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TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS NO RIO DE JANEIRO – “CIDADE

OLÍMPICA”

Análise textual das transformações e conflitos sociais criados pela remoção de pessoas na
geografia urbana da cidade do Rio de Janeiro durante a preparação para os jogos olímpicos
Rio2016

Edivan de Oliveira Fulgencio

A apropriação do esporte para fins de exploração econômica e manipulação


política é uma marca neste momento histórico de mundo globalizado e neoliberal.
Eventos grandiosos como os Jogos Olímpicos expõem claramente a realidade pouco
lúdica, filosófica ou romântica daquela que deveria ser uma atividade de congraçamento
e de celebração da fraternidade entre os povos: a prática esportiva.

No final do século XIX, o pedagogo francês Pierre de Coubertin, estudando as


práxis educacionais gregas de formar o homem em sua integralidade, a Paidéia,
encontra no esporte uma forma de aperfeiçoar o sistema educacional francês e, a partir
deste modelo, propõe os jogos olímpicos como forma de reunir e congraçar os povos ao
redor do mundo. Mal sabia, o fundador dos jogos olímpicos da era moderna, que estava
em paralelo retornando ao mundo capitalista uma forma de interação humana, a qual
manipulando nobres ideais passados, revivia também as históricas utilizações do
desporto como: treinamento militar; ilusão e acomodação popular diante de injustiças e
manobras políticas (o “pão e circo”); nacionalismo exacerbado, entre outras
manifestações de cunho no mínimo perigoso aos preceitos de igualdade e fraternidade
entre os povos.

O caso do uso político-econômico dos Jogos Olímpicos Rio 2016 é uma perfeita
mostra desta apropriação. A gentrificação1 realizada no centro do Rio de Janeiro,
principalmente na Zona Portuária e os arranjos espaciais em bairros populares como
Deodoro, Engenho de Dentro, ou mesmo de classe média como Barra da Tijuca, fazem
parte de uma estratégia maior de inserção da cidade no conceito conhecido como

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Recuperação através de iniciativas públicas e privadas dos centros degradados das cidades.
Isto é, a transformação funcional por meio de infraestrutura, que acaba por provocar o
encarecimento com a chegada de usuários com maior poder aquisitivo, como novos moradores,
consumidores e turistas.
“marketing-city”, em que a cidade, mais que lugar de acomodação de pessoas e suas
culturas, vivência e trabalho, é vista e apresentada como um produto capitalista que
deve ser apreciado e investido para atrair capital. Neste sentido, o embelezamento
urbano não visa atender às necessidades e direitos fundamentais do cidadão, mas
constitui-se como uma política urbana de atração de investimentos e consumidores,
principalmente turistas e empresários.

Neste contexto, o alardeado “legado olímpico” não passa necessariamente por


melhor mobilidade urbana, melhores condições de saúde e educação (nem mesmo para
o desporto), habitação ou saneamento básico, principalmente para as camadas mais
populares. Constitui-se no embelezamento e rejuvenescimento da cidade. Fato esse que
não se observou apenas no Rio, mas vem se repetindo na era da globalização, pós queda
do muro de Berlim, como no caso das cidades olímpicas de Barcelona na Espanha,
Sidney na Austrália, Pequim na China, Londres na Inglaterra e Atenas na Grécia. Esta
última, quando se trata de falar em legado, seria o caso de um estudo à parte, pois a
Olimpíada trouxe para a cidade e para a própria nação um alto endividamento público,
aliado a problemas socioeconômicos enfrentados pela população local, agravando uma
crise econômica, cujo colapso culminou com a declaração de falência do estado grego
cerca de uma década depois dos jogos.

No Rio, os tais legados alardeados como: reflorestamento de áreas degradadas de


Deodoro. Ora, estas áreas foram degradadas não só historicamente pela falta de políticas
públicas de habitação na região, gerando ocupação popular desordenada, como
recentemente pelas próprias transformações paisagísticas em preparação para as práticas
esportivas dos jogos realizados na Região.

Outro legado trágico é o campo de golfe instalado com decreto de diminuição da


reserva ambiental da Barra da Tijuca, mesmo sob protestos de ambientalistas. Haja
vista, a cidade não ter qualquer tradição neste esporte elitista, além de já possuir dois
campos de golfe. Especula-se estar em fase de aprovação projeto de um grande
condomínio de prédios para classe média-alta naquela região.

No campo do conflito de interesses entre classes populares, poder econômico e


ente público, fica como legado a remoção com desapropriação forçada e transferência
da habitação de cerca de 150 mil pessoas de diversas comunidades ao longo da cidade
como: Indiana (Tijuca); Favela do Metrô (Maracanã); Harmonia e Prazeres (Centro da
Cidade). Sendo, o caso de maior repercussão a construção da vila e parque olímpicos:
principal legado paisagístico e educacional-esportivo dos jogos. Prometeu-se usar
futuramente como espaço para treinamento constante das modalidades atléticas, bem
como desmontar parte das estruturas e remontá-las em escolas públicas e áreas de lazer
popular pela cidade. Porém, para disponibilizar o espaço para o evento foi
desapropriada e removida boa parte da comunidade Vila Autódromo: ocupação
histórica de moradores de baixa-renda que ali subsistiam e conviviam com o
expansionismo urbano da cidade para a Região do Recreio e de Jacarepaguá e
consequente especulação imobiliária, desde a década de 1960.

Passada a olimpíada, mesmo reconhecendo o bom resultado do evento, cabe a nós


cariocas nos perguntarmos, dado inclusive o momento de revisão política das eleições
de outubro: que cidade queremos? A cidade maravilhosa, mesmo com problemas, mas
humana e acolhedora das marchinhas eternas dos carnavais de rua, que exaltavam a
favela e o asfalto vivendo em união, apesar das diferenças. Ou a cidade mercadoria
transformada pelos espetáculos e megaeventos que aqui cada vez mais vem aportando e
transformando-a de acordo com a estratégia capitalista.

A resposta não é fácil e é desafiadora. Cabe muito desta a nós: futuros educadores
de geografia, inclusive enquanto pensadores do melhor espaço urbano: propor a con-
vivência. Aliar a cidade moderna e espetacular, vocacionada a ser palco de grandes
eventos e realizações, à cidade popular, boêmia e romântica com sua cultura, seu povo e
suas raízes tão marcantes na história e na própria formação e identidade brasileiras.
Identificar e propor o Rio que queremos: acolhedor, igualitário e questionador aos seus
cidadãos e aos visitantes apaixonados, destas e das futuras gerações. Uma cidade que
sempre possa merecer, dar e receber “aquele abraço”.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Vanessa Jorge de. Aula 11: O planejamento estratégico como um novo
modelo de gestão das cidades; AULA 12: Megaeventos: uma produção desigual do
espaço carioca. Caderno Didático de Planejamento Territorial. CECIERJ/CEDERJ
2015.2
BRUM, Mário. Favelas e remocionismo ontem e hoje: da Ditadura de 1964 aos
Grandes Eventos. Disponível no sítio de internet: http://osocialemquestao.ser.puc-
rio.br/media/8artigo29.pdf , acesso em 27/08/2016
MASCARENHAS, Gilmar. Aula 1: A cidade, o urbano e a urbanização; Aula 4: A
Geografia urbana crítica. Caderno Didático de Geografia Urbana. CECIERJ/CEDERJ
2016.1
SIGOLI, M. A., DE ROSE JR., D. A história do uso político do esporte. R. bras. Ci e
Mov. 2004; 12(2): 111-119. Disponível no sítio de internet:
http://www.iceb.ufop.br/demat/perfil/arquivos/0.156910001369134759.pdf , acesso em
27/08/2016

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