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RESENHA 
 
BEAUVOIR, Simone de. (1970) O Segundo Sexo – Livro 1: Fatos e Mitos. 4ª Edição. 
São Paulo: Difusão Europeia do Livro. 
 
Celeste Chaves Barra 
Denise Raissa Lobato Chaves 
Raissa Cruz dos Santos 
 
Para introduzir o sua obra, a autora  vem  a  submissão  da  mulher?.  Para  iniciar 
inicia  a  discussão  sobre  a  definição  de  esta discussão, a autora realiza um paralelo 
gênero  e  a  sua  associação  intrínseca  ao  entre a submissão das minorias étnicas e a 
sexo, e também questiona a concepção do  submissão  da  mulher  e  apresenta  o 
“ser  mulher”  cuja  construção  é  seguinte  contraponto:  as  ditas  “minorias” 
determinada  a  partir  da  relação  de  (judeus,  negros,  etc.)  foram  consideradas 
alteridade  com  o  “ser  homem”,  ou  seja,  inferiores  devido  a  acontecimentos 
um se define apenas com relação ao outro.  históricos  (diáspora,  escravidão  africana, 
Isto se dá devido ao fato da alteridade ser  etc.),  porém,  no  caso  das  mulheres,  não 
parte  do  conhecer  e  do  classificar,  ambos  houve  um  evento  e  nem  consequências 
intrínsecos  na  cultura  e  na  consciência  dele.  Sendo  assim,  a  condição  de 
humana.  E,  a  partir  desta  perspectiva,  a  subjugação  é  similar,  no  entanto,  não  se 
autora apresenta o dualismo do Outro ‐ do  trata  do  mesmo  fenômeno,  visto  que  a 
estrangeiro  e  do  diferente  ‐  associado  à  mulher  compõe  a  humanidade  e  sua 
construção  da  mulher  a  partir  do  que  se  relação  com  o  homem  é  de  extrema 
concebe  como  homem,  e  que,  portanto,  importância, pois “mas mesmo em sonho a 
ela  deva  ser  o  seu  contrário  (oposição  e  mulher não pode exterminar os homens. O 
simetria).  Questiona‐se  então  o  laço  que  as  une  a  seus  opressores  não  é 
reconhecimento  deste  Outro  com  base  comparável a nenhum outro.” (p. 13). 
neste  Um,  na  qual  um  depende  do  outro  Para  encerrar  a  parte  introdutória, 
para se estruturar e se configurar, sendo o  a  autora  expõe  que  a  supremacia  do 
Outro submisso a este Um.  homem fora colocada como um direito no 
Após isto, é apresentada a questão  decorrer  da  história  da  humanidade  e,  tal 
principal  a  ser  tratada  no  livro:  De  onde  condição  continua  se  perpetuando  com  o 

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passar  dos  séculos  apesar  do  avanço  das  “É  exercendo  a  atividade  sexual  que  os 
homens  definem  os  sexos  e  suas  relações, 
lutas  feministas.  Então,  para  a  autora,  o  como  criam  o  sentido  e  o  valor  de  todas  as 
problema  se  encontra  na  busca  pela  funções  que  cumprem:  mas  ela  não  está 
necessariamente  implicada  na  natureza  do 
interrupção  deste  processo,  uma  vez  que  ser humano.” (p. 28) 

os  homens  continuam  a  se  beneficiar  do  A  autora  apresenta  as  diferenças 
direito de subjugar que lhe fora concedido.  fisiológicas entre a mulher e o homem, nas 
Sendo  assim,  com  base  na  explanação  quais  o  corpo  feminino  se  mostra  com 
feita,  a  autora  se  propõe  a  discutir  neste  força  muscular  inferior,  capacidade 
livro  os  pontos  de  vista  da  biologia,  da  respiratória  inferior  e  dentre  outras 
Psicanálise  e  do  materialismo  histórico  características (peso, tamanho do cérebro, 
acerca  da  mulher;  será  apresentada  como  comprimento  dos  órgãos,  etc.)  que  se 
a mulher foi definida como o Outro e quais  mostram menores se comparados ao corpo 
foram  as  consequências  do  ponto  de  vista  masculino.  Tais  fatos,  na  perspectiva  da 
masculino;  e  então,  para  concluir  será  autora,  não  podem  ser  negados,  porém,  a 
descrito  o  mundo  que  é  proposto  à  autora  ressalta  que  estes  dados  não  têm 
mulher, a partir do seu ponto de vista.   sentido por si só, uma vez que: 
  “(...)  no  momento  em  que  o  dado  fisiológico 
(inferioridade  muscular)  assume  uma 
Parte I: Destino  significação,  esta  surge  desde  logo  como 
Capítulo I – Os dados da Biologia  dependente de todo um contexto; a "fraqueza" 
só  se  revela  como  tal  à  luz  dos  fins  que  o 
Neste  capítulo  a  autora  apresenta,  homem  se  propõe,  dos  instrumentos  de  que 
dispõe, das leis que se impõe.”(p.55) 
a  partir  do  ponto  de  vista  biológico,  a 
reprodução  como  base  da  separação  e  Para  concluir,  a  autora  argumenta 

diferenciação  das  espécies  em  machos  e  que  os  dados  biológicos  não  sustentam 

fêmeas.  Com  relação  a  isto,  a  autora  e/ou  justificam  a  supremacia  masculina, 

argumenta que as especificações biológicas  uma vez que as diferenças biológicas em si 

reprodutivas  não  justificam  a  subjugação  se mostram apenas como fatos. Para ela, o 

do homem sobre a mulher, uma vez que os  que  realmente  importa  é  a  significação 

seus  respectivos  gametas  são  destes  fatos,  pois  são  necessárias 

complementares  e  interdependentes,  e  referências  econômicas  e  sociais  para  que 

assim  se  apresenta  uma  relação  de  a  noção  de  “fraqueza”  e  “inferioridade” 

igualdade  e  cooperação  entre  ambos  os  sejam  construídas  e  associadas  à  mulher: 

sexos.  Para  a  autora,  a  redução  dos  “o  corpo  da  mulher  é  um  dos  elementos 

sujeitos em  papéis reprodutivos se mostra  essenciais da situação que ela ocupa neste 

irredutível uma vez que:  mundo. Mas não é ele tampouco que basta 
para  a  definir”  (p.  57).  Sendo  assim,  a 

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autora defende que os papéis destinados a  autora  retoma  a  construção  do  falo  e 
cada  sexo  são  construídos  socialmente  e  afirma  que  a  superioridade  e  autoridade 
são  desprovidos  de  fundamento  científico,  masculina,  no  viés  psicanalítico,  não  é 
ou  seja,  a  subjugação  é  construída  conferido  ao  falo  em  si,  mas  ao  construto 
socialmente  e  não  apresenta  justificativa  simbólico em volta daquele que o possui: o 
biológica.   homem. Sendo assim, a autora argumenta 
  que  há  toda  uma  construção  simbólica 
Capítulo II ‐ O ponto de vista Psicanalítico  acerca do homem e seu falo, para além de 
Neste  capítulo  a  autora  teve  com  um olhar apenas sexual: 

objetivo a contribuição da Psicanálise para  “Assim  também,  antes  de  indagar  se  o  macho 


se orgulha de ter um pênis ou se seu orgulho se 
o  estudo  da  mulher,  e  assim,  é  exprime  pelo  pênis,  cumpre  saber  o  que  é  o 
orgulho  e  como  a  pretensão  do  sujeito  pode 
apresentada  a  perspectiva  psicanalítica  de 
encarnar‐se em um objeto. Não se deve encarar 
Freud  e  Adler  sobre  a  sexualidade  a sexualidade como um dado irredutível; há, no 
existente, uma "procura do ser" mais original; a 
masculina e menina por meio do Complexo  sexualidade é apenas um de seus aspectos.” (p. 
66). 
de  Édipo.  Em  tal  explanação,  a  autora 
evidencia  a  falta  de  ênfase  acerca  de  E  assim,  a  autora  argumenta 

sexualidade  feminina  no  corpo  teórico  da  novamente  que  o  constructo  simbólico  foi 

psicanálise  freudiana,  na  qual  a  libido  é  elaborado  em  um  contexto  e  o  método 

pensada  como  energia  sexual  de  essência  psicanalítico  é  forçado  a  admiti‐lo  em  sua 

masculina,  mas  que  atua  da  mesma  construção  teórica.  Sendo  assim,  o  falo  é 

maneira  em  ambos  os  sexos,  deixando  tido como muito importante por simbolizar 

claro  também  que:  “Esta  [a  libido]  uma  soberania  em  diversos  campos,  e  a 

desenvolve‐se  (...)  de  maneira  idêntica  nos  mulher,  necessita  buscar  outros  meios  de 

dois  sexos:  todas  as  crianças  atravessam  ganhar equivalentes a este falo de modo a 

uma fase oral que as fixa ao seio materno,  sublimar os desejos provenientes do status 

em  seguida  uma  fase  anal  e  atingem  de não possuí‐lo.  

finalmente  a  fase  genital:  é  então  que  se  Neste  ponto,  a  autora  retoma  a 

diferenciam” (p. 60).  pergunta  realizada  no  final  do  primeiro 

No  entanto,  a  partir  desta  capítulo: “Por que a mulher é o Outro?”. E, 

perspectiva, a autora afirma que a menina  para  tentar  responder  a  essa  pergunta,  a 

apresenta  um  complexo  de  Édipo  e  de  autora expõe que a situação apresentada à 

castração  mais  complexo  que  do  menino,  mulher  no  Complexo  de  Édipo  na  qual  a 

devido  a  menina  se  identificar  primeiro  condição  para  a  dissolução  é  alienar‐se  ao 

com  o  pai  e  posteriormente  rivalize  e  se  modelo  do  pai  ou  da  mãe.  E  assim,  tal 

aliene  ao  modelo  da  mãe.  Após  isto,  a  postura  de  alienação  coloca  mulher  na 

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condição  de  objeto,  pois  se  entende  que  domínio  de  outros  homens  (escravidão)  e 
todas  as  atividades  que  a  mulher  pode  também se torna proprietário da mulher. E 
realizar  são  associadas  à  sublimação  e  à  esta  por  sua  vez  é  confinada  a  trabalhos 
busca  de  um  substituto  para  o  falo  domésticos  que  também  são 
perdido. Sendo assim,   desvalorizados, e assim: “a opressão social 
“Quando  uma  menina  sobe  a  uma  árvore  é,  a  que  sofre  é  a  conseqüência  de  uma 
seu  ver  [da  psicanálise],  para  igualar‐se  aos 
meninos:  não  imagina  que  subir  numa  árvore  opressão econômica.” (p. 75). Sendo assim, 
lhe  agrade;  para  a  mãe,  a  criança  é  algo  para  Engels,  a  mulher  se  igualará  ao 
diferente  do  "equivalente  do  pênis";  pintar, 
escrever,  fazer  política  não  são  apenas  "boas  homem  quando  ambos  obtiverem  direitos 
sublimações".  Há,  nessas  atividades,  fins  que 
são  desejados  em  si:  negá‐lo  é  falsear  toda  a  jurídicos  iguais  e,  para  isto,  a  mulher 
história humana.” (p. 71‐72).  necessita  se  envolver  com  a  atividade 
Para  concluir,  a  autora  afirma  pública.  Então,  mostra‐se  o  destino  da 
considerar  algumas  perspectivas  mulher estreitamente associado ao próprio 
psicanalíticas,  no  entanto,  a  própria  socialismo, pois na sociedade socialista não 
Psicanálise  contribuiu  para  o  pensamento  haverá  divisão  entre  homens  e  mulheres, 
de subjugação da mulher por estar inserida  existirão apenas trabalhadores iguais entre 
em  um  contexto  cuja  significação  do  si. 
homem  se  dá  desta  forma.  Por  fim,  a  Apesar  de  considerar  a  análise  de 
autora considera que a mulher se encontra  Engels,  a  autora  afirma  que  tal  constructo 
inserida  num  mundo  de  valores  no  qual  a  não  foi  capaz  de  deduzir  a  opressão  da 
estrutura  econômica  e  social  é  mulher  por  meio  da  ascensão  da 
indispensável para pensar a sua existência.  propriedade privada, uma vez que a divisão 
  sexual  do  trabalho  não  explica  a  opressão 
Capítulo III – O ponto de vista do  da  mulher.  Para  a  autora,  a  oposição  dos 
materialismo histórico  sexos  vista  como  um  conflito  de  classes 
Neste  capítulo,  a  autora  se  utiliza  não  é  uma  tese  totalmente  sustentável, 
da  perspectiva  do  materialismo  histórico  devido  ao  fato  de  haver  pontos 
marxista  e,  para  realizar  uma  análise  congruentes  como  a  opressão,  porém  não 
acerca  da  condição  da  mulher,  ela  utiliza  há  na  cisão  de  classes  nenhuma  base 
especificamente  A  Origem  da  Família  de  biológica.  Sendo  assim,  o  materialismo 
Friedrich  Engels.  Neste  livro,  é  analisada  a  histórico deixa de fora questões singulares 
ascensão da técnica e da relação de poder  que  envolvem  a  mulher,  a  relação  dela 
do  homem  por  meio  da  propriedade  com  o  homem  e  as  condições  sociais  que 
privada.  No  processo  de  fixação  da  lhe são impostas: 
propriedade  privada,  o  homem  assume 

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“Não  seria  possível  obrigar  diretamente  uma  atividades  que  exigissem  esforço  físico, 
mulher  a  parir:  tudo  o  que  se  pode  fazer  é 
encerrá‐la  dentro  de  situações  em  que  a  como  pescar,  colher  e  caçar.  Em  tal 
maternidade  é  a  única  saída;  a  lei  ou  os  realidade,  o  homem  assegurava  a 
costumes impõem‐lhe o casamento, proíbem as 
medidas  anticoncepcionais,  o  aborto  e  o  reprodução  e  a  produção  da  comunidade, 
divórcio.  (...)  É  impossível,  vê‐se  por  esse 
exemplo,  encarar  a  mulher  unicamente  como  desempenhando  um  papel  importante  na 
força  produtora;  ela  é  para  o  homem  uma  permanência  da  espécie  e,  sem  ele,  a 
parceira  sexual,  uma  reprodutora,  um  objeto 
erótico, um Outro através do qual ele se busca  mulher não cumpria o esforço de dar à luz 
a si próprio.” (p. 79) 
e cuidar de crianças. 
Para finalizar, a autora afirma que,  No  entanto,  apesar  do  papel  da 
para  descobrir  a  mulher,  é  necessário  maternidade  se  revelar  importante  para  a 
utilizar  as  contribuições  da  biologia,  da  espécie  humana,  tal  fato  não  levou 
Psicanálise  e  do  materialismo  histórico,  e  importância  à  mulher,  uma  vez  que  a 
também  é  preciso  considerar  o  corpo,  a  espécie  humana  não  procura  se  preservar 
vida sexual e as técnicas numa perspectiva  e se manter, mas elevar‐se. Além disso, as 
global  existencialista.  Tal  perspectiva  é  funções  naturais  de  engendrar  e  aleitar 
apresentada  e  discutida  nas  partes  que a mulher realiza não são atividades, 
posteriores do livro.   
“Eis  por  que  nelas  a  mulher  não  encontra 
Parte II: História 
motivo  para  uma  afirmação  altiva  de  sua 
existência:  ela  suporta  passivamente  seu 
Nas  civilizações  mais  primitivas,  destino  biológico.  Os  trabalhos  domésticos  a 
que está votada, porque só eles são conciliáveis 
cuja  história  ainda  possui  controvérsias  com os encargos da maternidade, encerram‐na 
antropológicas,  a  mulher  desempenhava  na repetição e na imanência.” (p. 83). 

papel  estreitamente  relacionado  à   

maternidade.  Suas  ocupações  estavam  Além  disso,  a  valorização  do 


relacionadas  principalmente  com  o  homem  se  dá  pelo  seu  esforço  físico  e  ao 
cuidado  dos  filhos  e,  devido  a  possuir  fato  de  arriscar  sua  vida  ao  executar  as 
especificidades  biológicas (ciclo  menstrual,  funções  que  lhe  são  atribuídas,  como 
gravidez),  a  mulher  realizava  trabalhos  proteger  a  comunidade  arriscando  a  sua 
ditos  domésticos  e  relacionados  à  vida.  E  assim,  na  humanidade,  a 
manutenção  da  família  e  da  comunidade.  superioridade  é  dada  àquele  que  mata  e 
Dada  situação,  as  mulheres  davam  à  luz  a  não  ao  que  dá  a  vida.  Os  valores  criados 
muitos  filhos,  visto  que,  diferentemente  pelos  homens  então  transcenderam 
dos animais, a mulher não possui períodos  visando  manter  as  prerrogativas 
de  esterilidade,  então  tal  fato  impedia  a  masculinas  e  então  fora  criado  um  campo 
mulher de participar de continuamente em 

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de  domínio  feminino  no  qual  a  mulher  foi  uma  supremacia  da  mulher,  porém  a 
encerrada:  autora  considera  que  tal  fato  não  tem 
“(...)  pela  invenção  da  ferramenta,  a  essência de verdade, pois: 
manutenção  da  vida  tornou‐se  para  o  homem 
atividade  e  projeto,  ao  passo  que  na 
“Dizer  que  a  mulher  era  o  Outro  equivale  a 
maternidade a mulher continua amarrada a seu 
dizer  que  não  existia  entre  os  sexos  uma 
corpo  como  animal.  (...)Foi  a  atividade  do 
relação  de  reciprocidade:  Terra,  Mãe,  Deusa, 
macho  que,  criando  valores,  constituiu  a 
não era ela para o homem um semelhante: era 
existência,  ela  própria,  como  valor:  venceu  as 
além  do  reino  humano  que  seu  domínio  se 
forças confusas da vida, escravizou a Natureza 
afirmava:  estava  portanto  fora  desse  reino.  A 
e a Mulher.” (p. 86‐87)   
sociedade  sempre  foi  masculina;  o  poder 
político  sempre  esteve  nas mãos dos homens.” 
Para  a  autora,  tal  perspectiva 
(p.91) 
existencialista  foi  capaz  de  compreender 
Sendo  assim,  as  mulheres  nunca 
como  dados  biológicos  e  econômicos 
obtiveram uma relação autônoma e direta 
acarretaram  na  supremacia  do  macho  nas 
com  os  homens,  uma  vez  que  serviam  de 
comunidades  primitivas.  Porém,  mais 
mediadoras  para  os  direitos  dos  mesmos 
adiante,  a  autora  afirma  que  a  mulher 
por  meio  de  contratos  sociais,  como  o 
adquire  importância  em  algumas 
casamento. Por fim, a autora defende que 
comunidades devido à valorização da prole 
as  características  biológicas  permitiram 
e  do  desenvolvimento  da  criança,  e, 
que  o  homem  se  firmasse  soberano, 
associada  à  composição  da  indústria 
privilégio  este  que  nunca  fora  abdicado 
doméstica  e  ao comércio, a mulher passar 
apesar de alienar sua existência à Natureza 
a  apresentar  um  papel  de  primordial 
e  à  mulher.  Esta,  por  sua  vez,  fora 
importância.  Tal  fato,  segundo  a  autora, 
condenada  a  desempenhar  o  papel  do 
reflete nos homens um misto de respeito e 
Outro  e  a  não  escolher  o  próprio  destino, 
terror. Retomando a ideia de que o homem 
uma  vez  que  o  lugar  da  mulher  sempre 
se  pensa  pensando  no  Outro,  o  que  é 
fora estabelecido pelo homem e suas leis.  
diferente  do  homem  é  colocado  na 
O  homem  nunca  reconheceu  a 
categoria  de  Outro,  e  assim  a  mulher  é 
mulher  como  semelhante  a  ele  por  não 
incluída:  “Quando  o  papel  da  mulher  se 
partilhar as mesmas maneiras de pensar e 
torna  mais  importante,  absorve  ela,  em 
agir,  uma  vez  que  a  mulher  fora 
quase  sua  totalidade,  a  região  do  Outro.” 
conservada  na  perspectiva  do  Outro, 
(p. 90). 
permanecendo  submissa  à  vontade  do 
Por  ser  encaixada  na  categoria  do 
homem.  E  esta  categoria  do  Outro  se 
Outro,  a  mulher  é  associada  às 
revela ambivalente, pois é dito inferior e ao 
características  da  Natureza  e  serve  de 
mesmo  tempo  necessário.  A  vontade 
subsídio  para  diversas  representações 
masculina  se  releva  ambígua,  pois  exige 
mitológicas. Tais fatos sugerem que houve 

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que  a  mulher  exerça  o  papel  de  “serva”  e  Apesar desse estatuto privilegiado, 
“companheira”  ao  mesmo  tempo:  “(...)  o  a  mulher  não  possuía  direitos  sociais  e 
Mal é necessário ao Bem, a matéria à idéia,  políticos  iguais  aos  homens:  elas 
a  noite  à  luz.  O  homem  sabe  que  para  interferiam  na  vida  pública  de  modo 
saciar  seus  desejos,  para  perpetuar  sua  secundário e na vida privada, eram exigidas 
existência,  a  mulher  lhe  é  indispensável.”  de uma fidelidade unilateral, além disso, o 
(p.  101).  Devido  à  mulher  ser  este  Outro,  casamento  se  mostra  estreitamente 
tal  fato  se  reflete  na  sua  história,  relacionado  à  herança.  E,  em  outras 
proporcionando mudanças em seu destino  sociedades no Período Clássico, a mulher é 
no decorrer das eras.  dependente  de  seu  tutor  (pai,  marido, 
Segundo  a  autora,  a  história  da  irmão,  etc.)  que  deve  reger  os  bens  a  ela 
mulher  se  confunde  com  a  história  da  associados,  assim  como  a  herança  é 
herança,  uma  vez  que  a  propriedade  passada  apenas  para  os  filhos.  Quando  a 
privada  esteve  sempre  no  poderio  do  mulher detém algum direito sob a herança, 
homem e a mulher se apresentava apenas  o casamento já é visto como um fardo para 
como  parte  dos  bens  ou  como  o  homem,  pois  não  o  beneficia.  Diante 
intermediadora,  nunca  como  detentora.  disto, a autora afirma: 
Devido  a  isto,  em  uma  sociedade  cujas 
“Já que a opressão da mulher tem sua causa na 
bases  são  a  família  e  a  propriedade  vontade de perpetuara família e manter intato 
o  patrimônio,  ela  se  liberta  também  dessa 
privada,  a  mulher  permanece  alienada,  dependência  absoluta  na  medida  em  que 
submissa  e  confinada  aos  espaços  e  escapa  da  família.  Se  a  sociedade,  negando  a 
propriedade  privada,  recusa  a  família,  a  sorte 
ocupações que lhe foram designados.  da  mulher  melhora  consideravelmente.”  (p. 
109). 
Apesar  disto,  a  autora  expõe  que 
   
em  diversas  culturas  o  patriarcado  se  Algumas  mulheres  que  não  eram 
mostrou  de  maneira  radical  e,  em  outras,  associadas à família e à herança, obtinham 
de  maneira  moderada.  No  caso  da  antiga  um considerável estilo de liberdade, dentre 
Babilônia,  a  mulher  possuía  o  status  de  elas  as  prostitutas  gregas.  Estas  mulheres 
“esposa  privilegiada”,  podendo  garantir  a  recebiam  considerável  respeito  e  podia 
tutela  dos  filhos  e  administrar  os  bens  do  expressar‐se  mais  livremente  que  as 
marido sob algumas condições específicas.  demais  mulheres,  porém  tal  situação  se 
No  antigo  Egito  a  mulher  possuía  domínio  mostrava ambivalente, pois por escaparem 
de sua herança, de seus filhos e até mesmo  da  família,  situavam‐se  à  margem  da 
podia  divorciar‐se,  uma  vez  que  o  sociedade  e,  ao  mesmo  tempo,  escapam 
casamento era tratado como um contrato,  da  tutela  do  homem,  podendo  ser 
podendo ser um casamento servil ou não.   apresentada  como  semelhante  e  quase 

 
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igual  a  ele.  A  autora  argumenta  que  tal  casamento  e  sobre  os  filhos.  Os  povos 
representatividade que o casamento ocupa  “bárbaros”  concediam  direitos  à  mulher 
fora construída para beneficiar os tutores e  apesar  de  sua  fraqueza  física,  esta 
apresenta‐se  como  centro  de  interesses  incapacidade  não  significava  uma 
entre  os  homens,  devido  justamente  à  inferioridade moral ou social. 
herança e à propriedade privada.  No  regime  econômico  do 
Algumas  mudanças  desse  cenário  feudalismo,  a  mulher  continua  com 
ocorrem  no  Estado  Romano  e  sua  política  pequena autonomia e principalmente vista 
republicana,  na  qual  a  mulher  já  obtém  como  parte  dos  bens,  e  é  protegida  pelas 
direitos  sobre  o  seus  filhos  e  possui  leis, mas somente na condição de esposa e 
considerável  autonomia  com  relação  ao  mãe. Ao fim da Idade Média, o destino da 
seu  casamento  e  suas  posses.  O  que  se  mulher  se  faz  incerto  devido  à 
observa  neste  contexto  é  um  afastamento  desvalorização  do  feudo  com  a  ascensão 
do  papel  mais  familiar  que  a  mulher  da  burguesia  e  do  modelo  capitalista. 
detinha  em  outras  civilizações,  porém  ela  Apesar de tais elementos convergirem para 
continua  na  condição  de  tutelada  devido  a  emancipação  da  mulher,  mas  a 
estar  sujeita  a  inúmeras  incapacidades  subordinação  feminina  permanece  por 
legais. Para a autora, no momento em que  meio  do  casamento  até  mesmo  no  modo 
a  mulher  alcança  um  status  mais  de vida burguês: 
emancipado  e  potencialmente  igualitário,  “Vê‐se afirmar o paradoxo que se perpetua até 
hoje:  a  mulher  mais  plenamente  integrada  na 
o  processo  de  justificação  da  supremacia  sociedade  é  a  que  possui  menor  número  de 
masculina  ocorre  novamente,  buscando  privilégios;  na  feudalidade  civil,  o  casamento 
conserva  o  mesmo  aspecto  que  tinha  na 
um  pretexto  para  manter  a  mulher  na  feudalidade  militar;  o  esposo  permanece  tutor 
da esposa. Quando a burguesia se constitui, ela 
condição de submissa.  observa as mesmas leis.” (p.124). 
A  evolução  da  condição  feminina 
  A  autora  argumenta  que  o 
prosseguiu  desde  o  Estado  Romano, 
interesse  exige  de  burgueses  e  senhores 
apresentando influências do Cristianismo e 
feudais  o  controle  e  administração  do 
das  culturas  dos  povos  ditos  “bárbaros”,  e 
patrimônio,  não  por  julgarem  a  mulher 
então  mudanças  sociais,  políticas  e 
como  incapaz  de  fazê‐lo,  porém  apenas 
econômicas  ocorreram  repercutindo  na 
quando  nada  se  opõe  aos  interesses 
situação  da  mulher.  Com  o  advindo  do 
masculinos  são  reconhecidas  as 
Cristianismo  pela  via  da  Igreja  Católica  no 
capacidades  femininas.  Dentre  as 
período da Idade Média, a mulher assume 
consequências  da  escravização  da  mulher 
se apresenta como tentação da carne e ao 
pelo casamento ‐ a dita “mulher honesta” ‐
mesmo  tempo  possui  autonomia  no 

 
109
,  surge  a  prostituição.  De  maneira  sofriam  das  mais  variadas  violências 
hipócrita,  as  prostitutas  eram  condenadas  (assédio,  estupro,  assassinato)  e  ainda 
à  margem  da  sociedade,  mas  ocupavam  eram acusadas pelos homens de roubarem 
um papel importante para os homens uma  seus  postos  de  trabalho,  já  que  em 
vez que a monogamia tornou‐se rigorosa.  algumas empresas eles preferiam a mão de 
  A situação da mulher se modificou  obra feminina por ser mais barata. 
entre  os  séculos  XV  ao  XIX,  mas  A  exploração  perpassa  pela 
principalmente  nas  classes  privilegiadas.  condição  feminina  independente  da  classe 
Nos  séculos  XV  e  XVI  a  instrução  das  social  ou  status,  enquanto  a  maiorias  das 
mulheres  ainda  é  baixa,  mas  há  a  mulheres solteiras e viúvas do século XVIII 
preocupação  com  a  educação  destas  por  eram oprimidas e lutavam para conquistar 
parte  de  seu  meio  familiar,  no  século  XVII  um espaço digno no mercado de trabalho, 
elas passam a se distinguir e ganhar espaço  as  mulheres  casadas  tinham  um  restrito 
no meio intelectual e na arte. Graças a isto,  espaço  na  vida  social:  elas  tinham  um 
elas  passam  a  imergir  aos  poucos  no  marido,  isto  implica  em  carregar  o 
universo  masculino,  apesar  de  ainda  sobrenome  do  mesmo,  ter  um  lar. 
sofrerem  repúdio  dos  homens.  No  século  Momento  na  qual  ela  pode  finalmente 
XVIII, a independência da mulher aumenta  colocar  em  prática  todos  os  ensinamentos 
mais  ainda,  apesar  da  imposição  pelo  a  qual  foi  submetida  repetidamente  e 
casamento,  a  burguesia  concede  às  exaustivamente  quando  criança,  agora  ela 
mulheres  maiores  licenças  para  atuar  no  estava  pronta  para  ser  uma  boa  esposa, 
mundo.  uma  boa  mãe,  papéis  para  qual  naquela 
No seio da revolução Burguesa veio  época já estava predestinada. 
uma  tímida  promessa  de  libertação  da  Para mulher, o status de casada ao 
condição feminina, as mulheres finalmente  mesmo  tempo  representa  ascensão  e 
conseguiram  chegar  à  vida  pública  através  limitação, o lar implicava num papel social 
do  mercado  de  trabalho.  Entretanto  a  a  qual  ela  estava  mergulhada  em  regras  e 
entrada  da  mulher  no  espaço  público  não  com  a  liberdade  cerceada,  sua  vida  só 
se  deu  de  forma  pacífica,  elas  eram  vistas  existia  ao  lado  do  marido,  geralmente 
como  uma  mão  de  obra  menos  valorizada  cercada  de  presentes,  de  elogios  e  de 
que  a  do  homem,  coisa  que  acontece  até  mimos,  enquanto  os  maridos  estavam  na 
nossos  dias,  além  de  desvalorizada  ela  vida  pública  aguentando  os  “fardos”  do 
tinha  que  se  submeter  às  explorações  do  trabalho,  fardos  que  o  caracterizavam 
mundo  capitalista  sendo  menos  valorizada  como  um  ser  inteligente,  trabalhador, 
ganhava  menos,  trabalhava  mais  horas,  capaz  e  viril.  A  mulher  por  sua  vez  só 

  110
precisava  ser  bonita,  era  um  troféu  a  ser  poderem  ser  felizes  para  sempre,  mas  sim 
mostrado  e  erguido  pelo  homem.  Poucas  a conhecer um mundo conquistar um lugar 
vezes  ela  poderia  ser  reconhecida  como  nele  e  por  fim  quem  sabe  encontrar  uma 
uma  pessoa  inteligente  por  que  nem  boa  esposa  para  cuidar  do  seu  lar  nos 
direito  à  educação  tinha,  quase  nunca  momentos em que não se encontrava. 
poderia  ser  reconhecida  como   
trabalhadora por que o trabalho doméstico  Parte III: Os Mitos 
era  desvalorizado  e  ainda  era  encarado 
  Na  história  da  humanidade  é 
como  uma  responsabilidade  que  tinha  de 
evidenciada  a  construção  de  como  o 
carregar  por  ter  um  lar  e  pra  quê 
homem  e  a  mulher  são  vistos  na 
reconhecê‐la  como  uma  mulher  capaz  e 
sociedade,  seus  papéis  e  suas  vivências. 
viril  já  que  ela  tinha  crescido  e  se 
Desde  o  patriarcado,  o  homem  é 
desenvolvido para este destino? 
constituído  como  o  ser  dominador  de 
Assim  a  mulher  era  desobrigada 
forma que a mulher é o Outro derivada do 
das  tarefas  da  vida  pública,  mas  com  isso 
homem  e  para  o  homem.  Um  exemplo 
também  era  apagada  da  glória  que 
dessa formação da mulher como o Outro é 
traziam, de um espaço conquistado por si e 
a estória de Gênesis, onde a mulher não foi 
não  pelo  nome  do  marido.  O  destino  da 
criada  no  mesmo  período  que  o  homem, 
mulher desde criança era aprender tarefas 
primeiramente  Deus  cria  o  homem  e 
domésticas  e  etiquetas  para  arranjar  um 
depois,  de  sua  costela,  cria  a  mulher  para 
bom  marido,  ser  boa  esposa  e  boa  mãe, 
matar sua solidão e ser companheira desse 
entretanto o homem não crescia destinado 
homem.  
a aprender a ser um bom marido, mas sim 
a  se  desenvolver  para  enfrentar  o  mundo    Dessa  forma,  na  sociedade,  a 
hostil  que  lhe  espera,  o  mundo  dos  mulher  se  torna  dispensável  e  não  exige 
negócios,  se  preparar  para  ser  um  bom  reciprocidade  em  relação  ao  homem, 
herdeiro,  seguir  o  nome  da  família,  em  tendo  como  papéis  de  mãe,  amante  e 
momento algum faço juízo de valor e estou  cuidadora  do  lar,  sempre  atendendo  às 
afirmando que o destino do homem é mais  demandas  do  homem,  em  uma  natureza 
glorioso que o da mulher, mas é nítido que  submissa.  Entretanto,  em  algumas 
e  o  destino  feminino  é  muito  mais  sociedades,  como  na  sociedade  de  Marx, 
limitante  que  o  dos  homens.  As  não  existe  lugar  para  o  Outro,  pois  é 
possibilidades  dadas  a  eles  nessa  época  defendida  autenticamente  a  democracia. 
eram  maiores,  eles  não  eram  limitados  a  Porém,  a  mulher  não  encontra  um  lugar 
encontrar  uma  princesa  encantada  para  próprio  no  qual  ela  seja  autônoma  na 

 
111
história,  por  exemplo:  não  há  poesia  ou  presente na cultura do Egito onde a mulher 
religião  que  pertença  exclusivamente  à  no  período  da  menstruação  deveria  se 
mulher,  são  através  dos  sonhos  dos  manter isolada. 
homens  que  as  mulheres  sonham.  Dessa    Essa cultura de mulher menstruada 
forma,  a  mulher  se  encontra  ser  sinônimo  de  impureza  ainda  perdurou 
reduzidamente  definida  em  relação  ao  em  alguns  países  onde  as  mulheres  não 
homem.   podiam  trabalhar  na  confecção  de  alguns 
alimentos no período das regras, pois iriam 
  A  mulher  também  ganha  o 
azedar  ou  estragar  as  colheitas,  por 
simbolismo  de  nascimento  e  morte:  de  lá 
exemplo.  No  ato  sexual  o  homem  não 
veio,  para  lá  irá  voltar.  O  parto  é  algo 
busca  somente  sentir  prazer,  e  sim 
exclusivo  da  mulher,  o  que  também  a 
dominar  e  explorar  o  corpo  feminino  de 
associa  à  morte  como  na  expressão:  “a 
certa  forma  que  a  mulher  é  vista  como  a 
terra‐mãe  encerra  em  seu  seio  as  ossadas 
terra que o homem ara, planta e semeia, e 
de seus filhos”, pois na cultura grega são as 
após esses atos ele a domina a prendendo 
mulheres  Parcas  e  Moiras  que  tecem  o 
como sua propriedade. 
destino  humano,  mas  são  elas  que 
  Assim,  podemos  ver  como  começa 
igualmente  cortam  os  fios.  Porém  a 
a  ser  construído  o  tabu  da  virgindade,  tal 
ambivalência funciona novamente aqui: se 
coisa  é  temida,  desejada  e  até  exigida 
a  germinação  sempre  se  associa  à  morte, 
pelos  homens  e  se  apresenta  como  a 
esta  também  se  associa  à  fecundidade,  a 
forma  mais  acabada  do  mistério  feminino, 
morte  detestada  apresenta‐se  como  novo 
é  o  aspecto  mais  inquietante  deste  e  ao 
nascimento e ei‐la bendita. 
mesmo  tempo  o  mais  fascinante.  Em 
  Em muitas sociedades primitivas, o 
sociedades  mais  primitivas,  onde  o  poder 
sexo  da  mulher  é  considerado  inocente,  o 
da  mulher  é  exaltado,  o  medo  do 
que  difunde  que  a  mulher  precisa  se 
defloramento  fala  mais  alto  para  os 
conservar  pura  e  após  sua  menstruação 
homens,  eles  exigiam  que  as  mulheres 
deve  ter  um  tratamento  diferenciado,  no 
tivessem  sido  defloradas  antes  de  se 
sentido  de  quando  ela  perde  a  virgindade 
relacionarem sexualmente com elas. Como 
ela se torna impura e perde a inocência. A 
exemplos  têm  os  tibetanos  que  não 
despeito disso o homem nunca possui esse 
desejavam  mulheres  que  ainda  não 
tabu  de  pureza  e  impureza,  ele 
tivessem  suscitado  desejos  masculinos  e 
simplesmente  se  torna  impuro  quando 
em  outras  sociedades  o  sangue  do 
entra  em  contato  com  a  mulher 
defloramento  era  ligado  ao  sangue  da 
menstruada, por exemplo, essa crença está 

 
112
menstruação  vista  como  impura,  como  já  pé; é a mediadora da salvação como Eva o 
dito anteriormente.  foi da danação. É como mãe que a mulher 
  Nas sociedades menos primitivas o  é temível; é na maternidade que é preciso 
defloramento  era  visto  como  algo  bom  se  transfigurá‐la  e  escraviza‐la,  a  virgindade 
realizado  pelo  marido,  por  exemplo,  em  de  Maria  tem  principalmente  um  valor 
comunidades  na  França  o  sangue  do  negativo:  não  é  carnal  aquela  por  quem  a 
defloramento  manchado  no  lençol  era  carne  foi  resgatada;  não  foi  tocada  e  nem 
exibido aos pais e amigos um dia depois do  possuída,  Maria  não  conheceu  a  mácula 
casamento.  É  que  no  regime  patriarcal  o  que  a  sexualidade  implica.  Pela  primeira 
homem se tornou senhor da mulher e cabe  vez  na  história  da  humanidade  a  mãe  se 
a  ele  dominá‐la  da  mesma  forma  que  ajoelha  diante  do  filho  e  reconhece 
domina a natureza e os animais, ele assim  livremente  a  própria  inferioridade:  é  a 
cria um sentimento de posse pela mulher e  suprema vitória masculina que se consuma 
a única forma de provar que é seu dono é  no  culto  de  Maria,  é  a  reabilitação  da 
assegurando  que  a  mulher  nunca  teve  mulher pela realização da sua derrota. 
relações com outros homens.    A  mulher  também  é  a  própria 
  Dessa forma, o que o homem ama  substância  das  atividades  poéticas  dos 
e detesta antes de tudo na mulher, amante  homens,  compreende‐se  que  a  mulher  se 
ou mãe, é a imagem imortal de seu destino  apresente como sua inspiradora: as Musas 
animal, é a vida necessária à sua existência,  são mulheres. A Musa é mediadora entre o 
mas  que  a  condena  à  finidade  e  à  morte.  criador  e  as  fontes  naturais  em  que  deve 
Desde  o  dia  em  que  nasce,  o  homem  haurir. É através da mulher, cujo espírito se 
começa  morrer:  é  a  verdade  que  a  mãe  acha  ligado  profundamente  à  natureza, 
encarna.  Embora  tente  distingui‐las,  que  o  homem  sondará  os  abismos  do 
encontra  numa  e  noutra,  amante  e  mãe,  silêncio  e  da  noite  fecunda.  A  Musa  não 
uma  só  evidência:  a  de  sua  condição  cria  nada  por  si  mesma,  é  uma  Sibila 
carnal. Ao mesmo tempo deseja realiza‐la,  ajuizada  que  docemente  se  fez  serva  de 
venera a mãe, deseja a amante; ao mesmo  um  senhor,  e  mesmo  nos  domínios 
tempo  rebela‐se  contra  elas  na  aversão  e  concretos e práticos, seus conselhos serão 
no terror.  úteis. 
  Na  idade  média,  ergue‐se  a    O  homem  conseguiu  escravizar  a 
imagem  mais  acabada  da  mulher  propícia  mulher,  mas  desse  modo  despojou‐a  do 
aos  homens:  a  figura  da  Virgem  Maria  que  lhe  tornava  a  posse  desejável. 
cerca‐se de glória. É a imagem invertida de  Integrada  na  família  e  na  sociedade,  a 
Eva, e pecadora; esmaga  a serpente sob o  magia  da  mulher  dissipa‐se  em  vez  de  se 

 
113
transfigurar, reduzida à condição de serva,  próprio  sujeito.  O  apego  do  filho  ao  seio 
ela  não  é  mais  a  presa  indomada  em  que  materno  é  principalmente  o  apego  à  vida 
se  encarnavam  todos  os  tesouros  da  em  sua  forma  imediata,  em  sua 
natureza.  Desde  o  aparecimento  do  amor  generalidade e em sua imanência, a recusa 
cortês,  é  lugar‐comum  dizer  que  o  à desmama é a recusa ao abandono a que 
casamento  mata  o  amor.  Os  ritos  do  o  indivíduo  é  condenado  desde  que  se 
casamento  destinam‐se  primitivamente  a  separe do todo, é a partir de então que se 
defender  o  homem  contra  a  mulher;  ela  pode qualificar como “sexual” o gosto que 
torna‐se  sua  propriedade;  o  casamento  conserva  pela  carne  materna  doravante 
também é uma servidão para o homem, é  destacada da sua. 
então que ele se vê preso na armadilha da    Eis, portanto, porque a mulher tem 
natureza.  um  duplo  e  decepcionante  aspecto:  ela  é 
  Para arrancar a mulher à Natureza,  tudo  a  que  o  homem  aspira  e  tudo  o  que 
para  escraviza‐la  ao  homem  mediante  não alcança. Ela é a sábia mediadora entre 
cerimônias  e  contratos,  elevaram‐na  à  a  Natureza  propícia  e  o  homem:  é  a 
dignidade  de  pessoa  humana,  deram‐lhe  tentação  da  natureza  indomada  contra 
liberdade. Mas a liberdade é precisamente  toda sabedoria. Do bem ao mal ela encarna 
o  que  escapa  a  toda  a  servidão  e  se  carnalmente  todos  os  valores  morais  e 
concede  a  um  ser  originalmente  habitado  seus contrários; é a substância da ação e o 
por forças maléficas, ela se torna perigosa.  que  se  lhe  opõe,  o  domínio  do  homem 
E  dessa  forma  o  homem  só  aceitou  a  sobre o mundo e seu malogro. Só que ela é 
mulher  no  mundo  masculino  fazendo  dela  Tudo à maneira do não essencial: é todo o 
uma  serva,  frustrando‐a  de  sua  Outro.  Enquanto  outro,  ela  é  também 
transcendência;  a  liberdade  que  lhe  outra e não ela mesma, outra e não o que 
outorgaram  só  podia  ser  de  uso  negativo,  dela  é  esperado.  Sendo  tudo,  ela  nunca  é 
ela  empenha‐se  a  recusar.  A  mulher  só  se  isso  justamente  que  deveria  ser;  ela  é 
tornou livre tornando‐se cativa, renuncia a  perpétua decepção, a própria decepção da 
esse  privilégio  humano  para  encontrar  de  existência  que  não  consegue  nunca  se 
novo sua força de objeto natural.  atingir nem se reconciliar com a totalidade 
  É também, interessante observar o  dos existentes. 
“complexo  de  Édipo”,  consideram‐no    Montherland inscreve‐se dentro da 
muito  frequentemente  como  produzido  longa  tradição  dos  homens  que 
por  uma  luta  entre  as  tendências  retomaram, por sua conta, o maniqueísmo 
instintivas  e  as  imposições  sociais,  mas  é  orgulhoso  de  Pitágoras.  Ele  estima,  depois 
antes  de  tudo  um  conflito  interior  do  de  Nietzsche,  que  somente  as  épocas  de 

  114
fraqueza  exaltaram  o  eterno  feminino  e  poético  de  Breton,  há  uma  analogia  no 
que herói deve insurgir‐se contra a Magna  papel  que  designam  à  mulher:  ela  é  um 
Mater. Especialista do heroísmo, empenha‐ elemento  de  perturbação;  ela  arranca  do 
se  em  destrona‐la.  A  mulher  é  a  noite,  a  homem o sono da imanência, boca, chave, 
desordem, a imanência.  porta,  ponte,  é  Beatriz  iniciando  Dante  no 
  Lawrence situa‐se nos antípodas de  além.  A  mulher  é  enigma  e  põe  enigmas; 
um Montherland. Não se trata pare ele de  suas múltiplas caras, em se adicionando e é 
definir  as  relações  singulares  da  mulher  por isso que ela é revelação. 
com  o  homem,  mas  sim  de  recoloca‐los    Stendhal,  desde  infância,  amou  as 
ambos  dentro  da  verdade  da  vida,  ela  mulheres  sensualmente;  projetou  nelas  as 
envolve  a  animalidade  em  que  o  ser  aspirações de sua adolescência; imaginava‐
humano  mergulha  suas  raízes.  Lawrence  se  de  bom  grado  salvando  de  um  perigo 
recusa com paixão a antítese sexo‐cérebro,  uma bela desconhecida e conquistando‐lhe 
há nele um otimismo cósmico que se opõe  o  amor.  Stendhal  pede  às  mulheres, 
radicalmente  ao  pessimismo  de  primeiramente,  não  se  deixarem  cair  nas 
Shopenhauer,  o  simples  ciclo  sexual  é  armadilhas  da  gravidade;  pelo  fato  de  as 
insuficiente  porque  recai  na  imanência:  é  coisas  pretensamente  importantes 
sinônimo de morte, porém vale mais ainda  encontrarem‐se  fora  de  seu  alcance, 
essa  realidade  mutilada:  sexo  e  morte,  do  correm  menos  do  que  os  homens,  o  risco 
que  uma  existência  desligada  do  humo  de  se  alienarem  a  elas;  têm  maiores 
carnal.  possibilidades  de  preservar  essa 
  A  originalidade  do  catolicismo  de  naturalidade,  essa  ingenuidade,  essa 
Claudel  está  num  otimismo  tão  obstinado  generosidade  que  Stendhal  coloca  mais 
que o próprio mal retorna ao bem. Claudel  alto  do  que  qualquer  outro  mérito;  o  que 
adere  a  toda  criação;  sem  o  inferno  e  o  ele  aprecia  nelas  é  o  que  chamamos  hoje 
pecado, não haveria nem liberdade e nem  de autenticidade: é o traço comum a todas 
salvação. Quando fez surgir este mundo do  as  mulheres  que  ele  amou  ou  inventou 
nada,  Deus  premeditou  a  queda  e  a  com amor. 
redenção,  aos  olhos  dos  judeus  e  dos    Evidencia‐se  por  esses  exemplos 
cristãos,  a  desobediência  de  Eva  colocara  que, em cada escritor singular, se refletem 
as  mulheres  em  má  situação:  sabe‐se  os  grandes  mitos  coletivos:  a  mulher  foi‐
quanto  os  padres  da  Igreja  desprezaram  a  nos  apresentada  como  carne;  a  carne  do 
mulher.  homem é engendrada pelo ventre materno 
   Apesar  do  abismo  que  separa  o  e  recriada  nos  amplexos  da  amante.  Por 
mundo  religioso  de  Claudel  do  universo  esse  aspecto  a  mulher  apresenta‐se  à 

 
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natureza.  Porém,  esses  mitos  orquestram‐ mudança  na  postura  e  condição  social  da 
se  para  cada  um  de  maneira  diferente:  o  mulher,  esta  nova  realidade  pode  ser 
Outro é singularmente definido segundo o  observada em alguns momentos históricos 
modo singular que Um escolhe para se pôr.  como em 1917, Alexandra Kollontai torna‐
Para  cada  um  deles,  a  mulher  ideal  será  a  se  a  primeira  mulher  a  integrar  um 
que  encarnar  mais  exatamente  o  Outro  governo;  em  1955,  a  norte  americana 
capaz de o revelar a si mesmo.  negra Rosa Parks, recusa‐se a ceder o lugar 
  Finalmente,  a  autora  conclui  a um branco no ônibus; Djamila Boupacha 
afirmando  que  atualmente  é  muito  difícil  é  considerada  heroína  de  guerra  da 
às  mulheres  assumirem  independência da Argelina.  
concomitantemente  sua  condição  de  Logo  o  contexto  social  do  século  XX 
indivíduo  autônomo  e  seu  destino  reivindicava  novas  abordagens  sobre 
feminino, e sem dúvida, é mais confortável  temas vinculados à exclusão social, seja de 
suportar  uma  escravidão  cega  que  gênero,  geração  raça  ou  religião.  Na 
trabalhar  para  se  libertar:  os  mortos  introdução  do  volume  2  do  livro,  Simone 
também estão mais bem adaptados à terra  discute  a  condição  feminina  situada  nesse 
do  que  os  vivos.  Então,  o  que  se  deve  momento  histórico  marcado  por  grandes 
esperar  é  que  os  homens  assumam  sem  conquistas,  mas  que  carrega  fortemente  o 
reserva  a  situação  que  se  vem  criando,  ranço do passado dominador. Isto pode ser 
somente então a mulher poderá viver sem  observado no trecho: 
tragédia.  Assim  ela  será  plenamente  um  “As mulheres de hoje estão destronando o mito 
da  feminilidade;  começam  a  afirmar 
ser  humano  “quando  se  quebrar  a  concretamente  sua  independência;  mas  não  é 
escravidão  infinita  da  mulher,  quando  ela  sem  dificuldade  que  conseguem  viver 
integralmente  sua  condição  de  ser  humano. 
viver por ela e para ela, o homem‐ até hoje  Educadas  por  mulheres,  no  seio  de  um  mundo 
feminino,  seu  destino  normal  é  o  casamento 
abominável  –  tendo  lhe  dado  a  alforria”.  que  ainda  as  subordina  praticamente  ao 
(p. 309).  homem.” (p.7). 

      Depois  de  destronada  a  inferioridade 

BEAUVOIR, Simone de. (1967). O Segundo  feminina  justificada  através  da  biologia, 

Sexo – Livro 2: Experiência vivida. 2ª  agora no segundo volume a autora discute 

Edição. São Paulo: Difusão Europeia do  quais  são  as  condições  políticas, 

Livro.  psicológicas  e  sócias  que  submetem  a 

  mulher  a  esse  tipo  de  situação,  ou  seja,  a 


O  livro  segundo  sexo  está  localizado  no  grande  questão  torna‐se:  Quais  são  as 
panorama político‐social do século XX, este  condições  sociais  e  psicológicas  que 
período é caracterizado por uma crescente  impostas  á  mulher  que  sustentam  sua 

  116
submissão ao outro? E quais as formas de  impossibilitar  o  desenvolvimento  da 
enfrentamento desenvolvidas por ela?  autonomia, autoconfiança e condenando‐a 
A  autora  ressalta  que  não  pretende  a  existir  através  do  sentido  dado  pelo 
encontrar  verdades  absolutas  nem  outro.  
explicações  mágicas  sobre  a  condição  Segundo  Simone,  a  “desmama 
feminina,  entretanto  busca  descrever  precoce”  do  menino  é  compensada  e 
como  se  desenvolve  a  situação  feminina  justificada  por  uma  superioridade 
“no  estado  atual  da  educação  e  dos  adquirida  posteriormente,  desta  forma  o 
costumes” (p.7).   contexto  social  nega‐lhe  afetos  e 
  superestima  o  sexo  através  da  figura  do 
Parte I: Formação  pênis, sustentada através de: 
Capítulo I – Infância   “um  sentimento  de  superioridade,  sua 
valorização  surge,  ao  contrário,  como  uma 
  compensação  —  inventada  pelos  adultos  e 
ardorosamente aceita pela criança — para as 
   Neste  capítulo  Simone  discute  a  durezas da última desmama; deste modo, ela 
diferença  de  tratamento  dos  gêneros  se  acha  defendida  contra  a  saudade  de  não 
ser  mais  uma  criança  de  peito,  de  não  ser 
durante  o  desenvolvimento  infantil,  uma  menina.  Posteriormente,  o  menino 
encarnará em seu sexo sua transcendência  e  
segundo  a  autora  inicialmente  os  dois  sua  soberania  orgulhosa” (p.14). 
sexos  são  tratados  igualmente,  com  os 
Desta  forma  é  imposto  ao  menino 
mesmos  anseios  e  receios  infantis.  Em 
a autoridade, ele é criado pra ser o homem 
síntese a autora afirma que como todo ser 
da  casa,  o  senhor  de  negócios  e  para 
humano “de maneira imediata a criança de 
alcançar  isso  precisa  passar  pela  privação, 
peito  vive  o  drama  original  de  todo 
assim  ele  ouve  várias  vezes  “homem  não 
existente,  que  é  o  drama  de  sua  relação 
faz  birra”,  “homem  não  chora”,  “homem 
com o Outro.” (p.10).    
não brinca de coisas de menina”.  
Entretanto  ao  longo  dos  anos 
A  menina,  por  sua  vez,  já  é 
ocorre  uma  diferenciação  no  tratamento 
estimulada  a  ser  carinhosa,  afetuosa, 
do  menino  e  da  menina,  enquanto  para  o 
prendada, para futuramente tornar‐se uma 
menino  é  exigido  muito  cedo  maturidade, 
dama  respeitável  e  bonita.  A  mulher  não 
e uma contenção nos episódios de birras e 
tem  nada a  oferecer além de sua  beleza e 
demonstração  de  afeto.  Para  as  meninas 
castidade,  portanto  para  ser  uma  boa 
esse  momento  se  mantém  e  até  se 
menina ela precisa obedecer ordens como: 
prolonga,  o  que  á  primeira  vista  é 
“não  discuta”,  “comporte‐se  como 
considerado  um  privilégio,  futuramente  se 
mocinha”,  “não  se  meta  nessas 
tornará  um  ônus  no  sentido  de 
brincadeiras  agressivas  dos  meninos”. 

  117
Assim  ela  aprende  que  para  ser  amada  que se quiser fazer história será através de 
precisa  estar  voltado  ás  necessidades  e  um  erro  para  ser  tomada  como  exemplo, 
satisfação  do  outro.  Simone  representa  ou  através  da  admiração  passiva  de  sua 
esta ideia nos trechos:  beleza  ou  por  sua  retidão,  reputação  e 
“Todas  as  crianças  tentam  compensar  a  bondade como se observa nas santas. 
separação da desmama através de condutas de 
sedução  e  de  parada;  ao  menino  obrigam  a  Neste  contexto  é  possível 
ultrapassar  essa  fase,  libertam‐no  de  seu  compreender  porque  muitas  mulheres 
narcisismo fixando‐o no pênis; ao  passo que a 
menina    é    confirmada    na    tendência    de    se   tornam‐se  obsessivas  com  a  beleza,  as 
fazer  objeto,    que    é    comum    a    todas    as  
crianças.” (p.22).  princesas  e  as  deusas  sempre  são 
qualificadas como belas e jovens enquanto 
“[...] na mulher há, no início, um conflito entre 
sua  existência  autônoma  e  seu  "ser‐outro";  as  bruxas  são  velhas  e  feias,  desta  forma 
ensinam‐lhe  que  para  agradar  é  preciso 
procurar  agradar,  fazer‐se  objeto;  ela  deve,  beleza  por  si  só  basta  para  conquistar  o 
portanto,  renunciar  à  sua  autonomia.  [...] 
coração do príncipe.  
fecha‐se  assim  um  círculo  vicioso,  pois  quanto 
menos  exercer  sua  liberdade  para  Entretanto  quando  saímos  dos 
compreender,  apreender  e  descobrir  o  mundo 
que  a  cerca,  menos  encontrará  nele  recursos,  contos  para  realidade  observamos 
menos  ousará  afirmar‐se  como  sujeito  [...]”  mulheres  anoréxicas,  transfiguradas  por 
(p.23). 
produtos  químicos,  peles  esticadas,  corpo 
Essa  situação  é  reforçada  quando 
modificado em nome da dita “beleza” que 
se  estuda  a  história  cultural,  observa‐se 
nunca chega, ela nunca será bonita ou boa 
que  no  decorrer  do  tempo  desde  a 
o  bastante.  Tudo  isso  não  é  movido  em 
mitologia  até  os  dias  de  hoje  se  contam  a 
nome da beleza, mas sim pela obtenção de 
os  grandes  feitos  executados  pelos 
afeto,  como  uma  forma  de  ser  vista 
homens.  Pode‐se  falar  exaustivamente  da 
admirada,  ou  seja,  outra  forma  de  pôr  se 
coragem  dos  príncipes  encantados,  da 
como objeto. Como diz Simone:  
grandiosidade  dos  deuses  gregos,  da 
“A  suprema  necessidade  para  a  mulher  é 
bravura  dos  semideuses  e  da  seduzir  um  coração  masculino;  mesmo 
intrépidas,  aventurosas,  é  a  recompensa  a que 
primogenitura de Adão. E por outro lado a  todas  as  heroínas  aspiram;  e  o  mais  das  vezes 
futilidade  das  deusas,  a  queimação  de  não lhes é pedida outra virtude senão a beleza. 
Compreende‐se  que  a  preocupação  da 
bruxas  na  idade  média,  a  feiura  das  vilãs  aparência física possa tornar‐se para a menina 
uma  verdadeira  obsessão;  princesas  ou 
dos  contos  de  fadas,  a  passividade  das 
pastoras  é  preciso  sempre  ser  bonita  para 
princesas e por fim. a desgraça trazida por  conquistar  o  amor  e  a  felicidade;  a  feiúra 
associa‐se cruelmente à maldade, e, quando as 
Eva e Pandora.  desgraças desabam sobre as feias, não se sabe 
muito  se  são  seus  crimes  ou  sua  feiúra  que  o 
Acarretando  assim  uma  frustração 
destino pune [..]” (p.33). 
feminina  já  que  não  poderá  ser  grandiosa 
De acordo com a autora a mulher é 
como eles, e informando a sutilmente a ela 
vitima  e  algoz  da  sua  própria  condição,  a 

  118
submissão  exige  seu  preço,  mas  também  artes  até  sua  casa,  forçando  a  mulher  se 
tem  suas  compensações,  ela  ao  retirar  a  identificar  a  todos  os  momentos  com 
liberdade  também  oferece  a  fuga  da  papéis  rígidos  e  pré‐estabelecidos  e 
responsabilidade   quando esta não se adequa a eles sofre. 
Como tudo tem seu preço e todo o  Retomando  o  volume  1  do  livro, 
sacrifício  tem  sua  compensação,  para  nele  Simone  consegue  desmistificar  o 
autora aprende a se tornar mulher vítima e  argumento  biológico  que  sustenta  a 
algoz  da  sua  própria  condição.  Desta  inferioridade  feminina,  no  volume  2 
forma,  a  perda  da  liberdade  oferece  percebe‐se que além dos impactos trazidos 
também  a  fuga  da  responsabilidade.  Esta  pelos  argumentos  biológicos,  os  saberes 
troca  é  crucial  quando  a  mulher  se  fornecidos pela cultura e as relações sociais 
encontra  num  mundo  a  qual  não  foi  também  consolidam  o  mito  da 
ensinada a encarar e sem ferramentas para  inferioridade  feminina,  impactando  na 
sobreviver.  Pensando  desta  forma  subjetividade e na interação entre homens 
liberdade  em  troca  de  segurança  pode  e mulheres. 
parecer  um  negócio  atraente,  mas  de  alto   
custo. Nas palavras de Simone:  Capítulo II – A Moça 
“[...]  ao  lado  da  autêntica  reivindicação  do    Ao  término  da  infância  inicia‐se 
sujeito que quer para si liberdade soberana, há 
no existente um desejo inautêntico de demissão  uma nova fase: A adolescência, entretanto 
e  de  fuga.  São  as  delícias  da  passividade  que 
as  duas  fases  não  tem  características 
pais  e  educadores,  livros  e  mitos,  mulheres  e  
homens,  fazem  brilhar  aos  olhos  da menina;   rígidas  e  de  certa  forma  situação  de  uma 
ensinam‐lhe    já    na    primeira    infância    a  
apreciá‐las”(p.39).   fase  já  podem  ser  encontradas  na  outra, 
  mas  umas  características  se  tornam  mais 
“Jogos  e  sonhos  orientam  a  menina  para  a 
passividade: mas ela é um ser humano antes de  frequentes  que  outras  e  há  ainda  o 
se tornar uma mulher; e já  sabe que  aceitar  a  
si    mesma    como    mulher    é    demitir‐se    e   aumento de obrigações morais e sociais.  
mutilar‐se;  e se  a  demissão  é  tentadora,  a    Quando a autora descreve as duas 
mutilação  é  odiosa.”(p.35).  
  fases – a infância e a moça – é observável 

Em síntese, conclui‐se que desde a  que a infância e uma fase marcada de mais 

infância a mulher aprende a se colocar e se  liberdades e sonhos se quando relacionada 

identificar  com  sua  condição  “feminina”  a  mocidade.  Quando  criança  a  menina 

que  na  maior  parte  das  vezes  implica  em  ainda  tem  o  privilégio  da  birra  infantil,  da 

mansidão,  passividade  e  objetificação.  sinceridade  e  da  impaciência,  entretanto 

Além disso, essa condição é sustentada por  ao longo do crescimento é exigido cada vez 

todo  um  contexto  social  que  vai  desde  as  mais disciplina e apesar de a menina saber 


que  seu  destino  é  casar‐se  e  constituir 

 
119
família  esse  destino  ainda  lhe  parece  mulheres  organizarem    sozinhas    uma    longa  
viagem,  a  pé  ou  de  bicicleta,  ou dedicar‐se  
distante  logo  não  lhe  assombra  de  a  um  jogo  como  o  de  bilhar,  de  bolas  etc.  
imediato.  Além  de uma  falta  de  iniciativa  que  provém  
de  sua  educação,  os  costumes tornam‐lhe  a  
De acordo com a autora, a moça já  independência  difícil.  Se passeiam pelas ruas, 
olham‐nas, abordam‐nas.” (p.72).  
sente  o  peso  do  seu  corpo  junto  com  a   
proximidade  de  seu  destino,  quando  “Ela  volta  à  noite  para  seu  lar  tomada  de  um 
cansaço  colossal  e  com  a  cabeça  cheia  das 
criança  a  menina  ainda  podia  sentir  de  ocorrências  do  dia.    .    .    Como    é    então  
recebida? A  mãe  manda‐a  logo  fazer  alguma  
certa forma a autonomia e apropriação do 
compra.  Há  também  que  terminar as  tarefas  
corpo, mas depois este corpo começa a se  caseiras  deixadas  em  suspenso  e  cumpre‐lhe  
ainda  cuidar  de sua  roupa.  É‐lhe  impossível  
modificar,  por  exemplo,  ocorre  o  dar  atenção  a  todos  os  pensamentos íntimos  
que    continuam    a    preocupá‐la.    Sente‐se  
crescimento  dos  seios  e  acontece  a 
infeliz,    compara    sua  situação    com    a    do  
menarca.  Além  disso,  as  expectativas  irmão  que  não  tem  deveres  a  cumprir  em  
casa e  revolta‐se.”(p.71).  
sociais  aumentam,  agora  o  príncipe   
encantado  está  mais  próximo,  logo  “de  Para  moça  a  experimentação,  a 
uma  maneira  mais  ou  menos  velada,  sua  tentativa,  a  liberdade  e  ousadia  são 
juventude  consome‐se  na  espera.    Ela 
sancionadas  coisa  que  aos  rapazes  era 
aguarda o Homem”(p.66)  incentivada.  Aprisionada  ás  regras  e  aos 
 Durante o crescimento a diferença  costumes dos pais, a jovem procura forma 
de  tratamento  entre  os  gêneros  fica  mais 
de  contornar  a  situação  e  adquirir 
evidente,  a  moça  cresce  vendo  os  seus 
autonomia,  na  maioria  das  vezes  essa 
irmãos de mesma idade se envolvendo em  promessa  de  libertação  encontrava‐se  no 
brigas, saindo com os amigos, poupado dos 
casamento.  Para  Simone  o  casamento 
afazeres  domésticos  enquanto  ela  –  a 
estava  além  de  uma  união  estável, 
mulher – apesar de estudar, ao chegar em  segundo ela: 
casa  vai  fazer  as  atividades  domésticas,  é  “O  casamento  não  é  apenas  uma  carreira 
desencorajada  a  sair,  fazer  uma  viagem  e  honrosa  e  menos  cansativa  do  que  muitas 
outras:  só  êle  permite  à  mulher  atingir  a  sua 
ainda  tem  que  aguentar  na  rua  dignidade  social  integral  e  realizar‐se 
sexualmente como amante e mãe” (p.67).  
passivamente  o  assédio  masculino,  já  que 
 
o  recurso  da  discussão,  da  briga  e  da  Para  arranjar  casamento  a  moça 
defesa  é  privilégio  masculino.  Como  deve  seguir  uma  série  de  orientações  de 
exemplifica a autora:   como agradar ao homem, e esses padrões 
“Respeitam  o  esforço  que  faz  o  adolescente  são lhes dados desde a infância através dos 
para  se  tornar  homem  e  desde  logo  lhe  dão 
uma  grande  liberdade.  Da  moça  exigem  que  livros,  contos  e  orientações  de  outras 
fique  em  casa,  fiscalizam‐lhe  as  saídas:  não  a  mulheres, a partir disso podemos observar 
encorajam  em  absoluto  a  escolher  seus 
divertimentos,  seus    prazeres.    É    raro    ver   o  quanto  a  mulher  precisa  se  modificar 

 
120
para agradar o outro e quanto a regras do  extenuantes  sacrifícios  feitos  para 
outro  impactam  a  subjetividade  feminina,  consegui‐lo e não por afeto ao cônjuge.  
logo até numa relação afetiva a liberdade e   
espontaneidade  feminina  põe‐se  em  Capítulo III – A iniciação sexual 
último  lugar.  As  orientações  mais  comuns  Durante  a  adolescência  iniciam‐se 
de acordo com a autora são:   as  primeiras  investidas  sexuais,  com  o 
“Se  desejam  esboçar  uma  amizade,  um  início  da  puberdade  há  modificações 
namoro, devem evitar cuidadosamente parecer 
tomar  a  iniciativa;  os  homens  não  gostam  de  orgânicas  e  consequentemente  psíquicas. 
mulher‐homem,  nem  de  mulher  culta,  nem  de 
Entretanto  as  condições  que  os  dois 
mulher  que  sabe  o  que  quer:  ousadia  demais, 
cultura, inteligência, caráter, assustam‐nos. [...]  gêneros  encontram  no  início  da 
Ser  feminina  é  mostrar‐se  impotente,  fútil, 
passiva, dócil.” (p.73).   sexualidade são diferentes. Para Simone “a 
  civilização  patriarcal  votou  a  mulher  à 
Portanto  a  jovem  já  entra  na  castidade”  (p.112)  e  a  ela  é  incumbida  à 
relação  afetiva  em  desvantagem,  da  obrigação  de  protegê‐la,  de  se  manter 
mesma  maneira  que  se  encontra  em  intocada,  até  que  o  outro  escolhido  por 
outros contextos e quando aspectos como  seus  pais  e  estranho  à  ela  possa  deflorar‐
beleza,  mansidão,  paciência  e  submissão  lhe. 
não  lhe  são  conferidos,  na  maioria  das  Da  mesma  forma  como  na  idade 
vezes,  acarreta  abalos  na  autoconfiança,  média  a  mulher  era  responsável  pela 
autoestima  e  autoconceito  da  jovem  violência  masculina  exercida  contra  ela, 
podendo  implicar  num  adoecimento  das  nos  dias  atuais  esta  estrutura  ainda  se 
relações sociais.      mantém.  Apesar  de  na  maioria  das 
A  expectativa  de  felicidade  situações  a  escolha  do  parceiro  não  ser 
colocada  no  casamento  também  pode  mais  feita  pelos  pais,  a  mulher  ainda  se 
gerar  uma  relação  destrutiva  e  uma  encontra culpada pela violência contra ela. 
dependência  social.  A  mulher  depois  de  Se  o  marido  a  espanca  foi  por  que  ela  fez 
casada  muitas  das  vezes  tem  suas  algo  para  isso,  se  aparece  grávida  é  por 
expectativas  frustradas,  ela  sai  do  jugo  do  que  ela  não  se  protegeu  o  suficiente,  se 
pai  para  o  do  marido  e  ainda  precisa  morre fazendo um aborto é porque ela foi 
executar  bem  os  papéis  de  esposa,  mãe  e  irresponsável  de  não  aceitar  o  filho 
dona  de  casa.  Em  outras  situações  as  indesejado e ainda se estuprada foi ela que 
mulheres  mesmo  quando  infelizes  no  provocou  o  desejo  masculino  com  suas 
casamento  hesitam  a  separação  ou  roupas curtas. 
mantêm  o  casamento  devido  aos   Entretanto  como  em  todos  os 
outros  contextos,  a  mulher  não  foi 

  121
preparada  para  lhe  dar  com  sua  que  perdê‐la  fora    do    casamento    legítimo  
parece  um verdadeiro  desastre.  A jovem que 
sexualidade,  até  sua  sexualidade  precisa  cede por fraqueza  ou  surpresa pensa  que  se  
ser  despertada  pelo  outro,  ou  seja,  a  acha    desonrada.    A  "noite  de  núpcias",  que 
entrega  a  virgem  a  um  homem  que  em  geral  
autonomia  feminina  com  relação  a  sua  ela  não  escolheu  realmente,  e que  pretende  
resumir  em  algumas  horas  —  ou  instantes  
sexualidade  é  vedada.  A  única  ferramenta  —    toda  a    iniciação    sexual    —    não    é  
que  possui  é  a  fantasia,  a  imaginação  de  tampouco  uma  experiência  fácil.  .” (p.118).  
 
fatos  e  acontecimentos  presenciados,  ela 
Por  mais  que  Simone  hesite,  ela 
sabe  que  o  sexo  existe,  mas  não 
acaba  reproduzindo  estereótipos  sociais 
compreende  ao  certo  o  que  é  e  como  é 
com  relação  a  mulher,  isso  se  parece  com 
feito.  
os mitos brasileiros com relação ao desejo 
E  essas  fantasias  e  falta  de 
das brancas (frias) e das negras (fogosas). A 
informação  aumentam  a  dificuldade  da 
autora  reproduz  esse  estereótipo  entre  as 
mulher  exercer  de  forma  plena  sua 
escandinavas  (frias)  e  espanholas  e 
sexualidade,  sempre  cercada  de 
italianas (fogosas),  
representações  negativas  em  torno  da 
“na  necessidade  sexual:  as  escandinavas  são 
sexualidade,  dentre  elas,  o  sexo  e  a  sadias,  robustas  e    frias.    As  mulheres 
"temperamentais"  são  as  que  conciliam  o 
masturbação  se  associados  à  sujeira  e 
langor  ao  "fogo",  como  as  italianas  ou  as 
imoralidade,  a  dor  sentida  na  perda  da  espanholas,  isto  é,    cuja  ardente  vitalidade    se  
funde  por    inteira  na  carne.    Fazer‐se  objeto, 
virgindade, o risco de engravidar, logo toda  fazer‐se  passiva  não  é  a  mesma  coisa  do  que 
ser  um  objeto  passivo:  uma  mulher    amorosa 
a  sua  sexualidade  está  cercada  de  riscos 
não  é  nem  uma  sonsa  nem  uma  morta;  há  
que não tem consequência exclusivamente  nela  um  impulso  que sem  cessar  se  abate  e  
se  renova.” (p.117).  
orgânica,  mas  também  moral.  De  acordo   
com  Simone,  na  condição  feminina  a  todo 
A crítica colocada à autora é sobre 
o momento:  
a  reprodução  de  um  pensamento 
“[...]  não  basta  à  jovem  deixar  fazerem;  dócil, 
lânguida, ausente, não satisfaz o parceiro nem 
colonialista. Da mesma maneira de quando 
se  satisfaz.  É‐lhe  solicitada  uma  participação  a mulher branca ao se fazer submissa pode 
ativa numa aventura que nem seu corpo virgem 
nem  sua  consciência  atopetada  de  tabus,  estar  desempenhando  um  papel  ativo,  a 
proibições,  preconceitos,  exigências  [...]” 
mulher  italiana  ou  espanhola  ao  se  fazer 
(p.117).  
  fogosa ou ativa pode estar se colocando na 
“incidentes  verificados  na  infância  ou  na 
juventude  engendrem  nela  profundas  situação de objeto, pois de acordo com os 
resistências; estas são por vezes insuperáveis: o  parâmetros  sociais  a  mulher  submissa  é  a 
mais  das  vezes  a  jovem  esforça‐se  por 
desprezá‐las, mas surgem nela  então  conflitos   ideal  para  casar,  as  mulheres  fogosas 
violentos.    Uma  educação  severa,  o  medo  do 
pecado,  o  sentimento  de  culpabilidade  em 
sempre constituíram um outro lugar como 
relação  à  mãe  criam  barreiras  poderosas.    A 
virgindade  é  tão  valorizada  em  muitos  meios 

 
122
as de amantes ou prostitutas lugares esses  Capítulo IV – A lésbica 
que para elas se tornam estanques.    
A  autora  discute  neste  capítulo  os 
Em  síntese,  é  observado  que  a 
estereótipos  em  torno  das  homossexuais, 
iniciação  sexual  feminina  é  discutida  nas 
neste capítulo Simone discute a autonomia 
instâncias  orgânicas,  psíquicas  e  sociais. 
do  desejo  dissociada  à  anatomia  genital. 
Enquanto  que  o  homem  não  é  imoral  e 
Segundo a autora, a homossexualidade é a 
nem  lhe  são  impostas  sanções  sociais 
prova  de  que  o  desejo  não  se  define 
quando  perde  a  virgindade  logo  cedo,  a 
unicamente  pela  genitália,  da  mesma 
mulher  já  é  considerada  impura  quando 
forma  como  a  anatomia  não  justifica  as 
não  mais  virgem,  e  se  o  pecado  for 
discriminações sociais sofridas pelo gênero.  
descoberto  o  sofrimento  psíquico  é 
Logo  as  questões  a  discutir  nesse 
enorme.  É  interessante  que  até  as 
capítulo são: já que a orientação do desejo 
prostitutas  são  embutidas  discriminações 
não  é  definida  na  genitália,  quais  são  os 
sociais  negativas,  enquanto  ao  homem 
fatores  que  o  afetam  quando  se  discute  a 
(mesmo  casado)  que  frequenta  os  bordéis 
homossexualidade feminina?  
a nada é afetado, enquanto quem se expõe 
Primeiramente  a  autora 
ao  risco  e  exerce  o  papel  da  procura  é  o 
desmistifica  a  “feminilidade”  como 
homem. 
prerrogativa  das  mulheres  heterossexuais, 
 Incorreríamos  num  erro  se 
ou  seja,  as  características  masculinas  e 
acreditássemos  que  o  modelo  como  o 
femininas não são constitutivas do sujeito, 
homem vive é o ideal assim como o que a 
mas são de caráter fluido. Nas palavras da 
mulher  vive  é  o  sofrido,  o  que 
autora: 
questionamos aqui é o direito que cada um 
“DE  BOM  GRADO  imaginamos  a  lésbica  com 
tem  de  exercer  sua  própria  sexualidade,  um chapéu de feltro ríspido, de cabelos curtos e 
gravata;  sua  virilidade  seria  uma  anomalia 
assim  como  a  mulher  tem  o  direito  de  traduzindo  um  desequilíbrio  hormonal.  Nada 
exercer  sua  sexualidade  sem  ser  mais  errôneo  do  que  essa  confusão  entre  a 
invertida  e  a  virago.  Há  muitas  homossexuais 
discriminada,  o  homem  da  mesma  forma,  entre  as  odaliscas,  as  cortesãs,  entre  as 
mulheres  mais  deliberadamente  ‘femininas’; 
deveria  ter  o  direito  de  se  manter  virgem  inversamente,  numerosas  mulheres 
sem  ser  taxado  de  “homossexual”.  ‘masculinas’ são heterossexuais.” (p.144).  
 
Acreditamos que um não deve ser tomado  A  autora  posteriormente  critica 
como medida para o outro, mas o respeito  algumas  teorias  que  qualificam  a 
ás  suas  escolhas  devem  ser  o  parâmetro  sexualidade,  dentre  elas  a  psicanálise, 
de todas as medidas.  segundo  ela,  há  teorias  de  que  a 
  sexualidade masculina é acabada, ao passo 

  123
que a feminina fica no meio caminho e só a  feminina,  na  qual  qualquer  “desvio”  é 
homossexual  possuiria  uma  sexualidade  carregada de inautenticidade ou desajuste. 
tão  “rica”  quanto  a  masculina.  Assim,  “a  O que para a autora só se resume em uma 
sexualidade  feminina  tem  uma  estrutura  tentativa  feminina  de  fazer‐se  sujeito,  ou 
original e a  ideia de hierarquizar as libidos  até  mesmo  revoltar‐se  contra  sua 
masculina e feminina é absurda”. Portanto  condição.  Segundo  a  autora  para  os 
erotismo  é  “uma  história  psicológica  em  psicanalistas: 
que  os  fatores  fisiológicos  são  envolvidos,  “A  homossexualidade  pode  ser  para  a  mulher 
uma maneira de fugir de sua condição ou uma 
mas  que  depende  da  atitude  global  do  maneira  de  assumi‐la.  O  grande  erro  dos 
sujeito em face da existência.” (p.145).   psicanalistas  está  em,  por  conformismo 
moralizador,  encará‐lo  somente  como  uma 
  atitude inautêntica.” (p.146) 

Apesar das sexualidades não serem 
 
comparadas  de  forma  valorativa,  discute‐ De  acordo  com  a  autora  o  grande 

se  no  texto  o  caráter  viril  da  erro é a naturalidade com que é imposto o 

homossexualidade  feminina.  Simone  destino feminino, as teorias acreditam que 

afirma  que,  assim  como  todas  as  outras  para  ser  mulher  é  preciso  ter  um  destino 

características  a  virilidade,  não  é  uma  feminino,  logo  se  conformar  com  a 

prerrogativa  masculina.  Desta  forma  o  submissão.  Tornando  qualquer 

caráter  viril  da  homossexualidade  não  é  questionamento  feminino  ou  qualquer 

imanente,  mas  originada  pela  posição diferente como algo patológico.  

responsabilidade  de  enfrentar  o  mundo     Desta  forma  a  problematização 

sem o homem. Nas palavras da autora:  feita pelas teorias psicanalíticas é: Por que 

“O  que  dá  às  mulheres  encerradas  na  as  mulheres  não  aceitam  sua  condição? 
homossexualidade  um  caráter  viril  não  é  sua 
Por  que  elas  agem  com  profunda  revolta 
vida  erótica  que  ao  contrário,  as  confina  num 
universo  feminino:  é  o  conjunto    das  se  não  podem  torna‐se  marinheiras  ou 
responsabilidades  que  elas  são  obrigadas  a 
assumir pelo fato de dispensarem  homens. Sua  esportistas?  Enquanto  que  o 
situação é inversa à da cortesã que adquire por  questionamento  de  Simone  é  anterior  a 
vezes  um  espírito  viril  à  força  de  conviver  com 
os homens.” (p.144).   isso,  a  problematização  é:  Por  que  a 
 
mulher  o  aceita?  O  que  as  tornam 
Neste  capítulo  a  autora  desfere  impotentes  ou  incapazes  de  mudar  sua 
várias  críticas  ás  teorias  psicanalíticas  em  condição?  
torno  a  mulher  junto  com  a  sua 
Através  das  teorias  são  dadas  as 
feminilidade,  de  modo  geral  as  teorias 
respostas mais óbvias e definitivas “é a sua 
psicanalíticas  são  caracterizadas  por  um  vontade de imitar o homem” desta forma 
conformismo  com  relação  a  condição 
o  homem,  ou  melhor,  o  falo  se  torna 

 
124
novamente a medida de todas as coisas, o  que  é  natural  para  o  ser    humano    feminino  
fazer  de  si  uma  mulher feminina:  não  basta  
moralizador  de  todos  os  comportamentos  ser    uma    heterossexual    nem    mesmo    uma  
e  o  motivo  de  todas  as  ações.  E  isso  se  mãe, para  realizar  esse  ideal;  a  "verdadeira  
mulher"    é    um    produto  artificial    que    a  
torna mais fácil ainda quando se localiza no  civilização    fabrica,    como    outrora    eram  
fabricados castrados.” (p.148).  
inconsciente, desta forma a mulher não se   
 
torna  apta  a  discernir  suas  ações,  ela  só 
Parte II – Situação 
está seguindo os passos de uma instância a 
Capítulo I – A mulher casada 
qual não tem controle. 
“Definir  a  lésbica  ‘viril’  pela  sua  vontade  de  Neste  capítulo,  a  autora  traz  o 
‘imitar o  homem’  é  votá‐la  à  inautenticidade.  
Já  disse  a  que  ponto  os  psicanalistas criam  casamento e o papel que exerce na história 
equívocos  aceitando  as  categorias    masculina‐ da  mulher,  principalmente  pelo  fato  deste 
feminina    tais    como    a    sociedade    atual    as  
define.  Com  efeito, o homem  representa  hoje   ser tradicionalmente  proposto à mulher e, 
o  positivo  e  o  neutro,  isto  é,  o  masculino e  
a  partir  dele,  se  definem  as  condições  de 
o    ser  humano,    ao    passo    que    a    mulher    é  
unicamente    o    negativo,  a  fêmea.    Cada  vez   celibatária,  frustrada  ou  revoltada  pela 
que ela se conduz  como  ser  humano,  declara‐
se  que    ela    se    identifica    com    o   vida que lhe é imposta. Dito isto, a autora 
macho.”(p.148)  
se  propõe  neste  capítulo  a  analisar  a 
 
condição  do  casamento  principalmente  a 
Logo,  a  condição  feminina 
partir da ascensão burguesa. 
encontra‐se numa encruzilhada, pois a suas 
Devido  as  evoluções  econômicas 
ações  sempre  são  justificadas  pelo  seu 
da  condição  feminina,  a  instituição  do 
organismo,  ou  seja,  sua  biologia, 
casamento  também  sofrera  mudanças: 
entretanto  quando  elas  escapam  a 
vem se tornando uma união consentida de 
genitália,  quando  o  desejo  se  orienta  de 
duas  individualidades  distintas,  cujas 
outra  forma,  como  no  caso  das  lésbicas,  a 
partes  possuem  obrigações,  o  adultério  é 
explicação  se  orienta  para  a  “inveja  do 
considerado  renúncia  de  contrato  e  o 
masculino”. Uma inveja que não se justifica 
divórcio já pode ser garantido. Nesta nova 
já  que  sua  biologia  e  fragilidade  não  lhe 
perspectiva  do  casamento,  a  mulher  deixa 
permitem  fazer  o  mesmo  ou  na  mesma 
de  ter  uma  função  meramente 
qualidade  que  o  homem,  logo  o  mais 
reprodutora, a gravidez perde o caráter de 
saudável  é  a  aceitação  passiva  de  sua 
servidão  natural  e  se  torna  algo  assumido 
realidade. Em síntese: 
voluntariamente.  Apesar  disso,  a  autora 
“se a levar em consideração os valores para os 
quais  ela  transcende,  o  que  conduz  expõe  que  o  casamento  sempre  se 
evidentemente  a  considerar  que  ela  faz  a  apresentou  de  maneira  distinta  para  o 
escolha inautêntica de uma atitude subjetiva. O 
grande  mal‐entendido  em  que  assenta  esse  homem  e  para  a  mulher,  pois  apesar  de 
sistema de interpretação está em que se admite 
ambos  os  sexos  serem  necessários  um  ao 

  125
outro,  não  se  apresentava  uma  relação  “benefício”  para  ambos,  porém,  como 
recíproca uma vez que a igualdade entre os  exposto  anteriormente,  não  há  igualdade 
sexos  não  existia,  pois  socialmente  o  ou simetria entre os dois sexos: 
homem  é  tido  como  um  indivíduo  amplo  “(...) as jovens, o casamento é o único meio de 
se  integrarem  na  coletividade  e,  se  ficam 
que exerce ações e funções no coletivo.  solteiras,  tornam‐se  socialmente  resíduos.  Eis 
Retomando  o  que  fora  explicado  por  que  as  mães  sempre  procuraram  tão 
encarniçadamente  colocá‐las.  Na  burguesia  do 
no  volume  I  de  O  Segundo  Sexo,  a  autora  século  passado  [XIX]  mal  as  consultavam. 
Ofereciam‐nas  aos  pretendentes  eventuais  em 
apresenta  que  a  mulher  sempre  esteve  "entrevistas"  combinadas  de  antemão.”  (p. 
ligada  à  questão  da  herança  e  da  167). 

propriedade privada, cujo contrato passava  A  partir  deste  ponto,  a  autora 


de  pai  para  marido  por  meio  do  afirma que há passividade a mulher diante 
casamento.  Nesta  dinâmica,  a  sociedade  do  casamento,  ou  seja,  ela  era  “dada”  em 
dos  homens  dá  margem  para  que  o  casamento  pelos  pais,  enquanto  que  o 
homem se torne pai e esposo, enquanto a  homem “resolvia” casar, deixando exposto 
mulher  é  escrava  ou  vassala  de  seu  pai,  qual  sexo  era  potencialmente  autônomo. 
irmãos e ‐ após casar ‐ do marido, portanto  Tal  aspecto,  segundo  a  autora,  ainda  se 
“(...)  a  mulher  sempre  foi  dada  em  conserva no modelo de sociedade atual e o 
casamento  a  certos  homens  por  outros  “amor”  é  visto  como  um  serviço  que  a 
homens.”  (p.  166).  Sendo  assim,  a  escolha  mulher  presta  ao  homem,  portanto  o 
do seu destino nos séculos XVIII e XIX fora  corpo  da  mulher  é  posto  com  um  objeto 
estritamente  restrita,  o  casamento  é  o  que se compra. 
colocado  como  a  justificativa  de  sua  A  mulher  adquire  alguns  direitos 
existência,  uma  vez  que  o  modo  que  a  somente  depois  do  casamento,  assim 
mulher  tem  de  se  ascender  social‐ como  a  maternidade,  que  é  respeitada 
economicamente por não possui liberdade  apenas  caso  a  mulher  seja  casada.  E, 
intelectual,  econômica  e  social  como  o  devido a este aspecto que garante direitos, 
homem.   a  mulher  geralmente  apresenta  o 
No  casamento,  era  exigido  que  a  casamento  em  seu  projeto  para  o  futuro. 
mulher  ficasse  sob  proteção  e  tutela  do  Dado  isto,  a  autora  expõe  a  mulher 
marido,  visando  atender  às  necessidades  apresenta  esta  dinâmica  de  buscar  a  se 
sexuais dele e tomar conta do lar e, apesar  casar,  a  qual  fora  construída  por  todas  as 
da  poligamia  ser  consideravelmente  questões históricas referentes aos modelos 
tolerada,  o  homem  deveria  assegurar  sociais provenientes dos séculos XVIII e XIX. 
alguns direitos e privilégios a sua esposa. O  Em seguida, a autora discute que a 
casamento  era  um  “encargo”  e  um  sexualidade da mulher fora historicamente 

  126
reprimida,  principalmente  em  sua  entre  ela  e  o  universo  fora  da  casa, 
formação  familiar  e  o  casamento  enquanto  que  o  universo  da  esposa  se 
significava  a  sua  iniciação  sexual  e  seu  resume  em  apenas  cuidados  domésticos  e 
primeiro contato com o ato sexual. Tal fato  preocupações em atender às necessidades 
trazia prejuízos ao emocional e psicológico  do  marido.  A  mulher  “reina”  em  seu  lar, 
da mulher devido ao contato muitas vezes  pois somente neste espaço ela se vê e com 
brutal  e  súbito  com  a  sua  sexualidade  e  considerável  poder,  diferentemente  do 
com  o  dever  imposto  pelo  casamento  de  homem  que  tem  acesso  a  vários  espaços 
ter  relações  sexuais  com  o  seu  marido.  sociais. Nas palavras da autora: “O fato de 
Além  disso,  a  mulher  se  vê  afastada  de  ter  o  código  suprimido  a  "obediência" 
abruptamente  de  seu  ambiente  familiar  e  dentre  seus  deveres  [do  casamento],  não 
se  vê  dependente  de  um  homem  que  mal  modifica  em  nada  a  situação;  esta  não 
conhece,  tornando‐se  angustiante  a  ideia  assenta  na  vontade  dos  cônjuges  e  sim  na 
de se casar. Diante de tais considerações, a  própria  estrutura  da  comunidade 
autora  expõe  o  caráter  paradoxal  do  conjugai.” (p. 209). 
casamento:  é  instituído  por  instâncias  Para  concluir,  a  autora  defende 
sociais,  econômicas  e  religiosas,  no  que  o  casamento  deve  ser  instituído  de 
entanto,  para  que  o  próprio  casamento  duas  forças  autônimas  que  se  esforçam 
seja aceito e instituído é exigida a “noite de  para  se  complementarem  mutuamente, 
núpcias”:  perdendo  o  caráter  de  abdicação,  fuga  e 
“Mas  o  princípio  do  casamento  é  obsceno  remédio  no  qual  fora  construído.  Para  a 
porque  transforma  em  direitos  e  deveres  uma 
troca  que  deve  basear‐se  num  impulso  autora,  esta  utopia  não  é  impossível,  uma 
espontâneo. Ele dá aos corpos, forçando‐os a se  vez  que  tal  realidade  existe  em  algumas 
apreenderem em sua generalidade, um caráter 
instrumental,  portanto  degradante.  O  marido  relações  dentro  e  fora  do  casamento,  na 
congela‐se, muitas vezes, à idéia de que cumpre 
um  dever,  a  mulher  tem  vergonha  de  se  sentir  qual ambos são ao mesmo tempo amigos e 
entregue a alguém que exerce um direito sobre  amantes, sem procurar no outro uma razão 
ela.” (p. 191) 
exclusiva para viver. Sendo assim, a autora 
Sendo assim, a autora expõe que o 
expõe  que  a  concepção  tradicional  do 
fato  de  o  casamento  não  se  constituir  por 
casamento,  que  esboçada  neste  capítulo, 
uma  vontade  espontânea  de  ambas  as 
ainda  sofre  modificações,  mas  ainda  se 
partes,  a  infelicidade,  a  traição,  o  ciúme 
perpetua a opressão diferenciada entre os 
exagerado  e  a  excessiva  preocupação  com 
cônjuges.  Há  mulheres  que  encontram 
a  ordem  e  a  limpeza  do  lar  são 
autonomia  e  independência  por  meio  do 
experiências  que  aguardam  a  mulher.  O 
trabalho,  no  entanto  este  se  torna  uma 
marido  é  colocado  como  intermediador 
fadiga a mais se relacionado ao casamento 

 
127
devido à maternidade. E é neste posto que  Tal  risco,  principalmente  para  as 
a autora iniciar o próximo capítulo.  mulheres pobres, pode parecer muito mais 
  favorável  que  se  escandalizar  socialmente 

Capítulo II – A Mãe  com  um  filho  não  desejado.  Já  para  as 

O  filho,  segundo  a  tradição,  que  mulheres ricas, o aborto pode ser realizado 

deve  assegurar  à  mulher  autonomia,  se  de  modo  mais  “terapêutico”.  O  aborto  faz 

como  esposa  a  mulher  não  é  indivíduo  parte  da  vida  da  mulher,  não  importa  sua 

completo,  ela  pode  ser  realizar  apenas  condição  social.  E,  pelo  fato  da 

assumindo o papel de mãe, uma vez que a  maternidade  ser    tida  como  inerente  à 

maternidade  é  exposta  como  a  “vocação  mulher,  ela  tende  a  se  sentir  culpada  por 

natural”  da  mulher.  Sendo  assim, segundo  realizar  o  aborto.  Para  a  autora,  tal  fato  é 

a  autora,  a  concepção  do  filho  pode  se  tido como a renúncia da sexualidade: 

realizar  sexual  e  socialmente  a  mulher,  “Estes  [os  homens]  proíbem  universalmente  o 


aborto;  mas  aceitam‐no  singularmente  como 
porém  a  função  reprodutora  da  mulher  solução cômoda; é‐lhes possível contradizerem‐
se  com  um  cinismo  absurdo;  mas  a  mulher 
não  se  dá  mais  somente  pelo  acaso 
experimenta  essas  contradições  em  sua  carne 
biológico e sim, pela vontade.  ferida; ela é geralmente demasiado tímida para 
se  revoltar  deliberadamente  contra  a  má‐fé 
Assim,  a  autora  traz  a  discussão  masculina;  conquanto  considerando‐se  vítima 
de  uma  injustiça  que  a  decreta  criminosa  à 
sobre  o  aborto  e  suas  implicações  na 
força, sente‐se humilhada, maculada; ela é que 
constituição  na  condição  da  mulher,  uma  encarna,  numa  figura  concreta  e  imediata,  em 
si,  a  falta  do  homem;  êle  comete  a  falta,  mas 
vez  que  tal  prática  está  sujeita  a  vida  livra‐se  dela  na  mulher;  êle  diz  somente 
palavras,  num  tom  suplicante,  ameaçador, 
amorosa  de  boa  parte  das  mulheres. 
sensato,  furioso:  esquece‐as  depressa;  cabe  a 
Apesar  de  o  aborto  ser  concebido  como  ela  traduzir  essas  frases  na  dor  e  no  sangue.” 
(p. 257) 
imoral  e  busca  assegurar  os  direitos  do 
A autora expõe que a relação que a 
embrião,  desinteressa‐se  por  ele  depois 
mulher  tem  com  a  gravidez  é  algo 
que  nasce.  Diante  disso,  a  autora  defende 
extremamente  subjetivo,  ela  enfrenta  a 
que  os  argumentos  contra  o  aborto  legal 
gravidez  de  modo  ambíguo:  ao  mesmo 
não  têm  peso  por  se  utilizar  somente  do 
tempo que deseja se livrar dos incômodos 
argumento  católico  que  afirma  ter  alma  o 
fisiológicos,  a  mulher  também  quer  dar  à 
feto,  enquanto  isso  o  aborto  continua  a 
luz ao um ser que venha lhe complementar 
fazer  parte  da  realidade  da  mulher  e, 
para  se  sentir  um  ser  em  si,  com  valor 
devido a vários motivos que a levam a fazê‐
próprio, o que é uma ilusão. 
lo,  se  submete  à  tratamentos  e  cirurgias 
A  relação  da  mãe  com  o  seu  filho 
clandestinas  que  podem  lhe  custar  a 
após  o  parto,  segundo  a  autora,  depende 
própria vida.  
de diversas questões, dentre elas: a relação 

 
128
com o marido, as relações construídas com  há  uma  regra  de  como  se  vestir,  uma  vez 
a  sua  família,  e  as  preocupações  consigo  que  a  mulher  dita  com  “pudor”  não  pode 
mesma. Devido a estas questões, a mulher  expor seu lado sensual e tampouco buscar 
pode  se  alienar  ao  filho  de  modo  a  a  atenção  dos  homens  por  meio  de  seus 
justificar  a  sua  existência  por  meio  dele,  adornos, tal postura é condenada. 
assim como pode ser fria e não manifestar  Ao  sentir‐se  admirada  pelo  modo 
seu  “instinto  materno”.  Para  a  autora,  a  como  está  vestida,  a  mulher  busca  a 
mulher  precisa  aceitar  a  condição  de  valorização de si mesma, busca se realizar, 
grávida  de  modo  livre  e  sinceramente  afirma  a  sua  beleza:  “Veste‐se  para  se 
desejada, pois:   mostrar:  mostra‐se  para  se  fazer  ser.”  (p. 
“(...) é preciso que a jovem mulher se encontre  305). Além disso, para se revestir de modo 
numa  situação  psicológica,  moral  e  material 
que lhe permita suportar‐lhe o fardo, sem o quê  mais  atraente,  a  mulher  busca  se  reunir 
as  consequências  serão  desastrosas.  É  com  outras  mulheres  e  expor  de  modo 
criminoso,  em  particular,  aconselhar  o  filho 
como  remédio  a  melancólicas  ou  neuróticas;  elegante sua residência e suas experiências 
faz‐se  com  isso  a  infelicidade  da  mulher  e  da 
criança. A mulher equilibrada, sadia, consciente  domésticas.  Tais  reuniões  entre  mulheres 
de suas responsabilidades é a única capaz de se  proporcionam a afirmação do universo que 
tornar uma "boa mãe".” (p. 290). 
lhes é comum, uma vez que o universo dos 
Para  concluir,  a  autora  afirma  que 
homens se mostra totalmente oposto. 
a mulher transcende o papel doméstico e o 
Devido casamento frustrado vivido 
materno na civilização moderna, para além 
por  uma  mulher  ‐  explicado  no  capítulo 
de  uma  perspectiva  generalizada  de  “a” 
anterior  –  ela  é  comumente  levada  a 
esposa,  “a”  mãe  e  “a”  dona  de  casa.  A 
condição  do  adultério  para  se  sentir 
mulher  moderna  busca  ser  notada  de 
firmada  e  valorizada  sexualmente.  Quanto 
modo singular, e busca esta satisfação por 
a isso, a autora declara que: 
meio de sua vida social. 
“(...)  a  escolha  de  um  amante  é  limitada  pelas 
  circunstâncias,  mas  há  nessa  relação  uma 
dimensão  de  liberdade;  casar‐se  é  uma 
Capítulo III – A Vida Social  obrigação,  ter  um  amante  um  luxo;  é  porque 
êle a solicitou que a mulher cede; tem certeza, 
A  autora  expõe  que  a  mulher 
senão do amor, ao menos do desejo dêle; não é 
buscar se realizar e se afirmar por meio de  para  obedecer  às  leis  que  êle  se  executa.”  (p. 
318) 
seus  adornos,  de  suas  vestimentas.  E  tais 
  Além  disso,  a  mulher  busca  prazer 
elementos,  segundo  a  construção  social, 
de  modo  diferenciado  do  homem,  ela  não 
revelam  a  conduta  da  mulher  que  vive  na 
aceita  se  deitar  com  um  homem  de 
sociedade,  ou  seja,  os  seus  adornos 
menores condições que as suas: ela tem o 
indicarão  se  ela  é  uma  mulher  solteira, 
cuidado  de  escolher.  A  mulher  pode 
casada,  uma  prostituta  etc.  Sendo  assim, 

  129
procurar  satisfações  sexuais,  mas  não  Uma  diferença  relevante  entre  a 
pretende dar ascendência a um amante de  prostituta e a mulher casada se mostra de 
baixa condição, por exemplo. Apesar disso,  forma  que  a  mulher  casada  é  de  certa 
o  adultério  cometido  pela  mulher  é  forma  respeitada  como  ser  humano,  já  a 
essencialmente mal visto se comparado ao  prostituta  não  tem  os  mesmos  direitos 
feito pelo homem na sociedade patriarcal.   evidenciando  aspectos  da  escravidão 
Para  concluir  a  autora  expõe  que  feminina.  A  miséria  e  a  falta  de  trabalho 
as  amizades,  o  adultério,  os  adornos  e  a  são variáveis que colaboram para a escolha 
vida  mundana  são  tidos  como  da  profissão  de  prostituta,  de  acordo  com 
divertimentos  para  a  mulher  ajudam‐na  Parent‐Duchâtelet muitas prostitutas eram 
“(...) a suportar seus constrangimentos mas  recrutadas  entre  as  domésticas.  Pelo  fato 
não  os  destroem.  São  falsas  evasões  que  de  as  arrumadeiras  não  terem  expectativa 
não  permitem  em  absoluto  à  mulher  ser  de  melhora  de  vida  e  serem  abusadas  no 
autenticamente  dona  de  seu  destino.”  (p.  trabalho,  muitas  vezes  lhes  cabiam  ser 
322).  amantes  de  seus  patrões  e  satisfazê‐los 
  sexualmente. 
Capítulo IV‐ Prostitutas e Hetairas  Outra  estatística  é  de  que  a 
O  casamento  teria  a  prostituição  maioria  das  prostitutas  na  cidade  vieram 
como correlativo imediato, de acordo com  do  campo,  defloradas  jovens  consentido 

Morgan  “o  hetairismo  acompanha  a  por  ignorância  e  sem  experimentar  o 


humanidade  até  em  sua  civilização  como  prazer. Essas jovens sofrem o traumatismo 
uma sombra projetada sobre a família” de  do defloramento e não necessariamente se 

forma  que  o  marido  obriga  a  esposa  à  veem  como  prostitutas  e  têm  dificuldade 
castidade,  mas  não  se  satisfaz  com  o  de  descreverem‐se.  Muitas  mulheres 

regime  que  lhe  impõe.Dessa  forma,  a  também  encaram  a  prostituição  como 

prostituta  é  onde  o  homem  liberta  sua  meio  de  aumentar  sua  renda,  há  também 

turpitude  e  ao  mesmo  tempo  a  renega,  e  as  mulheres  que  entraram  na  prostituição 

ela  sempre  será  tratada  como  pária.  através  da  violência  de  cafetões,  onde  ela 

Economicamente a prostituta se assemelha  se vê escravizada e sem possuir autonomia 

à  mulher  casada,  pois  ambas  veem  o  ato  do próprio corpo. 

sexual  como  um  serviço,  a  prostituta  tem  A  maioria  das  prostitutas 

vários clientes que lhe pagam tanto por vez  consideram‐se  moralmente  adaptadas  à 

e  a  mulher  casada  tem  um  contrato  com  sua  condição  pois  se  sentem  integradas 

um só homem para a vida inteira.  numa  sociedade  que  reclama  de  seus 


serviços, suas condições materiais são mais 

  130
preocupantes do que sua condição moral e  ainda  jovem  a  fecundidade  e  seu  encanto 
psicológica,  pois  são  expostas  a  inúmeras  erótico,  tais  coisas  que  justificavam 
doenças, muitas também engravidam e por  socialmente sua existência e sua felicidade. 
vezes abortam em condições desumanas, a  Com  o  passar  do  tempo,  a  mulher  que  se 
probabilidade  de  adquirir  um  vício  tóxico  sacrificou será mais desnorteada, de forma 
também  se  mostra  grande,  entre  outras  que olhará para trás e verá seu quinhão de 
problemáticas  situacionais  as  quais  elas  se  tempo  esgotado  para  fazer  aquilo  que 
expõem.  desejava  de  sua  vida,  ela  se  apavora  com 
A  prostituta  que  faz  comércio  de  as  estreitas  limitações  que  a  vida  lhe 
sua  generalidade  tem  concorrentes,  mas  infligiu.  Pelo  fato  de  ser  mulher,  suportou 
há bastante trabalho para todas, e mesmo  seu  destino  passivamente,parecendo  que 
através  das  suas  disputas  elas  se  sentem  lhe  roubaram  suas  possibilidades,  que 
solidárias. A hetaira que procura distinguir‐ escorregou  da  juventude  para  a 
se  é  a  priori  hostil  a  quem  almeja,  como  maturidade  sem  ter  tomado  consciência 
ela, um lugar privilegiado.  disso. 
Por  fim,  a  atitude  da  hetaira  tem  As  dificuldades  da  menopausa 
analogias com a do aventureiro, pois ela se  prolongam‐se em certos casos até a morte, 
encontra  muitas  vezes  a  meio  caminho  na  mulher  que  não  se  conforma  em 
entre  a  seriedade  e  a  aventura  envelhecer.  Despojada  de  seus  atrativos 
propriamente  dita,  visa  os  valores  pelo hábito e o tempo, a esposa tem  bem 
convencionais, se atribui tanta importância  poucas  possibilidades  de  reacender  a 
a sua glória que, não é somente por poder  chama  conjugal.  A  partir  do  momento  em 
econômico:  procura  nisso  a  apoteose  do  que a mulher consente em envelhecer sua 
seu narcisismo.   situação  muda,  ela  torna‐se  um  ser 
    diferente,  assexuado  mas  acabado:  uma 
Capítulo V ‐ Da maturidade à velhice  mulher  de  idade,  podendo  considerar 
A  história  da  mulher,  pelo  fato  de  então que a crise da menopausa terminou 
se  encontrar  ainda  encerrada  em  suas  por aí.  
funções  de  fêmea,  depende  muito  mais  Dessa  forma,  a  mulher  que  possui 
que a do homem de seu destino fisiológico.  descendentes  começa  a  investir  nos  filhos 
Todo  período  da  vida  feminina  é  calmo  e  como  uma  forma  de  sobreviver  neles.  Já 
monótono,  mas  as  passagens  de  um  em certos casos, quando a mulher não tem 
estágio  para  o  outro  são  de  uma  perigosa  descendentes  e  não  se  interessa  pela  sua 
brutalidade.  A  mulher  é  bruscamente  posteridade  ela  tenta  algumas  vezes  criar 
despojada  de  sua  feminilidade,  perde  homólogos. Propõe aos jovens sua ternura 

  131
maternal,  não  é  somente  por  hipocrisia  respeito, ela não tem domínio, nem sequer 
que  declara  amar  seu  jovem  protegido  em  pensamento,  sobre  essa  realidade  que 
como  um  filho,  os  sentimentos  maternos  a cerca. Não somente ela ignora o que seja 
inversamente  são  amorosos.  A  mãe  uma  verdadeira  ação,  capaz  de  mudar  a 
envelhecida e a avó reprimem seus desejos  face  do  mundo,  mas  ainda  perde‐se  no 
dominadores,  dissimulam  seus  rancores  e  meio  desse  mundo  como  no  coração  de 
contentam‐se  com  o  que  os  filhos  uma  imensa  e  confusa  nebulosa.  Sabe 
consentem  em  lhes  dar,  mas  então  não  servir‐se mal da lógica masculina. 
encontram  mais  socorro  neles,  continuam  De  maneira  geral,  embora 
disponíveis  diante  do  deserto  do  futuro,  reconhecendo, em conjunto, a supremacia 
presas da solidão, da saudade e do tédio.  dos  homens,  aceitando‐lhes  a  autoridade, 
Pode  acontecer  também  que  adorando‐lhes  os  ídolos,  ela  vai  contestar‐
certas  mulheres  se  empenhem  de  corpo  e  lhes  o  reinado  palmo  a  palmo,  daí  o 
alma  numa  empresa  e  tornem‐se  famoso  espírito  de  contradição  que 
realmente  ativas,  então  não  procuram  amiúde lhe censuraram, não possuindo um 
mais  ocupar‐se  tão  somente,  visam  certos  domínio  autônomo,  não  pode  opor 
fins, produtoras autônomas, evadem‐se da  verdades,  valores  positivos  aos  que  os 
categoria  parasitária  que  aqui  homens  afirmam,  pode,  entretanto  negá‐
consideramos,  porém  essa  conversão  é  los.  Sua  negação  é  mais  ou  menos 
rara.  sistemática  segundo  a  maneira  por  que 
Divertida  ou  amarga,  a  sabedoria  nela  se  dosam  respeito  e  rancor.  Mas  o 
da  mulher  velha  permanece  ainda  fato  é  que  ela  conhece  todas  as  falhas  do 
inteiramente  negativa:  é  contestação,  sistema  masculino  e  se  apresenta  em 
acusação,  recusa,  é  estéril.  Em  seus  denunciá‐las. 
pensamentos,  como  em  seus  atos,  a  mais   
alta  forma  de  liberdade  que  a  mulher  Parte III: Justificações 
parasita pode conhecer é o desafio estóico  Capítulo I ‐ A narcisista 
ou  a  ironia  cética.  Em  nenhuma  idade  de  Pretendeu‐se  por  vezes  que  o 
sua vida ela consegue ser ao mesmo tempo  narcisismo  era  atitude  fundamental  de 
eficiente e independente.  toda mulher, e na realidade, o narcisismo é 
  um processo de alienação bem definido: o 
Capítulo VI ‐ Situação e caráter da mulher  eu  é  posto  como  um  fim  absoluto  e  o 
A  própria  mulher  reconhece  que  o  sujeito  nele  foge  de  si.  Muitas  outras 
universo  em  seu  conjunto  é  masculino,  o  atitudes  se  encontram  na  mulher  e  a 
quinhão  da  mulher  é  a  obediência  e  o  verdade  é  que  as  circunstâncias  convidam 

 
132
a mulher, mais do que o homem a voltar‐se  mulher  têm  do  amor.  É  somente  no  amor 
para  si  mesma  e  a  dedicar‐se  a  seu  amor.  que  a  mulher  pode  harmoniosamente 
Se  assim  pode  propor‐se  a  seus  próprios  conciliar seu erotismo com seu narcisismo, 
desejos,  é  porque  desde  a  infância  se  fazer‐se  objeto  carnal,  presa,  contradiz  o 
apresentou a si mesma como um objeto.  culto que ela rende a si mesma: parece‐lhe 
Rica  de  seus  tesouros  que  os  amplexos  lhe  gastam  e  lhe 
desconhecidos,  marcada  por  uma  estrela  emporcalham  o  corpo  ou  que  lhe 
fasta  ou  nefasta,  a  mulher  toma  a  seus  degradam a alma. 
próprios olhos a necessidade dos heróis de  A  mulher  que  se  submete  com 
tragédia que um destino governa. Toda sua  prazer  a  caprichos  masculinos  igualmente 
vida  se  transfigura  num  drama  sagrado.  A  admira  na  tirania  que  se  exerce  sobre  si  a 
generosidade  da  narcisista  é‐lhe  evidência  de  uma  liberdade  soberana. 
aproveitável:  mais  do  que  nos  espelhos  é  Cumpre atentar para o fato de que, se, por 
nos  olhos  admirativos  de  outrem  que  ela  uma razão qualquer, o prestígio do amante 
divisa  seu  duplo  aureolado  de  glória.  arruína‐se,  pancadas  e  exigências  se 
Muitas  mulheres,  imbuídas  de  sentimento  tornarão  odiosas:  só  valem  como 
de  sua  superioridade,  não  são  entretanto  manifestação da divindade do bem‐amado. 
capazes  de  manifestá‐la  aos  olhos  do  Neste caso é alegria embriagante sentir‐se 
mundo,  sua  ambição  será  então  utilizar,  a presa de uma liberdade estranha: é para 
como  instrumento,  um  homem  a  quem  um  existente  a  mais  surpreendente 
convencerão  dos  méritos  delas,  não  visam  aventura  achar‐se  criado  pela  vontade 
a  valores  singulares  através  de  livres  diversa e imperiosa do outro, a obediência 
projetos,  querem  anexar  valores  feitos  ao  cega  é  a  única  possibilidade  de  mudança 
seu  eu,  voltar‐se‐ão  portanto  para  os  que  radical que um ser humano pode conhecer. 
detêm influência e glória.  No  dia  em  que  for  possível  à 
  mulher  amar  em  sua  força,  não  em  sua 
Capítulo II ‐ A amorosa  fraqueza,  não  para  fugir  de  si  mesma  mas 
A  palavra  “amor”  não  tem  o  para se encontrar, não para se demitir mas 
mesmo  sentido  para  um  e  outro  sexo,  para  se  afirmar,  nesse  dia  o  amor  tornar‐
Byron  disse  que  o  amor  é  apenas  uma  se‐á  para  ela,  como  para  o  homem,  fonte 
ocupação na vida do homem, ao passo que  de vida e não perigo mortal. Enquanto isso 
é  a  própria  vida  da  mulher.  Em  verdade,  não  acontece,  ele  resume  sob  sua  forma 
não é de uma lei da natureza que se trata,  mais patética a maldição que pesa sobre a 
é  a  diferença  de  suas  situações  que  se  mulher  mutilada,  incapaz  de  se  bastar  a  si 
reflete  na  concepção  que  o  homem  e  a  mesma.  As  numerosas  mártires  do  amor 

 
133
testemunharam  contra  a  injustiça  de  um  de  realiza‐la  autenticamente:  projetá‐la 
destino  que  lhes  propõe,  como  derradeira  mediante  uma  ação  positiva  na  sociedade 
salvação, um inferno estéril.  humana. 
   
Capítulo III ‐ A mística  Parte IV ‐ O caminho da libertação 
  Capítulo I ‐ A mulher independente 
O  amor  foi  apontado  à  mulher  Foi  através  do  trabalho  que  a 
como  sua  suprema  vocação  e,  quando  o  mulher cobriu em grande parte a distancia 
dedica  a  um  homem,  nele  ela  procura  que  a  separava  do  homem,  só  o  trabalho 
Deus:  se  as  circunstâncias  lhe  proíbem  o  pode  assegurar‐lhe  uma  liberdade 
amor humano, se é desiludida ou exigente,  concreta.  Desde  que  ela  deixa  de  ser  um 
é  em  Deus  mesmo  que  ela  escolherá  parasita,  o  sistema  baseado  em  sua 
adorar  a  divindade.  A  mulher  está  dependência  desmorona,  entre  o  universo 
acostumada  a  viver  de  joelhos,  espera  e  ela  não  há  mais  necessidade  de  um 
normalmente que a sua salvação desça do  mediador masculino. 
céu onde reinam os homens, eles também  Para  a  mulher  casada  o  salário 
estão envoltos em nuvens, é para além dos  geralmente  representa  apenas  um 
véus  de  sua  presença  carnal  que  sua  complemento,  para  a  mulher  que  já  é 
majestade se revela.   ajudada  é  o  auxilio  masculino  que  se 
A  mulher  busca  primeiramente  no  apresenta  como  o  inessencial,  mas  nem 
amor  divino  o  que  a  amorosa  exige  no  uma  e  nem  outra  adquirem  com  seu 
amor  do  homem:  a  apoteose  de  seu  esforço  uma  dependência  total.  Porém, 
narcisismo,  esse  olhar  soberano,  atenta  e  existe  hoje  um  número  assaz  grande  de 
amorosamente  fixado  nela,  é  uma  privilegiadas  que  encontram  em  sua 
milagrosa fortuna. É sob a figura do esposo  profissão  uma  autonomia  econômica  e 
que Deus aparece de preferência à mulher,  social.  São  elas  que  pomos  em  questão 
por  vezes  ele  se  mostra  em  sua  glória,  quando  indagamos  das  possibilidades  da 
deslumbrante  de  brancura  e  de  beleza,  mulher  e  de  seu  futuro.  A  mulher  que  se 
dominador,  veste‐a  com  um  vestido  de  liberta  economicamente  do  homem  nem 
núpcias coroando‐a, tomando‐a pela mão e  por isso alcança uma situação moral, social 
prometendo‐a uma apoteose celeste.  e psicológica idêntica a do homem. 
No  entanto,  a  mulher  não  tem  em  Assim,  é  a  mulher  independente 
todo caso domínio sobre o mundo, não se  dividida  hoje  entre  seus  interesses 
evade  de  sua  subjetividade,  sua  liberdade  profissionais  e  as  preocupações  de  sua 
permanece mistificada, só há uma maneira  vocação  sexual,  tem  dificuldade  em 

  134
encontrar seu equilíbrio, se o assegura é à  outro, a reciprocidade de suas relações não 
custa  de  concessões,  de  sacrifícios,  de  suprimirá  os  milagres  que  engendra  a 
acrobacias  que  exigem  dela  uma  perpétua  divisão  dos  seres  humanos  em  duas 
tensão.  Então  muito  mais  do  que  nos  categorias  separadas:  o  desejo,  a  posse,  o 
dados  fisiológicos  é  que  cabe  procurar  a  amor,  o  sonho,  a  aventura  e  as  palavras 
razão  do  nervosismo,  da  fragilidade  que  que nos comovem: dar, conquistar, unir‐se 
muitas vezes observam nela.  conservarão seus sentidos. Ao contrário, é 
  quando  for  abolida  a  escravidão  de  uma 
CONCLUSÃO  metade  da  humanidade  e  todo  o  sistema 
Dessa  forma,  é  possível  concluir  de  hipocrisia  que  implica,  que  a  seção  da 
que a despeito de lendas, nenhum destino  humanidade  revelará  sua  significação 
fisiológico  impõe  ao  macho  e  à  fêmea,  autêntica e que o casal humano encontrará 
como  tais,  uma  eterna  hostilidade.  A  sua forma verdadeira. 
humanidade  é  coisa  diferente  de  uma   
espécie:  é  um  devir  histórico,  define‐se  Nota sobre as autoras: 

pela  maneira  pela  qual  assume  a  Celete  Chaves  Barra:  graduanda  em  psicologia  pela 
Universidade  Federal  do  Pará  e  pesquisadora  do 
facticidade  natural.  A  escravização  das 
Núcleo  de  Teoria  e  Pesquisa  do  Comportamento  no 
mulheres pelos homens e a desvalorização  projeto  APRENDE  (Atendimento  e  Pesquisa  sobre 
da  feminilidade  foi  uma  etapa  necessária  Aprendizagem  e  Desenvolvimento).  E‐mail: 

da  evolução  humana,  mas  teria  podido  celestecbarra@outlook.com  


Denise  Raissa  Lobato  Chaves:  graduanda  em 
engendrar  uma  colaboração  dos  dois 
psicologia  pela  Universidade  Federal  do  Pará  e 
sexos. 
bolsista  de  iniciação  científica  PIBIC/CNPq.  E‐mail: 
Libertar  a  mulher  é  recusar  denny.raissa@gmail.com  
encerrá‐la nas relações que mantém com o  Raissa  Cruz  dos  Santos:  graduanda  em  psicologia 

homem,  mas  não  as  negar,  ainda  que  ela  pela Universidade Federal do Pará e pesquisadora no 


Laboratório  de  Neurociências  e  Comportamento 
se  ponha  para  si,  não  deixará  de  existir 
(LabNec). E‐mail: raissa‐cds@hotmail.com  
também  para  ele:  reconhecendo‐se   
mutuamente  como  sujeito,  cada  um  Recebido em junho de 2014 

permanecerá  entretanto  um  outro  para  o  Aprovado em novembro de 2014 

   

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