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Desporto e Atividade Física para Todos – Revista Científica da FPDD, 2015

Vol. 1, N.º 1, ISSN 2183-511X

Adapted Sports: Training and Opinion of the Portuguese Coaches

Desporto Adaptado: Formação e Opinião dos Treinadores Portugueses

João Paulo Saraiva1, Anabela Cruz-Santos1


1
Instituto de Educação da Universidade do Minho

Abstract Resumo
Coaches have a considerable influence on their athletes, Os treinadores têm uma influência considerável sobre os
being the lack of specific knowledge about their features seus atletas, estando a falta de conhecimentos
/ capabilities among the main barriers to the involvement específicos sobre as suas caraterísticas/capacidades entre
in sports in the particular case of people with disabilities. as principais barreiras ao envolvimento na prática
Among the objectives of this study are to assess whether desportiva no caso particular de pessoas com
(1) the academic/professional training of disabled sports deficiência. Entre os objetivos do presente estudo estão
coaches in Portugal is suitable (or not) to the practice of avaliar se (1) a formação académica/profissional dos
this activity, (2) what they think about the material treinadores de desporto adaptado em Portugal adequa-se
conditions available to them and (3) the relationship of (ou não) ao exercício desta atividade, (2) saber o que
the families of athletes with disability sports, as well as pensam sobre as condições materiais de que dispõem,
(4) the reasons that could explain their reduced (3) a relação das famílias dos atletas com o desporto
involvement in sports. The sample consists of 84 adaptado, assim como (4) os motivos que podem
individuals, most of them men (60%) aged between 31 explicar o seu reduzido envolvimento na prática
and 40 years (25%). The results indicate an acceptable desportiva. A amostra é constituída por 84 indivíduos,
training of Portuguese adapted sports coaches, having sendo a sua maioria homens (60%) na faixa etária entre
these mostly stated that the available material conditions os 31 e os 40 anos (25%). Os resultados apontam para
do not constitute an obstacle to the access of disabled uma formação aceitável dos treinadores de desporto
people to sport, and that the lack of information on its adaptado portugueses, tendo a sua maioria afirmado que
benefits, on the offer of sports available in the as condições materiais disponíveis não constituem um
community they live and transportation difficulties are obstáculo ao acesso de pessoas com deficiência à prática
the major barriers that affect the involvement of people desportiva, e que a falta de informação sobre os seus
with disabilities in sports phenomenon. benefícios, sobre a oferta desportiva na comunidade
onde vivem e as dificuldades de transporte são as
maiores barreiras à sua participação no fenómeno
desportivo.

Keywords: Sports, Disability, Coaches, Training, Palavras-Chave: Desporto, deficiência, Treinadores,


Barriers Formação, Barreiras

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Saraiva & Santos

Introdução em atividades desportivas de caráter regular entre a


população com deficiência, facto que deve ser alvo de
Sendo o desporto uma atividade estruturada regida por uma profunda reflexão sobre os aspetos estruturais,
regras e representações técnico-táticas específicas de logísticos e/ou humanos que podem ser assumidos como
cada modalidade, os treinadores têm uma influência potenciadores desta realidade. Sobre esta matéria,
considerável sobre os seus atletas, na medida em que fatores intrínsecos, como o cansaço, a falta de energia, o
são vistos por estes como líderes e especialistas (Conroy desconforto ou o constrangimento, a falta de apoio da
& Coatsworth, 2006). Sobre esta questão, Mallett & família/amigos, o medo do desconhecido, a falta de
Còté (2006) afirmaram que os treinadores são informação; e/ou extrínsecos, como as dificuldades de
fundamentais para o progresso desportivo dos seus transporte (especialmente no caso de cadeirantes), o
atletas, na medida em cabe-lhes prepará-los com base acesso às instalações desportivas, a mobilidade e
em conhecimentos específicos imprescindíveis para a adaptação das mesmas às suas necessidades, são
obtenção de sucesso na respetiva modalidade. Os referidos na literatura como barreiras para a prática de
treinadores também têm uma grande responsabilidade atividades físicas entre pessoas com deficiência
em tornar agradável a prática desportiva, sendo as (Audley, 2002; Rimmer, Riley, Wang, Rauworth &
metodologias de treino adotadas e o apoio prestado pelo Jurkowski, 2004; Buffart, Westendorp, Berg-Emóns,
treinador aos seus atletas um dos principais aspetos Stam & Roebroeck, 2009).
geradores de sucesso no desporto (Nazarudin, Omar- Entretanto, a falta de conhecimentos específicos dos
Fauzee, Geok, Jamalis & Din, 2009). Nesse sentido, nos técnicos/professores/treinadores tem sido igualmente
últimos anos, a ciência do treino tem sido tema de apontada como uma das principais barreiras ao
reflexão em uma grande variedade de revistas envolvimento de pessoas com deficiência em atividades
científicas em todo o mundo (Gilbert & Trudel, 2004), físicas e desportivas (Audley, 2002; Rimmer et al. 2004;
tendo a crescente profissionalização da função de Moran & Block, 2010; Elinder, Bergstrom, Hagberg,
treinador desportivo contribuído para o Wihlman & Hagstromer, 2010; Roberton, Bucks,
desenvolvimento de atividades na área do Skinner, Allison & Dunlop, 2011) e, nesse sentido,
aperfeiçoamento técnico. consideramos importante saber se a (1) formação
A investigação sobre a formação de treinadores tem académica/profissional que possuem os treinadores de
procurado expandir o conhecimento sobre o que os desporto adaptado em Portugal adequa-se (ou não) ao
treinadores precisam saber para sejam capazes de exercício desta atividade, complementando esta
exercer esta função com competência (Cushion et al, informação com (2) o que pensam sobre diferentes
2003; Demers et al, 2006). O desenvolvimento aspetos, nomeadamente se as condições materiais de
profissional de um treinador é um processo abrangente que dispõem para a prática desportiva são as ideais
que inclui os diferentes caminhos e experiências que atendendo às limitações dos seus atletas e às
influenciam a sua aprendizagem e o seu crescimento especificidades dos desporto praticado, (3) a relação das
global (Mallett, Trudel, Lyle, e Rynne, 2009; Trudel, famílias dos atletas com o desporto adaptado, assim
Gilbert, e Werthner, 2010). Mais especificamente, os como (4) os motivos que na sua opinião (dos
pesquisadores descobriram que os contextos de treinadores) explicam o reduzido envolvimento das
formação de um treinador são classificados em quatro pessoas com deficiência na prática desportiva tendo por
tipos: formal (p. ex., cursos de treinadores), não formais base o seu conhecimento do contexto social envolvente.
(p. ex., workshops, seminários, etc.), informais (p. ex.,
pesquisas online) (Nelson, Cushion & Potrac, 2006) e
interna (p. ex., reflexão crítica registada em diário)
(Werthner & Trudel, 2006). Metodologia
No caso específico do desporto adaptado, o treinador
deve ter também conhecimentos sobre outros fatores Participantes
contextuais, como a acessibilidade das instalações, as
condicionantes relativas ao transporte de atletas com
deficiência e a relação/comunicação com os seus A amostra foi constituída por 84 indivíduos, sendo 50
cuidadores (Cregan, Bloom & Reid, 2007). do género masculino (60%) e 34 do género feminino
A prática desportiva é vista como um importante (40%), e a sua maioria (42%) tem entre 31 e 40 anos de
instrumento de intervenção para as pessoas com idade, enquanto 26% tem entre 41 e os 50 anos e 23%
deficiência (Council of Europe Committee of Ministers tem entre os 20 e os 30 anos. Por fim, apenas 9% dos
Recommendation, 2001), que pode ser desenvolvida inquiridos tem mais de 51 anos de idade. Ao nível da
num contexto educacional, recreativa, profissional, sua distribuição pelo território nacional, a Zona Norte é
competitivo ou terapêutico (European Scrutiny onde reside a maioria dos participantes (33%), seguida
Committee, 2011). Contudo, apesar da escassez de da Zona de Lisboa e Vale do Tejo (26%), das Regiões
dados disponíveis a nível mundial, num estudo recente Autónomas dos Açores e da Madeira (18%), da Zona
(Saraiva, Almeida, Oliveira, Fernandes & Cruz-Santos, Centro (13%) e da Zona Sul (10%).
2013), verificou-se que Portugal apresenta uma taxa
extremamente reduzida (apenas 0,4%) de envolvimento

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Instrumentos

Tabela 1. Caraterização da amostra em função da habilitação


Os participantes foram convidados por e-mail a académica e das competências exigidas/adequadas para a
responder um inquérito online, onde as questões dinamização de atividades desportivas junto de pessoas com
deficiência.
colocadas foram categorizadas em 3 domínios: (i) as
Pós-
habilitações académicas e/ou profissionais que os 9.º 12.º Licen-
graduação
Mes-
Total
ano ano ciatura trado p
treinadores possuem para trabalhar com pessoas com (N) (N) (N)
/Especiali-
(N)
(N)
zação (N)
deficiência; (ii) as suas opiniões/conceções sobre
diferentes aspetos relacionados com a sua atuação como 3 9 38 15 19 84
treinador de desporto adaptado; e (iii) as suas opiniões
Possui Cédula Sim 3 8 14 5 9 39
sobre os motivos que possam explicar o não de Treinador .014*
Não 0 1 24 10 10 45
envolvimento de pessoas com deficiência na prática de DA?
Tem formação Sim 1 4 25 12 17 59
desportiva. O convite para a participação no estudo foi em EE? Não 2 5 13 3 2 25
.000*
intermediado pelas cinco associações de desporto para Tem formaçãoSim 1 6 27 12 16 62 .000*
pessoas com deficiência existentes em Portugal, que em AMA? Não 2 3 11 3 3 22
foram convidadas a colaborar na sua divulgação, Tem formação Sim 0 0 15 6 11 32 .031*
em EF? Não 3 9 23 9 8 51
nomeadamente a Associação Nacional de Desporto para
(Legenda: DA – Desporto Adaptado; EE – Educação Especial; AMA -
a Deficiência Intelectual (ANNDI), a Associação Atividade Motora Adaptada; EF – Educação Física)
Nacional de Desporto para a Deficiência Motora * diferenças estatisticamente significativas ˂ .005
(ANNDEMOT), a Associação Nacional de Desporto
para a Deficiência Visual (ANNDVIS), a Paralisia Entretanto, ao questionarmos os participantes sobre a
Cerebral – Associação Nacional de Desporto (PC-AND) posse de conhecimentos mais específicos no âmbito da
e a Liga Portuguesa de Desporto para Surdos (LPDS). deficiência adquiridos por via de ações de formação,
seminários, workshops e/ou de estudos superiores
(graduação ou pós-graduação), observamos que uma
Procedimentos Estatísticos parcela substancial da amostra (70%) revelou possuir
formação complementar na área da Educação Especial,
Recorreu-se à estatística descritiva simples para sendo a sua prevalência superior em pessoas com um
descrever a frequência de distribuição da amostra em nível de escolaridade mais elevado. Do mesmo modo, e
função das variáveis em estudo e ao teste do qui- numa percentagem ligeiramente superior à anterior
quadrado (x2) para quantificar a dispersão resultante do (74%), a maioria dos participantes declarou possuir
cruzamento de duas variáveis qualitativas, avaliando também conhecimentos na área da Atividade Motora
assim o grau de associação entre elas. Foi utilizado o Adaptada (AMA). Por fim, constatamos que uma
software SPSS versão 22. minoria (38%) da amostra possui formação na área da
Educação Física. Em todos os casos, as diferenças
observadas foram estatisticamente significativas.
Resultados
Barreiras e Facilitadores da prática desportiva
Formação académica/profissional
De seguida, procurámos saber a opinião dos treinadores
sobre alguns aspetos relativos à realidade com que
A Tabela 1 permite observar a distribuição da amostra trabalham, nomeadamente ao nível das instalações onde
em termos de formação académica e de competências treinam e do envolvimento (financeiro e emocional) dos
consideradas como as mais adequadas para a familiares dos seus atletas com a prática desportiva
dinamização de atividades desportivas junto de pessoas (Tabela 2).
com deficiência. Assim, verificamos que 86% dos
participantes tem um nível académico igual ou superior
a licenciatura, enquanto apenas 14% tem um nível de Tabela 2. Opinião dos treinadores sobre diferentes aspetos
escolaridade básico/secundário. Entretanto, em relacionados com a prática desportiva dos seus atletas.
observância com o disposto na Lei n.º 40/2012, de 28 de Família
Família
agosto, que estabelece o regime de acesso ao exercício Condições de Condições
Condições tem de
acompanha
de pagar pela
da atividade de treinador de desporto, visando assim Acessibilidade Materiais
Segurança prática
nos treinos e
competições
dignificar o desporto como profissão e promover o desportiva
aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo de prática N N N N N
desportiva (artigo 2.º), constatamos que
aproximadamente metade da amostra (46%) possui a SIM 70 62 73 34 29

Cédula de Treinador de Desporto. NÃO 14 22 11 50 55

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Podemos observar que a maioria significativa dos Ericsson, 2003), devido ao evidente e complexo
treinadores (83%) considerou que as instalações onde conjunto de fatores genéticos e ambientais que
decorriam as sessões de treino reuniam as condições de interagem para facilitar e estimular a excelência
acessibilidade ideais face às características dos seus desportiva (Singer & Janelle, 1999). Talvez o tema mais
atletas. Relativamente às questões de segurança, 87% consistente encontrado em toda a literatura é o papel
dos inquiridos afirmaram que as instalações desportivas crítico do treinador no desenvolvimento do talento
dispunham das condições necessárias, enquanto 74% desportivo. Embora a influência do treinador varie entre
revelou que os materiais disponíveis para a prática culturas, modalidades e estádios de desenvolvimento
desportiva eram suficientes em quantidade e variedade. dos atletas (Bloom, 1985; Salmela & Moraes, 2003), a
Em relação ao envolvimento da família na prática formação de um treinador é essencial para o tornar
desportiva dos seus entes com deficiência, 40% dos competente. Alguns estudos que examinaram a
treinadores inquiridos declararam que as famílias formação académica/profissional de treinadores
tinham de suportar os custos inerentes à prática empregaram a análise indutiva resultante de dados de
desportiva dos seus atletas. Por fim, os treinadores entrevistas (Salmela, 1995; Fleurence & Cotteaux,
relataram que 35% das famílias acompanhavam os seus 1999; Irwin, Hanton & Kerwin, 2004; Jones, Amour &
atletas com deficiência nos treinos e/ou nas competições Potrac, 2004; Abraham, Collins & Martindale, 2006;
em que participavam. Wright, Trudel & Culver, 2007), enquanto outros,
Os treinadores foram ainda questionados sobre se na embora raros, utilizaram questionários em amostras
comunidade envolvente ao clube/associação/escola, extensas e que por isso poderiam dar um retrato mais
onde são desenvolvidas as atividades desportivas para representativo da realidade (Reade, Rodgers & Hall,
pessoas com deficiência, existiriam indivíduos que não 2008; Timson-Katchis & North, 2008).
praticavam desporto. A maioria dos inquiridos (86%) A escassez de estudos desta natureza, quer em Portugal
respondeu afirmativamente e, na opinião destes, os quer no estrangeiro e sobretudo no âmbito do desporto
principais motivos para essa percentagem são adaptado, torna difícil a análise da realidade atual em
apresentados na Tabela 3. termos de formação dos treinadores portugueses por
comparação com outras. No entanto, constatamos que a
Tabela 3. Principais motivos, na opinião dos treinadores, para o não percentagem de licenciados da nossa amostra,
envolvimento de pessoas com deficiência em atividades desportivas. independentemente da posse de formação
Não Desconhe- Falta d
Receio de não complementar/específica em E.E., A.M.A. e/ou E.F.,
Poucos Falta de conseguirem
gostam cimento da
recursos apoio da
apoio Falta de
adquirir as está de acordo com o observado por Timson-Katchis e
de oferta dos transporte
desporto desportiva
financeiros família
amigo
competências North (2008, 2010) no Reino Unido. No que se refere
necessárias
aos conhecimentos/habilitações específicas para treinar
26% 49% 41% 37% 1,2% 41% 27%
pessoas com deficiência, verificamos que, quer no
âmbito da E.E. quer no âmbito da A.M.A., a maioria dos
treinadores inquiridos adquiriu competências nessas
Podemos observar que, na opinião dos treinadores de áreas, o que nos leva a crer que é reconhecida a sua
desporto adaptado, entre os motivos para o não importância para um melhor desempenho na condução
envolvimento das pessoas com deficiência nas do processo de treino e no próprio relacionamento com
atividades desportivas existentes na sua área de o atleta. Por outro lado, uma percentagem reduzida dos
residência, os principais são o desconhecimento da inquiridos revelou não possuir qualquer grau
oferta desportiva, seguido dos poucos recursos académico, apesar dos indícios que apontam que o
financeiros das famílias para suportar os custos com a desenvolvimento técnico por vezes assenta em
prática desportiva e da falta de transporte para os locais competências que podem ser adquiridas através de
de treino e/ou das competições, assim como a falta de atividades de aprendizagem ocorridas dentro ou fora do
apoio/incentivo das famílias para a pratica desportiva. recinto de jogo, tanto em ambientes educativos formais
e/ou informais (Schinke, Bloom & Salmela, 1985).
Sobre esta questão, alguns estudos sugerem que os
Discussão treinadores tendencialmente não valorizam a sua
aprendizagem formal, preferindo as competências
O presente estudo teve como objetivo caracterizar os adquiridas por via de experiências práticas (Gilbert,
treinadores que trabalham com o desporto adaptado em Côté & Mallett, 2006; Jones et al. 2004), uma vez que
Portugal, analisando a sua formação acreditam que a chave para se tornar um treinador de
académica/profissional e as suas conceções sobre sucesso é muito mais influenciada pelas experiências
diferentes aspetos relacionados com o desempenho das interativas, nomeadamente através da resolução de
suas funções, quer a nível organizativo quer ao nível das questões situacionais, observações de pares e/ou a
relações que os seus atletas estabelecem (ou não) com a partilha de conhecimentos com outros treinadores, que
comunidade onde vivem. quaisquer programas de formação (Jones et al 2004;
O desenvolvimento do fenómeno desportivo tem Lemyre & Trudel, 2004).
recebido uma considerável atenção nos últimos anos Contudo, apesar de a literatura destacar o dinamismo da
(Martindale, Collins & Daubney, 2005; Starkes & aprendizagem informal e/ou social, isto não quer dizer

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que os treinadores não vejam qualquer valor em as adequações técnicas impostas por lei,
oportunidades de aprendizagem formal. Nesse sentido, comprometendo desta forma a participação de pessoas
estudos confirmam que os treinadores ainda adquirem com deficiência em atividades desportivas que nelas
informação e conhecimento técnico através da pudessem ser desenvolvidas para este público-alvo.
participação em cursos de profissionalização, Por outro lado, os materiais/equipamentos à disposição
seminários e workshops (Schempp, Templeton & Clark, dos treinadores da nossa amostra não constituem, quer
1998; Timson-Katschis & North, 2008; Wright et al. em variedade quer em quantidade, uma barreira à
2007). Por conseguinte, tem havido um crescimento prática desportiva dos seus atletas com deficiência.
considerável na importância atribuída à formação de Todavia, apesar de não ser considerado um fator
treinadores em muitos países ocidentais (Erickson, determinante, alguns estudos apontam a carência de
Bruner, MacDonald & Côté, 2008; Gilbert & Trudel, recursos materiais como uma restrição ao envolvimento
1999; Lyle, 2002). Em Portugal, a recente Lei n.º de pessoas com deficiência em atividades desportivas
40/2012, de 28 de agosto, alterou o paradigma da (Rimmer et al 2004; Sá et al 2012). No entanto, uma
formação/certificação de treinadores de desporto, menor complexidade da atividade desportiva
refletindo o reconhecimento do Estado de que a desenvolvida pelos treinadores inquiridos no presente
existência de treinadores qualificados é uma medida estudo, e por conseguinte a necessidade de materiais
indispensável para que a prática desportiva decorra na menos específicos para a prática desportiva dos seus
observância das regras que garantam a ética desportiva, atletas com deficiência, pode estar origem das opiniões
o desenvolvimento do espírito desportivo, assim como a recolhidas.
defesa da saúde e da segurança dos praticantes. Nesse Outro aspeto recorrentemente referido como
sentido, o mesmo diploma centralizou no Instituto do condicionador da prática desportiva por parte de pessoas
Desporto de Portugal, I.P. (IDP) um conjunto com deficiência está relacionado com eventuais custos
competências sobre esta matéria, que se estendem desde que têm de ser suportados pelos atletas, nomeadamente
o reconhecimento das diferentes vias que permitem a com aquisição de equipamentos específicos, utilização
obtenção do Título Profissional de Treinador de das instalações desportivas e/ou a remuneração do
Desporto (artigo 6.º), a emissão de Títulos Profissionais próprio treinador (Rimmer, Rubin & Braddock, 2000;
(artigo 7.º), a certificação de Entidades Formadoras Rimmer et al 2004; Bedell et al 2013; Jaarsma, Dijkstra,
(artigo 9.º), entre outras. No que concerne a formação, e Blécourt, Geertzen & Dekker, 2014). Contudo, de
em articulação com as diferentes federações acordo com a maioria dos treinadores inquiridos, a
desportivas, que mantêm-se como responsáveis pela maioria dos atletas (e suas respetivas famílias) estão
dinamização dos cursos, esta entidade foi a responsável dispensados do pagamento de quaisquer encargos
pela conceção de documentos estruturantes e relativos à prática desportiva, o que deve ser
uniformizadores do processo formativo de treinadores, considerado de especial relevância devido a conjuntura
tais como o Programa Nacional de Formação de socioeconómica conturbada que Portugal atravessa
Treinadores (IPD, 2010) e os Referenciais de Formação atualmente e atendendo sobretudo às despesas
Geral (IPD, 2011). Centrando agora a nossa análise na adicionais que as famílias com pessoas com deficiência
opinião dos treinadores acerca de eventuais facilitadores têm de suportar, nomeadamente com assistência médica
e barreiras à prática desportiva por parte de pessoas com regular, medicação variada, exames periódicos, terapias
deficiência, atendendo à realidade que conhecem do contínuas etc. (Anderson, Dumont, Jacobs & Azzaria,
contexto onde exercem o seu trabalho, a acessibilidade 2007; Stabile & Allin, 2012).
das instalações não constitui uma barreira, contrariando Por fim, ainda que, na opinião dos treinadores de
o que foi observado por Roberton et al (2011) em uma desporto adaptado inquiridos no presente estudo, as
amostra de adolescentes e jovens adultos australianos condições de que dispõem para a prática desportiva
com lesão na medula espinhal, em que sejam favoráveis, existem pessoas com deficiência no
aproximadamente metade apontou a (in)acessibilidade meio envolvente que não aderem. Entre os principais
das instalações desportivas como justificação para o motivos apontados para explicar esta realidade estão a
facto de não praticarem atividades físicas. Entretanto, na falta de informação sobre a oferta desportiva na
Holanda, numa amostra de pessoas com um dos comunidade onde vivem (Rimmer et al 2004; Buffart et
membros inferiores amputados, Bragaru, Wilgen, al 2009) e, sobretudo, sobre os benefícios da prática
Geertzen, Ruijs et al (2013) verificaram que, para além para a sua saúde (Audley, 2002; Roberton et al 2011); e
da acessibilidade dentro da própria instalação, a as dificuldades de transporte dos interessados de e para
inexistência de instalações desportivas nas os locais de treino (Rimmer et al 2004; Bragaru et al
proximidades da sua zona de residência foi considerada 2013), podendo esta questão estar relacionada com o
uma importante barreira ao seu envolvimento em facto de morarem em zonas mais periféricas, por vezes
atividades físicas. Em Portugal, esta questão foi de difícil acesso, e portanto menos servidas em termos
estudada por Sá, Azevedo, Martins, Machado & Tavares de transporte público.
(2012), que avaliaram o nível de acessibilidade das
instalações desportivas para pessoas com mobilidade
reduzida na segunda maior cidade do país e constataram
na sua maioria a existência de não conformidades com

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Conclusão Bragaru, M., Wilgen, C. P. V., Geertzen, J. H. B., Ruijs,


S. G. J. B., Dijkstra, P. U., & Dekker, R. (2013).
O treinador ocupa uma posição fundamental no Barriers and Facilitators of Participation in Sports: A
contexto desportivo, assumindo-se como um poderoso Qualitative Study on Dutch Individuals with Lower
agente socializador cujo comportamento pode afetar o Limb Amputation. PLOS ONE, 8(3), e59881.
desempenho do atleta, a sua aprendizagem e uma série Buffart, L. M., Westendorp, T., van den Berg-Emons,
de resultados psicossociais. Tendo em conta que o R. J., Stam, H. J., & Roebroeck, M. E. (2009).
conhecimento varia de acordo com o tipo de deficiência Perceived barriers to and facilitators of physical activity
de um atleta, as fontes de aprendizagem devem ser in young adults with childhood-onset physical
analisadas como tal e, posteriormente, consideradas no disabilities. J Rehabil Med, 41(11), 881-885. doi:
perfil de formação de um treinador de desporto 10.2340/16501977-0420
adaptado. No caso dos treinadores portugueses, a
maioria possui competências direcionadas para o Conroy, D. E., & Coatsworth, J. D. (2006). Coach
exercício específico dessa atividade, adquirida training as a strategy for promoting youth social
sobretudo através de frequência universitária em development. The Sport Psychologist, 20, 128-144.
programas de formação pós-graduada. Entretanto , será Council of Europe Committee of Ministers
importante reavaliar periodicamente os programas de RecommendationNo. R(92) 13REV: European Sports
formação de treinadores em Portugal, assim como as Charter (1992 Revised 2001).
suas perceções e opiniões sobre os mesmos,
particularmente em termos de atualização de Cushion, C., Armour, K., & Jones, R. (2003). Coach
conhecimentos que possam ter um eventual impacto na education and continuing professional development:
otimização do seu desempenho. experience and learning to coach. Quest, 55(215-230).
Relativamente as condições disponíveis para a prática Cregan, K., Bloom, G. A., & Reid, G. (2007). Career
desportiva de pessoas com deficiência, de acordo com a evolution and knowledge of elite coaches swimmers
opinião dos treinadores, as barreiras identificadas no with a physical disability. Research Quarterly for
presente estudo devem servir de base para a Exercise and Sport, 78, 339-350.
implementação de ações que, fundamentalmente, (1)
promovam a difusão da prática desportiva e divulguem Demers, G., Woodburn, A., & Savard, C. (2006). The
em larga escala os seus benefícios para o estado de development of an undergraduate competency-based
saúde das pessoas com deficiência e (2) apoiem coach education program. The Sport Psychologist, 20,
financeira ou materialmente as pessoas cujas famílias 162-173.
não têm condições para suportar os encargos Elinder, L. S., Bergstrom, H., Hagberg, J., Wihlman, U.,
subjacentes à um estilo de vida ativo. & Hagstromer, M. (2010). Promoting a healthy diet and
physical activity in adults with intellectual disabilities
living in community residences: Design and evaluation
of a cluster-randomized intervention. BMC Public
Referências Health, 10, 761
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