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Universidade Federal Rural de Pernambuco - Unidade Acadêmica

de Garanhuns
Bacharelado em Ciência da Computação

Disciplina: Computadores e Sociedade


Professor: Robson Santos
Alunos: Emanuel Ferreira¹
Giudicelli Elias²

​ o seriado
Análise do episódio ​Metalhead d
Black Mirror

INTRODUÇÃO E SINOPSE

Metalhead ​é o quinto episódio da quarta temporada da série ​Black Mirror.​ Ele conta a
história de um grupo de pessoas que decide resgatar um objeto que permanece
desconhecido do espectador até o fim do episódio. Aparentemente, esse grupo representa
uma facção de resistência ou de sobreviventes em um ambiente hostil, e a princípio é
sugerido pelos diálogos que o objeto a ser encontrado poderia se tratar de um medicamento,
o qual seria destinado a algum integrante do grupo que estivesse enfermo. Os membros do
grupo são identificados como Bella, Tony e Clarke.
Enquanto os três estão dentro de um carro esperando o momento certo de invadir o
galpão onde está o objeto, nota-se um clima de tensão constante em relação ao perigo
iminente que cerca o local. Os invasores se comunicam por rádio com o restante do grupo,
os quais lhes passam instruções de como executar a operação. Ao invadirem o galpão, eles
buscam encontrar a prateleira onde provavelmente o objeto está e nesse ponto um robô
vigilante cuja forma lembra a de um cachorro os encontra e inicia-se um confronto armado,
sendo que o robô possui vantagem sobre o grupo devido ao fato de ser um produto de alta
tecnologia.
No embate, Tony e Clarke são mortalmente alvejados pelo robô e Bella consegue
fugir. Eles não chegam a encontrar o objeto procurado. No confronto com o robô, Bella é

_____________
¹ ​emanueldiego0@gmail.com​, UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO.
² ​giudicellielias@gmail.com​, UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO.
atingida por um projétil que dispara rastreadores, os quais são inseridos em sua pele.
Graças a isso, ela o robô poderá persegui-la por onde quer que ela vá. Após sofrer um
acidente durante a fuga ao ser atacada pelo robô, o carro cai em penhasco levando o robô
consigo. Bella consegue escapar.
Para evitar ser rastreada pelo robô, Bella retira os rastreadores de sua perna
utilizando uma faca. Nesse ponto o robô já sabia sua localização e a encontra. Ela sobe em
uma árvore a fim de se proteger. Acontece então que o robô não consegue escalar a árvore
devido ao fato de ter uma das “patas” destruída durante a queda com o carro. Ainda assim
ele fica na espreita, esperando o momento em que Bella descesse da árvore. Bella então
passa a noite atirando pequenos balas no robô com o intuito de que ele gaste suas energias
até que precise carregá-las. Isso acontece e então ela aproveita o momento para fugir.
Durante sua fuga Bella entra em um casarão onde encontra dois cadáveres em
estado de decomposição na cama. Ela busca no bolso de um deles a chave de um carro
que está estacionado em frente à casa. Também pega uma arma, a fim de se proteger
durante sua fuga. Enquanto isso, o robô consegue encontrá-la novamente e a perseguição
reinicia dentro do casarão. Durante o novo confronto Bella joga tinta no visor do robô,
deixando-o incapaz de rastreá-la visualmente. Ele então passa a guiar-se de forma errante
por meio do som do ambiente. Bella corre para o carro e tenta ligá-lo. O robô persegue o
som que sai da dos alto-falantes do carro e os destrói. Nesse momento, aproveitando a
desorientação do seu perseguidor, ela atira fatalmente contra a cabeça do robô, o qual é
finalmente destruído. Como último recurso de seu sistema, ele dispara um novo projétil que
lança rastreadores contra Bella. Em seguida vemos Bella diante do espelho analisando em
quais partes do seu corpo os rastreadores estão incrustados. Então, tristemente ela nota
que um deles está alojado em sua garganta, possivelmente próximo às artérias vitais para o
corpo humano.

Figura 1​: o robô que persegue Bella.


Fonte​: ​https://ewedit.files.wordpress.com/2017/12/metalhead.jpg

Desta forma ela percebe que pode não sobreviver a remoção desse rastreador e, em
virtude disso, resolve se despedir de seus companheiros através do seu rádio comunicador.
Enquanto ela aproxima uma faca da garganta a câmera mostra em visão superior o cenário
onde tudo ocorreu. Vemos então que mais robôs estão analisando o local, possivelmente
devido a algum sinal de comunicação enviado pelo primeiro robô. Então, finalmente
descobrimos qual era o objeto que Bella e seus companheiros almejavam obter: ursos de
pelúcia.

Palavras chave: Robótica, Inteligência Artificial, Distopia.

INTERPRETAÇÃO

É quase consenso entre os fãs da série que o episódio ​Metalhead ​destoa do padrão
que a série estabeleceu durante todos os outros episódios. A começar o episódio é
totalmente em preto e branco, o que deixa o clima da trama ainda mais carregado e confere
um aspecto frio e sem vida ao cenário. Outro traço distintivo em relação aos outros
episódios é que ​Metalhead ​parece não tratar-se de uma paródia pessimista de um problema
atual da nossa sociedade. O episódio não leva um aspecto cotidiano da nossa relação com
tecnologia à um extremo bizarro e doentio, como por exemplo são os episódios ​Arkangel
(que trata sobre controle e alienação utilizando tecnologia) e ​Queda Livre (que fala sobre
redes sociais e a realidade falsificada que elas podem gerar). Segundo Lemos (2018 p.
138): “Aqui (na realidade apresentada na trama) não há paródia do presente, mas uma
distopia de um futuro apocalíptico dominado por robôs que nunca desistem em suas
implacáveis caçadas”. Em outro trecho (p. 139) ele afirma: “[...] sendo que o episódio destoa
dos anteriores por não ser uma paródia do presente, por não trazer uma discussão evidente
sobre as mazelas da sociedade tecnológica contemporânea [...]”.
Entretanto, talvez o aspecto que mais cause estranheza é o fato de não haver uma
narrativa que conte uma história de forma clara, explicando os eventos que ocorrem. Tudo
fica aberto a interpretação do espectador: não sabemos o que houve com o planeta, quem
são exatamente aquelas pessoas, quais as motivações e origens dos robôs, se são
sistemas autônomos ou controlados por terceiros, etc. O episódio é focado em ação física e
ocasionalmente dramática (os momentos em que Bella está sozinha, geralmente), mas nada
é explicitado, deixando então muitas possibilidades de interpretação.
É interessante notar que o episódio parece fazer eco à diversas produções
cinematográficas das últimas décadas, como por exemplo: ​O Exterminador do Futuro,
Guerra dos Mundos, Blade Runner​, etc. Essa semelhança pode indicar a direção pela qual
ele deve ser interpretado: a humanidade vive em um futuro dominado por máquinas que
buscam eliminá-la e o que resta aos sobreviventes é organizar grupos de resistência.
Partindo desse princípio, podemos entender que ​Metalhead ​problematiza a ascensão
da fusão de inteligência artificial com maquinário de guerra. De fato, nota-se durante toda a
história que não aparecem grandes artefatos tecnológicos: os carros possuem modelos
semelhantes aos do presente, existem rádios walk-talks como meio de comunicação. Isso
pode sugerir que um experimento pioneiro na construção de máquinas de guerra com
aplicação de inteligência artificial saiu do controle, mas não necessariamente que a
humanidade vivia um tempo de absurdo avanço tecnológico.
É ainda interessante relacionar o que se passa no episódio com o que vivemos no
nosso contexto social atual. É sabido que existem robôs semelhantes em estrutura àquela
que vemos na tela. Também sabemos do interesse de algumas nações pela uso de
tecnologia de automação como armas militares, o que inclusive gera reações daqueles que
acreditam que a união de Inteligência Artificial e máquinas mortíferas é um risco real e
urgente. A questão que se levanta é se é possível evitar que a realidade se iguale à ficção.

SIMBOLISMOS

Durante o episódio é interessante observar alguns simbolismos que aparecem na


tela. Certamente isso é um exercício de interpretação por parte daquele que acompanha o
desenrolar da história, e portanto não representa uma verdade objetiva.
A princípio nota-se a escolha de uma forma canina para o robô que persegue Bella.
Isso pode sugerir a ressignificação da tecnologia em seu relacionamento com o ser humano.
De fato sabemos que o cão sempre foi tido como o melhor amigo do homem entre os
animais. É conhecido o uso de cães em diversas tarefas de auxílio às pessoas: cães de
vigia, caçadores, cães guias, de resgate, etc. Assim sendo, esse aspecto representaria o
estado atual da nossa relação com a tecnologia: ela é usada como facilitadora em muitas
tarefas que executamos no cotidiano. Computadores, celulares, meios de transporte, meios
de comunicação, etc, tudo isso nos serve assim como os cães. Por esse ponto de vista
então o fato de o robô ser representado como um cão mostra o que a tecnologia passa a
significar para as pessoas na realidade onde a história se passa: uma ameaça.
Outro simbolismo interessante é o fato de os objetos buscados por Bella e seus
companheiros serem ursinhos de pelúcia. O ursinho remete a ideia de ternura, serenidade e
de um modo geral a sentimentos suaves e essencialmente humanos. Dessa forma, temos
uma metáfora para o aspecto de humanidade perdido e reprimido pelas máquinas.

RELACIONANDO METALHEAD COM OUTROS TEXTOS

Segundo Lemos em seu artigo ​CIBERCULTURA. Alguns pontos para compreender a


nossa época​, no contexto da cibercultura o corpo é visto como informação, como dados,
seguindo a perspectiva levantada pelo projeto Genoma Humano (LEMOS, sem data).
Podemos relacionar isso com Metalhead da seguinte forma: o avanço tecnológico e
científica torna tênue a diferença entre o orgânico e o artificial. Sendo assim, uma vez que a
própria composição humana é dissecada de uma modo puramente materialista abre-se um
precedente para a ideia de que seja possível a construção de objetos que simulam a vida
humana. A esses objetos podemos chamar Androids, Cyborgs, etc.
Jack de Castro Holmer em seu artigo ​O Imaginário da robótica responsável na
Cibercultura foca na ideia daquilo que conhecemos como “robô”, tantos em sua visão
caricata apresentada pela ficção como sua existência na realidade. Analisando as várias
técnicas de Inteligência Artifical que têm sido propostas ele afirma (HOLMER, 2008 p.8):

A Inteligência Artificial aponta direções do reconhecimento delicado de padrões,


pois com isto um cérebro artificial pode aprender a linguagem humana e buscar
conhecimento por si só. Estes métodos são chamados de emergentes, pois não
podemos prever com exatidão o que o sistema de auto-organização irá simular.

Podemos concluir que esse nível de adaptação citado por Holmer seria exatamente o
necessário para a criação de um robô de caça e execução, que tem como função básica
identificar (reconhecer o padrão) do alvo a ser abatido. Também notamos que a autonomia
do aprendizado do sistema artificial é o ponto crítico referente à segurança do sistema.
Sob o ponto de vista da influência social na produção tecnológica, temos que
(PARANÁ; MEDEIROS, 2017) explicam como se dá esse fenômeno:

Dessa forma, conclui-se que o modo de organização da vida social a qual estamos
inseridos interfere diretamente nos rumos do desenvolvimento científico, ao
mesmo tempo que aquele é também ativado, em suas transformações, por este.
Por meio do desenvolvimento e uso de novas tecnologias – sempre configuradas
em íntima relação com tais modos de vida e horizontes civilizacionais – nos é
possibilitado reconfigurar as formas de interação com o mundo a nossa volta.

Certamente os robôs de Metalhead não surgiram acidentalmente. A construção


daqueles artefatos exigiu empenho e deliberação por parte dos seus criadores e a notar pela
natureza de sua aplicação prática trata-se de algo relacionado a guerra e violência. Desta
forma, fica-se claro que o uso da tecnologia em um dado momento da história é
condicionado pela dimensão social vigente.

CONCLUSÃO

Lemos (2018 p.139) faz uma observação que define muito bem o “espírito” de
Metalhead:​ “(...) por outro lado poderíamos dizer que esse talvez seja o mais ​Black Mirror de
todos os episódios e de todas as temporadas. Certamente não é em termos de estilo, mas
em termos de coerência epistemológica sobre os problemas da cultura digital.”. Ou seja:
Metalhead l​ eva ao ponto máximo a visão pessimista que a série traz sobre a união da
tecnologia com maus hábitos sociais do ser humano. Ele trata essencialmente sobre o ápice
do mal que a tecnologia pode causar à humanidade: sua extinção.
Visto de forma superficial, ​Metalhead pode parecer uma narrativa visual sem
profundidade e que abusa de clichês do cinema Estadunidense. Entretanto, visto como uma
premissa do argumento que ​Black Mirror levanta sobre tecnologia ele é um ponto forte e
contundente sobre para onde possivelmente todas as outras narrativas da série caminham.

Figura 2:​ o objetivo da busca de Bella e seus companheiros

Fonte:
http://www.coxinhanerd.com.br/wp-content/uploads/2018/01/BLACK-MIRROR-S04E05-META
LHEAD.jpg

REFERÊNCIAS

LEMOS, André. ​Isso (não) é muito Black Mirror​. Salvador: EDUFBA, 2018.

LEMOS, André. CIBERCULTURA. ​Alguns pontos para compreender nossa época.


HOLMER, Jack de Castro. ​O Imaginário da robótica responsável na Cibercultura​.
Guarapuva. Intercom, 2008

PARANÁ, Edemilson. MEDEIROS, Márcio Felipe Salles. ​Vida programada: o


imbricamento ser humano-máquina e a ideologia da técnica no capitalismo
contemporâneo. ​2017

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