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Ainda sobre a não leitura

Tenho lido artigos (e que artigos) que participantes de um grupo de discussão escreveram
sobre a questão da leitura na sala de aula, proposta dada pela professora orientadora.
A cada leitura, viajava para as muitas teorias a mim apresentadas através de livros e
conferências, cujo estímulo à minha proposta de educar para a vida, nem de longe, se equipara
com os testemunhos dados, por exemplo, pelo professor José Antônio em cada texto deixado
neste GD. Vejamos alguns destaques gerais: “LEITURAS AGRADÁVEIS, INTERESSANTES E
COM HUMOR”; “...todos nós devidamente motivados não resistimos à leitura e à escrita”;
“Sempre faço com meus alunos a atividade de pensar o pensamento”; “...As
discussões/interpretações, se houver, podem estar sendo conduzidas de forma a não aceitar a
imaginação criadora.”.
O que percebi nas leituras foi um acréscimo considerável ao desejo de repensar a prática
escolar quanto à forma de ver e sentir o texto, de se relacionar com ele, considerando a
necessidade de se promoverem a percepção e a descoberta de todas as ressonâncias mais
profundas possibilitadas pelo contato (leia-se namoro) com o texto; o que só se realiza com a
permissão da emoção, do sentimento, do humor, do prazer, do bem-estar. Fez-me lembrar Paul
Klee (1992), quando sugere “sair do texto a uma lição completa”.
Anima-nos a sair do olho que vê e deslocarmo-nos para o olho que sente: ver tende a
identificação da forma (...), sentir evoca, ao contrário, seu interior e sua constituição secreta.
Ainda com Klee, “sentir assemelha-se ao fundamento do COMPORTAMENTO ESTÉTICO” que
etimologicamente remete ao grego aistheticos (sensível, capaz de sentir) e que pertence ao
mesmo campo lexical e semântico de aisthonomai (sinto, percebo com os sentidos; vejo,
entendo, sinto, aprendo, percebo, compreendo).
Se entendi a referência de Klee, de que sentir e perceber os sentidos é o
COMPORTAMENTO ESTÉTICO e é aprender e compreender qualquer coisa que foi produzida
sobre a mesma base sensorial de um determinado mundo, é desse SENTIR que pode nascer, para
o leitor, a possibilidade de entrar em contato com a significação profunda do texto, da obra e
experimentar a emoção que leva a processos de identificação e de projeção vinculados aos
aspectos textuais - tão bem expostos no GD - do humor, da emoção, do interesse, da motivação e
do pensar o pensamento.
Não muito raro ouvimos ou lemos sobre a Inteligência Emocional tão dinfundida nos
últimos tempos. Mas o que nos parece é que, no domínio da educação – e de uma certa forma na
nossa cultura – existe ainda uma espécie de analfabetismo no que concerne à experiência
emocional e às suas modalidades de comunicação. Nas práticas escolares de leitura opõe-se a
emoção à elaboração “lógico-conceitual”, desvalorizando a primeira em favor da segunda e,
conseqüentemente, neutralizando o desejo do SENTIMENTO, DA EMOÇÃO do (ao) texto.
Parece-nos, todavia, que a experiência textual, se concebida como “experiência estética”
precisa ser considerada como um conjunto complexo de processos perceptivos, interpretativos,
emotivos, apreciativos, emocionais (...) que interferem e interagem. Poder-se sai dizer que o
texto ‘fala’ por si mesmo, se houver a quem falar; bastaria o contato. Mas, para que o “diálogo”
possa se instaurar, é preciso, justamente, preparar o interlocutor (qualquer leitor, no nosso caso o
aluno), cuja reposta (leia-se desejo) é essencial para que as pontencialidades semânticas e
representativas tanto do texto quanto do aluno/leitor se concretizem.
Esta é a tentativa de resposta à pergunta da Professora-orientadora, Bernadete:

PARTAMOS DA HIPÓTESE DE QUE O TEXTO SEJA ATRAENTE, ISTO É, QUE


ABORDE UM TEMA DO INTERESSE DOS ALUNOS, MAS QUE AINDA ASSIM
PERCEBEMOS QUE ELE NÃO CONSEGUE ATINGI-LOS. O QUE PODE ESTAR
CONTRIBUINDO PARA QUE OS ALUNOS SE MOSTREM POUCO ENVOLVIDOS
COM ELE?
Jamais deveríamos exigir do texto apenas que ele se faça didático, portador de noções ou
de ensinamentos moralizantes. Ou, ainda pior, que ele se torne o objeto de exercícios escolares
propostos como verificação da eficiência de sua recepção. Quando se realiza uma escolarização
desse tipo, a experiência textual se esvazia de toda significação e de todo prazer. É óbvio,
entretanto, que a escola, ao assumir a educação do jovem leitor, deve abrir-se a óticas diferentes
daquelas que presidem habitulamente o processo educativo (muita coisa tem mudado, mas o
professor José Antônio ainda é do rol das exceções no nosso país – País.): a instituição escolar,
constitucionalmente voltada a taxonomia, aos conhecimentos classificatórios, parece privilegiar
o saber que se vincula a uma linguagem essencialmente denotativa, científica, pela qual se é
possível uma única relação unívoca entre significante e significado, um equívoco, se
considerarmos que quando se trata da educação “estética”, encontramo-nos mais na esfera do
saber narrativo, que recorre a uma linguagem conotativa, caracterizada pela ambibguidade, pelas
inúmeras possibilidades interpretativas, pelo prazer, pela emoção e não pela dor, como tem sido.
Se isso é verdade, quanto mais taxonômica, quanto menos “estética” for a leitura de um
texto, maior é a distância que se tem da sua essência. E, quanto maior for a distância entre
conhecimentos e disposições pressupostos no texto e o pretexto de leitura escolar, maior será a
possibilidade de o aluno/leitor/aprendiz: a) desenvolver com dificuldade e hesitação (se o fizer) a
leitura daquele texto (mesmo que supostamente agradável, como referira a professora
Bernadete); b) ser visto como não leitor, leitor precário ou fraco; c) ver a si mesmo como um
não-leitor, conseqüentemente desestimulado e com o sentimento de incapacidade de se apropriar
dos textos; d) manter com a leitura desses textos uma tensa relação, marcada pela ausência de
autonomia. Enfim (....).
Eis algumas razões por que o envolvimento (leia-se casamento) aluno/texto não se
efetiva. Acho melhor ficar por aqui, preciso dar espaço para que leiam os outros textos.

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