamava de Siló. Charles Fox Parham passou cerca de seis semanas
em Siló, ficou impressionado com a escola bíblica fundada por Sandford, “O
Espírito Santo e nós”, a abordagem era claramente antiacadêmica, a Bíblia era
o texto usado e único professor era o Espírito Santo. Charles Fox Parham
então fundou uma escola similar quando voltou para sua casa e cerca de 40
estudantes se matricularam. Parham pediu aos seus alunos que procurasse
nas Escrituras para ver se havia algum sinal que indicaria a existência do
Batismo no Espírito Santo e numa vigília de ano novo, eles tiveram a resposta
que o batismo no Espírito Santo seria manifestado com a evidência do falar em
línguas. Então uma mulher por nome de Agnes Ozman, que era estudante de
22

Parham orou para receber este batismo no Espírito Santo e em primeiro de


janeiro de 1901, recebera o batismo e começou a falar em línguas. Parham
disse que a glória caiu sobre ela, ele dizia que ela começou a falar no idioma
chinês e que foi incapaz de falar inglês por 3 dias. No mês seguinte quase
todos seus alunos tiveram essa experiência. Parhan e seus discípulos, então
encorajados por essa resposta às suas orações por um Avivamento,
começaram em 1905 a pregar a nova descoberta deles por todo o Sudoeste
dos Estados Unidos eles conquistaram uma grande multidão e começaram a
formar grupos de pessoas com ideias afins para orar por uma renovação
divina. Eles tentaram espalhar esse Avivamento para cidades do Kansas, mas
fracassaram, pois as igrejas se opuseram e os jornais zombaram desse fato.
Em 1905 Charles Fox Parham fundou outra escola bíblica em Houston
nesta escola vai surgir o maior personagem do reavivamento da Rua Azusa,
um dos seus alunos mais promissores — William J. Seymour.
Seymour, filho de ex-escravos, pregador leigo e semianalfabeto por
causa da segregação racial, não podia assistir às aulas de Charles Parham
junto com os alunos brancos, ficava do lado de fora no corredor ouvindo os
ensinos. Era pastor interino de uma pequena igreja Holiness em Houston
Texas. William Seymour antes frequentava a Igreja Metodista Episcopal de
Indianápolis quando se mudou em 1905 para Hilston e passou a frequentar a
Escola de Fox. Uma mulher chamada Lucy Farrel visitou a escola de Charles
Fox Parham onde teve uma experiência de batismo no Espírito Santo e falou
em línguas e ali conheceu William J. Seymour e o convenceu a tentar a vida
em Los Angeles. Seymour aceitou o convite e em Los Angeles começou levar
sua doutrina enfatizando o falar em línguas como evidência de um batismo no
Espírito Santo, mesmo ele ainda não tendo esta experiência, não foi aceito nas
igrejas de Los Angeles, foi expulso de várias delas acusado de ser herege.
Procurou igrejas menores de onde também acabava sendo expulso
sobre acusação de promover confusão entre os membros. Começou então a
fazer cultos em sua própria residência que chegavam a durar três dias atraindo
muitas pessoas.
Seymour recebeu e aceitou o convite de Lucy Farrel em fevereiro de
1906, ele recebeu ajuda financeira e a benção de Charles Fox Parham. Em Los
Angeles em 22 de fevereiro de 1906 e por dois dias pregou em uma igreja e no
23

seu sermão ele dizia que falar em línguas era a evidência bíblica do batismo no
Espírito Santo. Na semana seguinte voltou à igreja que estava fechada com
cadeado, pois os anciãos da igreja não aceitaram o ensinamento de Seymour
porque principalmente ele não havia experimentado nada do que estava
falando. A própria Associação das igrejas de santidades da Califórnia, com a
qual a igreja estava filiada, condenou a sua mensagem, entretanto nem todos
os membros desta igreja rejeitaram seu ensinamento. Seymor foi convidado a
se hospedar na casa de um de seus membros, Edward Lee, e ali começou a
fazer estudos bíblicos e reuniões de oração.
William Seymour e seus seguidores mudaram-se para a casa de Richard
e Ruth Asberry na famosa Rua Bonnie Brae Norte 216. Muitas pessoas das
igrejas de Santidade migraram para o grupo de William Seymour que se reunia
periodicamente em oração pelo batismo no Espírito Santo. Diz-se que em 9 de
Abril de 1906 depois de algumas semanas de pregação e oração de William
Seymour, Edward falou em línguas pela primeira vez. Seymour então
compartilhou o testemunho dele quando pregou o seu famoso sermão em Atos
2.4 e outras pessoas então começaram a falar em línguas, inclusive Gene
Moore, que se tornaria sua esposa mais tarde. Alguns dias depois, William
Seymour falou em línguas pela primeira vez depois de orar a noite toda; Logo a
multidão se tornou muito grande e todos estavam falando em línguas, gritando,
cantando e gemendo. Esse acontecimento da Rua Bonnie Brae Norte
rapidamente circulou entre os afro-americanos, latinos e brancos em Los
Angeles. Muitas pessoas começaram a frequentar os cultos de William
Seymour, alguns queriam apenas saber o que estava acontecendo. Pessoas
de todas as classes sociais, leigos e ministros, logo uma multidão se formou e
ficou inviável continuar na Rua Bonnie Brae e todos estavam falando em
línguas, gritando, cantando e gemendo, quando finalmente a varanda caiu
forçando o grupo a procurar um novo lugar para as reuniões. Um dos
moradores do bairro descreveu os acontecimentos desta forma:
“Eles gritaram três dias e três noites era época da páscoa as pessoas vinham
de todas as partes na manhã seguinte não havia como chegar perto da casa
assim que as pessoas entravam elas caiam sobre o poder de Deus e a cidade
inteira se comoveu, gritaram tanto que a base da casa cedeu, mas ninguém
ficou ferido”.
24

Sabendo que a casa na Rua Bonnie Brae estava ficando pequena


demais para as multidões, Seymour e os outros procuravam um lugar para se
reunir. Depois de tirar os escombros e construir um púlpito de duas caixas de
madeira e bancos de tábuas, o primeiro culto foi realizado na Rua Azusa 312
no dia 14 de abril de 1906.
Sobre as reuniões e ênfases em Azusa, há o relato dos escritos de
Frank Bartleman, que foi publicado originalmente por ele em 1925, com o título
"Como o Pentecostes chegou a Los Angeles”, onde encontramos muitas
informações do contexto e de tudo que acontecia no prédio na Rua Azusa, pois
Frank Bartleman e outros estiveram pregando e intercedendo por um
avivamento como o que havia acontecido em Gales. Bartleman foi o terceiro de
cinco filhos seu pai, um rígido imigrante alemão, católico romano, e sua mãe,
uma americana Quaker de origem inglesa e galesa. No ano seguinte, ele
começou a se preparar na Universidade para o ministério em tempo integral.
Bartleman trabalhou na fazenda de seus pais até se mudar para a Filadélfia,
aos 17 anos. Na Filadélfia ele frequentou a Igreja Batista Graça, onde se
converteu em 15 de outubro de 1893. Nos anos seguintes, Bartleman ministrou
com o Exército da Salvação, os Metodistas Wesleyanos, o Pilar de Fogo e as
Missões Peniel:

“Por volta de primeiro de maio, um poderoso avivamento irrompeu


no templo da igreja Metodista da Avenida Lake, em Pasadena.
Quase todos os jovens que haviam sido tocados por Deus nas
reuniões da Missão Peniel frequentavam esta igreja e estavam
orando por um avivamento ali. Aliás, estávamos orando por um
avivamento que varresse toda a cidade de Pasadena. Deus
estava respondendo nossas orações.” (A História do Avivamento
Azusa, BARTLEMAN, Frank, página 5).

O que podemos ver no contexto descrito por Frank é que as pessoas


envolvidas nesta busca por avivamento, encorajadas por Gales estavam
incomodadas com a igreja, por achá-la intelectualizada ou morta:
25

“Naquela época escrevi em meu diário: “Algumas igrejas vão se


surpreender quando Deus as deixar para trás e usar outros canais
que se renderam totalmente a Ele”. É preciso humilhar-nos para
que Ele venha. Estamos rogando 'Pasadena para Deus! ' Na sua
grande maioria, os cristãos estão muito satisfeitos consigo
mesmos, e têm pouca fé e pouco interesse pela salvação dos
outros. Deus os humilhará deixando-os de lado. O Espírito está
orando através de nós por um grande derramamento do Espírito
em toda parte. Grandes coisas vão acontecer. Estamos pedindo
coisas tremendas para que o nosso gozo seja completo. Deus
está se movendo. Estamos orando pelas igrejas e seus pastores.
O Senhor visitará aqueles que quiserem se render totalmente a
Ele." (A História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN, Frank,
página 5).

Para os fiéis da Rua Azusa não havia liderança eclesiástica, não havia
pastor ou presbíteros ou alguma liturgia, segundo os relatos de Bartleman:

O irmão Seymour foi aceito como o líder nominal. Mas não havia
papa ou hierarquia. Éramos todos irmãos. Não tínhamos
programas humanos. O Senhor mesmo liderava. Não havia uma
classe sacerdotal, nem ações sacerdotais. Estas coisas surgiram
depois à medida que o movimento apostatou. No princípio não
tínhamos nem plataforma, nem púlpito. Todos estavam no mesmo
nível. Os ministros eram servos na verdadeira concepção da
palavra. (A História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN, Frank,
Página 48).

Não havia qualquer tipo de ordem, as pessoas chegavam e ficavam


ajoelhadas com a cabeça no chão em toda reunião e outras gritavam:

“O irmão Seymour geralmente ficava sentado atrás de duas


caixas vazias, uma em cima da outra”. Usualmente mantinha a
cabeça dentro de uma delas, durante o culto, em oração. Não
26

havia orgulho aqui. Os serviços religiosos eram quase que


contínuos. Almas sequiosas podiam ser encontradas sob o poder
de Deus quase a qualquer hora, de dia ou de noite. Nunca o local
estava fechado ou vazio. O povo vinha se encontrar com Deus.
Ele estava ali. Por isso a reunião era contínua e não carecia de
liderança humana.
Não havia nada preparado ou preparação de sermão por algum
ministro, até porque a maioria era leiga, diziam que quem falava
era o Espírito Santo quem dirigia era o Espírito Santo.
Nenhum assunto ou pregação era anunciado de antemão e
nenhum pregador especial havia para essa hora. Ninguém sabia o
que iria acontecer e nem o que Deus faria. Tudo era espontâneo,
comandado pelo Espírito. Queríamos ouvir Deus através de quem
Ele falasse. “Não fazíamos acepção de pessoas.” (A História do
Avivamento Azusa, BARTLEMAN, Frank, Páginas 48,49).

Práticas heterodoxas aconteciam em Azusa e em movimentos que


surgiram a partir dela, nesta premissa de não haver liturgia ou liderança
eclesiástica, qualquer um que chegasse poderia tomar conta de algum
momento das reuniões ou das pregações, vejamos o relato de Bartleman:

“Não precisávamos que um líder nos indicasse o que fazer, mas


também não havia desordem. Estávamos absorvidos em Deus
nas reuniões, através da oração. Nossas mentes estavam
voltadas exclusivamente para Ele, e todos Lhe obedeciam com
mansidão e humildade. Em honra nós preferíamos uns aos outros
(Romanos 12:10). O Senhor podia irromper através de qualquer
um. Orávamos por isso continuamente. Alguém finalmente ficava
de pé, ungido com a mensagem. Todos reconheciam isso e
permitiam que acontecesse. Podia ser uma criança, um homem
ou uma mulher. Podia ser do banco de trás ou do da frente. Não
fazia diferença.” (A História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN,
Frank, Página 50).
27

Uma criança poderia se levantar pregar a mensagem ou qualquer um


que estivesse presente, uma mulher poderia pregar, mas houve grandes
problemas segundo o próprio relato de Bartleman:

“Muitos ficavam prostrados sob o poder. Um dia o diabo enviou


dois indivíduos muito fortes para desviar a obra. Uma mulher
espírita colocou-se diante da congregação, como se fosse
tambor-mor, para liderar os cânticos. Orei até que saiu da igreja.
O outro, um pregador fanático com uma voz que quase sacudia
as janelas, tive de rebatê-lo abertamente, pois se apropriara de
toda a reunião.” (A História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN,
Frank, Página 72).

As ênfases do movimento era o batismo no Espírito Santo com a


evidência do falar em línguas, profecias futurísticas, o retorno eminente de
Jesus, ascetismo, embate a igreja institucionalizada e o intelectualismo, mas
outras informações de Bartleman nos mostram outras práticas de Azusa:

Alguém podia estar falando. Repentinamente, o Espírito caía


sobre toda a congregação. Deus mesmo fazia os apelos. Homens
caíam por toda a casa como mortos numa batalha, ou corriam ao
altar em massa buscando a Deus. A cena muitas vezes parecia
uma floresta cheia de árvores caídas. (A História do Avivamento
Azusa, BARTLEMAN, Frank, Página 51).

O que era dito em Azusa e em movimentos oriundos era que acontecia


um novo pentecostes:

“A Igreja do Novo Testamento recebeu seu Pentecostes ontem.


Foi maravilhoso. Homens e mulheres ficaram prostrados diante da
quantidade de poder que havia no local”. (A História do
Avivamento Azusa, BARTLEMAN, Frank, Página 53).
28

“No Christian Harvester, escrevi na mesma data: Na Igreja do


Novo Testamento, uma jovem muito requintada ficou durante
horas prostradas no chão. De vez em quando, os mais belos
cantos celestiais saíam de sua boca. Subiam até o trono de Deus
e depois morriam numa melodia que não era terrena. Cantava:
“Louvado seja Deus”! Louvado seja Deus!" Na casa inteira
homens e mulheres choravam. Um pregador estava deitado com
o rosto no chão, morrendo. O Pentecostes havia chegado.” (A
História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN, Frank, Página 53).

Fomos libertos ali mesmo das hierarquias eclesiásticas e dos


seus abusos. (A História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN,
Frank, Página 50).

Percebemos desde o início, que tanto os fiéis em Azusa, mas como todo
movimento de santidade estavam inconformados com o intelectualismo, e ao
que eles chamaram de hierarquias eclesiásticas ou sistemas de governo nas
igrejas, ou até mesmo as liturgias, e não eram apenas as pessoas dos
movimentos de santidade que frequentavam as reuniões em Azusa, mas
batistas, Menonitas, Quakers e presbiterianos, seus líderes não aceitavam o
movimento, mas alguns de seus membros sim. Uma ideia estranha de
Bartleman que mostra o pensamento dos fiéis em Azusa e seu anti-
intelectualismo é que ele dizia que a igreja primitiva perdeu o Espírito Santo e
que grande parte do conhecimento sobre Deus (Teologia) vem de
intelectualismo e não de iluminação ou revelação vindas diretas de Deus, algo
estranho às igrejas protestantes, que há poucos séculos atrás, haviam dito
“sola Scriptura”:

Desde que a igreja primitiva perdeu o Espírito, grande parte do


conhecimento dos cristãos a respeito de Deus tem sido um
conhecimento intelectual. Seu conhecimento da palavra de Deus
e dos Seus princípios é intelectual, na maior parte, fruto da razão
e da compreensão humana. Há pouca revelação, iluminação ou
29

inspiração vinda diretamente do Espírito Santo de Deus. (A


História do Avivamento Azusa, BARTLEMAN, Frank, Página 69).

As Críticas

Como o próprio Bartleman disse a imprensa escrevia “coisas incríveis”,


do acontecimento em Los Angeles, o jornal de maior circulação da época
escreveu o que se segue:

“Com gritos estranhos e pronunciando coisas que aparentemente


nenhum mortal em seu juízo normal pudesse entender, teve início,
em Los Angeles, a mais recente seita religiosa.” Foi isso o que
disse a edição de 18 de abril de 1906 do Los Angeles Times. ‘As
reuniões acontecem em um prédio decadente da Rua Azusa, e os
devotos de doutrinas estranhas praticam os ritos mais fanáticos,
pregam as mais extravagantes teorias e se colocam em um
estado de louca euforia quando se entregam ao fervor pessoal.”

O Jornal Fé Apostólica em sua primeira edição escreveu: ´

8
https://www.newspapers.com/clip/9928151/azusa_street_weird_babel_tongues/
30

“Pregadores orgulhosos e bem vestidos vem para 'investigar'.


Logo o seu aspecto importante é substituído com assombro,
então vem à convicção, que muitas vezes num curto espaço de
tempo você irá encontrá-los chafurdando no chão sujo, pedindo
perdão a Deus e se tornando como criançinhas”.

Em uma reportagem de primeira página intitulada "A Babel de Línguas


Estranhas", um repórter do Los Angeles Times, edição de 18 de abril de 1906,
escreveu o que acontecia nas reuniões pentecostais da Rua Azusa. De forma
crítica começa a reportagem, "a mais recente seita religiosa teve início em Los
Angeles”.
"Suspirando expressões estranhas e pronunciando um credo que
ao que parece nenhum mortal são pode entender", começa a
reportagem, "a mais recente seita religiosa teve início em Los
Angeles”.

Outro repórter de outro jornal local em setembro de 1906 descreveu os


acontecimentos com as seguintes “palavras”

...infame miscigenação de raças... Elas choram e ficam uivando


todo dia e noite. Correm, pulam, todas se sacodem, gritam com
toda a sua voz, giram em círculos, caem se sacudindo no chão

9
https://www.newspapers.com/clip/9928151/azusa_street_weird_babel_tongues/
31

coberto de serragem, chutando e rolando tudo sobre si. Alguns


desmaiam e não se movem durante horas como se estivessem
mortos. Essas pessoas parecem estar loucas, mentalmente
perturbadas ou sob um feitiço. Elas afirmam estar cheias do
espírito. Elas têm um negro caolho e iletrado como o seu
pregador que fica de joelhos a maior parte do tempo com a
cabeça escondida entre as caixas de leite de madeira. Ele não
fala muito, mas às vezes ele pode ser ouvido gritando 'arrependei-
vos', e ele acha que está fazendo isso... Eles cantam
repetidamente a mesma canção, 'O Consolador Chegou'. 10

O próprio Charles Parham em forma de crítica mostra o que acontecia


na Missão da Rua Azusa assim também chamado:

“Homens e mulheres, brancos e negros, se ajoelham juntos ou


caem uns sobre os outros; uma mulher branca, talvez com
riqueza e cultura, podia se ver lançada aos braços de um 'homem
negro', e permanecia firmemente assim se estremecendo e
sacudindo em uma louca imitação do pentecostes. Horrível, uma
vergonha terrível!”.11

Entre outros relatos havia os testemunhos de como eles iniciavam as


reuniões, testemunhos de cegos tendo sua visão restaurada, doenças curadas
instantaneamente e imigrantes falando em alemão, mandarim, espanhol.
Cantavam esporadicamente a capela e de vez em quando em línguas com
períodos de silêncio prolongado, ocasionalmente caiam no Espírito e oravam
pelo dom de línguas em quarto separado. Muita gente continuamente gritava
durante as reuniões.

Lucy Farrow

Lucy Farrow foi peça chave no ministério de Seymour, foi ela que o
ensinou como ser “batizado no Espírito Santo” e que Charles Parham usou
para colocar as mãos para curas em Houston, Texas. Que Seymour chamou e
10
História de Azusa. Centro Internacional para a Renovação Espiritual
11
HAYFORD, Jack W; Moore, S. David, O Século Carismático: O Impacto Duradouro do
Reavivamento da Rua Azusa, agosto de 2006 Editora Editora Warner Faith
32

fez com que fosse à Rua Bonnie Brae para que pessoas fossem batizadas.
Lucy F. Farrow foi uma pastora fundamental nos primeiros fundamentos
do pentecostalismo. Ela foi a primeira pessoa afro-americana a ser registrada
como tendo falado em línguas, depois de participar das reuniões de Charles
Fox Parham.12Ela seria conhecida como a "serva ungida", que impunha as
mãos sobre muitos que receberam o Espírito Santo e o dom da glossolalia.

Mais tarde, em 1906, ela viajou para Johnsonville, na Libéria e


supostamente experimentou a habilidade de falar a língua Kru, pregando para
o povo Kru e divulgando a mensagem pentecostal na África. Depois de retornar
a Los Angeles, depois para Houston, Farrow contraiu tuberculose e morreu em
1911.

Os artigos de jornais chamavam as pessoas de loucas, malucas e


muitos foram levados aos manicômios. Alguns locais as mulheres caiam no
chão e balançavam as pernas no ar, e quando a polícia era chamada, fechava
o lugar.
O jornalista G. Campbell Morgan chamou o movimento pentecostal de
“último vômito de satã”. Depois, outros falaram de bruxaria e possessão do
demônio.
O primeiro livro contra o movimento chamava Demons and Tongue de
Alma White.

Conclusão

Estes movimentos carismáticos estiveram na igreja em toda sua história,


sempre à parte da Igreja católica e surgem sempre pelos mesmos motivos.
Reivindicando a continuidade dos dons carismáticos, o anti-intelectualismo, um
aparente esfriamento da igreja entre outros. O Montanismo e o Movimento da
Rua Azusa são os mais importantes. O primeiro por ter surgido ainda no início
da igreja e da construção do pensamento e ortodoxia cristã, já Azusa acontece
no pós Reforma Protestante, na era moderna e vai influenciar toda uma
geração de protestantes no mundo, não será parada pela ortodoxia.

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ALEXANDER, Estrelda . As mulheres da rua Azusa . Prensa Peregrina 2005. pp. 39–46
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Ambos surgem com o pensamento de que a igreja regrediu por causa de


alguns fatores: O “esfriamento”, a perda da expectativa da vinda de Cristo, o
“desaparecimento” dos dons miraculosos do seio da igreja, a institucionalização
da igreja e seu academicismo.
Montano dizia que era o último oráculo de Deus e que o fim era iminente,
e que haveria um reino milenar literal de Cristo e que a nova Jerusalém
desceria do céu e ficaria em Papuza, por isso as pessoas deveriam ter uma
vida ascética cheia de privações. Não diferente do movimento da Rua Azusa
que começou no contexto do surgimento do Dispensacionalismo com John
Nelson Darby e também o terremoto de Los Angeles em 1906 que foi muito
usado pelos profetas do avivamento para dar credibilidade para a nova
doutrina, pois diziam assim como Montano - Que a Vinda de Jesus era
iminente e que seria precedida por um grande derramar do Espírito como a
“Nova Profecia” de Montano.
Outro fator era a “certeza” de que Deus ainda não havia terminado a
revelação, assim como Montano que afirmava que Deus não havia encerrado
sua revelação, alguns profetas apareceram em Azusa com novas revelações
assim como os entusiastas radicais da reforma, diziam que a igreja precisava
ouvir não só a Escritura, mas também o autor delas e nestas novas revelações
extra-bíblicas, surgiram grandes confusões e novas denominações oriundas de
visões e revelações, sempre trazendo novidades.
Tanto Profetas Montanistas como os de Azusa profetizavam de uma
maneira que nunca havia acontecido nem no Antigo Testamento, muito menos
no Novo, que era a profecia sob êxtase, ou seja, saiam de si como se
dominados pelo “Espírito” muitas vezes como vimos, gritavam, pulavam, caiam,
esperneavam, convulsionavam, e isso é notório nos dois movimentos, falavam
como se possuídos.
O culto sem ordem era constante nos dois movimentos como vimos em
Azusa, eles diziam que o culto deveria ser controlado pelo Espírito então
qualquer um poderia pregar ou falar, inclusive as mulheres quando até então,
não havia na história da igreja, nem entre católicos Romanos nem Protestantes
históricos a ordenação feminina, nem a liderança ou ensino de mulheres nas
igrejas. Os cultos Montanistas eram da mesma forma, contrariando o Apóstolo
Paulo e contrariando toda a história eclesiástica. Nos dois movimentos havia a
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pregação leiga, que se tornará mais abrangente em Azusa e vai se espalhar


pelas denominações oriundas da mesma.
Montano tinha como parceiras e profetizas Priscila e Maximila que eram
suas colunas também líderes do Montanismo, que levavam a chamada “Nova
Profecia” por vários lugares e plantavam igrejas Montanistas, assim como o
movimento da Rua Azusa que teve muitas mulheres líderes como a sua
profetiza, Lucy Farrel, que também tinha grande influência. Todas foram
refutadas pela ortodoxia.
Os Pais apologistas lutaram contra a heresia Montanista, com dificuldade
por eles aderirem a certos pontos da ortodoxia, e outros Pais anti-nicenos no
segundo século tiveram dificuldade, mas refutaram a heresia e não deixaram
com que ela modificasse o cristianismo. A igreja do século XIX e XX lutou
contra os ensinos oriundos de Azusa que por fim durou pouco tempo, mas a
sua influência passou gerações e modificou muitas igrejas históricas em todo o
século XX e XXI, pois assim como Tertuliano cedeu ao Montanismo pelo rigor
com que seus seguidores levavam a vida de ascetismo, também muitos irmãos
cederam ao movimento da Rua Azusa, por este motivo, mas também por
acharem que de fato a igreja precisava deste “avivamento” e muitos cedem até
hoje, pela dificuldade de refutar alguns pontos biblicamente, como por exemplo,
a cessação dos dons.
Estes dois que são os principais movimentos carismáticos da história da
igreja causaram uma mudança drástica na cristandade, uma espécie de
revolução carismática, escatológica e eclesiológica, muitas coisas mudaram.
Principalmente por meio de Azusa 1906 em que algumas coisas contribuíram
outras nem tanto, pois temos consequências até hoje, na igreja evangélica e
igrejas históricas que aderiram a esse movimento. A preocupação na formação
teológica de seus ministros ficou em segundo plano, cultos que não levam em
consideração a escritura, mas o “carisma”, isso por acharem que um novo
pentecostes sempre acontece, sem compreender o significado do Pentecostes
em Atos 2. De fato, trouxeram alguma mudança boa para a igreja, uma busca
pela santidade, por causa do retorno de Cristo, um maior fervor Espiritual na
vida e na liturgia e uma evangelização mais eficaz, ou pelo menos, com mais
entusiasmo, mas isto durou pouco nas igrejas nascidas de Azusa. O
“avivamento” da Rua Azusa deu origem ao que conhecemos hoje como
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movimento pentecostal, que deu origem ao movimento Neo Pentecostal


também chamado de “terceira onda de avivamento”, mas o que podemos ter
certeza é que Montano assim como Willian Seymour tiveram pensamentos
similares em relação ao carisma, à escatologia e à vida da igreja, que em muito
foram contrários às Escrituras e ao pensamento Cristão, construído através
Delas e levaram seus seguidores para distante da Bíblia, por reivindicar novas
revelações. Causaram um dano à igreja por tentarem produzir avivamentos,
ajudando, por exemplo, o crescimento do feminismo dentro das comunidades
cristãs e a falta de ordem cultica e eclesiástica, deixando para trás o grito tanto
dos primeiros Pais como dos reformadores que a revelação já estava e está
completa em Cristo pelas Escrituras, ignoraram que o Deus do Cristianismo
Bíblico e histórico é soberano.

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