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Quando o tema “sonho” parecia ter se esgotado, quando tem sido predominante-
mente trabalhado em seus aspectos funcionais ou transferenciais, eis que… aparece esta
obra original de Decio Gurfinkel, resgatando e recriando em torno do “real caminho para
o inconsciente”.
Partindo de farta pesquisa bibliográfica, o autor vai incluindo muito do que existe
sobre o assunto no panorama mundial contemporâneo, ao mesmo tempo em que realiza
um levantamento minucioso de tudo o que se tem escrito entre nós.
No decorrer do livro, Decio se dá a conhecer através de dados autobiográficos e de
sonhos próprios, trazendo-nos também sonhos ouvidos em sua clínica e vários aportes que
evidenciam uma vasta cultura psicanalítica. Um conhecimento diversificado de literatura,
poesia, filosofia, mitologia, música, cinema e campos afins, colabora para ilustrar e enri-
quecer suas contribuições.
O estilo da escrita, embora denso, é claro, transitando continuamente da teoria à
prática e vice-versa. A sequência em que vão sendo considerados os vários assuntos é fre-
quentemente precedida por questões que instigam a busca de respostas.
No campo teórico, o autor, ao mesmo tempo em que esclarece os conceitos, circuns-
creve–os, situando-os no contexto mais amplo, o que facilita o reconhecimento de suas
semelhanças e diferenças. Entre as várias abordagens, privilegia as de Freud e Winnicott:
estabelece diálogos entre ambas, polemiza e revitaliza as questões, levando o leitor a refletir
e se posicionar diante de cada uma.
Ao longo do livro, Decio vai tecendo pontos de intersecção e rotas alternativas entre
os vários elementos do processo onírico. Salientando o conceito de “transicionalidade”, in-
fere que desde 1900 (“A interpretação dos sonhos”) o sonho é um intermediário entre o sono
e a vigília, posição para ele, central e ao mesmo tempo oculta na teoria de Freud.
A sua hipótese básica é que é nas funções intermediárias que se encontra a raiz do
trabalho de simbolização do sonhar, sendo que por sua vez, a simbolização dá origem ao
sonhar dentro do processo analítico.
O autor parte da afirmação de que para estudar o sonho é indispensável que se co-
nheça o sono – o correspondente do holding para o sonho. Ao ampliar o objeto de estudo
para o processo onírico como um todo, considera básicas as intermediações entre sono,
sonho e vigília. O “gesto”, entendido como ação simbólica (“poesia do ato”), que também
implica em transformação, é outro elemento indispensável para esclarecer a atividade sim-
bolizante do sonhar. O entrejogo – transicionalidade – entre estes elementos, pouco obser-
vado nos trabalhos sobre o sonho, revela uma contribuição singular de Decio.
1 Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP. Membro do Departamento de
Psicanálise do Instituto Sedes Sapientae.
196 Revista Brasileira de Psicanálise · Volume 43, n. 3 · 2009
Dormir e sonhar
A relação entre sonhar e dormir também é abordada sob o ponto de vista psicofisio-
lógico, referindo-se, o autor às pesquisas que tem corroborado certas propostas psicanalíti-
cas. A título de ilustração: os vários tipos de sono (sono rápido e sono lento), relacionados
a níveis diversos de inconsciência (do mais superficial ao mais profundo) tem sido associa-
dos à presença/ ausência de sonhos desde Freud.
À medida que a imobilidade é considerada parte integrante essencial do processo
onírico, os sobressaltos ou “pequenos espasmos” funcionam como “despertadores motores”
autoativados como defesa diante da angústia despertada pelo sonho. A sensação de queda
às vezes é acompanhada de “visões do semi-sono”, traduções de pensamentos em lingua-
gem imagética, costumam se manifestar no momento do adormecimento. O sonambulis-
mo, o sonilóquio, o pesadelo e o terror noturno que podem ser conotados como “passagens
ao ato”, levantam diferentes questões e prenunciam um fértil campo de investigação.
A gestualidade e o psicanalisar
Referências
Gurfinkel, D. Por uma psicanálise do gesto. In Volich, R.M. et al. Psicossoma IV: corpo, história, pensamento.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.