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Capítulo 01
Relação entre Liberdade, Ação e Conhecimento
Será que o ser humano pode ser livre ao realizar uma ação? Ou será que as pessoas
sempre são forçadas a agir necessariamente do modo que agem, como se fossem
regidas por uma espécie de “lei da natureza”? A liberdade humana é um fato ou uma
ilusão?
Um dos pensadores que considera que a liberdade humana é uma ilusão argumenta
que um bêbado pode se sentir “livre” durante o momento em que fala algo ofensivo.
Mas, depois que o efeito do álcool passa e o sujeito retoma a sobriedade, ele se
arrepende daquele ato de ter dito palavras inadequadas para alguém e percebe que
não foi livre.
Mas será que podemos comparar o ato de um bêbado com os atos de um cientista no
laboratório ou de um diplomata nas mesas de negociação?
A diferença entre um diplomata e um bêbado é que o diplomata tem consciência não
só sobre suas ações e desejos, mas ele também pode ter um conhecimento
aprofundado sobre os motivos dessas suas ações e desejos.
Em que medida, posso me sentir mais livre, quando tenho conhecimento do motivo de
uma ação? E como funciona o meu conhecimento humano e a minha atividade de
pensar no momento em que me torno consciente do motivo de uma ação?
Esses são os questionamentos do primeiro capítulo para introduzir o tema da liberdade
humana na ação. Discute-se sobre a possibilidade de se ter consciência não só sobre
a ação, mas também sobre a causa e o motivo da ação.
Para compreender se é possível termos conhecimento do motivo da ação, primeiro
precisamos saber como funciona o nosso processo de ter conhecimento das coisas
em geral. Depois disso, poderemos entender como funciona o nosso processo de ter
conhecimento na situação específica de conhecermos o motivo de uma ação. Além
disso, podemos checar em que medida notamos um maior sentimento de liberdade
resultar da ação que realiza um motivo consciente.
Por isso, os primeiros sete capítulos do livro (de um total de quinze capítulos) buscam
compreender como funciona o nosso processo de ter conhecimento e qual é o papel
do pensar intuitivo nesse processo.
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Capítulo 02
O Desejo que Mobiliza a Busca por Conhecimento
Definimos que nosso primeiro passo será descobrir como funciona o processo de obter
conhecimento. Mas, em que contexto real nós vivenciamos as motivações mais fortes
para ativarmos a busca por conhecimento? E em que circunstâncias, nos sentimos
espontaneamente motivados para iniciarmos a nossa atividade de pensar?
Podemos observar na nossa vida prática, que o desejo por conhecimento surge com
força nos momentos em que observamos algo que nos causa uma sensação de
estranhamento enigmático.
Me sinto integrado e familiarizado com os fatos que eu compreendo bem. E me sinto
distanciado dos fatos que me incomodam com a dúvida. Me sinto como se fosse um
estranho naquele contexto que não compreendo. Então surge o desejo de conhecer.
O desejo pelo conhecimento é gerado por um estado de insatisfação diante de fatos
enigmáticos que me preenchem de dúvidas.
Nessa sensação de distanciamento dos fatos, são formadas as perguntas a partir de
uma tensão criativa no meu ser. Essas perguntas ativam ainda mais a minha
curiosidade para buscar por respostas e explicações.
Diante dos fatos enigmáticos, das dúvidas e das perguntas, me vivencio numa
dualidade: eu versus os fatos do mundo; sujeito versus objeto.
Neste capítulo, Steiner não teoriza nada, mas apenas nos descreve o que
presenciamos em nossa consciência no momento em que surge a vontade de
conhecer.
Ele nos apresenta o estado de tensão criativa que vivenciamos no momento em que
nos motivamos para ativar energicamente o nosso pensar a fim de iniciar a nossa
busca por conhecimento.
Capítulo 03
O Papel do Pensar e dos Conceitos
Como funciona a nossa atividade de pensar? Podemos realizar observações diretas
sobre a nossa própria experiência mental durante a atividade de pensar?
Imagine que você está observando uma jogada de bilhar. Você observa tudo com os
olhos, mas decide NÃO pensar a respeito do que você observa. De repente, alguém
impede o seu campo de visão com uma espessa cortina, logo depois de você ver o
taco movimentar a bola branca em direção a uma bola verde.
O que você saberá dizer a respeito da direção e intensidade do movimento da bola
verde, se você se limitar à observação sem o pensar? - Nada. Não será possível
prever nada sobre os fatos que não são compreendidos, mas apenas observados.
Em seguida, abre-se novamente a cortina e você pode ver novamente o desenrolar
dos acontecimentos durante as jogadas seguintes de bilhar. Mas agora, você decide
ativar a sua capacidade de pensar sobre os fatos que você observa. Com isso, você
conecta conceitos de velocidade, massa, elasticidade, entre outros e começa a ver
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conexões entre esses conceitos e os dados e fatos transmitidos pelos seus olhos
sobre as cenas das jogadas de bilhar.
Então, mais uma vez, lhe encobrem o campo de visão com a espessa cortina que
impede de acompanhar os fatos com a sua visão, logo depois de você ver o taco
movimentar a bola branca em direção a uma outra bola, a bola amarela.
O que você saberá dizer dessa vez sobre os acontecimentos que estão ocorrendo
atrás daquela cortina? - Tudo. Você será capaz de saber a direção e a velocidade da
bola amarela, por causa dos conceitos que o pensar relacionou. Os conceitos gerados
com o pensar fazem com que você participe dos acontecimentos mesmo sem vê-los.
A sua atividade de pensar, se for realizada com precisão, lhe permitirá prever o que vai
acontecer mesmo sem ver os fatos com os olhos.
Portanto, o pensar forma conceitos a partir dos acontecimentos e os conceitos
explicam sobre o sentido desses acontecimentos.
No entanto, observar o pensar funciona de modo bem diferente do que observar todas
as outras coisas. A observação de uma mesa surge em mim, assim que a mesa
aparece no horizonte das minhas vivências, porque a mesa surge para a minha
observação como algo dado.
Mas para eu observar o meu pensar sobre a mesa, eu preciso, antes disso, pensar
ativamente sobre a mesa. E, enquanto eu penso sobre a mesa, eu não consigo
simultaneamente observar o meu pensar sobre a mesa.
O processo de observar o pensar ocorre em dois passos diferentes. No primeiro
passo, eu penso sobre algo. No segundo passo, eu utilizo a atividade anterior como o
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meu novo objeto para ser observado pela memória. Nesse segundo passo, eu me
coloco numa posição de observador de mim mesmo e observo as minhas experiências
mentais anteriores ao me recordar da minha atividade de ter pensado sobre aquele
objeto (durante o primeiro passo). Ou seja, no segundo passo, eu contemplo (em
observação interior) a atividade de pensar que eu realizei momentos antes.
Faz parte do dia a dia, o meu estado de observar os objetos e observar os
acontecimentos. Também faz parte do dia a dia, o estado de pensar sobre eles. No
entanto, não é usual esse outro estado de “observar o pensar”. Observar o pensar é
um estado de exceção.
Por que, normalmente, não notamos a nossa atividade mental durante o pensar? O
motivo é simplesmente o fato do pensar ser a nossa própria atividade mental mais
íntima e mais própria. É justamente por isso, que o exercício de observar o pensar
pode se tornar o processo que nos permite conhecer-nos a nós mesmos do modo
mais direto possível.
Portanto, a observação mais importante de todas que uma pessoa pode realizar é a
observação da própria atividade de pensar. Se a pessoa (qualquer pessoa funcional)
se esforçar com boa vontade, ela conseguirá desenvolver a capacidade de observar o
pensar.
No ato de observar o pensar, eu posso compreender melhor a mim mesmo como uma
individualidade humana, porque o pensar é a minha atividade mais genuína.
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Conceitos são Interligações de Significados
Quando observo o pensar, eu compreendo a relação entre as partes do que estou
observando.
Pela observação sem o pensar, eu tenho um estímulo visual do raio desconectado do
estímulo auditivo do trovão. Mas quando observo o meu pensar sobre o trovão, eu
percebo que, dentro do conceito do trovão, já está presente a conexão de significado
com o conceito do raio.
Capítulo 04
Conceitos Versus Palavras
Por meio do pensar, surgem conceitos e ideias. Mas não é possível dizer com palavras
o que é um conceito.
As palavras podem apenas direcionar a atenção da pessoa, mostrando-lhe que ela
obteve conceitos.
Conceitos e Ideias
As ideias não são qualitativamente diferentes dos conceitos. As ideias são conceitos
mais abrangentes e com mais conteúdo.
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Por isso, vamos buscar observar o que causou o ruído e, finalmente, encontramos o
pássaro como a causa do barulho.
Portanto, a observação desafia o pensar e o pensar nos mostra o caminho para não
nos limitarmos a uma primeira vivência isolada, mas para buscarmos uma outra
vivência e estabelecermos uma relação de causa e efeito.
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Observar o Ato de Observar
Como é que os objetos da observação chegam à consciência humana antes de se
conectarem com os conceitos e com o pensar?
Imagine que uma pessoa plenamente inteligente e adulta surja do nada pela
primeiríssima vez entre nós. Como serão os primeiros momentos dessa pessoa ao
olhar, ouvir, cheirar e sentir o mundo ao seu redor? Como serão esses primeiros
momentos em que ela simplesmente observa o mundo, sem nenhuma ativação do
pensar?
Esse exemplo hipotético é radical, porque nós todos já temos uma enorme
quantidades de conceitos e de imagens mentais atuantes conscientemente ou
inconscientemente dentro de nós a todos os momentos.
Essa pessoa adulta e inteligente recém surgida do nada (e sem ativar ainda o seu
pensar) estaria com zero conceitos em sua consciência e zero imagens mentais
interpretativas. Essa pessoa observaria o afluxo de sensações visuais, auditivas,
táteis, olfativas, etc… sem rótulos, sem explicações, sem conexões. O mundo para
essa pessoa seria um aglomerado desconexo de sensações e mais sensações.
Apenas no momento em que essa pessoa permitisse a primeiríssima ativação do seu
pensar é que ela iria elaborar conceitos e ideias que iriam conectar passo a passo as
sensações e observações isoladas num todo contextualizado de significados
explicativos.
A experiência de observar os fatos e intencionalmente se propôr a não pensar e não
utilizar os conceitos e as imagens mentais arquivadas é a experiência de vivenciar um
agregado desconexo de sensações (“observação pura”).
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As pessoas ingênuas acreditam que a realidade dos fatos ocorre exatamente do modo
como os seus sentidos observa esses fatos.
A minha observação me gera imagens sobre os fatos e as características dessas
imagens dependem não só das características do objeto, mas dependem também de
características minhas como observador.
As imagens mentais decorrentes da observação dependem da minha posição e
localização, no que se refere aos efeitos da perspectiva, por exemplo. Além disso, as
imagens mentais decorrentes da observação também dependem de como os meus
órgãos sensoriais percebem as qualidades do objeto. Se eu fôr daltônico, por exemplo,
eu não verei a qualidade cromática do vermelho.
Portanto, de início, minhas imagens mentais geradas pela observação são sim
subjetivas.
Quando observo uma árvore, eu sou desafiado a encontrar o conceito daquela árvore.
Assim que a árvore sai do meu campo de observação, permanece em mim, na minha
consciência, uma imagem mental que representa aquela árvore. Essa imagem da
representação mental se conectou comigo mesmo durante o ato de observação da
árvore.
A árvore, eu observo fora de mim, no mundo, por meio dos meus órgãos dos sentidos.
A imagem da representação mental daquela árvore, eu observo dentro de mim, na
minha memória, na minha experiência acumulada.
As observações dos fatos se perderiam, se eu não acumulasse experiência de vida e
não guardasse as imagens mentais das minhas representações dentro de mim
mesmo, na minha memória.
Eu percebo cores e sons nos objetos do mundo exterior a mim. E eu percebo imagens
de representações mentais interiormente, dentro de mim mesmo.
Capítulo 05
A Relação entre Conceitos e Fatos
Muitas pessoas acreditam que a realidade dos fatos não tem nenhuma relação com os
conceitos. Essas pessoas são da opinião que os conceitos e pensamentos são apenas
fabricações pessoais sem nenhuma participação na realidade.
O conceito é uma fabricação da minha cabeça ou faz parte intrínseca do objeto
observado? Será que o mundo se apresenta de modo completo sem o pensar
humano?
Será que o mundo não faz com que o conceito de uma planta surja na cabeça do
observador humano de acordo com as leis da natureza e com a mesma necessidade
que faz com que a flôr surja naquela planta?
Plante uma semente na terra. Ela lançará raiz e caule. E ela se desenvolve em folhas
e flores. Coloque essa planta diante da sua própria observação pensante, diante da
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sua consciência reflexiva. A planta irá se unir com um determinado conceito em sua
mente.
Por que esse conceito da planta pertenceria menos à planta como um todo do que as
folhas e flores?
Você pode retrucar que as folhas e as flores aparecem mesmo sem que um sujeito
esteja lá observando aquela planta, enquanto que o conceito da planta só surge
quando um ser humano se coloca diante da própria planta. Sem dúvida que sim.
Num primeiro passo, nós observamos um objeto, mas não captamos, no mesmo
instante, o conceito correspondente àquele objeto. Pela observação nós captamos o
objeto “por fora”, exteriormente. Pelo pensar, nós captamos o conceito daquele objeto
“por dentro”, interiormente.
Dentro da nossa consciência se encontram os elementos do objeto que nos vieram
pela via exterior e se unem com os elementos do objeto que nos vieram pela via
interior. O objeto agora está completo em minha consciência. Agora, me sinto
participando da realidade completa desse objeto.
Mas essa minha parte limitada faz fronteira à sua volta com outras partes que não são
minhas: tanto temporalmente, quanto espacialmente.
Imagine que a nossa existência estivesse conectada com todas as coisas de modo
que os acontecimentos do universo fossem ao mesmo tempo os nossos próprios
acontecimentos. Nestas condições, não haveria nenhuma diferença entre nós e as
coisas e todos os acontecimentos ocorreriam uns nos outros continuamente.
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Se fosse assim, o universo seria uma unica coisa, uma unidade, um todo completo em
si mesmo. O fluxo dos acontecimentos não teria interrupção em nenhum lugar.
Por causa da nossa limitação, nos parece que uma coisa é algo isolado,
enquanto que, na verdade, não é algo isolado.
Por exemplo, em nenhum lugar a qualidade isolada “vermelho” ocorre de modo
separado em si mesma. Essa qualidade sempre está acompanhada de outras
qualidades, ela sempre pertence a outras qualidades. Sem essas outras
qualidades, o “vermelho” não tem existência.
No entanto, é uma necessidade nossa termos que fazer recortes do mundo e
contemplarmos cada recorte isoladamente.
Por isso, é decisivo que eu defina e posicione o significado do meu próprio ser em
relação aos demais seres. E essa autodefinição é bem diferente do que a
auto-observação.
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Nesse sentido, eu sou um ser duplo. Pela observação, eu estou fechado no âmbito da
minha personalidade. E pelo pensar, eu sou o portador de uma atividade que define a
minha existência limitada, a partir de uma esfera mais ampla.
Nós vemos uma força absoluta vir à existência dentro de nós, uma força que é
universal. Mas não tomamos conhecimento dessa força no momento em que
ela brota a partir do centro do universo, mas de um ponto na periferia.
Se fosse o primeiro caso, nós teríamos a solução para o enigma de todo o
universo, assim que a nossa consciência despertasse.
No entanto, por estarmos num ponto da periferia e por nos encontrarmos
restritos em limites específicos, precisamos tomar conhecimentos das regiões
que estão fora do nosso próprio ser, por meio do auxílio do pensar que surge
com ímpeto dentro de nós a partir do ser universal geral.
É justamente por esse motivo que aparece em nós o desejo pelo conhecimento: é
porque o pensar sobrepõe-se ao nosso ser particular e se relaciona com o ser
universal geral.
Intuição e Observação
Seres que não pensam, não têm o desejo pelo conhecimento. Quando outras coisas
aparecem diante deles, não aparece nenhuma pergunta. Por isso, essas outras coisas
permanecem exteriores a esses seres.
Mas para seres pensantes, abre-se o conceito diante da coisa exterior. E o conceito é
o que nós recebemos das coisas a partir de “dentro” e não, de “fora”.
Portanto, o objeto observado não é algo completo e acabado, mas é apenas um dos
lados da realidade total. O outro lado é o conceito. O ato do conhecimento é a síntese
do objeto observado com o conceito.
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conexões entre cada um dos seres observados que conseguimos identificar o
significado dos fatos isolados: o significado deles para si mesmos e o significado deles
para as demais partes do mundo.
O conteúdo dos objetos observados nos é dado a partir “de fora” exteriormente pela
observação. Enquanto que o conteúdo do pensamento nos surge “de dentro”, pelo que
podemos denominar de “intuição”.
A intuição é para o pensar, o que a observação é para o objeto observado.
As fontes do conhecimento humano são a intuição e a observação.
Fragmentação e Unificação
Explicar alguma coisa, torná-la compreensível, não é nada mais do que inseri-la no
contexto de relações do qual nós a arrancamos devido aos recortes subjetivos que
fazemos inicialmente das coisas.
O que nos aparece como coisas isoladas pelo nosso ato de observação é unido parte
por parte pelo mundo integrado da nossa intuição gerando contextos coerentes.
Nós voltamos a unificar, por meio do nosso pensar, o que nós tínhamos fragmentado,
por meio do nosso ato de observar.
Conhecimento e Ação
Se soubermos o que podemos compreender do mundo, então teremos mais facilidade
para, em seguida, nos organizar de acordo com essa compreensão.
Nós só conseguiremos ser atuantes com plena força, quando compreendermos bem o
objeto exterior ao qual queremos dedicar a nossa atividade.
Capítulo 06
Individualidade e Experiência Pessoal
Um aspecto importante de nossa individualidade é o conteúdo da nossa experiência
pessoal. Como é formada a experiência pessoal?
Quando observo um fato, o meu pensar é ativado e conecto um conceito com aquele
fato que explica as sensações que tive durante a observação objetiva. Esse
conhecimento fica armazenado em mim na forma de uma representação mental.
A representação mental é um conceito individualizado que tem conexão com um
objeto específico que foi observado por mim em algum momento no passado.
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A pessoa com a experiência mais rica é a pessoa com um maior número de
conceitos individualizados.
Uma pessoa que é desprovida da capacidade de ter intuições, não é capaz de
obter experiências. Os objetos se perdem do seu campo de observação
constantemente, porque lhe faltam os conceitos com os quais ela deveria
entrar em conexão com esses objetos.
Mas também não conseguirá acumular experiência, uma outra pessoa que
conta com boa capacidade de pensar, mas com capacidade de observação
limitada, devido a órgãos de sentido disfuncionais. Essa pessoa consegue
obter conceitos de algum modo, mas suas intuições não contam com a vívida
referência a coisas específicas.
O viajante que não pensa e também o erudito que vive em sistemas
conceituais abstratos são ambos incapazes de adquirir uma experiência rica.
Individualidade e Sentimentos
Até agora, nós refletimos sobre a busca por conhecimento. Mas além de sermos seres
pensantes, nós também somos seres com sentimentos.
Como a nossa vida de conhecimento se relaciona com a nossa vida de sentimentos?
Por meio do pensar, nós estabelecemos uma relação do objeto observado com o
conceito. E, por meio do sentir, nós estabelecemos uma relação do objeto observado
com a nossa própria subjetividade, na forma de prazer ou desprazer.
O pensar é o elemento da nossa natureza humana que nos permite participar dos
acontecimentos gerais do mundo e do universo. E o sentir é o elemento da nossa
natureza humana que nos permite voltar para dentro do âmbito do nosso próprio ser.
Nosso pensar nos une com o mundo; nosso sentir nos direciona para dentro de
nós mesmos e nos torna indivíduos.
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Uma individualidade desenvolvida consegue levar a vivacidade dos seus sentimentos
até a região dos conceitos e das ideias.
Por um lado, podemos notar que uma vida de sentimentos completamente desprovida
do pensar perderia, gradativamente, todas as conexões objetivas com o mundo. E pelo
outro lado, podemos ter a experiência de que o sentimento é um meio eficaz para que
os conceitos comecem a ganhar vida concreta.
Por isso, quem busca ter uma existência humana abrangente e completa terá foco
tanto na busca por conhecimento, como no desenvolvimento da vida de sentimentos.
Capítulo 07
Limites do Conhecimento
Existem limites para o conhecimento? Esses limites são iguais para todos os seres
humanos ou são limites pessoais? Como superar esses limites?
Limites do conhecimento é um assunto individual, porque falar de limites de
conhecimento só faz sentido em relação a perguntas de conhecimento específicas que
ainda não foram respondidas. E as perguntas de conhecimento são muito pessoais.
Cada pessoa tem a pergunta de conhecimento que vive nele ou nela.
Em dado momento, a pessoa pode não ter as respostas que satisfaçam a sua
pergunta de conhecimento individual, por encontrar limites que a impedem de
respondê-la. Mas estes limites individuais ao conhecimento para responder a própria
pergunta são limites passageiros.
Estes limites são condicionados pelo tempo ou pelo espaço ou pelas condições
pessoais. Por isso, esses limites podem ser superados em outro momento mais
adequado no tempo ou em outro campo de observação mais adequado no espaço ou
em uma situação em que as próprias capacidades pessoais de pensar e observar
estejam mais desenvolvidas.
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O conhecimento não é um assunto geral do mundo, mas é um assunto que
cada ser humano tem que resolver consigo próprio.
As coisas não pedem por nenhuma explicação. Elas existem e atuam umas
sobre as outras de acordo com as leis que podem ser encontradas pelo pensar.
As coisas existem em unidade inseparável com essas leis.
Então surge o nosso eu diante das coisas e capta delas apenas o que nós
definimos como objetos observados.
Mas no interior desse nosso eu, encontra-se a força para encontrar também a
outra parte da realidade.
A busca do conhecimento só alcança a satisfação, quando o eu reune também
para si mesmo esses dois elementos da realidade que já estavam conectados
inseparavelmente no mundo. Nesse momento, o eu retorna à realidade.
Portanto, as condições para o surgimento do conhecimento ocorrem por meio
do eu humano e para o eu humano.
É o eu humano que propõe a si mesmo as perguntas de conhecimento. E ele
as obtêm a partir do elemento plenamente claro e transparente do pensar.
Se nós nos colocamos uma pergunta que não conseguimos responder, então o
conteúdo da pergunta não pode estar claro e nítido em todas as suas partes.
Não é o mundo que nos coloca perguntas, mas somos nós mesmos que as
colocamos.
Eu posso imaginar, que me falte toda a possibilidade de responder uma
pergunta que eu encontre escrita em algum lugar por aí, sem que eu conheça a
esfera de onde o conteúdo da pergunta foi obtido.
No nosso conhecimento, trata-se de perguntas que nos surgem, quando uma
esfera de observações (condicionada pela localização, pelo tempo e pela
organização subjetiva) se confronta com uma esfera de conceitos (que indica
em direção da unidade do universo).
Minha tarefa consiste em equilibrar essas duas esferas que me são tão
familiares.
Pode ser que, em algum momento, isso ou aquilo permaneça sem explicação,
porque estamos impedidos pelo nosso lugar na vida de observar as coisas que
estão em jogo.
Mas, o que não é encontrado hoje, pode ser encontrado amanhã. As limitações
condicionadas desse modo são passageiras e podem ser superadas, por meio
do progresso da observação e do pensar.
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O Pensar Intuitivo Aprofunda a Busca por Conhecimento
O aprofundamento do conhecimento depende da intuição que vive dentro da atividade
do pensar. A intuição vivenciada no pensar pode atingir camadas mais profundas da
realidade durante a busca por conhecimento.
Capítulo 08
Recapitulemos o que conquistamos nos últimos capítulos.
Uma destas coisas isoladas, um ser entre seres, é o próprio ser humano.
Essa configuração do mundo, nós identificamos como uma configuração dada.
Nós não a desenvolvemos por meio de atividade consciente, mas nós a
encontramos pronta. Por isso, essa configuração do mundo é a dos objetos da
observação.
Dentro do mundo das observações, nós observamos a nós mesmos.
Essa auto-observação permaneceria equiparada às múltiplas outras
observações, se não surgisse, a partir do centro dessa auto observação, algo
que se mostra capaz de conectar os objetos da observação em geral entre si e
capaz de conectar o conjunto de todos os objetos de observação com a
observação do nosso self (observação de si mesmo).
Esse algo que surge não é mais apenas objeto de observação. Esse algo não é
simplesmente encontrado, como no caso dos objetos da observação.
Esse algo vem à tona, por meio de atividade. E ele aparece, inicialmente,
ligado com o que observamos como sendo o nosso self. Mas o significado
intrínseco desse algo vai além do nosso self.
Esse algo anexa determinações de significado em cada objeto observado.
Essas determinações de significado se relacionam entre si e se fundamentam
em um todo.
E, de modo semelhante como faz com todos os objetos observados, esse algo
também determina o que constatamos pela auto-observação. Determina-o com
conexões de significado e posiciona-o como sujeito ou “eu” diante dos objetos.
Esse algo é o pensar e as determinações de significado são os conceitos e as
ideias.
Portanto, o pensar se manifesta, de início, no contexto da observação do self.
No entanto, o pensar não é subjetivo, porque é com a ajuda do pensar que o
self se define como sujeito.
Essa relação de pensamentos consigo mesmo é uma definição de vida para a
nossa personalidade.
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Por meio dessa definição, nós conduzimos uma existência de ideias e nos
sentimos como seres pensantes.
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Capítulo 09
Motivo da Ação e Predisposição Pessoal Mobilizadora para a Ação
Imagine que duas pessoas diferentes têm a mesmíssima ideia de ir fazer uma
caminhada de meia hora. A primeira pessoa logo desiste da caminhada e permanece
no sofá assistindo televisão, enquanto que a segunda pessoa sai de casa e realiza, de
fato, a caminhada de meia hora.
Por que será que uma mesma ideia gerou ações tão diferentes nas duas pessoas?
Essa diferença ocorreu, devido à variação na predisposição pessoal mobilizadora (em
inglês, o “drive”) dessas duas pessoas em relação à ideia da caminhada.
A segunda pessoa já tinha uma opinião própria positiva sobre a importância da
caminhada para a saúde e já tinha desenvolvido sentimentos de prazer e bem estar
em relação à caminhada. Mas essas características pessoais não eram
suficientemente intensas na outra pessoa que permaneceu no sofá, por isso ela não
disponha de uma predisposição pessoal mobilizadora (“drive”) para caminhadas.
Portanto, dois fatores são necessários para que uma ação ocorra. O motivo (meta) da
ação é o primeiro fator. E o segundo fator é a predisposição pessoal mobilizadora
(“drive”) para transformar efetivamente esse motivo, essa meta em ação.
O motivo da ação, em geral, é algo que ocorre no curto prazo e é definido por uma
ideia ou por uma imagem mental sobre a finalidade da ação. E a predisposição
pessoal mobilizadora para a ação depende de características que tendem a ser mais
estáveis no longo prazo.
A predisposição mobilizadora para a ação pode ser gerada por diversos tipos de
características pessoais, como os instintos básicos, o padrão das reações emocionais,
a experiência prática, o estilo pessoal de pensar e a capacidade de ter intuições.
As características da vida instintiva da pessoa em relação às necessidades básicas
ocorrem, em geral, por meio de um certo automatismo. Surge um estímulo visual,
auditivo ou olfativo e a predisposição mobilizadora já é ativada imediatamente para
deflagrar uma ação. Com frequência, isso acontece no “piloto automático” que
obedece o comando do instinto sem nenhuma reflexão consciente.
Os padrões emocionais pessoais também são uma importante categoria de
predisposição mobilizadora para a ação. Alguém vê uma criança pedindo esmola e
vivencia um intenso sentimento de compaixão que a mobiliza para dar um dinheiro
para a criança. Já um outro sujeito também vê a cena da mesma criança pedindo
dinheiro, mas ele sente indignação e raiva ao suspeitar que trata-se de uma criança
sendo explorada por adultos sem escrúpulos e, ao invés de dar esmola, notifica o
serviço social da prefeitura sobre o suposto abuso. No primeiro caso, a ação foi
deflagrada pelo sentimento de compaixão e, no segundo caso, pelo sentimento de
indignação.
A experiência prática também define as características da predisposição mobilizadora
para a ação. Quando vejo um problema, logo podem aparecer imagens na minha
cabeça de soluções do passado que servem de modelo para eu resolver rapidamente
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a situação atual. Isso nem sempre funciona no novo contexto, mas, com frequência,
ajuda.
Por fim, a capacidade de ter intuições pode se manifestar como mais uma categoria de
predisposição mobilizadora para a ação. Diante de um desafio novo, a pessoa não
conta com experiências práticas anteriores e cria uma solução inovadora e funcional a
partir do pensar intuitivo. Para isso ser possível, é muito conveniente que a pessoa
tenha tido estímulos na escola, na formação profissional e, sobretudo, nas práticas de
autoconhecimento para desenvolver em si mesma a predisposição pessoal capaz de
ativar o pensar intuitivo.
A capacidade de ativar o pensar intuitivo pode atuar como predisposição mobilizadora
para a ação, por meio de intuições que tive no passado e também, por meio de
intuições que tenho no momento da ação.
Intuições que obtive no passado, por meio do pensar intuitivo, me proporcionam um
“estoque” de conceitos vívidos que podem ser mantidos de modo latente em mim.
Depois de dias, meses, anos ou décadas, pode surgir um novo desafio específico
como uma oportunidade para que um destes conceitos vívidos realize o papel de ativar
uma ação, por já estar presente em mim como predisposição mobilizadora.
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O Pensar Intuitivo na Ação
Quando a minha vontade segue os instintos e hábitos automáticos sem refletir, então
essa “minha” vontade não é a minha vontade. Quando a minha vontade segue o
autoritarismo de sistemas morais predefinidos sem refletir, então essa “minha” vontade
também não é a minha vontade. A “minha” vontade é a minha vontade, de fato,
quando a minha individualidade observa os fatos com riqueza de detalhes, ativa o
pensar intuitivo e cria uma ação para atender a uma necessidade específica no
contexto diante de mim.
Cada pessoa tem em si um conjunto muito único e pessoal de ideias atuantes geradas
pelo pensar intuitivo ao longo de sua vida. Diante de uma nova situação de vida, o
indivíduo ativa e contextualiza algumas dessas ideias atuantes geradas pela atividade
do pensar intuitivo no passado ou, então, ele elabora novas ideias atuantes pelo
pensar intuitivo presente.
Quando esse conjunto muito individual de ideias obtidas pelo pensar intuitivo se
direciona para ações práticas em sociedade, ele pode ter um significado ético bastante
genuíno e benéfico para o todo, quando é movido por um amor genuíno pela ação.
Essa é a ideia do “individualismo ético”.
Esse amor pela ação, não costuma estar presente quando a pessoa realiza uma ação
apenas por obrigação para se adequar à uma regra social.
A minha ação gerada pelo pensar intuitivo vai gerar efeitos tidos como “bons” se ela for
contextualizada adequadamente na situação geral em que ela se insere. O pensar
intuitivo gera a ideia da ação e o pensar intuitivo também compreende o contexto da
ação para harmonizar a ação com o contexto.
O criminoso não age a partir do pensar intuitivo, mas age a partir de instintos e
paixões. Por isso, o individualismo ético não corre o risco de resultar em ações
intencionalmente antiéticas.
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Pensar Intuitivo e Vida Social pela Convergência de Intenções
Será que a vida em comunidade é possível, quando cada pessoa busca a realização
de sua própria individualidade?
Existem concepções moralistas que acreditam que o único mecanismo que viabiliza
uma vida em sociedade é o mecanismo das regras sociais que são impostas e
obedecidas por todos.
Mas existe outra possibilidade complementar de convivência harmônica entre
individualidades livres. Um indivíduo pode dialogar com o outro indivíduo até que os
dois percebam as interconexões sinérgicas entre as ideias presentes no núcleo das
intenções de ambos.
No momento em que eu compreendo o núcleo da ideia da sua intenção, eu e você
estamos unidos por essa compreensão. Eu e você estamos unidos pela mesma ideia.
O percurso trabalhoso do diálogo nos leva a constatar a unicidade das ideias que
vivem em nossa intenções.
Etapas de Desenvolvimento
Só a própria pessoa pode realizar em si mesma o conceito do espírito livre.
Uma planta não é uma planta inteira nas primeiras fases do seu desenvolvimento,
enquanto ela não desabrochar flores e frutos. Um ser humano também não é um ser
humano inteiro, enquanto ele não desenvolver em si mesmo a ideia do espírito livre.
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A natureza faz do ser humano um mero ser natural; a sociedade, o faz um ser
que age de acordo com leis; um ser livre só ele mesmo pode realizar a partir de
si mesmo.
A natureza libera o ser humano de suas amarras em um certo estágio de seu
desenvolvimento; a sociedade conduz esse desenvolvimento até um ponto
adiante; o último polimento, só o ser humano pode realizar em si mesmo.
Capítulo 10
Intuição Ética e Autonomia do Espírito Livre
A pessoa que é capaz de ter intuições pode agir a partir de si mesma. E a pessoa que
não é capaz de ter intuições precisa buscá-las de outras pessoas a fim de ter uma
contribuição na vida ética.
O ser humano toma ação em parte de modo livre e em parte de modo não livre. Ele
surge no mundo como um ser não livre e pode, passo a passo, se desenvolver até o
ponto em que encontra a si mesmo e realiza o espírito livre.
No início de seu desenvolvimento, a pessoa toma ação a partir dos automatismos dos
seus instintos condicionados por sua natureza biológica e, depois, também, ela toma
ação a partir da obediência a normas de códigos morais sem refletir sobre o sentido
delas. Os automatismos dos instintos da natureza do corpo e a obediência aos
comandos dos códigos sociais de conduta moral sem refletir são passos necessários
de desenvolvimento. Mas além disso, existe sim a possibilidade de superar esses dois
estágios e atingir a realização do espírito livre em si mesmo.
É o indivíduo que realiza as intuições que criam as ideias de ações inovadoras. Por
isso, os objetivos coletivos não surgem da coletividade, mas são concebidos por
indivíduos que fazem parte dessa coletividade.
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Ideias Universais Versus Ideias Individualizadas
Vamos refletir sobre uma aparente contradição. A pessoa livre busca o motivo da sua
ação a partir da intuição de conceitos e ideias. Como a pessoa pode ser livre e agir a
partir de sua individualidade única se as ideias e conceitos são elementos universais
que valem para todas as pessoas?
Aqui é necessário observar que a vida humana é como um pêndulo que oscila em
direção da atividade de conhecimento, por um lado, e se move também em direção da
realização de uma ação livre, pelo outro lado do pêndulo.
Para a atividade do conhecimento, as ideias são elementos universais que podem ser
compreendidos de modo muito semelhante por todas as pessoas. Mas quando tenho
uma intuição de uma ideia e a trago para uma ação, eu, de certo modo, estou
individualizando aquela ideia.
Capítulo 11
A Finalidade da Vida Humana
Enquanto que na natureza prevalece a lógica de causa e efeito, na esfera da liberdade
humana prevalece a lógica de finalidade.
Na natureza, uma causa é um objeto ou processo que atua sobre o efeito que é outro
objeto ou processo. Não é uma ideia que atua diretamente como uma causa para um
efeito, no âmbito da natureza. Mas a ideia se expressa como lei da natureza que rege
a ligação lógica entre a causa e o efeito. E a causa é um objeto ou processo real.
Portanto, na lógica de causa e efeito, é a causa que atua sobre o efeito. Em
contraposição, na lógica de finalidade ocorre o contrário: o efeito atua sobre a causa.
A ação humana livre segue a lógica de finalidade. A finalidade e objetivo da ação é a
ideia ou a representação (imagem) mental do efeito que atua sobre a causa. A causa é
a ação que visa atingir aquela finalidade e objetivo.
Capítulo 12
Intuição, Imaginação e Técnica
Cada um de nós, ao longo da própria trajetória de vida, deu vivacidade a um conjunto
específico de ideias e conceitos. Por isso, cada pessoa tem em si mesma um conjunto
de ideias e conceitos vivificados disponíveis a cada momento e que são resultado da
experiência de vida.
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A intuição de uma ideia não é possível de ser diretamente realizada em uma ação que
transforma os fatos observados, porque as idéias são universais e gerais e podem ser
realizadas de inúmeras maneiras específicas.
O que faz a ponte entre a ideia intuída e os fatos transformados pela ação? - É a
imagem (ou representação mental) gerada pela capacidade de imaginação criativa. A
imagem mental é o elo intermediário entre uma ideia e um objeto observado.
A pessoa livre tem uma intuição e observa atentamente os fatos objetivos do ambiente
onde quer realizar a ação correspondente. Em seguida, a sua imaginação criativa gera
imagens mentais para definir uma possibilidade bem específica de como transformar
aquela ideia em ação.
É muito comum as pessoas buscarem essas imagens mentais de ação já prontas e
arquivadas na memória ao lembrarem de soluções para casos semelhantes, ou ao
buscarem por um exemplo para ser replicado, ou ao buscarem por um comando
diretivo de uma autoridade.
A pessoa que descobriu o espírito livre em si mesma conta com mais um recurso por
poder realizar uma primeiríssima decisão e definir a imagem mental da ação a partir da
própria capacidade de imaginação criativa que transforma a sua ideia intuída em fatos
transformados pela sua ação.
Pessoas abstratas, que têm ideias de ação vagas, não são produtivas. Elas falam de
ideias e mais ideias, mas não conseguem condensar essas ideias em possibilidades
concretas de ação.
Apenas as pessoas com a capacidade de imaginação criativa são produtivas na vida
prática e na vida ética.
Até aqui, nós demos o passo que parte da intuição da idéia (por meio do pensar
intuitivo) para criar uma imagem mental da ação (por meio da imaginação criativa). O
próximo passo, no sentido da concretização da ideia, parte da imagem mental da ação
para chegar à técnica de ação que transforma efetivamente os fatos observados.
Algumas pessoas são brilhantes em sua capacidade de imaginação criativa e geram
boas imagens mentais de ação, mas não dominam as técnicas de ação necessárias
para transformar os fatos concretos. E existem outras pessoas que, pelo contrário, têm
o domínio técnico, mas não conseguem gerar imagens mentais criativas pela
imaginação. Com frequência, as pessoas desses dois perfis diferentes se unem em
colaboração para realizar, na prática, as imagens mentais criativas.
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Em geral, as pessoas são mais aptas para encontrarem os conceitos sobre o
mundo que já está pronto, do que para definirem, de modo produtivo, as ações
futuras ainda não disponíveis, a partir da imaginação.
Capítulo 13
Balanço da Vida: Sofrimento Versus Desejo de Prazer Intelectual (Espiritual)
O que predomina na vida: alegria ou sofrimento, prazer ou desprazer?
Steiner apresenta as filosofias pessimistas de Schopenhauer e Eduard von Hartmann.
Hartmann considera que existe mais sofrimento na vida humana do que alegria, mas
que as pessoas vivem sem ter essa consciência. Quando o ser humano finalmente se
conscientiza de que o sofrimento na vida é maior do que a satisfação dos desejos,
então, a pessoa deixa de priorizar os desejos e começa a se comprometer com tarefas
morais gerais.
Steiner tem uma visão bem diferente da visão de Hartmann. Por exemplo, se uma
pessoa ama a vista panorâmica da paisagem a partir do topo de uma montanha, então
essa pessoa vai aceitar realizar uma expedição difícil e trabalhosa passando por vários
obstáculos até chegar ao topo da montanha. Nesse momento, a pessoa não se
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questiona se foi maior o prazer proporcionado por atingir o objetivo de ver a vista no
topo da montanha ou se foi maior o sofrimento pelo cansaço diante dos obstáculos ao
longo da caminhada.
Portanto, a vontade humana se mobiliza para buscar a satisfação de alcançar seus
objetivos, mesmo que a quantidade de sofrimento pelo caminho tenha sido maior.
A intensidade da vontade humana não é prejudicada pela reflexão sobre o sofrimento
ser maior do que o prazer no balanço da vida.
O que mantém a vontade forte é a perspectiva de vir a sentir plenamente o prazer pela
satisfação de alcançar o seu objetivo, mesmo depois da pessoa ter sido obrigada a
superar muitas dificuldades e sofrimentos.
O sofrimento só impacta negativamente a vontade, quando ele diminui o desejo
pessoal de buscar atingir o próprio objetivo.
Como surge uma ação ética? E qual é a relação da ação ética com o valor que a
pessoa atribui à sua própria vida?
A ética pessimista acredita precisar mostrar ao ser humano que a caça pela
felicidade seria uma busca impossível, a fim de que o ser humano se dedique
às suas verdadeiras tarefas éticas.
No entanto, essas tarefas éticas não são nada menos do que a satisfação dos
desejos naturais e intelectuais (espirituais) concretos; e a satisfação deles será
buscada apesar do desprazer que ocorre durante essa busca.
Mas as tarefas que o ser humano tem que realizar, ele realiza, porque, pela
força do seu ser, ele as quer realizar, quando ele realmente reconheceu o ser
das tarefas.
O ser humano não está apenas em busca de uma felicidade genérica e abstrata. O ser
humano está em busca da satisfação de realizar o que o seu próprio ser deseja. E ele
visa o objeto concreto dessa busca. Para o ser humano, cumprir essa busca é um
prazer.
O ser humano não precisa negar a sua própria natureza a fim de ser ético, porque a
ética consiste em buscar realizar uma meta reconhecida como sendo justificada. Faz
parte da natureza humana buscar uma meta assim.
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O Fortalecimento da Vontade pelo Pensar Intuitivo
A ética não consiste no extermínio de toda a busca por prazer, para que ideias
anêmicas e abstratas possam imperar onde não exista mais a oposição a
essas ideias que vinha da presença do forte desejo pelo prazer da vida.
Mas a ética consiste da vontade forte carregada pela intuição de ideias e que
atinge sua meta, mesmo quando o caminho para isso é cheio de espinhos.
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Alguns pensadores consideram que o ser humano não é naturalmente ético, porque
acreditam que a vontade humana se limita à busca pelo prazer pessoal de sua
natureza física. Essa reflexão é fundamentada na opinião que o espírito humano
individual não é capaz de dar a si mesmo um conteúdo para as suas aspirações
éticas.
A busca pela satisfação de desejos básicos é atendida pela natureza física. Mas para
o desenvolvimento do ser humano inteiro também faz parte o surgimento de desejos
gerados pelo intelecto (espírito).
Toda ética que exige do ser humano que ele reprima a sua vontade, a fim de
realizar tarefas que ele não quer, não conta com o ser humano inteiro, mas
com um ser humano no qual falta a capacidade de ter desejos intelectuais
(espirituais).
Para o ser humano desenvolvido de modo harmônico, as assim chamadas
ideias sobre o bem não estão fora, mas estão d
entro da esfera do seu ser.
A ação ética não consiste na eliminação de uma vontade própria unilateral,
mas no desenvolvimento da natureza humana por inteiro.
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O individualismo ético considera que:
Capítulo 14
Comportamentos da Individualidade Versus Comportamentos Grupais
Qual é a relação entre as manifestações únicas de uma individualidade e os
comportamentos típicos dos grupos a que ela pertence?
Uma pessoa nasce em grupos conforme, por exemplo, a sua raça, seu povo, seu
gênero (masculino ou feminino) e ela atua em agrupamentos humanos como sua
nação, sua comunidade religiosa, etc…As características desses grupos humanos se
expressam até mesmo na fisionomia e no estilo das atitudes de cada pessoa.
No entanto, ao longo do seu desenvolvimento, a pessoa pode se libertar dos padrões
típicos dos grupos humanos de sua origem, ao criar características e funções em si
mesma que são determinadas individualmente pela própria pessoa.
Nesse processo do indivíduo se auto-determinar, surge a oportunidade para que as
características típicas dos seus grupos humanos de origem se tornam meios de
expressão para que a pessoa manifeste o seu ser único nesses agrupamentos
humanos.
Com isso, as características típicas dos grupos humanos de origem são
reconfiguradas pela pessoa, de acordo com o seu ser individual.
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O Desafio de Compreender uma Individualidade Livre
A pessoa desenvolve a liberdade em sua individualidade no âmbito de sua capacidade
de pensar e de sua capacidade de agir.
A forma como uma pessoa observa os fatos e conecta conceitos para explicar esses
fatos não é uma forma fixa e determinada por padrões de grupos humanos. Pelo
pensar intuitivo, cada pessoa pode conquistar uma forma bastante individual e criativa
de compreender os fatos com um conjunto muito único de conceitos interligados de um
modo também único. Cada indivíduo tem a sua própria visão dos fatos.
E o modo como uma pessoa define metas para a sua vontade também pode se libertar
dos modos padrões típicos e grupais, quando ela manifestar a sua capacidade
especial de concretizar o pensar intuitivo na ação.
Qual é o procedimento necessário para compreender uma outra individualidade livre?
Para compreender um indivíduo, é necessário alcançar as manifestações únicas do
seu ser e ir além das características típicas grupais e além de padrões.
Compreender um indivíduo é compreender o seu jeito de ver o mundo e o seu próprio
modo de definir o conteúdo para a sua vontade.
Para compreender aspectos típicos de grupos humanos em uma pessoa, eu faço uso
de conceitos meus que eu aprendi ou desenvolvi para compreender os
comportamentos desses grupos. Mas, para compreender uma individualidade livre, eu
tenho que silenciar todo e qualquer conceito meu dentro de mim. Porque, o que
explica o pensar e o querer de uma individualidade livre são os conceitos que ela
própria determinou para si mesma.
Para todos os outros objetos, o observador tem que obter os conceitos por
meio de suas intuições; para compreender uma individualidade livre, trata-se
de captar em nosso intelecto (espírito) os conceitos dela, pelos quais ela define
a si própria de modo puro (sem serem misturados com os conteúdos dos
próprios conceitos do observador).
Pessoas que, para julgar um outro ser humano, misturam imediatamente seus
próprios conceitos, não conseguem nunca alcançar a compreensão de uma
individualidade.
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Capítulo Final
O Pensar Intuitivo e os Fundamentos da Nossa Existência no Universo
Rudolf Steiner também apresenta aqui a concepção de alguns filósofos que acreditam
que os aspectos mais importantes e fundamentais da vida estão em algum tipo de
além fora do alcance da compreensão humana.
Schopenhauer escreve sobre uma “vontade” como se fosse uma entidade divina e
Eduard von Hartmann considera que existe um ser arquetípico universal no além
prescrevendo as vontades e regendo as reflexões lógicas aqui no nosso mundo
humano.
Steiner considera que tais explicações desses pensadores foram construídas ao
projetarem inconscientemente aspectos das vivências humanas para a “tela” de um
além abstrato. Por não terem como ser vivenciadas pela nossa experiência mental e
sensorial, essas explicações não são o resultado do pensar intuitivo, mas são o
resultado de especulações.
Como refletir sobre os fundamentos mais essenciais da existência?
No dia a dia, refletimos sobre assuntos mais imediatos e restritos. No entanto, em
alguns momentos, buscamos por um sentido de vida mais abrangente nos conectando
com algum potencial significado da existência do universo como um todo.
Qual é a conexão da minha vida tão particular e limitada com a vida ampla e ilimitada
do universo como um todo?
Vejamos um exemplo bem simples de como a nossa reflexão e a nossa experiência
mental podem ser ampliadas para âmbitos com significados cada vez mais
abrangentes. Observo uma árvore e vou refletindo passo a passo sobre tudo o que
permite a existência dessa árvore com a finalidade de compreender o sistema de
interconexões no qual essa árvore faz parte.
A árvore não existiria sem o solo e sem a grande complexidade das características
geológicas e mineralógicas deste solo. A árvore também não existiria sem a água que
circula em seu ambiente e também não existiria sem as múltiplas interconexões do seu
bioma tanto no nível micro quanto no nível macro-ecológico. A existência da árvore
depende de relações climáticas próximas e distantes. E a árvore só vive graças aos
raios de sol, de modo que a existência da árvore está diretamente relacionada com o
corpo celeste solar tão distante.
Essas reflexões tão óbvias e disponíveis em qualquer enciclopédia podem ser
transformadas (pela observação aprofundada e pelo pensar intuitivo) numa
experiência mental sobre o todo do qual fazemos parte.
De modo semelhante, posso pensar que um determinado conhecimento que eu
conquistei só faz sentido em sucessivas e infindáveis conexões de ideias que vão se
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expandindo cada vez mais na direção de uma ampla rede de significados contendo
todos os conceitos e ideias que potencialmente podem explicar o universo todo.
Esses são dois exemplos didáticos de como podemos buscar a experiência mental
que vai em direção do todo universal, por meio da nossa reflexão.
Um outro caminho mais realista em direção dessa experiência mental, é o seguinte: Ao
longo da minha biografia, eu realizei mergulhos profundos para compreender assuntos
chaves que me desafiaram a cada fase da minha vida.
Depois de passar meses ou anos observando fatos, refletindo e trabalhando sobre um
assunto chave, começo a me familiarizar com aquele campo temático e a ter insights
significativos sobre ele. Com isso, começo a sentir que eu não sou apenas um
espectador dos fatos, mas começo a perceber que eu participo daquele campo
temático e que eu vivo conscientemente nele. E, a cada nova fase de vida, esse
processo se repete para novos campos temáticos na minha vida pessoal e
profissional.
Depois de tanto trilhar ao longo das décadas, eu posso parar para uma reflexão
existencial decisiva e realizar uma colheita de todos os significados conquistados até
agora em minha vida.
Nessa reflexão existencial, posso perceber que obtive conhecimento aprofundado
sobre diversos assuntos e, em cada um deles, eu conquistei um campo gerador de
insights que me faz sentir participante da vida.
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A unidade do mundo dos conceitos, a qual contém objetivamente os objetos
observados, também acolhe em si o conteúdo da nossa personalidade
subjetiva.
Além de obter essa consciência a partir da experiência pessoal, posso dar mais um
passo e buscar compreender também as experiências semelhantes realizadas pelos
meus amigos. Com isso, vejo como cada pessoa conquistou o seu conjunto de
campos temáticos enriquecidos com os conhecimentos aprofundados pelo pensar
intuitivo, proporcionando-lhe o sentimento de participar da vida do universo.
Então, posso ter o insight que é justamente nesse conjunto das minhas experiências
com o pensar intuitivo e das experiências similares de todos os demais seres
humanos; é nesse conjunto que se faz presente a vida divina do universo como um
todo.
Podemos ter a vivência mental que a vida divina do universo está dentro da
experiência humana real, sem termos a necessidade de especular sobre um suposto
outro mundo do além.
Cada ser humano abrange com o seu pensar apenas uma parte do mundo das
idéias total e, nessa medida, os indivíduos também se diferenciam, por meio do
real conteúdo do pensar deles.
Mas esses conteúdos estão inseridos num todo encerrado em si mesmo, que
abrange os conteúdos do pensar de todos os seres humanos.
Com isso, o ser humano apreende, em seu pensar, o ser arquetípico comum a
todos e que permeia todos os seres humanos.
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