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INTRODUÇÃO
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Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI, Campus Universitário
“Min. Petrônio Portella” – Ininga –Teresina – Piauí. Integrante do RODA GRIÔ - GEAfro: Núcleo de
Estudos sobre Gênero, Educação e Afrodescendência, UFPI.
raimundagomes3@hotmail.com
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agressivas no ataque aos grupos sociais, entre eles, a população afrodescendente. O que
era camuflado, agora aparece manifestado explicitamente por sujeitos dos diferentes
segmentos sociais e naturalizadas por parte significativa da sociedade, de forma que
ataques partem, inclusive, de autoridades públicas, com poder político de decisão, e,
declaradamente, contra os direitos conquistados.
O cenário posto comprova a tese de Moura (1994) de que o racismo foi e continua
sendo uma arma ideológica de dominação usada pelo colonialismo europeu, que deixou
como legado a mentalidade colonial, conceituada por Quijano (2010) de colonialidade,
introjetada no pensamento brasileiro, independente da permanência do domínio
territorial e da superação do racismo cientifico. O genocídio contra a população
afrodescendente no passado escravista, denunciado por Nascimento (1978), atualiza-se,
com outros aparatos de forma mais sofisticada, disseminada através de setores midiáticos
de controle dos “herdeiros dos crimes”, que continuam no presente “a se beneficiar das
fortunas acumuladas indevidamente, sem o compartilhamento, reordenamento e
redistribuição dos benefícios com os povos prejudicados (CUNHA JR, 2005, 48).
Por isso, justifica-se a agressividade do racismo, à medida que avançam as lutas
e se definem medidas para sua eliminação. Pode-se compreender que essas medidas
promotoras da ascensão de afrodescendentes aos lugares sociais demarcados pela elite
colonizadora para si, têm relação com essa revitalização. Ao que parece, os “herdeiros
dos crimes” e “das fortunas”, tem como papel a continuidade do processo de dominação,
para isso tenta manter nos lugares sociais subalternos, o povo afrodescendente. Com as
resistências e as reinvindicações da população afrodescendente, geradoras de conquistas
gradativas e reposicionamento na escala social, as reações são previsíveis, como ocorreu
desde a organização dos quilombos e nos diferentes momentos históricos.
Ainda sobre a permanência das ideologias racistas, o pensamento de Cunha Junior
(2005), converge com a tese defendida por Moura (1994), quando afirma que,
embora nos últimos 50 anos as diversas áreas das ciências, notadamente a
biologia, se dedicaram a superar a ideia de raças humanas, esse conceito ainda
opera estragos sucessivos no imaginário social e nas representações sociais.
[...] A raça biológica está sepultada, superada como forma de pensamento, mas
os problemas persistem. Outras formas derivadas dos resquícios da raça
biológica estão ainda em evidência. Uma delas é a teoria da mestiçagem, que
parte da existência de três raças biológicas, as transforma numa raça social e
faz apologias da mestiçagem brasileira como solução de um problema social
(CUNHA JR., 2005, P.252).
Para ilustrar os “estragos” de que trata o referido autor, serão apresentados algumas frases
e eventos racistas ocorridos nos últimos anos e que foram pontos de reflexão na
Palestra de Abertura do “I Evento de Diversidade: Discutindo raça, gênero e etnicidade”,
intitulada “Educação e relações etnicorraciais na escola”.
Para desenvolver a primeira ideia, lançou-se a questão “Como se dão as relações
etnicorraciais na escola em outros espaços sociais?”, apresentando-se frases de pichações
e outros eventos racistas de bastante repercussão nos espaços acadêmicos e nas redes
sociais, causadores de indignação e reação, sobretudo, de pessoas afrodescendentes, alvos
centrais dos ataques.
A primeira pichação analisada foi a seguinte: “Lugar de negro não é no
Mackenzie, é no presídio” (Pichação no banheiro masculino da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo, 2015). O discurso presente no texto
remete aos lugares sociais dos afrodescendentes, no imaginário de parte significativa da
sociedade brasileira, apesar de a maioria dos brasileiros não se reconhecerem racistas.
Segundo uma pesquisa do Instituto Data Popular, divulgada em 2014 pelo Centro
Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, 92% dos brasileiros acreditam que
há racismo no país, mas somente 1,3% se considera racista. Mostra ainda a pesquisa que
68,4% dos brasileiros adultos disseram ter presenciado um branco se referir a um negro
como “macaco”, sendo que apenas 12% reagiram ao fato. O referido estudo revela, ainda
que um em cada seis homens brancos não queria ver uma filha casada com um homem
negro.
Tal pesquisa só reforça a ideia da existência e a persistência de um “cinismo
étnico” que, segundo Moura (2001), permeia as relações na sociedade brasileira, de forma
que “todo brasileiro tem um discurso democrático e um comportamento racista. Ninguém
se diz racista no Brasil, mas quando a realidade étnica se apresenta, o seu comportamento
é outro e o seu discurso desaba” (MOURA, 2001, p. 1).
A proposta dessa reflexão temática logo na abertura do Evento mencionado foi
proposital, visando discutir e analisar os a permanência e avanço dos racismos no
contexto atual, bem como questionar seus mecanismos de reprodução, sendo alguns deles
o “ mito da miscigenação e da democracia racial” que “criou argumentos ideológicos
(estruturas)”, significando “elemento complicador da situação do negro” (CAVALEIRO,
2000), por evitar a análise das “formas ordenadas destas populações poliétnicas”
(MOURA 1988, p. 61), e camuflar o racismo.
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2013: “e pensar que Lula o nomeou por ser negro, o principal atributo de sua ascensão ao
STF, agora age como preto”. O autor da frase afirmou ter pedido desculpas ao Ministro.
A questão, ao ser resolvida apenas com pedido de desculpa, concorre para a naturalização
e a manutenção do racismo.
Os eventos de racismo aqui citados sinalizam que a questão racial não é apenas
conjuntural, mas estrutural, crônica, com suas raízes na ideologia eurocêntrica, que
atribuiu aos afrodescendentes condição de existência e incapacidade intelectual
inferiores. Por isso, Moura (1994, p. 1) alerta que o racismo “transcende em muito as
questões acadêmicas, para atingir um significado mais abrangente, da ideologia de
dominação”, sendo necessário se admitir “o papel social, ideológico e político do racismo
para compreender sua força permanente e seu significado polimórfico e ambivalente.
A conjuntura atual, o avanço na conquista de direitos pelos afrodescendentes,
essas reações fazem parte das tensões raciais, por representarem certo abalo às estruturas
socias dominantes, pois, segundo Moura (1994) em determinados momentos histórico-
políticos, o racismo adquire mais vitalidade e se desenvolve com mais agressividade, no
contexto das relações locais, nacionais e internacionais. Ao que parece, o Brasil vive a
revitalização e a agressividade do racismo, após séculos lutas antirracistas.
Isso transpareceu, por exemplo, no desenvolvimento das atividades do Projeto “I
AFROsecundaristas, cujo tema “Estudantes secundaristas: a construção de uma sociedade
sem racismos é possível e urgente”, sugere uma forma de reação de jovens estudantes que
se sentem afetados pelo contexto sociopolítico em que as ideologias racistas os assustam
e os intimidam de forma impactante.
Um fato que justifica essa “urgência” na construção de uma sociedade sem
racismo é o número crescente de jovens afrodescendentes excluídos, inferiorizados e
assassinados. Segundo pesquisa realizada pelos Estudos e Políticas do Estado, das
Instituições e Democracia (Ipea), de autoria de Cerqueira; Moura (2013), com base no
Sistema de informações sobre Mortalidade (SIM/MS) e no Censo Demográfico do IBGE
de 2010, dos indivíduos que sofreram morte violenta entre 1996 a 2010, a maioria são
negros. Segundo os cálculos, mais de 39 mil pessoas negras são assassinadas todos os
anos no Brasil, contra 16 mil indivíduos de todas as outras “raças”.
No da Mapa da Violência Waiselfsz (2016), produzido pela Faculdade Latino-
Americana de Ciências Sociais (Flacso), apurando violência por armas de fogo, a taxa
de homicídios de negros aumentou 9,9% entre 2003 e 2014, passando de 24,9% para
27,4%. Assim, a vitimização negra do país, que em 2003 era de 71,7%, mais que duplicou:
em 2014 alcançou 158,9%, significando a morte de 2,6 vezes mais negros que brancos
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vitimados por arma de fogo. A pesquisa mostra, também, que a maioria desses jovens,
entre 19 e 25 anos mortos por armas de fogo, em 2014, são de negros das periferias das
grandes cidades. É prova de que a violência tem cor, está associada ao racismo e o
principal alvo são os jovens negros em situação desprivilegiada. Por essa razão, a
preocupação dos estudantes, ao realizarem o “I AFROsecundaristas”, é pertinente e
precisa ser considerada pelas escolas, principalmente, porque apontaram a necessidade
de se trabalhar a temática racial de forma mais abrangente no currículo escolar.
Nos dois eventos, objetos de análise dessa abordagem, fez-se uma reflexão acerca
do contexto macro gerador dos racismos e das demais formas de discriminação. A
discussão, partindo da pergunta motivadora “A partir de que concepções e referenciais
foram/são construídas as relações sociais na sociedade brasileira?” foi para instigar o
pensamento sobre as vivências e suscitar as muitas histórias, que aos poucos foram se
revelando. Em seguida, a instigadora da questão expôs uma sínese das origens dos
conflitos raciais, seguida das discussões dos participantes.
A síntese se baseou em Coelho (2013), apoiada em teóricos e pesquisadores,
destacando que as relações sociais no Brasil se construíram a partir do pensamento euro-
cristão capitalista imposto pelos colonizadores, a partir de uma relação de dominação na
qual o povo europeu, intitulando-se superior, concentrou grande poder para classificar,
escravizar e explorar de todas as formas os povos não cristãos, entre eles os
afrodescendentes. Fundado nessa lógica, o colonizador criou o eurocentrismo e o
etnocentrismo, atribuiu-se o status de zona metropolitana, civilizada, tratando outras
regiões do mundo como zona colonial, não-lugar, cujos indivíduos, sendo sem alma,
“selvagem”, “receptáculo vazio”, poderiam ser escravizados (SANTOS, 2010).
Na síntese, ficou entendido que o arrojado projeto colonialista, se consolidou
mediante um aparelho ideológico bem arquitetado (MOURA, 1988), com apoio
articulado da ciência, do direito e da fé, imprimindo a inferioridade aos povos colonizados
e a todas as suas formas de existência. Além de praticar o genocídio (NASCIMENTO
1978), praticou o epistemicídio, condenando e invalidando saberes e práticas dos
afrodescendentes, de forma que, no plano individual, foram taxados como inferiores;
religiosamente, como sem almas; intelectualmente, como menos capazes; esteticamente,
feios; sexualmente, como objeto de prazer; socialmente, como sem costumes; e,
culturalmente, classificados como selvagens (SANTOS, 2007).
A síntese evidenciou a vitalidade da ideologia eurocêntrica, que, assimilada e
introjetada pela sociedade brasileira, criou a mentalidade duradoura, a colonialidade
(QUIJANO), que, auxiliada pela ideia da democracia racial e do silenciamento, continua
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Piauí, planejou e realizou uma programação, com temática diversificada para dar conta
das inquietações do contexto atual. Ficou explícita a preocupação com a eliminação de
todas as formas de discriminação e preconceitos, pois os temas machismo, racismo,
lgbtfobia, misoginia, movimentos de resistência como o feminismo e os quilombos,
questões ligadas a inclusão de pessoas com deficiências, debates sobre indígenas no Piauí,
e África e o processo diaspórico, foram bem explorados, de forma articulada e envolvendo
professores, estudantes, pessoas da comunidade e movimentos sociais.
As referidas atividades estão em consonância com o eixo 1, nas dimensões B,
“Educação em igualdade e conscientização”, que recomenda a organização de eventos
com o objetivo de acionar um debate público e conscientização sobre a luta contra o
racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias relacionadas, com a participação
de todas as partes interessadas, incluindo o governo, representantes da sociedade civil e
indivíduos ou grupos de indivíduos vítimas desses atos; e de promover um melhor
conhecimento, reconhecimento e respeito quanto às culturas, à história e às tradições da
população afrodescendente.
Quanto ao evento “I Afrosecundaristas”, com o tema geral “Estudantes
secundaristas: a construção de uma sociedade sem racismos é possível e urgente”, o próprio tema
já denota a preocupação em compreender o contexto atual das relações raciais. A justificativa
do Projeto do referido Evento aponta contradições, expressas nas estatísticas, como a
incompatibilidade entre o número o tamanho população afrodescendente e o número
reduzido de pessoas que acessam as políticas.
Ficou bem evidenciado no referido Projeto que já existe um estágio de
consciência crítica e compromisso o combate ao racismo, bem expresso nesse fragmento
do Projeto “achamos importante discutir a questão racial para nos fortalecermos e
atuarmos na defesa da promoção da igualdade racial, começando pelo ambiente escolar.
Como objetivos específicos constam: discutir a questão racial em diferentes espaços
através da diversidade de manifestações culturais, evolvendo estudantes, educadores,
comunidades, ativistas negros; destacar os processos históricos geradores dos racismos e
as lutas das pessoas afrodescendentes para a superação desse racismo, reafirmação de sua
identidade e seus valores e para a promoção da de direitos; ampliar o acesso a informações
sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação das identidades, provocada por
relações -raciais; valorizar a oralidade, a corporeidade e a arte, por exemplo, como a
dança, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura; reconhecer os
afrodescendentes como grupo social que participou significativamente para a construção
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CONSIDERAÇOES PROVISÓRIAS
Esta abordagem permitiu refletir sobre a conjuntura atual de revitalização das
ideologias racistas e analisar a importância da discussão da questão racial no ambiente
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REFERÊNCIAS
SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos
saberes. In SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo:
Cortez, 2010b, p. 31-83.
WAISELFSZ. J. J. Mapa da Violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil.
Instituto Sangari, 2016. Disponível em <
https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf>.
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/10/pichacao-racista-e-encontrada-em-
banheiro-do-mackenzie-em-sp.html
https://www.geledes.org.br/brasileiros-acham-que-ha-racismo-mas-somente-1-3-se-
consideram-racistas/.
http://www.espn.com.br/blogs/gabrielamoreira/637485_racismo-no-futebol-cresce-e-
punicoes-diminuem.
https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2017/10/epoca-negocios-pesquisa-
aponta-que-casos-de-racismo-no-brasil-quase-duplicaram-em-um-ano.html
https://goias24horas.com.br/13989-post-racista-de-kid-neto-ganha-destaque-nacional-e-
vira-materia-no-estadao/
http://libra.ifpi.edu.br/saojoao/noticias/campus-sao-joao-do-piaui-comemora-o-dia-da-
consciencia-negra.
http://libra.ifpi.edu.br/saoraimundononato/noticias/campus-sao-raimundo-nonato-
realiza-i-evento-de-diversidade
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=922298024595817&set=a.42820520400510
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