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Eu tenho algo bem interessante para contar...

 
 
Eu não sei bem como começar, por muito tempo tentei imaginar uma forma de fazer isso, mas 
agora as palavras parecem simplesmente não sair. Bom, primeiramente acho que devo me 
apresentar: Meu nome é Edward Fowl, pode me chamar de Eddy se quiser. Tenho 17 anos e 
através de descobertas recentes tudo indica, que eu e mais um pequeno grupo de pessoas, 
somos os últimos sobreviventes dos Estados Unidos da América. 
 
Assustador não é? Acho que a palavra “assustador” é a que mais se aproxima do que todos 
nós estamos sentindo nesse momento. 
 
Gostaria de poder vir aqui e lhe explicar detalhadamente como tudo isso começou ou do porque 
disso tudo ter acontecido. Mas isso já está fora do meu conhecimento, porém quero lhe contar 
o que aconteceu comigo e meus amigos e, quem sabe, talvez isso possa ajudar alguém que 
esteja passando pela mesma situação que a gente. Essa é a razão de nós estarmos 
escrevendo esse livro. 
 
A propósito eu fui encarregado de fazer está tarefa, quase que unanimemente, para falar a 
verdade. O Steve queria ficar encarregado de escrever – o que para mim estava ótimo, pois ele 
escreve muito melhor que eu – mas não daria muito certo, pois ele não estava com a gente 
desde o inicio da coisa toda. 
 
Devo confessar que estou um pouco nervoso com o resultado que isso vai dar. 
 
Bom, para começar eu queria pedir desculpas para todos os escritores do mundo. Pois isso 
nem se compara á um livro de verdade – se quiser saber a minha opinião, isso está mais para 
um roteiro escarrado de um filme de terror de segunda classe – e vocês terão a minha eterna 
admiração, pois isso é, de fato, um trabalho complicado. 
 
Mas até então, isso é o melhor que eu posso fazer, por isso, sejam compreensivos. Isso me 
lembra também que não faço a mínima idéia de como escrever um livro. Débora havia me dito 
para usar uma escrita formal, ela também queria me dar uma aula completa de ortografia, 
concordância e acentuação, mas não estou com cabeça para isso. Por isso vou escrever com 
as palavras que me vierem na cabeça se eles não gostarem, que deixem o Steve escrever. 
 
Com certeza já está na hora de parar de enrolar e começar a história de uma vez. 
 
Tudo começou quando... 
 
Ah! Não acredito! De tantas palavras no vocabulário eu escolho justo essas para começar. Isso 
só confirma o quão ruim eu sou nesse negócio de escrever. 
 
Pelo menos eu não comecei com “Era uma vez”. Isso, sim! Seria deprimente... 
 
Se isso não já não fosse o suficiente, após tudo o que aconteceu, essas palavras parecem não 
fazer o mínimo sentido. Nós usamos essa frase com tanta freqüência no nosso cotidiano que 
agora elas parecem fazias e sem graça. 
 
Tudo começou quando... 
 
Acho que impossível para nós sabermos quando as coisas começam a dar errado. Eu tenho 
uma teoria de que o universo realmente se conspira contra os seres humanos, talvez seja o tal 
carma que todo mundo fala ou talvez para os mais lunáticos ­ que é bem o meu caso ­ a lei de 
Murphy, chame como quiser, mas no final ela significa a mesma coisa. 
 
Quando a coisa está ruim, sempre, sempre pode piorar. 
 
É incrível como as coisas podem mudar subitamente. Em um momento você vive uma vida 
normal e sem preocupações e no outro você está correndo á noite em uma cidade vazia, 
fugindo de coisas que você acreditava existir somente na televisão. Acredite! Eu sei do que 
estou falando. 
 
Ok, o pessoal está falando muito alto por aqui. É impossível escrever dessa maneira. 
 
***** 
 
Agora está bem melhor, achei um escritório vazio e em boas condições no terceiro andar, 
talvez fique mais fácil para escrever. O pessoal ficou lá no hall de entrada, eles andam 
discutindo bastante ultimamente, mas não posso culpá­los é muita coisa acontecendo ao 
mesmo tempo. A propósito você não vai acreditar onde eu estou. 
 
Na casa branca em Washington D.C.! 
 
Ou o que restou dela, pelo menos. Para completar estou na famosa sala presidencial, e vai que 
você tivesse as suas duvidas ela é realmente redonda. 
 
O meu relógio de pulso está marcando 07h03min da manhã. Então é provável que eu tenha o 
resto do dia para escrever. Olhar ás horas me lembra que hoje faz três semanas que essa 
loucura toda começou o quê convenhamos é quase surreal, pois parece que já faz uma 
eternidade. 
 
Eu já me desviei muito do assunto por aqui e é melhor você ir se acostumando, pois eu faço 
isso com muita freqüência, além do mais e essa é a única maneira que tenho para narrar essa 
história. Agora, mesmo contrariando minhas próprias convicções está na hora de começar logo 
com isso. 
 
Tudo começou quando estávamos andando pelo pátio da escola. Eu e a Débora estávamos na 
mesma classe e naquele momento estávamos indo para o ginásio da escola. Fazia apenas 
algumas semanas que eu tinha ido para aquela escola, como isso não se trata de uma história 
escolar vou tentar descrevê­la da maneira mais rápida possível. 
 
Ela se chamava Terronez Middle School, ela ficava na área nobre da cidade de Fresno. Era 
uma escola gigantesca, ocupava quase uma quadra inteira, o prédio era uma mescla entre 
construções antigas e modernas. A grande maioria dos professores da Terronez eram jovens e 
legais, mas claro que – como em qualquer escola – os ruins é que realmente se destacavam, 
se você perguntasse a minha opinião eu diria que toda a escola que se preze tem que ter um 
professor assim, para certificar­se que a escola não fique interessante. 
 
Mas não foi nenhum desses, o motivo, de eu ter ido para lá. 
 
Foi a Dêh. 
 
Antes que você me ache um completo pervertido, me deixe explicar: Ela é a minha melhor 
amiga, nós nos conhecemos na primeira série, na escola Saramago. Ela também foi minha 
vizinha por um longo tempo até que seu pai faleceu então ela foi com sua mãe morar na casa 
da avó. 
 
Aquele foi um momento difícil para ela, mesmo eu que não tinha muito haver fiquei super mal. É 
difícil conviver com a morte de alguém que você conhece, um dia ele está lá e no outro de 
repente não está mais. Fiquei muito surpreso com a maturidade que a Dêh teve para lidar com 
aquilo tudo. Naquela época ela tinha apenas 12 anos. Ela sempre argumentava que pelo seu pai 
ser policial, ele conhecia todos os riscos da profissão. Mas uma coisa é certa, ela nunca mais 
foi á mesma. 
 
Mesmo ela tendo se mudado nós ainda mantínhamos contato na escola. Nós estudamos juntos 
até a 8° série, quando finalmente nos formamos, daí ela veio para a Terronez Middle School. E 
eu fui para á Soreto. Mas após alguns meses eu consegui uma vaga na Terronez, a outra 
escola ficava longe demais da minha casa por isso resolvi mudar. Claro, que esse foi o motivo 
que eu contei para a Déh, na realidade eu sentia falta de estudar com ela, mas isso ela já não 
precisa ficar sabendo. 
 
Ok, acho que é melhor eu riscar essa última parte, afinal ela também vai ler isso quando estiver 
pronto... 
 
Bom, não sei muito bem como descrevê­la, hoje ela já está com 16 anos – dentro de alguns 
dias ela faz aniversário ­ fisicamente ela não é muito alta, deve ter em torno de 1.73 cm de 
altura. Ela tem um cabelo liso na altura do ombro ­ geralmente ela passa água oxigenada nas 
pontas dele para ficarem descoloridos ­ sua pele é um pouco mais morena que a minha. Acho 
que o que mais chama a atenção nela são os seus olhos, são verdes, brilhosos e transbordam 
inteligência. 
 
Ela é, sempre foi e sempre será a pessoa mais nerd que eu conheço, nas salas de aula ela 
parecia sempre ter a resposta na ponta da língua. O que na verdade é meio chato ás vezes, 
mas acho que eu nunca teria me formado se não fosse pela ajuda dela. 
 
Você ficaria surpreso com a quantidade de trabalhos que eu me esqueci de fazer, e ela sempre 
me salvava na ultima hora. Ela parecia adivinhar toda vez que eu os esquecia e colocava meu 
nome junto com os seu. Ela é com toda a certeza a pessoa mais maneira que eu conheço, 
parece estar sempre disposta a ajudar um amigo. Ás vezes eu me pergunto por que ela anda 
com um cara como eu, um total fracassado. 
 
Espero que ela goste do jeito que eu á descrevi aqui. Agora que vocês já á conhecem acho que 
fica mais fácil para prosseguir. 
 
Como eu ia dizendo nós caminhávamos para o ginásio, que ficava no extremo oeste da escola, 
para uma aula de Educação Física com o professor Greene. 
 
Você se lembra daquele papo de que os professores ruins é que se destacavam? 
 
Pois bem, o Sr. Greene era um desses, a Dêh me contou que ele era um ex­militar, então você 
deve conseguir imaginar qual era o clima dentro de sala de aula. A primeira visão que eu tive ao 
entrar no ginásio foi á do professor. Ele era grande, na verdade grande era apelido, uma 
variedade de músculos se sobressaia em sua camisa justa e camuflada, o que na minha 
opinião era justa até demais. No seu pescoço pendia um apito dourado, ele usava um cabelo 
curto, típico dos soldados americanos. 
 
Ele fez a chamada e depois nos mandou ir para o vestiário, para que depois fossemos para a 
quadra e jogássemos uma partida de basquetebol ou de queimado, não me lembro, acho que 
na verdade, ele havia deixado os alunos escolherem o que fazer naquele dia. O que era 
bastante raro. 
 
Eu não sabia até então, mas eu nunca entraria naquela quadra. 
 
Eu demorei bastante para me trocar, não estava no clima para esportes naquela manhã. 
Lembro­me de um pouco antes de eu sair do vestiário eu deu uma ultima olhada para o meu 
reflexo no espelho, que ocupava toda a parede detrás dos vestiários. 
 
Como você ainda não tem idéia de como eu sou – não que isso faça muita diferença – vou 
tentar descrever o que eu vi naquele espelho. Claro, sem tentar me supervalorizar. 
 
Eu sou alto, passo dos 1.85 cm de altura. Sou magro, mas nem tanto, pois desde o verão 
passado eu pratico academia então posso dizer orgulhosamente e sem falsa modéstia que eu 
ando em boa forma. Eu tenho olhos castanhos, e particularmente acho que eles são grandes, 
na verdade acho que muita gente concorda comigo. 
 
Bom, não sei mais o que dizer sobre mim, isso é meio difícil. Não que interesse muito, mas eu 
tenho uma tatuagem no tornozelo direito, que eu fiz no natal, eu sei que ela não tem nenhuma 
importância na história, mas para mim ela é muito especial. Acontece que eu tatuei um 
escapulário – que se enrosca no tornozelo, e acaba em uma cruz na planta do pé – eu não 
compactuo muito com essa coisa de religião, mas o escapulário me lembra que se eu acreditar 
em mim sempre posso dar o próximo passo. 
 
É obvio que você percebeu que eu saí completamente – pela segunda vez – do assunto. 
Desculpe por isso. 
 
Eu estava quase cruzando a porta, quando resolvi dar volta e ir até a pia lavar as mãos. Nós 
havíamos almoçado antes da aula e eu ainda podia sentir o cheiro do Ruffles em minhas mãos. 
Então eu ouvi um estouro oco, como algo caindo, na hora eu me lembrei que havia um velho 
zelador pintando o teto do teatro, que ficava perto da entrada do ginásio. Na minha cabeça, 
provavelmente o zelador devia ter caído do seu andaime e se espatifado no chão. Sei que isso 
não é uma coisa legal de se pensar, mas mesmo assim eu corri em direção ao corredor para 
ver o que havia acontecido. 
 
O que aconteceu nos segundos seguintes foi muito perturbador, e provavelmente, me lembrarei 
dos próximos minutos pelo resto da minha vida. 
 
Quando eu saí pela porta, diversos alunos passavam correndo pelo corredor, o que aumentou 
minhas esperanças sobre do velho zelador. Mas tinha algo nas expressões dos alunos, o que 
seria... Pânico? 
 
Diversos rostos passavam por mim, até que eu pude reconhecer o rosto da Dêh, não foi bem 
ela correndo que me chamou atenção e sim, o fato de que ela estava chorando. 
 
Eu comecei a ouvir também alguns gritos histéricos. Agora eu me sentia estúpido, havia tanta 
coisa acontecendo ao meu redor e eu não consegui captar nada. Agora além de estúpido eu 
estava confuso. Ela correu em minha direção, cruzando o caminho de alguns alunos que se 
amontoavam no corredor. Eu estava prestes a perguntar algo, mas ela foi mais rápido que eu, 
me puxou pelo pulso e me levou pelo corredor. Eu queria protestar, sei lá, uma coisa que eu 
odiava era ficar sem saber o que acontece ao meu redor. Mas como que por ironia do destino a 
resposta veio quase que imediatamente, não da forma que você imagina. 
 
O teto simplesmente explodiu, muitos destroços do teto, além de muito fogo e reboco da parede 
caíram onde antes eu estava parado. Minha mente parou, de verdade, mas por sorte as minhas 
pernas não. Alguns metros depois, outra explosão, dessa vez no meu lado esquerdo. Mas 
mesmo assim eu não parei de correr. A primeira idéia que eu tive foi que estávamos no meio de 
um atentado terrorista, mesmo não tendo idéia do por que atacariam a cidade de Fresno. 
 
Quando chegamos ao final do corredor, tínhamos dois caminhos para percorrer, direita ou 
esquerda, á nossa frente ficava a porta do teatro, mas ela estava fechada, não sei se ela estava 
trancada ou não, mas eu que não queria descobrir. Nós nem escolhemos o caminho, 
simplesmente seguimos para a direita – onde ficava a entrada do ginásio – mas o meu instinto 
falou mais forte e eu resolvi parar, puxando a Dêh junto. Nisso o corredor a nossa frente 
explodiu, simples assim, nós tivemos sorte em não tê­lo atravessado, pois ele teria desabado 
sobre nós, sorte que outro menino ­ que corria ao nosso lado ­ não teve. Nós podíamos ficar ali 
agradecendo á deus por nos poupar ou corrermos feitos loucos pelo corredor da esquerda. É 
claro, que corremos feitos loucos. 
 
Aquele corredor nós levou direto para o pátio da escola. Lá fora nos juntamos com vários alunos 
que olhavam, sussurravam e apontavam para o céu. 
 
O que eu vi a seguir foi talvez á coisa mais assustadora e ao mesmo tempo fascinante que eu 
vi em toda a minha vida. 
 
Foi nesse momento, eu acho, que surgiu as minhas primeiras suspeitas de conspiração 
contras os seres humanos. 
 
O céu estava azul e brilhante, nada de novo nisso. Porém diversos pontos flamejantes 
entravam em alta velocidade na atmosfera deixando por onde passavam um rastro brilhoso. Eu 
demorei um pouco para me dar conta do que eu via, a Débora falou: 
 
– São meteoros? 
 
Lá se vai a minha a minha teoria de ataque terrorista. Mas pensando bem, hoje eu agradeceria 
se isso realmente tivesse acontecido. Terroristas seriam mais fáceis de enfrentar comparado 
que nós tínhamos pela frente. 
 
– Parece que... – eu hesitei por um momento, depois completei com uma voz rouca – Nós 
somos os alvos! 
 
– Não... – ela disse, negando com a cabeça, ela esperou um momento e após olhar ao redor 
continuou ­ parece que eles... – mais um momento ­ caíram por toda a cidade – ela disse coma 
voz desafinando na última parte. 
 
Todos olhavam para o céu, a não ser, talvez, por mim e pela Dêh que olhávamos para os lados. 
A primeira vista, parecia que ela havia acertado na mosca, do lugar onde estávamos não dava 
para ter uma visão muito clara da cidade, mas era possível ver diversas torres de fumaça, 
espalhadas aqui e ali. Era como se diversas usinas nucleares simplesmente tivessem ganhado 
vida e começado a trabalhar a todo vapor. 
 
Aquilo era assustador. Eu sempre achei que em momentos difíceis eu conseguiria manter a 
cabeça fria e me colocar um passo a frente, mas agora eu estava tendo dificuldade até mesmo 
para organizar os meus próprios pensamentos. 
 
Eu estava sentindo um novo tipo de medo, um medo que eu não achava possível existir. 
 
Isso parecia estar muito, muito fora da minha compreensão. 
 
Eu podia jurar que eu havia entrado em uma espécie de transe psicótico, me lembro de ver os 
meteoros se aproximando cada vez mais da gente, até que um explodiu com tudo na torre 
relógio da escola. A torre relógio devia ter cerca de 25m a 30m de altura, e servia para que os 
alunos nunca se atrasassem para as aulas, por mais irônico que pareça o tempo pareceu parar 
ao vermos ela se despedaçar e cair ao chão. O barulho foi insuportável. Acho que aquilo me 
tirou do transe, as pessoas ao nosso redor corriam, mas não pareciam sair do lugar. Então eu 
ouvi uma voz conhecida: 
 
– Que diabos vocês estão fazendo ai fora? – Gritou o Sr. Greene, ele parecia andar bem ativo, 
sua roupa estava coberta por pó de cimento e pequenas migalhas de madeira. A sua cara 
estava branca, como um mímico, eu até poderia rir sobre isso, mas acho que aquela não era á 
hora adequada. 
 
– Entrem todos para dentro do teatro, é perigoso ai fora! 
 
Os alunos obedeceram quase que de imediato, o que era bastante comum nas aulas do Sr. 
Greene. Eu olhei para a Dêh, as lagrimas agora escorriam pela sua bochecha. De repente ela 
me abraçou e em seguida escorou a cabeça no meu ombro. Fiquei sem saber o que dizer por 
alguns segundos. 
 
– Olha... – comecei meio desajeito – Não se preocupe ok? Você se lembra que eu disse que 
sempre protegeria você? – Quando nós tínhamos oito talvez nove anos, a Débora subiu em um 
salgueiro que ficava em frente á nossa casa, ela estava bem alta quando o seu pé escorreu e 
ela caiu da árvore. Não aconteceu nada sério, tudo o que ela ganhou foi um machucado no 
joelho, mas o problema era outro, nossos pais não estavam em casa no momento. Os pais da 
Dêh trabalhavam durante o dia, então ela ficava comigo e com a minha mãe durante a tarde, 
porém naquela hora a minha mãe havia ido ao supermercado. Eu fiquei apavorado, mas ao 
vê­la chorando eu reuni a coragem, estufei o peito e disse que eu sempre iria protegê­la. 
 
Eu a levei para casa e limpei o machucado com algodões e depois enfaixei com um pedaço da 
minha camiseta ­ eu havia visto aquilo em um filme, já fazia algum tempo – então voltamos a 
brincar. 
 
Naquela noite a minha mãe não ficou braba por eu ter rasgado a minha camiseta, e o pai da 
Dêh veio até a minha casa me agradecer e disse que eu havia sido um verdadeiro herói e que 
estava começando a agir feito um homem. 
 
Acho que nunca vou esquecer aquelas palavras. Lembrar­me disso me deu forças necessárias 
para tomar o controle da situação. Depois eu engrossei a voz e continuei: 
 
– Vamos lá para dentro esperar isto acabar, ok? 
 
Ela me fitou por alguns segundos, eu puxei as mangas do meu moletom e limpei as suas 
lágrimas. 
 
– Você sabe que eu não goste de te ver chorando... 
 
Ela deu um meio sorriso. Daí eu me lembrei o quanto o tempo era precioso e corremos atrás 
dos outros alunos para dentro do teatro. Fomos os últimos a atravessar a porta alternativa do 
teatro, depois disso o Sr. Greene á trancou. 
 
Lá fora uma tormenta violenta de meteoros começava. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nós achamos um canto no teatro e nos sentamos no chão. Nos próximos 10min ou talvez 
15min, a sala ficou em completo silêncio, como se ninguém se atrevesse a falar algo. Nós não 
falamos nada, mas durante todo o tempo lá dentro nós ouvíamos os estouros monstruosos do 
lado de fora, uns pareciam ser bem em cima da gente e outros a centenas de metros de 
distância. Mas uma coisa era certa: A cada explosão nós fechávamos os olhos e esperávamos 
o teto desabar sobre nós, mas isso não aconteceu. 
 
Na escuridão do teatro, vários alunos tinham os seus rostos iluminados pelas telas luminosas 
dos seus celulares. Eu sábia o que eles queriam fazer, contatar os seus familiares e saber se 
eles estavam seguros. 
 
Cara, isso me causou um aflição gigante. 
 
Como estariam os meus pais? 
 
E apalpei o meu bolso a procura do meu telefone celular, mas então, me dei conta de que eu o 
tinha deixado dentro do meu armário, no vestiário. Bastou eu dar apenas uma olhada para o 
rosto da Dêh para que eu percebesse que ela também havia notado que se nós estávamos em 
perigo nossos pais estariam também. 
 
Tentei afastar esses pensamentos da minha cabeça. 
 
Então, tão rápido quanto chegou, os sons das explosões se foi. A sala permaneceu no mais 
completo silêncio por mais alguns minutos, um cara no fundo tentou gritar que estávamos 
seguros, mas o pessoal que estava a sua volta o fez ficar quieto rapidinho. O Sr. Greene fez um 
sinal pedindo silêncio, depois disse sorrateiramente: 
 
– Acho que finalmente acabou... – Ele disse isso com uma incerteza enorme na voz, mas 
mesmo assim seu rosto se suavizou. – Agora esperem aqui enquanto... 
 
Ele nunca terminou aquela frase. 
 
Do jeito que o pessoal ficou maluco, eu cheguei a ficar confuso preso entre a idéia de a que 
ameaça havia acabado ou se estavam dando coca­cola de graça na esquina da escola. Mas o 
fato é que eles passaram voando pelo professor que bloqueava a saída. Eu sei que o professor 
ficaria uma fera, mas é como se diz: Se não pode com eles, junte­se á eles. 
 
E agora era a minha vez de puxar a Dêh, por um momento eu achei que o professor fosse nos 
barrar na porta do teatro, mas antes mesmo de nós nos aproximarmos dele, ele saiu correndo 
em direção ao pátio. Nós estávamos cruzando o saguão quando eu disse a Dêh o que iríamos 
fazer em seguida. 
 
– Olha, eu deixei o meu telefone celular no meu armário, então vamos até lá, assim nós 
podemos tentar falar com os nossos pais, Ok? – ela não respondeu, mas eu á senti apertar o 
passo. 
 
Eu forcei uma olhada ao redor, naquele curto período de tempo o estrago havia sido muito 
maior, grande parte da escola estava irreconhecível. Mas para o meu alivio o céu estava azul e 
brilhante novamente. O que convenhamos era uma desgraça, após uma catástrofe dessas o 
céu continuava belo. Sei lá, mas acho que em momentos como esse tudo deveria ficar feio e 
triste, mas a boa noticia era que eu não via mais meteoros lá em cima. 
 
A porta por onde nós havíamos saídos antes agora era um emaranhado de destroços, mas nós 
passamos por um pequeno vão que se abria rente a parte inferior da parede. A Dêh passou 
fácil, fácil, mas eu confesso que eu tive um pouco de dificuldade, mas acho que a adrenalina 
não me deixou nem sequer perceber isso. 
 
A porta para o vestiário foi um pouco mais difícil de atravessar, eu tive que mover alguns 
escombros que bloqueavam o caminho. Estranhamente eu me senti muito cansado, não que 
mover pedras fosse muito difícil, mas acho que era o famoso estresse psicológico que sob 
recaia em mim. Mas é claro que eu não parei. 
 
O duto de ar que se pendia no teto havia desabado, caindo sobre os armários, e parte da 
parede havia caído por cima da pia, a água já estava fazendo poça. Mas por sorte o meu 
armário era um dos únicos que continuavam intactos. Agora, sabe aquela, de que sempre 
quando a gente precisa de algo, a gente não encontra? Bem, foi exatamente isso que 
aconteceu. Eu fucei aqui e ali, mas nada do telefone celular, então comecei passar os fatos na 
minha cabeça, talvez eu tivesse saído com ele do vestiário ou o tivesse perdido enquanto corria 
pelos corredores, talvez eu o tivesse perdido no pátio ou no teatro. Eu já havia quase perdido as 
esperanças quando eu remexi nas minhas calças jeans e ele escorreu pelo bolso. 
 
Um mega alívio se instalou na minha cabeça, como um balão se inflando, e logo em seguida 
espantando todo o medo. Peguei o ele e apertei o n° 1 – que era a discagem rápida da casa da 
minha mãe ­ mas estava sem sinal. Era como se o balão tivesse estourado. 
 
– Está sem sinal... – eu disse em total perplexidade. 
 
Era meio obvio, na verdade. Após uma catástrofe dessas, era muito improvável que as torres 
de sinal ainda estivessem de pé. Agora as coisas ficaram – se é que é possível – mais 
complicadas, agora, diversas hipóteses do que pudesse ter acontecido com aminha mãe 
passava na minha cabeça. E pela cara de espanto da Dêh, ele andava tendo os mesmos 
pensamentos também. 
 
– Ok, é muito azar da nossa parte... – eu disse, escolhendo as palavras para começar, – 
Vamos para á sua casa, é a mais perto da escola. Tenho certeza que está tudo bem por lá... 
 
Por mais convincente que eu tentasse soar, nem mesmo eu acreditava muito em minhas 
palavras, o que estava acontecendo era muito insano. Mesmo assim a Dêh concordou, depois 
nós esgueiramos pela brecha da porta para sair do vestiário. Eu saí primeiro e a Dêh veio logo 
atrás de mim, ela estava com um pouco de dificuldade para sair então eu estendi a mão para 
ajudá­la. 
 
É nesses momentos que a amizade prevalece, apesar da dificuldade eu tinha sempre que estar 
ao lado da Dêh, até mesmo por que apesar de tudo ela estava ao meu lado. Nisso eu já estava 
decidido, enquanto nós não saíssemos dessa loucura toda eu iria prestar toda a minha atenção 
na Dêh e mantê­la segura. 
 
Acho que naquele momento eu cometi o meu primeiro erro. 
 
O ruim de tomar conta dos outros é que você para de tomar conta de você mesmo. E, uma 
lição que eu aprendi mais tarde: Sempre cuide á sua retaguarda. 
 
Eu estava tão concentrado na Dêh que não reparei o vulto que se aproximava ao meu lado. A 
Dêh estava quase tocando na minha mão quando eu senti uma pancada no meu abdômen. O 
impacto me jogou á um três metros de distancia, fazendo­me deslizar pelo chão. Só parei 
quando encontrei uma parede de concreto no meu caminho. 
 
Estava difícil respirar. 
 
A Dêh gritava. 
 
Eu podia ouvir a água pingando da torneira do vestiário. 
 
E tudo que eu me perguntava era: O que havia me acertado? 
 
Definitivamente não era um meteoro, nem o teto desabando sobre mim. Bem, eu tinha que ver 
com os meus próprios olhos para ter certeza. Mesmo estando difícil de me mover, juntei toda a 
força restante e levantei o pescoço para ver o que havia acontecido. 
 
A principio, percebi que a Dêh havia conseguido passar pelos escombros, e agora estava 
agachada rente a parede, com as mãos sobre os olhos. E a sua frente estava uma criatura, ela 
tinha quase dois metros de altura, era visivelmente forte. O estranho era a sua pele: era verde e 
escamosa como a de um lagarto além de olhos de serpente. Olhos que agora me fitavam sem 
hesitar. 
 
Que diabos era aquilo? 
 
Usufrui de forças que eu não possuía para me levantar. Nisso a criatura veio correndo em 
minha direção – em uma velocidade incrível – tudo que eu fiz foi fechar os olhos e encolher o 
corpo, esperando pelo pior. 
 
Mas ela não me atingiu. 
 
Ouvi uma batida oca, e nada mais. Presumi que era seguro abrir os olhos. A minha frente eu só 
consegui ver a ponta brilhante de um bastão de beisebol. Segui o bastão com os olhos para 
saber quem o segurava. Era um menino um pouco mais velho que eu – provavelmente do 
terceiro ano ­ ele vestia uma calça jeans e um moletom escuro. Tinhas os cabelos louros e 
espetados. E apesar do que ele havia feito parecia bastante assustado. 
 
– Você está bem? – ele perguntou com os olhos arregalados. 
 
– Sim, graças a você! – agradeci. 
 
Caminhei até a criatura, ela parecia morta, mas eu não tinha certeza. O menino loiro me 
acompanhou. Essa criatura era com toda certeza um homem a julgar pelo seu porte físico. 
 
– O que está acontecendo? ­ perguntei ao menino – O que é esta “coisa”? 
 
– Eu não sei... – ele começou – Uma criatura igual a essa me atacou antes, logo depois da 
chuva de meteoros. Eu corri, quando percebi já estava nesse corredor então eu vi vocês e 
essa... ­ ele não terminou de falar, era como se mencionar aquela criatura desse azar. 
 
– Então acho que lhe devo um obrigado... – resmunguei enquanto a Dêh se juntava a nós. O 
menino ficou em silêncio, aparentemente envergonhado. 
 
– O que você acha que é isso? – a Dêh me perguntou. 
 
– Eu não tenho idéia? Mas com certeza não é da terra! – eu disse olhando para a Dêh e depois 
para o menino loiro. A criatura continuava imóvel no chão, mas algo me dizia que ela não estava 
morta, era mais como se estivesse desacordada. 
 
É claro que eu tinha uma idéia do que era aquela criatura, mas não podia ser verdade. Isso era 
coisa de ficção, histórias para fazer á cabeça de crianças e adultos. Olhando para ela , ali, 
estendida no chão, abalou profundamente o meu conceito de realidade. 
 
– É o que eu acho... – disse o menino pensativo, interrompendo as minhas suspeitas – Eu pelo 
que eu vi tem muitos outros deles por ai... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esqueça tudo que você já ouviu, ou viu, sobre ficção. Por que na vida real, essas informações 
não servem para nada. 
 
Acredite! Eu tentei... 
 
Mas não tinha jeito, ataque alienígena era mais to que eu podia suportar. Meteoros? Ok, não era 
uma idéia tão maluca, já que a qualquer momento pedras espaciais podem entrar na atmosfera 
terrestre, isso não sou eu falando é a ciência. Mas Alienígenas? Fala sério. 
 
De alguma forma eu sabia que essas criaturas ­ me recuso á acreditar que elas vieram do 
espaço, até que me provem ao contrário ­ tinham alguma conexão com os meteoros de antes. 
Seria muito azar da humanidade, ter duas desgraças acontecendo simultaneamente não é? 
Esse tipo de pensamento levanta outras perguntas inquietantes como: Será que isso está 
acontecendo somente em Fresno? Nos Estados Unidos? Em todo o continente Americano? 
Quem sabe, talvez, no mundo inteiro... 
 
Só uma coisa é certa. Quanto mais eu penso, mais confuso eu fico. O que não é um 
sentimento bom de ter quando se está correndo á toda velocidade, tentando desviar de 
escombros, que antes eram partes importantes de uma escola. Eu nem vi aquela classe no 
chão até eu esbarrar nela e me espatifar no chão. 
 
– Você está bem? Disse a Dêh em um tom espantado. Ela e o Jimmy já estavam alguns 
metros a minha frente quando pararam para me ajudar. E sim! Jimmy é o nome daquele 
menino loiro. Tudo que sei sobre ele é o seu nome e o fato dele bater forte com o bastão, o que 
devido ás circunstâncias era tudo do que eu precisava saber. 
 
Antes, logo após ele derrubar aquela criatura no corredor da escola, nós íamos correndo em 
direção a saída principal da escola. As últimas palavras que nós havíamos trocado foi quando 
ele fez aquele agradável comentário de que havia outras criaturas como aquela á solta pela 
escola, concordamos que a primeira coisa a fazer era sair de lá ­ o que sem sombra de duvida 
era o que todos mais queriam ­ depois disso não falamos mais nada. Nós estávamos muito 
ocupados fazendo cara feia e elaborando teorias, para jogar conversa fora. 
 
Enquanto corríamos esperávamos ser atacados a cada metro, mas isso não aconteceu, para 
falar a verdade não vimos nenhum vestígio daquelas criaturas. Estava começando a achar que 
o Jimmy estava mentindo sobre ter outras como aquela á solta pela escola. Nós estávamos 
cruzando o saguão quando ele resolveu falar: 
 
– Ah... Acho que ainda não tive a chance de me apresentar... Meu nome é Jimmy, Jimmy 
Campbell! ­ Ele disse com a foz enfraquecendo no final. 
 
– Prazer em te conhecer Jimmy, de verdade... ­ Qual é? O cara salvou a minha vida o que você 
espera que eu diga? ­ É um prazer, apesar dessa não ser a situação que eu gostaria de 
conhecê­lo. Aliás, eu sou Edward, mas me chame de Eddy, e ela é a Débora ­ falei fazendo um 
acenou com a cabeça em direção a Dêh que corria a nossa frente. 
 
– Olha... Ah... Basicamente, qual é o nosso plano? ­ Ele perguntou um tanto encabulado. 
 
Bem, eu tinha um plano. Claro, não era algo que faria alguém dizer “Meu Deus esse cara é um 
gênio”, na verdade acho que a minha idéia não pode nem mesmo ser classificada como um 
plano. Era bem simples: Nossa maior preocupação era a nossa família, então a primeira coisa 
que faríamos seria ir até eles. Acabar logo com isso! Eu queria muito ver a minha mãe, muito 
mesmo, mas não seria uma boa idéia. Primeiro por que nós morávamos longe da escola, a 
casa da mãe da Dêh era muito mais próxima de onde estávamos. Segundo por que a essa 
hora da tarde minha mãe já deveria estar no hospital onde trabalha como enfermeira. O hospital 
também não era assim tão perto da escola. 
 
Então, basicamente, nós iríamos ver a mãe da Dêh, depois que certificássemos que tudo 
estava ok, nós iríamos até o hospital ver como a minha mãe estava. 
 
Eu parei de correr, chamei­os para perto de mim e expliquei o plano da maneira mais rápida e 
direta possível. Eles ouviram tudo sem interromper, acenando a cabeça em concordância nas 
partes mais importantes. Depois ficamos em silêncio por alguns segundos até que eu resolvi 
continuar. 
 
– Olha Jimmy! ­ Ele levantou a cabeça e me encarou nos olhos. Eu não tenho palavras para 
agradecê­lo pela sua ajuda lá atrás. Mas eu não posso pedir que você venha conosco, você 
deve estar preocupado com a sua família tanto quanto nós e... 
 
– Não, não! Eu adoraria ir com vocês, sério! ­ Ele me interrompeu de maneira estabanada, 
como se aquilo lhe valesse a vida. ­ Minha casa também não é tão perto daqui, é melhor a gente 
dar uma checada nos seus familiares, depois a gente vai até a minha casa... 
 
– Sério? ­ Perguntei. 
 
– Claro, e eu tenho um bastão... ­ Ele disse levantando o bastão e rebatendo o ar, depois abriu 
um sorriso descontraído. ­ Onde vocês vão achar alguém como eu por ai? 
 
Eu sorri de volta, ele era um cara gente boa, e era meio obvio que ele não queria ficar sozinho. 
Mas eu não posso culpá­lo, eu faria a mesma coisa no seu lugar. Dei uma olhada para a Dêh e 
ela pareceu não se importar, depois assenti com a cabeça e voltamos a correr em direção á 
saída. 
 
Quando chegamos a uns cinqüenta metros do portão da escola percebemos que seria 
impossível sair. Pelo visto, não era somente nós três que queríamos dar o fora da escola. 
Diversos alunos, professores e funcionários se amontoavam para sair e entrar pelo portão da 
escola, que á essa altura parecia pequeno demais. Lá fora, a rua estava um caos, podíamos 
ouvir as sirenes policiais, gritos e choros aqui e ali, diversos carros estavam trancando o 
trânsito ­ a rua que cruzava a escola é a mesma que levava para ás rodovias que por sua vez 
levava para fora da cidade ­ e ao que parecia muitas pessoas queriam deixar a cidade. Seja 
qual fosse o motivo, procurar sua família, procurar um lugar seguro ou até mesmo ajuda. 
 
– Nós vamos demorar uma eternidade para sairmos daqui e depois ainda temos que contornar 
a escola... Não tem jeito! Temos que achar outra maneira. ­ Eu disse. 
 
Foi então que o verdadeiro plano nasceu. A Dêh sugeriu que nós saíssemos da escola pelos 
fundos, pela entrada do estacionamento dos professores. Lá provavelmente não teria ninguém 
e poderíamos sair com mais rapidez, e ainda por cima o estacionamento ficava na mesma 
direção que a casa da mãe da Dêh, ganharíamos mais um tempo por não ter que contornar a 
escola. Então mudamos a direção e começamos a correr para o outro lado, enquanto as 
pessoas corriam em direção á saída nos corríamos para os fundos da escola, a parte que mais 
havia sofrido danos com os meteoros. 
 
O meu medo agora era que aquela criatura que nós derrubamos antes não tenha morrido, seria 
um grande azar, a gente dar de frente com ela não é mesmo? Porém nós passamos do ponto 
em que ela estava e nada aconteceu. Com o caminho aparentemente livre, corremos ainda 
mais rápido, foi ai que eu tropecei no que havia restado de uma classe e cai de cara no chão. 
 
Então chegamos á esse momento magnífico, eu espatifado no chão e com gosto de terra na 
boca. A Dêh veio até mim e ofereceu a sua mão para me ajudar a levantar. 
 
– Droga, no que eu tropecei? ­ Resmunguei, olhando para o caminho percorrido e vendo os 
destroços de uma classe. 
 
O Jimmy se aproximou, ele estava segurando o seu bastão com tanta força que as pontas dos 
seus dedos já estavam esbranquiçadas. Durante todo o trajeto ele ficava espiando ás suas 
costas, esperando que aquela criatura surgisse do nada e nos atacasse. 
 
– Você está bem? ­ Jimmy perguntou. 
 
– Yah ­ Suspirei, limpando a terra da palma da mão nas calças. ­ Ok, vamos lá! ­ Disse e 
voltamos a correr. 
 
Em poucos minutos alcançamos o estacionamento. Ele estaria vazio, se não fosse por alguns 
carros estacionados aqui e ali. Corremos até o portão de ferro na extremidade máxima da 
escola. 
 
Má noticia: O Portão estava trancado. Será que podia ficar pior? Claro, que sim, sempre pode. 
Era um daqueles modelos eletrônicos e só era ativado por controle remoto. Legal não é? 
 
– Como nós vamos passar? ­ A Dêh desabafou com a voz fraca. 
 
– Nós vamos pular... ­ Jimmy falou caminhando até o portão, depois jogou o seu bastão para o 
outro lado e começou a escalá­lo. Ele era muito bom em escalada, fiquei me perguntando onde 
ele havia aprendido tudo aquilo. 
 
Quando ele caiu do outro lado, abriu um sorriso satisfeito e fez sinal para que o seguíssemos. A 
Dêh me olhou de uma maneira que dizia: Como, diabos, eu vou conseguir escalar esse portão? 
 
– Deixa eu te ajudar! ­ Falei indo em direção ao portão onde ela já me esperava com as mãos 
segurando nas barras de ferro do portão. Dei uma ultima olhada para trás, para ver se estava 
tudo normal, não queria ser pego de surpresa por coisa alguma. 
 
Suspirei tranqüilo quando vi que tudo estava brm, depois voltei a minha atenção a Dêh e a ajudei 
a cruzar o portão. Ela foi muito bem para a sua primeira vez. Depois foi a minha vez, não foi tão 
difícil, a grade tinha vários pontos de apoio, quando eu percebi, já estava no outro lado junto com 
os meus amigos. 
 
Agora eram mais ou menos quatro quadras até a casa da mãe da Dêh. 
 
Iria ser muito chato, seu eu resolve­se contar detalhadamente nosso percurso até lá. Para 
começar, não era bem um percurso, andamos praticamente em linha reta. Ainda mais por que 
passamos por tudo correndo, então o máximo que eu me lembro são vultos, como paisagens 
de uma pintura á óleo. 
 
Porém teve algumas coisas que seria impossível não notar, e chocantes de mais para não 
contar. Eram as condições que se encontrava a cidade. Sabe quando vemos, na TV, as 
cidades após as catástrofes naturais? Bem, pegue isso e multiplique por dez, então você terá 
uma idéia do que eu estava vendo. 
 
Diversos carros cruzavam em todas as direções, pessoas corriam aos trancos e barrancos, 
algumas com medo procurando seus familiares em meio à confusão outras andavam junto 
com seus familiares, aparentemente, em busca de socorro ou abrigo. Algumas casas estavam 
destruídas, se você olhasse nunca diria que aquele lugar um dia foi um lar feliz e aconchegante. 
Uma particularmente me chamou a atenção, era uma casa amarela, de janelas com flores 
bonitas e alegres, tudo normal até você olhar para o teto. Uma cratera de uns oito metros de 
circunferência se abria no topo da casa. Imagine só você, tomando um café da tarde em frente 
à televisão, preocupado com quais serão as novas aquisições do seu time para o campeonato, 
ou imaginando qual confusão algum ator famoso se meteu dessa vez, quando de repente um 
meteoro invade a sua sala. 
 
Insano, não é? 
 
Isso só reforçava a minha tese de que isso tudo lembrava desastres naturais. A gente fica 
sentindo algo estranho, sabe? A gente se sente exposto e impotente, sabendo que aquilo pode 
voltar a qualquer momento e o pior é não ter nada que a gente possa fazer para evitar. 
 
Mas a pior rua ­ se é que possível ­ era onde a Dêh morava, o que com certeza deve ter 
apertado o coração de todos nós. Logo ao dobrar a esquina vimos um meteoro gigante, que 
estava estacionado no meio da rua, ele deixou um rastro no asfalto de vários metros por onde 
deve ter deslizado até parar. Nós estávamos quase chegando à casa da Déh ­ que agora corria 
mais rápido que todos ­ Quando eu resolvi fazer um pequeno desvio, diminui o passo e 
deixei­os irem à frente. Eu não tive a oportunidade de chegar perto de nenhum meteoro na 
escola, não que eu quisesse, mas não resisti à tentação e dei uma espiada de perto nele, 
quando eu cheguei perto outro homem que também estava observando resolveu se afastar 
balbuciando coisas incoerentes. 
 
O meteoro era enorme, do tamanho de um carro, parecia ser feito de uma rocha mineral e 
bastante espessa e com uma coloração cinza­violeta. O curioso sobre ele ­ fora o fato de ter 
vindo do espaço ­ é que ela estava aberta. Quase toda a metade superior da rocha estava 
aberta revelando um interior oco. É como se algo tivesse saído lá de dentro. 
 
Fiquei olhando o interior do meteoro, não sei bem o que eu estava esperando ver, mas alguns 
fios na minha cabeça começavam a se conectar. Eu quase perdi a noção do tempo até que 
ouvi o Jimmy me chamar: 
 
– Eddy! O que você está esperando? ­ Ele já estava na frente da casa da Dêh, um sobrado 
verde que parecia ter sobrevivido a tormenta. No fundo pude ver a Dêh entrado com pressa na 
casa. Dei mais uma olhada para o meteoro e corri para me juntar ao Jimmy. 
 
Quando entramos na casa, a Dêh já vinha saindo da cozinha com um olhar de Pânico. 
 
– Achou alguma coisa? ­ Perguntei, mas ela não respondeu, ao invés disso subiu as escadas 
rumo ao segundo andar. Eu e o Jimmy trocamos um olhar preocupado. 
 
– Vamos dar uma olhada aqui em baixo, certo? ­ Falei, e ele concordou com um aceno. Ele foi 
para os fundos da casa e eu fui checar a sala. 
 
– Ângela, a senhora está por ai? ­ Chamei assim que entrei no cômodo, mas não tive resposta. 
 
Eu só havia estado na casa da Dêh uma vez antes, logo depois que ela se mudou. Apesar de já 
fazer algum tempo, tudo continuava igual. A sala era grande, com dois sofás direcionados para 
uma lareira de madeira de pinho. O abajur de canto estava ligado, a luz não estava muito forte 
como se tivesse usando metade da sua força, mas isso significava que partes dos geradores 
da cidade ainda estavam funcionando. Então quando eu vi a televisão tentei, mais do que 
depressa, ligá­la apesar de ser bem provável que ela estivesse sem sinal. 
 
A boa noticia ­ fazia um tempo que eu já não tinha alguma ­ é que ela ligou, mas funcionar já 
seria querer abusar da sorte. Logo que eu á liguei a imagem fora do ar tomou conta da TV e 
aquele som irritante que ela faz encheu o aposento. Eu até tentei ­ em vão ­ passar alguns 
canais, mas não tive sorte. Eu já tinha quase desistido quando uma imagem apareceu na tela. 
 
Olha, não era bem uma imagem, mas talvez viesse a calhar. Parecia ser um canal de noticias, 
em qual um homem de terno relatava fatos detrás de uma mesa grande. A imagem estava mal 
enquadrada, deixando­me ver somente metade do homem, e em preto e branco, a sua voz saia 
em um volume mais baixo que os ruídos sem sinal da TV. Mesmo assim eu consegui escutar 
alguma coisa. 
 
Isso, claro, não melhorou em nada a minha paz de espírito. 
 
– Os numero de vitimas são alarmantes, e esse numero só tende a crescer... Repetimos: fique 
em casa, pode ser perigoso nas ruas, nós não sabemos o que estamos enfrentando... Essas 
foram ás palavras do ministro de defesa dos Estados Unidos da America. ­ Disse o repórter, 
nisso o Jimmy entrou na sala, ele ia falar algo, mas mudou de idéia e se concentrou em ouvir 
algo também. ­ Sabemos que objetos voadores não identificados foram vistos nas principais 
capitais de todo os países da América, pouco antes do inicio da chuva de meteoros. O que era 
estranho se intensificou ainda mais. Alguns sádicos dizem que ambos os fatos estão 
conectados, porém a situação em que se encontramos faz com que não possamos confirmar 
essas informações. Estranhos fatos ocorreram em regiões mais afastadas da cidade, onde 
pessoas afirmam terem visto criaturas estranhas saírem de dentro dos meteoros, outras 
afirmaram vê­las vagando nas redondezas das cidades pequenas, mais uma vez essa 
informação não pode ser confirmada, porém diversas situações como essas estão sendo 
registradas a cada minuto. A situação começa a ficar ainda mais alarmante, será que estamos 
em meio á uma guerra, uma ameaça biológica, uma severa catástrofe ambiental ou quem 
sabe, estamos sendo atacados por... ­ A TV saiu do ar completamente, nós permanecemos em 
silêncio na esperança que a imagem voltasse, mas isso não parecia que ia a acontecer. Eu dei 
uma olhada para o Jimmy, ele estava com uma expressão preocupada, mas não falou nada. 
 
Mas você notou não é mesmo? O que o repórter ia falar no final? A palavra com "A". 
 
Droga, eu não acredito. 
 
E que merda era aquela sobre objetos voadores não identificados sobre as capitais? Era meio 
obvio que eles estavam conectados. Mas isso faria com que estivéssemos sobre ataque e... 
 
Ah! É melhor eu para de pensar nisso, afinal nós ainda temos muitas coisas para fazer. 
 
– Então achou alguma coisa? ­ Perguntei interrompendo o silêncio. 
 
– Não, e você? 
 
– Nem procurei na verdade... ­ Respondi, tirando o suor da testa, tentei afastar aqueles 
pensamentos do noticiário da minha cabeça. ­ Onde está a Dêh? Ela não voltou ainda lá de 
cima? Será que aconteceu alguma coisa? 
 
Não, não... Mas dê um tempo para ela. Acho que a gente não vai achar a mãe dela aqui. ­Ele 
disse com a voz preocupada. ­ E claro, essa, não é uma noticia fácil de assimilar... Por mais 
que a gente esteja com pressa acho que podemos esperar alguns minutos. Dar um tempo á 
ela. 
 
Eu concordei afinal ele estava certo. Não sei como eu reagiria se algo tivesse acontecido com a 
minha mãe, isso só me deixava mais ansioso para encontrá­la. 
 
– Ah... Nós devíamos nos preocupar com o que vimos na TV, não acha? ­ Ele perguntou, dessa 
vez bastante sério. 
 
– Não! Esquece isso! Nem mesmo eles sabem direito o que está acontecendo... Ficar 
pensando sobre isso só vai nos atrapalhar. ­ Eu disse ­ Olha, eu vou tomar um copo d’água 
então a gente busca a Dêh e damos o fora daqui, eu te agradeceria se não comentasse nada 
com a Dêh sobre a televisão. A coisa já ficou complicada o suficiente para ela. 
 
E cruzei a sala, passei em frente à escada e depois entrei na cozinha, caminhei até a pia e me 
servi de um copo d’água. Eu recém tinha coloca o copo na boca quando vi um vulto branco no 
canto da cozinha, dei uma engasgada, larguei o copo o fui verificar. 
 
Era... Uma criança, tipo, de verdade? O vulto branco era na verdade uma toalha, e tinha alguém 
em baixo, que pelo tamanho só podia ser uma criança. A Dêh não tinha irmã, então presumi 
que em meio à confusão ela havia se perdido da família e deve ter entrado na casa sem querer. 
Ou a criança estava usando uma fantasia de halloween ou havia se enrolado acidentalmente 
em alguma toalha ou pano, o que era mais provável já que a mesa da cozinha estava sem pano 
de mesa. 
 
– Jimmy, temos um problema, tem uma criança aqui, eu acho! ­ Gritei, e fui em direção a ela. 
 
– O quê? ­ Ele gritou de volta, mas eu não respondi por que pude ouvir os seus passos vindos 
na direção a cozinha. 
 
Quando eu puxei o pano vi algo muito estranho. 
 
Aquilo nunca seria uma criança. Pelo menos, não nesse planeta. 
 
Ela estava de costas para mim, era pequena e tinha menos de um metro, era um pouco 
gordinha e tinha asas parecidas com as de morcegos, e sua pele tinha uma tonalidade azul e 
parecia com uma espécie de couro. 
 
– O que? ­ Sussurrei. 
 
Tentei me afastar, mas a criatura se virou para mim, tinha olhos malignos, fendas ao invés de 
um nariz e presas afiadas. Ela agarrou a minha perna direita e eu cai de costas no chão, nisso 
os armários presos a parede se abriram em um estouro onde outras três criaturas iguais 
aquela se juntaram a festa. Meu único pensamento foi correr, correr muito. 
 
Eu chutei a criatura que segurava os meus pés, mandando ela direto para dentro de um dos 
armários, me levantei e sai correndo em quantos as outras criaturas vinham atrás de mim com 
raiva. Uma torradeira passou zunindo pelo meu ouvido e se espatifou na parede da conzinha, 
pelo que parece eles gostavam de jogar objetos em pessoas. Dei uma espiada de canto de olho 
e vi que uma delas voava em minha direção. A situação só melhorava. 
 
Eu estava prestes a sair da cozinha, quando encontrei o Jimmy em frente á porta, ele estava 
com o taco de prontidão, me agachei. Então ouvi um som oco ­ eu estava gostando cada vez 
mais desse som ­ a criatura voou no sentido contrário e só parou quando bateu na geladeira, 
caiu e ficou no chão, imóvel. 
 
– O que diabos é isso? ­ O Jimmy perguntou, preparando o taco para atacar novamente, outras 
criaturas já aproximavam. 
 
– Não tenho idéia... ­ Falei, dei um passo à frente e chutei outro que vinha com os braços 
estendidos para segurar a minha perna, ele cruzou toda a cozinha. Eles andavam de um jeito 
engraçado, como bebês. A diferença é que eles eram demoníacos, azuis e possuíam dentes 
muito, mas muito afiados. 
 
– Vamos sair daqui! ­ Gritou o Jimmy. 
 
– Temos que pegar a Dêh! – Respondi. 
 
Paramos em frente à escada, porém não foi necessário subi­la. Logo que paramos a Dêh vinha 
descendo as escadas á toda a velocidade, uma daquelas criaturas pequenas vinha no ar 
agarrando seus cabelos, e outra tentava tirar um livro cor­de­rosa das mãos dela. 
 
Quando ela chegou aos pés da escada, eu dei um murro na criatura que vinha segurando os 
seus cabelos, ele voltou quicando pela escada. E em um gesto rápido a Dêh se livrou da outra 
que segura em seu livro. Nós corremos em direção á saída, o Jimmy já estava lá fora, fazendo 
sinal de apoio para que continuasse, eu deixei a Dêh ir à frente. 
 
O numero daquelas malditas coisinhas pequenas, tinha triplicado, não sei de onde haviam 
brotado tantas. Elas estavam ficando para trás, suas pernas gordinhas não ajudavam muito, 
porém uma estava no meu encalço. No meu caminho tinha uma pequena estante com um 
abajur em cima, eu tentei derrubá­la para ver se impedia a criatura de me seguir, quando ela 
bloqueou o seu caminho ela somente grunhiu e pulou por cima dela, como se ela nem tivesse 
lhe atrapalhado. Porém ela havia perdido preciosos segundos, ela vinha com as mãos 
estendidas e com os dentes a mostra na altura da minha cabeça, mas eu já estava fora da 
casa. A única coisa que pude fazer foi fechar a porta, ela acertou a criatura em cheio e a deixou 
lá dentro. 
 
Eu olhei atordoado para a porta, do outro lado a criatura baita com força, tentando abri­la, mas 
de repente desistiu. Eu fui me afastando, sem tirar os olhos da porta, depois dei uma olhada 
para os meus amigos. A Dêh estava sentada no gramado, agarrada no seu livro, e tinha um de 
olhar de total perplexidade. O Jimmy estava agachado, com o queixo apoiado no seu bastão de 
baseball, perto do fio da calçada. 
 
– Alguém pode me dizer o que acabou de acontecer? ­ Perguntei olhando para eles, mas 
ninguém me respondeu. Eu limpei a garganta e continuei – Vocês estão bem? 
 
Os dois assentiram. Caminhei até a Dêh e ofereci a mão para ajudá­la, quando ela já estava em 
pé notei que ela não carregava um livro e sim um diário. Ela viu que eu notei o seu diário depois 
me fitou com os olhos cheios de lágrimas. 
 
– Ela não estava lá... A minha mãe... ­ Por vários segundos ela tenteou falar algo mais, mas as 
palavras não saiam. Ela estava com o cabelo todo bagunçada e um arranhão na bochecha 
esquerda. ­ A única coisa que eu consegui pensar foi em pegar esse diário e... ­ Ela fez um 
gesto de raiva com as mãos e não disse mais nada. 
 
– Olha, não se preocupa, eu aposto que ela está bem, talvez ela esteja procurando por você 
também.Talvez a gente somente se desencontrou... ­ Eu disse tentando soar muito mais 
confiante do que eu realmente me sentia. ­ Nós vamos encontrar ela, eu prometo. 
 
Ela assentiu. Eu não sabia bem o que falar, era tudo muito complicado.Talvez o silêncio fosse o 
melhor a ser dito. 
 
Limpei o excesso de sangue que escorria pela sua bochecha e disse: 
 
– Agora vamos até o hospital cuidar desse machucado, certo? A gente já aproveita e procura 
pela minha mãe... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eu desisto... 
 
Está na hora de eu admitir que realmente estávamos sobre ataque. Quero dizer, não iria 
adiantar nada fechar os olhos e imaginar que isso é era só um sonho – acredite! Eu tentei – 
Mas a vida sempre tem um jeito engraçado de esfregar a realidade na nossa cara. 
 
Ser atacados por bebês alienígenas é uma delas... 
 
Claro, isso somado ao outro alien que nos atacou na escola, aos meteoros, a uma cidade em 
pânico, o caos nacional e... 
 
Você entendeu o que eu quero dizer... 
 
Agora você deve pensar: Isso é bom afinal, não é? Por que, agora, nós sabíamos o que 
estávamos enfrentando e coisa e tal. Confesso que eu achava isso também, achei que isso me 
ajudaria a colocar a cabeça no lugar, á ficar mais alerta e organizar melhor as idéias... 
 
Até parece... 
 
O problema é que agora eu sabia que estávamos em perigo, e era como se eu estivesse dentro 
de um verdadeiro filme de terror. E isso não é legal. Sabe, nas escolas eles ensinam como 
escapar de incêndios, outras em como reagir durante terremotos e mais uma infinidade de 
coisas. Mas ataques alienígenas? Claro que não! 
 
Nós não tínhamos idéia de como reagirmos. 
 
Eu cheguei a conclusão de que devíamos nos preparar, afinal era um longo caminho até o 
hospital – quase dez quadras – nós tivemos dificuldades para ir da escola até a casa da Dêh – 
que eram somente quatro quadras – nós estaríamos com problemas se fossemos atacados 
novamente e estivéssemos desarmados. 
 
Veja bem, o Jimmy já salvou a minha vida duas vezes – isso era duas vezes mais do que eu 
gostaria – Ok, ele era um cara corajoso, mas ele tinha um bastão. E isso ajudava muito. Eu 
odeio pensar nisso, mas e se da próxima vez ele não pudesse ajudar a mim ou a Dêh, ou 
estiver muito ocupado salvando a sua própria vida. 
 
Nós não podíamos correr esse risco. 
 
Então, enquanto o Jimmy carregava um bastão de baseball, eu carregava um belo flamingo 
cor­de­rosa. É, é... Pense o que quiser, mas foi à única coisa que eu achei que possuía uma 
ponta afiada o suficiente para causar algum dano. Ele estava cravado no jardim do vizinho da 
Dêh. Claro, não era uma espada, mas dava para o gasto. 
 
Eu segurava aquele flamingo com uma força danada, que não diminuiu enquanto corríamos 
para o centro da cidade. 
 
Agora, você deve se perguntar: Por que corríamos tanto? Não tenho idéia... 
 
Era algo quase automático, é como se correr nos deixasse mais longe do perigo. Conforme 
corríamos para o centro da cidade a multidão foi aumentando de maneira alarmante. Eu tinha 
esperanças de que não encontrássemos mais aliens. De acordo com o noticiário, parecia que 
aqueles “estranhos ataques” aconteciam somente nos arredores da cidade, nas áreas mais 
isoladas. Apesar de nós termos sidos atacados na escola e dentro de uma casa, nós 
estávamos sozinhos. Eu estava confiante de que nós não iríamos encontrar mais nenhum um 
inimigo. 
 
Bem, mais ou menos... 
 
Nós trocamos poucas palavras durante o percurso. Eu e o Jimmy íamos á frente, a Dêh vinha á 
alguns passos atrás. Eu estava preocupado com ela, queria ajudá­la, mas achei que seria 
melhor deixá­la sozinha por um tempo. Eu não tinha experiência com a morte, já a Dêh... 
 
Ela perdeu o pai, e agora a sua mãe havia desaparecido – eu ainda não desisti de encontrá­la – 
Mas aquilo era muito para se lidar. Nós continuávamos a correr, até que encontramos algo que 
fez o meu coração bater mais rápido. Era um alien... 
 
Ele estava morto. Então era bastante provável que ele não nos ataque, eu acho. 
 
Ele estava prensado em um poste por uma picape azul, aparentemente alguém viu a criatura e 
não hesitou em pisar fundo no acelerador. Era igual ao que havia nos atacado na escola, quem 
sabe talvez fosse até o mesmo, estava com os braços jogados por cima do capo, e a cabeça 
abaixada e imóvel. Eu fiquei confuso por que até agora nós havíamos sido atacados por dois 
tipos diferentes de aliens, não sei bem, mas isso estava certo? 
 
Deixei essa idéia para depois. 
 
As pessoas passavam de um lado para o outro, ocupadas demais para reparar na criatura, ou 
talvez tivessem medo de encarar a realidade. Aquilo me deixava apreensivo. Eu estava 
cansado, o sol não ajudava em nada e as minhas pernas pareciam gelatina. Mas nós podíamos 
descansar depois, quando resolvêssemos essa coisa toda. 
 
– Nós precisamos nos apressar! – eu disse. 
 
E parei por ai, não disse mais nada. Todos nós lutávamos contra os nossos pensamentos. Nós 
avançamos mais uma quadra, até que ficou impossível correr, a rua estava tomada pelo trafego 
e as calçadas fervendo de pessoas que corriam em todas as direções. Tivemos que reduzir 
nossa corrida á um passo acelerado. Nós andávamos juntos agora, um ao lado do outro, e 
apesar de haver várias pessoas á nossa volta, nós não nos sentíamos mais seguros do que 
antes. Nada no mundo poderia descrever o jeito que nós nos sentíamos, o jeito que a cidade se 
encontrava. Era possível ver os estragos causados pelos meteoros em cada esquina, o olhar 
de pânico em cada pessoa que passava por nós. Nós ouvimos sirenes, vimos bombeiros 
apagando incêndios, acidentes de carro, um hidrante havia estourado e jorrava água para todos 
os lados. 
 
Era muita informação, tenho certeza de que seu eu estivesse prestando atenção ao meu redor, 
teria visto muito mais. Mas a minha cabeça voava longe dali. 
 
Para a minha surpresa, chegamos ao hospital em um piscar de olhos. Ele era de um tamanho 
de um campo de futebol e possuía quatro andares, minha mãe começou a trabalhar lá logo 
após terminar a faculdade. Incrivelmente ele parecia ter resistido á chuva de meteoros. Claro 
que a minha sorte iria – de novo – interferir, o hospital estava um caos. Pessoas entravam e 
saiam pelas portas a todo o momento, ambulâncias largavam os feridos e voltavam para a ação 
da cidade grande. Mas isso não me desanimou, eu aumentei o passo – deixando os meus 
amigos um pouco para trás ­ e adentrei o hospital. 
 
Lá dentro, meia centena de pessoas aguardavam impacientemente na sala de espera, eu me 
aproximei do balcão de informações onde encontrei a Lucy, ela era amiga da minha mãe. 
Nunca troquei mais do algumas palavras com ela, mas ela devia saber onde a minha mãe 
estava. 
 
Ela estava de costas para o balcão, remexendo em algumas gavetas, ao fundo podia ver 
enfermeiros e médicos caminhando de um lado para o outro, aquilo estava uma loucura. Se 
tivesse algo que podia retratar a situação de lá fora, era o interior daquele hospital. 
 
– Lucy, Lucy! – falei apoiando as mãos no balcão. Um senhor ao meu lado resmungou algo 
sobre eu roubar o seu lugar, mas eu não me importei. 
 
– Olha, aguarde no seu lugar até que alguém esteja disponível para... – ela disse virando­se, 
mas parou de falar quando me viu. – Edward? O que você está fazendo aqui? – Ela se 
aproximou do balcão. Ela tinha a pele morena, um cabelo curto na altura do pescoço. Usava um 
jaleco branco com uma etiqueta com o seu nome em cima do peito. 
 
– Eu quero ver minha mãe! Onde ela está? – Eu disse, confesso que fui um pouco grosso, mas 
eu estava nervoso. 
 
– Ela está bem, trabalhando como uma condenada, mas está bem... – ela disse enquanto fazia 
sinal para que eu falasse mais baixo. – Ela estava preocupada com você, mas ela está muito 
ocupada agora! Ninguém tem idéia do que está acontecendo, e a cada minuto chega mais 
gente á esse hospital... 
 
– Ok, ok... Onde eu posso achá­la? – perguntei de maneira apressada. Enquanto o Jimmy e a 
Dêh se aproximavam de mim. 
 
Ela fez uma cara com se analisasse a situação. 
 
– Ela está no terceiro andar... Mas está ocupada. Por que você não espera um pouco e... – ela 
disse em um tom desconfiado. 
 
Eu nem ouvi o que ela tinha a dizer, sai de maneira tempestuosa até as escadas, o Jimmy e a 
Dêh vieram atrás de mim. O caminho até o terceiro andar foi demorado, o percurso parecia 
levar o dobro de tempo que levamos para chegar até aqui. Mas então, quando eu abri a porta do 
quarto 312, e vi a minha mãe me senti mais leve que um balão a gás. 
 
O nome da minha mãe é Adele, ela tem quarenta e dois anos de idade. Ela era baixinha e um 
tanto gordinha. Mas mesmo assim era a mulher mais linda do mundo, seu sorriso era capaz de 
deixar qualquer pessoa feliz. Ela é daquelas que vento nenhum derruba sabe? 
 
A prova disso é que ela continuava á trabalhar, mesmo quando o mundo lá fora se transformava 
em um inferno. Ela estava tirando mantimentos de um armário quando eu entrei na sala, não 
resisti e a chamei: 
 
– Mãe! Mãe! 
 
Ela se virou, quando me viu abriu um largo sorriso. Só a minha mãe mesmo, para iluminar um 
momento de escuridão como esse. Eu corri até a metade da sala e ela percorreu a outra 
metade. Ela me deu um abraço apertado, em outra situação eu me sentiria embaraçado, mas 
eu estava com tanta saudade dela, e feliz por ela estar bem que nem me importei. Em seguida 
ela deu um abraço na Dêh e outro no Jimmy, que ficou com uma cara de surpresa impagável. 
 
– Eu estou tão feliz que vocês estão bem! – Ela disse dando um beliscão de leve na minha 
bochecha – Eu estive tão preocupada, eu queria sair e procurar por vocês, mas o hospital 
precisava de mim... – ela parou de falar quando viu o arranhão no rosto da Dêh. 
 
– Querida, mas o que é isso no seu rosto? – ela fez sinal para uma enfermeira vir até ela – 
Querida, vá com essa moça, ela vai dar um jeito nesse machucado! 
 
A Dêh não respondeu, mas foi com a enfermeira, fiz um sinal para o Jimmy ir com ela. Quando 
eles saíram a minha mãe me olhou de maneira mais séria. 
 
– Você tem alguma idéia do que está acontecendo lá fora? Por que eu ouvi cada história 
maluca... – ela disse, preocupada. 
 
– Provavelmente elas todas são verdadeiras! – eu disse, caminhei até a janela e olhei pelas 
frestas da cortina – Eu estava morrendo de preocupação, você não tem idéia... Nós passamos 
pela casa da Dêh, mas fomos atacados e tivemos que sair de lá... 
 
– Conseguiram falar com a Ângela? – ela perguntou esperançosa. Eu não respondi, só fechei a 
cara. Sua feição preocupada se intensificou. – E que história é essa de ser atacado? 
 
Eu me sentei aos pés da cama – ela estava vazia – e comecei a narrar tudo que havia 
acontecido conosco. Os meteoros, os aliens, o noticiário da TV e o estado que estava a cidade. 
Ela ouviu tudo com uma expressão muito séria. 
 
– Eu ouvi algo sobre ataques alienígenas, mas isso não podia ser verdade... – ela sussurrou. 
 
– Mas é, acredite! Eu vi com os meus próprios olhos! – Eu disse, levantando­me da cama. – 
Então vamos lá? 
 
– Onde? – Ela perguntou com espanto. 
 
– Como assim, onde? Nós temos que sair e achar um lugar seguro e... 
 
– Eu não posso sair daqui! As pessoas precisam de mim aqui! 
 
– O que? Olhe o que você está falando! Tem algo muito sério acontecendo lá fora... 
 
Ok, Tempo! Você está vendo o que ela está dizendo? Eu não acredito nisso, depois de tudo que 
passamos para chegar aqui, ela não quer ir embora, será que ela tem idéia de como isso faz eu 
me sentir? Eu tentei me acalmar e recomecei. 
 
– Mãe, a gente não pode ficar aqui! Temos que dar o fora antes que a situação saia do controle! 
– Eu falei forçando um sorriso e apontando para a porta. 
 
– Edward! – ela disse em um tom severo, eu me calei – O pessoal precisa de mim aqui, pelo 
menos até essa situação se acalmar, você entendeu? Não posso deixá­los. 
 
Eu queria falar alguma coisa, mas minha cabeça estava vazia. Ela se virou e foi até a sua mesa 
e abriu a gaveta. Lá de dentro ela retirou uma chave, depois veio até mim e a entregou­me. 
 
– O que? – perguntei surpreso, pegando as chaves. 
 
– Eu tenho que ficar! Você não! – ela disse de ombros. 
 
– Você está brincando não é? Sério! Não tem graça... 
 
Ela fez um sinal de silêncio. Eu tentei falar algo mais, mas ela repetiu o sinal, de novo e de novo 
até que eu me calei. Ela abriu um sorriso e falou: 
 
– Vá para a casa do seu tio Frank, a gente se encontra lá mais tarde, Ok? – ela disse com um 
sorriso doce. Como ela faz isso? Como ela é capaz de sorrir em uma hora dessas, tipo, um 
sorriso verdadeiro. 
 
– É claro que não está Ok! E ainda por cima, o tio Frank mora em São Francisco, são quase 
três horas daqui, e as estradas devem estar uma loucura, eu levaria quase cinco horas até lá! E 
você não pode me deixar ir, nós temos que sair daqui juntos! 
 
– Nada que você disser vai me fazer mudar de idéia, então pare! – ela disse em um tom que eu 
já conhecia, esse tom significava que o assunto estava acabado. 
 
Eu dei uma olhada ao meu redor, buscando inspiração para dizer algo que a mudasse de idéia, 
mas nada! Nem uma simples idéia. Não tinha jeito. Eu suspirei e continuei. 
 
– E a casa do papai? – eu disse, ela só me encarou nos olhos. 
 
– Não fale bobagem... – ela respondeu. 
 
– Eu estou falando bobagem? Sério? – perguntei, ela desviou os olhos dos meus. – Qual é? Ele 
mora em Modesto, é muito mais próximo do que São Francisco, mesmo com esse tráfego eu 
chegaria lá menos de duas horas... 
 
– Não! Vá para a casa do seu Tio, é muito mais seguro lá! – Ela retrucou. Dos seus olhos 
escorriam lágrimas. – Faça o que eu estou lhe dizendo! 
 
– Olha, o mundo está desmoronando, essa pode ser a ultima chance que eu tenho para ver o 
meu velho! – Retruquei irritado. – Por que as coisas têm que ser desse jeito? Por que eu não 
posso ir para a casa dele, a gente pode se encontrar lá, depois até podemos ir para casa do tio 
Frank! 
 
– Eu sou a sua mãe! E enquanto as coisas forem desse jeito, você vai fazer o que eu achar 
melhor. E o melhor agora, é você ir para a casa do seu tio. 
 
Eu odiava ver a minha mãe chorar, então eu resolvi parar. Eu sei que aquilo não era fácil para 
ela também, mas por que ela queria ficar? Afinal eu sou o seu filho, ela deveria ficar comigo. 
 
– Certo, eu vou para a casa do tio Frank! – Falei finalmente. – E você? Como você vai depois? 
 
– Lucy! – ela respondeu como se explicasse tudo, mas depois de ver a minha expressão 
confusa, continuou. – Lucy vai para a casa de sua filha em Sacramento, no caminho ela vai me 
deixar em São Francisco. 
 
– Ok – Falei, mesmo não acreditando que a Lucy faria um desvio tão grande para largar a 
minha mãe em São Francisco. – Então eu acho que é melhor eu ir indo, o Jimmy e a Dêh já 
devem estar me esperando... 
 
Ela me abraçou, mas era um abraço caloroso, dos mesmos que eu recebia na infância. Me 
perguntei quando os seus abraços pararam de ser tão deliciosos. Ok, agora eu tinha que partir, 
por que os meus olhos já começavam a se encher de lágrimas. 
 
– Se cuide, certo? – Ela falou, mas nem esperou a minha resposta, deu uma olhada no seu 
relógio no interior do pulso esquerdo e continuou. – São 3h da tarde, se vocês forem agora, 
estarão lá no inicio da noite. Cuide bem da Débora, ela não tem ninguém agora, ela vai precisar 
de você mais do que nunca! 
 
O que a minha mãe esperava que eu respondesse? Não, eu não vou me cuidar! Pretendo 
chegar lá só depois da meia­noite, e de jeito nenhum eu vou tomar conta da Dêh! Isso tudo já 
estava decidido, eu conseguiria me virar, eu sabia disso. Minha preocupação era a minha mãe, 
ela iria tomar o mesmo cuidado que eu? Afinal eu tinha amigos comigo, ela por outro lado tinha 
a Lucy... 
 
– Não seu preocupe mãe... Só me prometa que você vai tomar cuidado também... – Respondi. 
 
– Claro que sim, querido! – ela disse dando mais um beliscão de leve na minha bochecha. – 
Agora vá! O carro está no estacionamento para funcionários. Não faça nenhuma bobagem está 
bem?! 
 
Eu dei um sorriso, provavelmente o mais falso que eu já dei em toda minha vida. Eu cruzei mais 
de dez quadras, para ouvir que a minha mãe iria me deixar sozinho. Ótimo! Simplesmente 
ótimo! 
 
Eu não falei nada, trocamos mais um abraço, e depois eu fui embora. Mas eu senti como se 
metade do meu coração tivesse ficado para trás. 
 
Quando eu voltei para o corredor encontrei, o Jimmy e a Dêh, ambos me esperavam ansiosos. 
A Dêh estava com um band­aid enorme na bochecha, o Jimmy estava escorado na parede 
próximo a um extintor de incêndio, apoiado no seu taco de Baseball e carregando o meu 
Flamingo cor­de­rosa na mão esquerda. Eu não me lembrava de tê­lo dado á ele. Quando eles 
me viram fizeram uma careta curiosa, mas foi a Dêh que resolveu perguntar: 
 
– Onde está a sua mãe? 
 
– Ela tem que fazer algumas coisas antes, mas vai nos encontrar mais tarde... – Fiz de tudo 
para disfarçar a voz e não demonstrar nenhum remorso. Não queria que eles ficassem 
preocupados comigo. A Dêh me olhou de maneira suspeita. – Não se preocupe, eu já consegui 
um lugar seguro para irmos e... Um carro! – Falei demonstrando a chave. 
 
Não trocamos mais palavras, eu guiei o pessoal para o estacionamento. Eu já estive naquele 
hospital uma porção de vezes, e eu não gostava. O hospital é um lugar muito triste, e essa 
visita em particular só ressaltou as minhas idéias. Se fosse possível o hospital estava ainda 
mais cheio que antes, e os barulhos das conversas enchiam os corredores. Quando chegamos 
ao estacionamento tive mais uma prova de que o meu poderoso azar realmente existia. E 
estava afim de me assombrar. 
 
A minha mãe era sempre uma das primeiras a chegar ao hospital, no inicio da manhã. O 
problema era que o seu carro estava nos fundos do estacionamento, centenas de outros 
carros, que devido ao medo e ao pânico, haviam estacionado qualquer maneira. Fazendo que 
fosse quase impossível sair de lá. 
 
Só fica melhor não é? 
 
O carro da minha mãe não era nenhuma Ferrari, na verdade era bem velhinho, tinha quase a 
minha idade. Mas ele seria de grande ajuda nessa situação, na verdade o plano inteiro dependia 
dele, como nós iríamos chegar a São Francisco? Caminhando? Mas nós demoraríamos horas 
para manobrar o carro para fora do estacionamento, isso se conseguíssemos manobrá­lo. 
 
– Tem alguma chance do carro da sua mãe não ser aquele lá no fim do estacionamento, que 
você tanto olha? – o Jimmy perguntou. 
 
– A chance é a mesma disso tudo ser só um sonho... – Eu respondi de mal humor. – Nós 
vamos ter que tentar manobrá­lo, eu e o Jimmy vamos, não tem como eu fazer isso sozinho, 
não nesse espaço tão pequeno. – Falei ultima frase diretamente para a Dêh. 
 
Ela assentiu, nós driblamos os carros rumo ao fim do estacionamento, ao carro da minha mãe. 
Eu perdi uns vinte minutos avançando poucos centímetros e depois retrocedendo mais um 
pouco, no final eu não parecia ter saído do lugar. 
 
– Não tem jeito! – eu respondi dando um soco na direção, que disparou a buzina. Depois sai do 
carro e bati a porta com força. – Nós vamos ter que achar outra maneira... – Falei para o 
Jimmy. 
 
– Nós podemos pegar outro carro! – Ele me olhou com um olhar maníaco. 
 
– O que? Como? – Eu o encarei e percebi o que ele queria dizer. – Roubar? Você está falando 
sério? Sem jeito, cara! Alguém pode precisar do carro tanto quanto a gente. Vamos procurar 
outra maneira! 
 
– Aquele carro! – ele apontou para uma camionete preta do outro lado do estacionamento. – Ela 
é do Dr. Katrakas, eu ouvi no hospital que ele não apareceu depois do almoço, provavelmente já 
deu no pé da cidade, ou pior... Mas eu duvido que ele vá usar esse carro! 
 
– Como você sabe que o carro do Dr. Katrakas? – Eu perguntei. 
 
– Tem uma placa com o nome dele presa no retrovisor, o pessoal do hospital as usam para 
saber quais carros são dos funcionários, para não cobrarem o estacionamento. O carro da sua 
mãe tem uma também. 
 
Dei uma olhada de relance para o carro da minha mãe. Ele estava certo, tinha uma placa 
amarela com letras verdes escrito: Fowl. 
 
Eu estava pensativo, apesar das circunstâncias, roubar é crime. Mas também, essa podia ser a 
nossa saída para a sobrevivência. Então o Jimmy fez algo que eu nunca esperaria. Ele pegou o 
seu taco de Baseball atravessou o estacionamento e bateu com força na janela do carona da 
camionete. O vidro explodiu em milhares de fagulhas. 
 
– O que você está fazendo? Você está louco? – Perguntei. 
 
– Estou nos tirando daqui! – Ele disse sem olhar para mim, meteu a mão pela janela e 
destrancou a porta. 
 
– Gênio, para ligar um carro você precisa de uma chave, sabia? – Eu disse. Não podia acreditar 
que nós estávamos arrombando um carro. O Jimmy nem olhou para mim, permaneceu 
agachado em frente á direção, o que ele esperava que acontecesse? Que o carro tivesse pena 
da gente e se ligasse sozinho? 
 
Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, o carro ganhou vida. 
 
O que? Como? 
 
Eu me aproximei do carro e encontrei o Jimmy com um sorriso de orelha a orelha. 
 
– Como você fez isso? ­ perguntei incrédulo. Depois olhei para a ignição esperando encontrar a 
chave. Mas o que eu vi foram dois fios desencapados, fazendo contato um com o outro, então 
entendi o que havia acontecido. – Você fez ligação direta? 
 
– Sim! – Ele disse envergonhado. – Não foi tão difícil... E a gente está precisando! Vamos! – 
Ouvi um clique e a porta do carona destrancou­se. Não sei bem o que passou pela minha 
cabeça, mas ele estava certo, essa era a nossa única saída. 
 
Então ele bate forte com um bastão, é bom em escalada, e sabe fazer ligação direta? Que 
escola esse cara estudou? 
 
Eu tirei o excesso de cacos de vidro e me sentei no banco carona. Então era isso, nós 
poderíamos ir até São Francisco. Perguntei ao Jimmy se tínhamos gasolina suficiente e ele 
disse que sim. Manobrar aquela camionete foi difícil, mas nós tínhamos um caminho muito mais 
fácil para sair do estacionamento. 
 
Nós estávamos indo em direção a Dêh, quando eu me lembrei que nós ainda não tínhamos feito 
contato com os pais do Jimmy. Eu dei um tapa na minha testa e me virei para o Jimmy. 
 
– Cara, e os seus pais? – Eu tinha ficado tão obcecado em sair logo da cidade que me esqueci 
dos pais do Jimmy, será que eles moravam muito longe dali? Se bem que nós estávamos em 
um automóvel agora, podíamos cruzar a cidade em poucos minutos. 
 
– Na verdade... Quanto á isso... Nós não vamos conseguir falar com os meus pais! – Ele falou 
concentrado na pista a sua frente. 
 
– Por quê? 
 
– Eles estão fazendo um cruzeiro pela Ásia... – ele respondeu. Suas bochechas estavam 
vermelhas como um morango. Depois ele continuou de maneira mais confiante. – Desculpe 
não falar nada antes, não queria preocupar vocês... 
 
Ele fechou a cara, e eu entendi que significava: Sem mais perguntas. 
 
Eu queria dizer alguma coisa, afinal o que ele vinha fazendo por nós era sensacional. Mas eu 
não sabia o que dizer. Não sei como eu reagiria se não tivesse falado com a minha mãe, 
mesmo eu não conseguindo o meu objetivo eu sabia que a minha mãe estava bem. Ele devia 
estar sentindo do mesmo que a Dêh, Cara! Isso é dureza. 
 
De novo optei por ficar calado. Nós encontramos a Dêh na saída do estacionamento, ela 
parecia nervosa, mas abriu o sorriso quando nos viu. Isso era bom, fazia bastante tempo que 
ela não sorria. Ela entrou pela porta de trás. 
 
– Por que vocês demoraram tanto? –Ela disse se ajeitando no banco traseiro. – Eu estava 
nervosa! – ela falou e me encarou, esperando respostas. 
 
– Ah... Tivemos dificuldades para manobrar o carro... Desculpe por isso... – Dei um sorriso, e 
ela pareceu engolir. O Jimmy me deu uma olhada. Acho que ele não queria que a Dêh 
soubesse sobre os seus pais, então não falei nada, mesmo não entendendo o porquê dessa 
vergonha toda. Mas respeitei a sua vontade. 
 
Nós saímos devagar do estacionamento, entramos rapidamente no lento trafego que se 
estendia por centenas de metros de distância. O Jimmy era um bom motorista – adicione isso 
na lista de coisas que ele faz bem – ele usava bem o tamanho da camionete e não deixava 
nenhum espertinho nos ultrapassar. A Dêh parecia estar com o espírito renovado, ter uma nova 
direção, um novo objetivo deu á ela um animo diferente. Eu fiquei feliz com isso, e o que eu 
mais queria naquele momento era fazer aquele sentimento durar. 
 
Então minha mente estalou. Era assim que a minha mão se sentia. Assim era ter algo que você 
gosta, se identifica. Eu daria tudo pela Dêh, se isso a fizesse feliz. Acho que foi naquele 
momento eu desculpei a minha mãe, na verdade, tive mais orgulho dela do que nunca. Aquele 
hospital era parte da vida da minha mãe assim como os seus pacientes dentro dele, isso era 
algo que ela tinha que fazer sozinha. 
 
E não seria eu que iria atrapalhar. Afinal, a gente se encontraria mais tarde... 
 
Assim como ela eu tinha as minhas prioridades. 
 
– Para onde nós vamos agora? – Perguntou o Jimmy. Nós estávamos chegando á estrada 
principal. 
 
– Bom agora nós vamos para Modesto! – Eu disse olhando para o movimento da estrada. – 
Vamos visitar o meu pai... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Na minha cabeça fugir de uma cidade ameaçada por aliens envolvia muitas lutas, explosões, 
fugas incríveis, desafiar a lógica, brincar sobre a linha tênue da vida e da morte. Mas essas 
idéias fugiram da minha mente depois de uma hora e meia, sentado, naquela camionete. 
 
A rodovia se movia mais devagar que a fila da maior montanha russa do mundo, era como estar 
dentro de uma cena em slow­motion. Era horrível. Eu tentei – pela milésima vez – ligar o rádio, 
mas o resultado foi o mesmo. Nada. Só um zunido sem nexo, ás vezes parecia que estávamos 
prestes a ter algum sinal, mas essa sensação durava somente alguns segundos então 
ficávamos com aquele som irritante de novo. 
 
– Droga, eu não agüento mais! ­ Resmunguei desligando o rádio e colocando o CD do Abba de 
volta para tocar. Ok deixe­me explicar essa coisa do Abba, era o único CD que o Dr. Katrakas 
tinha no carro. Eu até que gostei, pelos primeiros dez minutos, depois de uma hora e meia 
ouvindo as mesmas musicas fica difícil manter o humor estável. 
 
Dancing Queen não saia da minha cabeça. Trágico! 
 
– Não se preocupe! Mais alguns quilômetros e nós chegaremos á estrada de faixa dupla, o 
trafego deve ir mais rápido lá. – disse o Jimmy, ela estava dirigindo desde que saímos da 
cidade, se ele estava cansado, não demonstrava. – Afinal, talvez seja algo bom, temos um 
tempo para nos organizarmos melhor, assimilar tudo que está acontecendo. Espero que as 
coisas estejam melhores em Modesto... 
 
Eu não contei a eles que estávamos indo á Modesto para ver o meu pai, ao invés disso falei que 
iríamos até lá e esperaríamos pela minha mãe. Falei que escolhemos aquele lugar para nos 
encontrarmos por que era onde eu passava as minhas férias de verão. O que de certa forma 
era verdade. Não era legal, eles não saberem da verdade, mas isso era algo que somente eu 
poderia fazer. Era como o lance da minha mãe com o hospital. Aliás, algo me dizia que não era 
só eu que estava escondendo o jogo. 
 
Dei uma olhada para o banco de trás, a Dêh estava dormindo, ela pegou no sono depois de uns 
trinta minutos de percurso. Claro, que eu a deixei dormir, não tinha necessidade de mantê­la 
acordada. Difícil mesmo foi explicar a ela por que nós havíamos roubado um carro. Ela surtou, 
disse que aquilo não era certo e coisa e tal. Ela era filha de um policial, o que você esperava? 
Mas depois de um tempo ela pareceu aceitar que era para o nosso melhor. 
 
Eu voltei os olhos para á estrada, que continuava devagar, era como estar viajando em cima do 
casco de uma tartaruga. Resolvi aproveitar o tempo para fazer algumas perguntas, de coisas 
que já vinham ocupando a minha mente á algum tempo. 
 
– Hei... Jimmy... – Comecei desajeitado. – Quando você vai me contar a verdade? – Ah, que se 
dane! Resolvi mandar logo a real. Eu não sei quanto a você, mas eu não engoli aquela história 
dos pais dele estarem em um cruzeiro pelo Ásia. 
 
– Como assim? – ele gaguejou. 
 
– Cruzeiro pela Ásia? Sério? Qual é? – eu respondi. 
 
Por um momento ele não me deu atenção, ao invés disso apertou com um pouco mais de força 
o volante. Deu uma olhada para Dêh, como para se certificar de que ela estava dormindo e não 
ouviria nada. 
 
– Á três meses atrás, eu morava em Chicago, Illinois. Estudava em uma das melhores escolas 
da cidade. Estava tudo bem até que tivemos uma excursão escolar. – Ele começou meio 
desajeitado, sem tirar os olhos da estrada. – Eu fazia parte da equipe de Baseball da escola. 
Cara, eu era bom, nunca saia do campo sem um Home Run*. Nós estávamos em um museu 
de arte. E tinha essa garota... Sally Cooper, ela era demais. Eu contei a ela que meu pai era um 
mecânico e que ele havia me ensinado a fazer ligação direta em carros. Nós achamos um 
carro no estacionamento e ela pediu para que eu provasse minhas habilidades. Duas semanas 
depois eu estava em frente á um júri, sendo condenado a duzentas horas de trabalho 
comunitário por roubar um carro, eu não queria ter feito isso, mas mesmo assim... Como eu fui 
estúpido... 
 
Eu não falei nada, mas estava explicado aquele lance da ligação direta. Ele fez uma pausa e 
continuou. 
 
– Então no ultimo mês, após um jogo de baseball, eu e mais dois integrantes do time nos 
envolvemos em uma briga com o pessoal da escola adversária. Eu quebrei duas costelas do 
lançador deles com o meu bastão. – Ele fez uma cara brava, como se fosse ruim admitir isso 
em voz alta. Eu podia estar errado, mas eu sentia como se eu fosse a primeira pessoa á que 
ele contava esses detalhes. – Eu fui expulso da escola, meu pai ficou uma fera, ele queria me 
mandar para um reformatório. Então nós recebemos uma ligação da Terronez, dizendo que 
estavam dispostos a esquecer o meu histórico se eu me juntasse a sua equipe de baseball. No 
outro dia eu já estava no avião á caminho de Fresno. Sabe o que é pior? Eu não tive nem 
chance de treinar, hoje seria minha primeira vez em campo... Tudo foi de mal a pior, você não 
tem idéia de como é... Se não fosse algo tão triste eu diria que alguém está tentando me 
sacanear. 
 
Bom, primeiro: Eu tinha uma boa idéia do que era ter as coisas indo de mal á pior, na verdade, 
duvido que você conheça alguém que tenha mais experiência nisso do que eu. Segundo: Fiquei 
meio aliviado pelo que ele havia dito. Sei lá, mas em algum lugar da minha mente maluca – e 
extremamente fértil – eu me forçava a acreditar que ele era algum tipo de assaltante ou 
magnata do crime. Mas no final ele era só um jovem perturbado com problemas normais – ok, 
nem tão normais – de um adolescente. Ele era uma versão BadBoy de mim mesmo. 
 
Ok, essa ultima parte não estava certa. Mas você entendeu o que eu quis dizer. 
 
– Desculpa não ter lhe contado antes, e ter mentido também, eu... Sei lá... Só achei que vocês 
não gostariam de andar com um cara como eu por ai. E eu não queria ficar sozinho. – Ele 
completou depois se calou e voltou seu olhar para a estrada. 
 
– Cara está tudo bem, sério! – eu disse, mas ele parecia não prestar atenção. – Você salvou a 
minha vida duas vezes hoje! Você podia ter matado alguém que nós ainda seriamos amigos! – 
Eu disse rindo, ele até tentou resistir, mas no final nós dois estávamos dando gargalhadas. 
 
– Certo, e qual o lance seu e da Dêh? – ele perguntou voltando­se a mim, obviamente mais 
relaxado. 
 
– Como assim? – retruquei confuso. 
 
– Vocês estão juntos? Tipo, namorando? – Ele falou baixo, tão baixo que se eu não estivesse 
prestando atenção não ouviria. 
 
– Não, não... – Comecei exaltado. Dei uma olhada para a Dêh no banco de trás. – Quero dizer, 
nós somos amigos desde que éramos crianças, sabe? Nunca olhei para ela dessa maneira, e 
ela está comigo desde o começo disso tudo, na verdade se não fosse por ela eu não estaria 
aqui! O mínimo que eu posso fazer é protegê­la... 
 
O Jimmy não falou nada, ficou só olhando para a estrada, pensando. Por fim terminou. 
 
– Isso é bom... – Depois me lançou um olhar profundo. – Não estar sozinho... Ajuda a gente a 
manter o foco, não é? 
 
– Não se preocupe! Você não está mais em Chicago, você está em Fresno... – Dei uma olhada, 
a tempo de ver uma placa na rodovia que indicava onde estávamos. De acordo com ela nós 
havíamos entrado na rota 99’. – Bom, tecnicamente nós não estamos mais em Fresno. Mas o 
que eu quero dizer é que você não está mais sozinho, em Fresno nós cuidamos uns dos 
outros... 
 
Ele não falou nada. Mas eu pude ver nos seus olhos, um novo tipo de brilho, acho que ele tirou 
um grande fardo das costas contando­me a verdade. Eu queria perguntar ao Jimmy sobre os 
seus pais, mas era bastante provável – já que eles não estavam em um cruzeiro – que eles 
estivessem em sua casa em Chicago. Nós não sabíamos como estava á situação por lá, e 
nem tínhamos como saber. Achei melhor deixar para lá. 
 
O Jimmy estava perto de dizer alguma coisa, mas um som ensurdecedor inibiu qualquer som 
de ser pronunciado, era um helicóptero. Com esse, chegava a três o números de helicópteros 
que vimos cruzar os céus desde que pegamos a estrada. O aeroporto da cidade de Fresno era 
bem na saída para as rodovias, pela altura daqueles helicópteros era para lá que eles iam. 
 
Eles eram grandes, pretos e espelhados. Lembravam modelos militares, vê­los ali por perto, 
me deixava mais tranqüilo, pois significava o governo estava tentando fazer algo para amenizar 
essa coisa toda. Mas também podia significar que a situação estava fora do controle. 
 
Fiquei zangado comigo mesmo. Era esse tipo de pensamento que atraia as coisas ruins. 
 
Conforme chegamos na pista dupla, o que o Jimmy tinha dito havia se concretizado. O trafego 
começou a andar bem mais rápido, nesse ritmo chegaríamos á Modesto em pouco mais de 
uma hora. Eu já estava me empolgando com a idéia. Fazia duas horas que nós havíamos 
deixado a cidade de Fresno – demoramos uma hora e meia, somente para chegar às rodovias 
que ficavam na fronteira da cidade – mas depois começamos a andar mais rápido. Mais alguns 
minutos nós passaríamos pela cidade de Madera. 
 
O meu relógio de pulso indicava que eram cinco e meia da tarde. Á quatro horas atrás a minha 
maior preocupação era escapar de um jogo de queimado ou ver um velho estabanado cair do 
seu andaime. Isso era coisa de outro mundo. Fiquei pensando nas pessoas, pessoas que eu 
nem tinha convivência, mas que estavam lá todos os dias. Aquela vida nunca mais voltaria. 
 
Eu acho que nós não tínhamos idéia da gravidade da situação em que estávamos. Acho que 
era a adrenalina, o medo de perder os nossos familiares e da situação que a gente se 
encontrava. 
 
Adrenalina e medo, uma combinação perigosa. 
 
Conforme seguimos pela rodovia, cruzamos a pequena cidade de Madera, ela era tão pequena 
que muitas pessoas achavam que ela era uma extensão de Fresno. A rodovia cruzava a cidade 
bem no meio, e o que vimos não foi legal. Ali eu tive uma noção maior do que estava 
acontecendo ao mundo que conhecíamos. 
 
Naquele breve percurso dentro da cidade, que não durou mais do que quinze minutos, o estado 
da cidade era alarmante. Assim como em Fresno, nós podíamos ver diversas torres de 
fumaças espalhadas pelo plano da cidade, algumas construções em ruínas e alguns gritos 
histéricos eram soltos ao ar de vez em quando. Mas o que me preocupava era que nós não 
conseguíamos ver pessoas, diferente de Fresno, aonde víamos multidões no centro da cidade. 
Madera não era uma cidade grande, comparada com Fresno, ela parecia um pequeno 
playground. Nós chegamos á conclusão de que eles deviam ter evacuado a cidade, e por terem 
um numero muito menor de habitantes, isso deve ter acontecido de maneira muito mais rápida 
do que em Fresno. Eu tinha um mau pressentimento, algo me dizia que a cidade Madera se 
encaixava perfeitamente no perfil das cidades isoladas citadas no noticiário. Aquelas em 
aconteciam a maioria dos ataques. 
 
Se houvesse algo perigoso lá, nós não saberíamos. Passamos á toda velocidade pela cidade – 
ou tão rápido quanto é possível, dentro de um engarrafamento de um quilômetro – e voltamos 
para a rodovia principal. Nós andávamos pela pista da direita, a paisagem ao nosso redor havia 
deixado os prédios destruídos para trás e dado lugar á uma grama alta e verde. 
 
Quando eu penso no que veria a seguir, eu preferiria ter explorado toda á cidade de Madera ao 
invés de vivenciar o que estava prestes a acontecer. Por que nada no mundo podia ter nos 
preparado para o que estava prestes á acontecer. 
 
Nós havíamos avançado alguns quilômetros estrada á dentro. A Dêh, recém havia acordado, e 
cantava baixinho ás canções junto ao Abba. Eu o Jimmy falávamos algumas bobagens 
relacionadas a esportes, era bom esquecer um pouco daquela loucura toda. No horizonte o sol 
começa o seu caminho para se pôr. 
 
Então a vida resolveu me sacanear e me mostrar – de novo ­ que quem está no controle era ela 
e não eu. 
 
Primeiro nós ouvimos um estouro forte á nossa direita. Um meteoro passou á uma velocidade 
impressionante ao lado, deixando um rastro de fogo pelo campo. Nós olhamos para o céu e o 
nosso maior medo se confirmou. 
 
Novos pontos flamejantes entravam na atmosfera. O transito parou, o que não era legal, pois, 
agora não podíamos ir para á frente nem para trás. Vários motoristas saíram dos seus carros e 
se posicionaram incrédulos olhando para o céu. Ninguém podia acreditar que aquilo estava 
acontecendo, pelo menos não queriam acreditar... 
 
Estava começando uma nova chuva de meteoros. 
 
Nós estávamos trancados na pista, não tinha como nenhum carro sair do lugar. Para completar 
estávamos cercados pelos lados por grossas estruturas de aço. Ironicamente, algo que tinha 
sido posto ali para evitar acidentes, tinha nos condenado. 
 
Agora lhe pergunto de novo: Será que pode piorar? Ok, ok... Não precisa responder! 
 
Uma sombra enorme cobriu a estrada, lá no alto, á nossa direita, um avião comercial – desses 
enormes, que carregam passageiros – vinha voando baixo. Na verdade voando baixo até 
demais. Meu primeiro pensamento foi: 
 
Está chovendo aviões? 
 
Claro, que não era isso, isso seria ridículo. Era algo muito, mas muito mais sinistro. 
 
Eu notei de relance que a sua asa esquerda havia sumido. Onde a sua asa deveria estar, 
estava uma enorme cratera que pegava fogo e soltava fumaça. Aparentemente o avião havia 
sido atingido por um meteoro e estava caindo. Para completar a rodovia era a sua pista de 
pouso. 
 
Nós estávamos perplexos dentro do carro. Ninguém se atrevia falar nada. Era como se 
segurássemos uma granada sem pino, era dar um único deslize que tudo ia para os ares. 
 
Nos requisitos horror chocante o que eu vi a seguir ganha de mil de qualquer coisa que você já 
tenha visto na TV. O avião desceu até ficar rente ao chão, até que cruzou á nossa frente, porém 
ele não tinha como parar. Ele varreu toda a estrada, como um strike de boliche, os carros 
viraram bolas de chamas, tudo isso contribuiu para uma mega explosão. Isso tudo aconteceu á 
uns oitenta metros á nossa frente. 
 
Super, não é? 
 
Eu passei a viajem toda pedido para andarmos mais rápido, mas se isso tivesse acontecido 
seria a gente embaixo daquele avião. É claro, que ainda chovia meteoros lá em cima. Nós não 
poderíamos ganhar uma só tragédia, o pacote tinha quer completo. 
 
– Nós temos que sair daqui! – Eu gritei para eles dentro do carro, sem tirar os olhos dos 
destroços do avião que queimavam intensamente a nossa frente. 
 
– E como vamos fazer isso? Não sei se você viu, mas tem um avião em chamas bloqueando o 
nosso caminho e um mar de carros atrás da gente! Nem pelos lados nós podemos sair! – O 
Jimmy esbravejou. 
 
–Vocês querem parar de gritar?! – A Dêh falou. Eu e o Jimmy só trocamos um olhar tenso. – O 
Eddy está certo, se ficarmos sentados aqui, seremos um alvo fácil! 
 
Nós tiramos os cintos e saímos do carro. Enquanto o Jimmy fazia a volta na camionete eu e a 
Dêh corríamos em direção a proteção do acostamento. O único jeito era pular aquilo e ir para 
os campos ao nosso redor, pelo menos ali seria mais fácil de fugir de um meteoro. A Dêh já 
estava atravessando por cima da proteção quando eu olhei ao meu redor á procura do Jimmy. 
Ele estava remexendo nos assentos traseiros da camionete. 
 
– Cara o que você está fazendo? – Perguntei, no exato momento em que um meteoro atingia 
um carro quarenta metros atrás da nossa camionete. Ele tirou a cabeça para fora do carro e 
me respondeu: 
 
– Cara! Eu quero o meu taco! Onde você o colocou? 
 
Eu confesso que queira brigar com ele por estar preocupado com o taco numa hora dessas. 
Mas aquele taco nos foi de tanta ajuda hoje que seria sacanagem nos o deixarmos para trás. 
 
– Ah... Ele esta ai dentro! – Eu falei, assim que nós tínhamos entrado na camionete, ainda no 
estacionamento, eu guardei o seu taco junto com o meu flamingo em algum lugar, mas aonde? 
– No chão, atrás dos bancos! Eu os larguei por ai! – Falei apressado assim que me lembrei. 
 
Ele voltou para dentro do veiculo, depois saiu e ergueu o taco acima da altura da cabeça, 
contente por cumprir a missão. Ele corria em nossa direção, a Dêh já tinha atravessado a 
proteção e fazia sinal para que eu atravessasse de uma vez. Mas eu me lembrei de algo, e 
gritei para o Jimmy: 
 
– E o meu flamingo? Você o pegou? 
 
– O que? – Ele disse atordoado, já me alcançando. – Não,eu não... Me lembrei disso... Mas por 
que você quer aquela droga? 
 
Ah, droga. Eu tinha gostado tanto daquele flamingo... 
 
Eu estava prestes a atravessar a cerca quando dei uma olhada para a Dêh, e notei que ela não 
carregava o seu diário. Ela devia tê­lo deixado no carro. Eu corri em direção á camionete, sem 
nem mesmo ter idéia do por que. O Jimmy não havia fechado a porta traseira, por isso não 
demorei á entrar no carro e pegar o diário que estava jogado em cima do banco, aproveitei e 
peguei o meu flamingo, atrás do banco carona. Eu podia ouvir as vozes do Jimmy e da Dêh que 
gritavam para que eu me apressasse. Eu podia ouvir o som dos impactos que os meteoros 
causavam, era como estar em meio á fogos de artifício em um réveillon. 
 
Eu não sabia o que havia dentro daquele diário, mas ele parecia ser muito importante para a 
Dêh, além de ser a ultima lembrança que ela tinha da sua casa. E, particularmente, eu estava 
feliz por ter o meu flamingo de volta, algo me dizia que ele seria de grande ajuda em algum 
momento. 
 
Eu já estava me dirigindo para o acostamento, quando reparei os olhares do Jimmy e da Dêh, 
ele não olhavam para mim e sim para o céu. Antes mesmo de eu olhar eu sabia que estava em 
apuros. Bastou uma olhada, para que eu percebesse que estava na linha de fogo de um 
meteoro. Tudo que eu pude fazer foi forçar as minhas pernas a andarem mais rápido. Eu tinha 
me afastado uns cinco metros do carro quando o mesmo foi atingido em cheio por um meteoro. 
A camionete virou uma bola de fogo, o vácuo causado pela explosão me jogou á três metros de 
distancia me fazendo aterrissar em cima do pára­brisa de um carro que se encontrava atrás da 
nossa camionete, pelo menos atrás do que sobrou da camionete. 
 
O Dr. Katrakas ficaria louco se olhasse o que fizemos com a sua camionete. Se tiver alguma 
chance de ser o senhor a ler esse livro agora. Eu peço desculpas em nome de todos nós! 
 
As minhas costas doíam, em algum momento, durante a minha aterrissagem eu havia cortado 
as minhas mãos, que sangravam, e perdido o meu flamingo. Mas eu não havia soltado o diário 
da Dêh. Meus amigos gritavam o meu nome e perguntavam se eu estava bem, eu não respondi 
de imediato. Dei uma olhada ao meu redor e achei o meu flamingo atirado próximo ao pneu do 
carro, no chão. Eu havia pagado um preço muito alto por aquele flamingo, não iria abrir mão 
dele tão facilmente. As minhas costas que o digam. 
 
Eu me levantei lentamente, eu sentia os cacos do vidro do pára­brisa descolando­se da minha 
camiseta. Eu dei uma olhada pelo o pára­brisa ­ que estava com uma grande rachadura no 
meio – e vi uma família composta de uma mãe loira e um filho que não tinha mais do que doze 
anos de idade. Eles me olhavam com espanto como seu eu fosse tão assustador quanto 
aquela chuva de meteoros. 
 
Não sei bem o que eu deveria falar para eles, achei melhor fazer que nem eu havia feito com a 
Dêh e com o Jimmy, fiquei com a boca calada. Desci com um pouco de dificuldade de cima do 
capo do carro, a família dentro do carro ainda me olhava com um olhar curioso. Fiz um gesto 
para os meus amigos saberem que eu estava bem, depois me curvei para apanhar o meu 
flamingo. Foi então que a Dêh gritou: 
 
– Eddy! Cuidado! 
 
Eu olhei para trás e vi algo que ainda me assombraria durante muito tempo. 
 
Você se lembra daquela teoria, em que os aliens saiam de dentro daqueles meteoros e tal? 
Pois bem, naquele momento eu tive a confirmação. Aquela era uma verdade desnecessária. 
 
Um alien me fitava sorrateiramente, ele havia saído de dentro do meteoro que tinha atingido a 
nossa camionete, mas eu não sei bem como defini­lo... 
 
Se aquele alien, que nos atacou antes na escola era o “papai alien” e aqueles outras na casa da 
Dêh era “bebês aliens” eu diria que aquele ali seria uma espécie de “cão alienígena”. 
 
Não, não... Ficou horrível. Esqueça! 
 
Ele andava sobre quatro patas, era duas vezes maior que uma pantera. Mas os seus olhos 
exalavam aquele mesmo sentimento de medo. Bem mais ou menos já que aquela criatura 
possui quatro olhos então eles meio que causavam o dobro de medo. Sua pele era como um 
couro preto, grosso e repuxado. A cada passo que ela dava para perto de mim ela arregaçava 
os dentes para me intimidar. 
 
Sério? Para me causar medo não precisava nem a metade. Só aquela olhada sinistra já dava 
conta do recado. 
 
Eu segurei o flamingo com força, estreitei os olhos e tentei me afastar de costas. A criatura 
soltou um rugido, daqueles que faria o rei leão voltar correndo para a floresta com a sua cauda 
entre as patas. Eu me assustei depois tentei correr, mas acabei tropeçando nos pés, e cai 
deitado ao lado da porta do carona. Onde o menino alternava olhares entre mim e o alien. 
 
Que pateta que eu sou. Consegui cair sozinho. 
 
Meus amigos gritavam algo, mas eles estavam meio longe e eu não consegui ouvir nada. A 
criatura avançou em minha direção com um pulo. Rapidamente – em sem ter idéia como – eu 
abri a porta do carona, colocando­a entre mim e a criatura. E porta acertou no meio do seu 
focinho e ela cambaleou para trás. 
 
Ok, isso tinha sido demais. Não me lembro do Jimmy ter feito uma dessas antes... 
 
Eu rastejei para longe, a procura de espaço para me levantar. A criatura já estava recuperada 
do golpe e com a pata dianteira arrancou as porta das fechaduras. Agora era estava brava. 
Dentro do carro a mãe do menino – pelo menos, eu acho que era mãe dele – gritava 
histericamente, enquanto o menino só olhava para mim apavorado. 
 
Eu me levantei e corri em direção ao acostamento, a primeira coisa que eu queria fazer era 
levar aquela criatura para longe daquela família. Afinal elas não tinham nada a ver com aquilo 
tudo. Claro, que eu não tinha nada haver também, mas aquele Alien parecia ter um interesse 
especial em mim, então quanto mais longe eu estivesse daquela família mais longe eles 
estariam do perigo. Eu atravessei a cerca de segurança em um só pulo, e juntei­me aos meus 
amigos. 
 
Na verdade a expressão “juntei­me” não se encaixa bem no que eu fiz a seguir. Eles também 
estariam em perigo se eu ficasse junto á eles. E por mais que eu tivesse um flamingo 
cor­de­rosa incrivelmente afiado e o Jimmy fosse muito bom com o bastão duvido que nós 
tivéssemos alguma chance contra aquela criatura. 
 
Eu nunca me perdoaria se algo acontecesse á eles. Eu não pensei duas vezes, a segurança 
deles era mais importante. 
 
Eu corri por entre o mato alto da beira da estrada, na mesma direção que nós íamos com a 
camionete, a mesma direção em que aquele avião havia explodido. Olhei para trás á tempo de 
ver os meus amigos ficarem para trás, com uma cara incrédula. A tempo também de ver 
aquela criatura deixar a rodovia e vir atrás de mim. 
 
Era a primeira idéia que eu tinha que dava certo de primeira. Meus amigos estavam a salvo, 
claro que agora eu tinha que lidar com uma pantera alienígena, mas isso era somente um 
detalhe. 
 
Olhando para ela eu encontrei a maior semelhança que ela tinha com um predador, era aquele 
olhar de caçador, o ruim é que nesse caso eu era a caça... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eu estava em sérios apuros agora – mais do que eu já estava antes – deixar os meus amigos 
para trás era no mínimo deprimente. Com toda a certeza, essa foi á coisa mais difícil que eu já 
fiz em toda a minha vida. 
 
Claro, que ser caçado por uma pantera alienígena me motivava a continuar... 
 
Mas mesmo assim, eu não tive a chance nem mesmo de me explicar ou de me despedir. Eu 
me lembro do olhar deles, uma cara de total perplexidade, eles nem piscavam. Só observaram 
atônicos enquanto eu me distanciava mais, e mais. O pior é que eu tinha uma estranha 
sensação que nós não nos veríamos por um bom tempo. 
 
Mas o que eu realmente queria saber era: Como eu iria me livrar dessa coisa? 
 
Bom, a boa noticia é que eu ainda tinha o meu flamingo! 
 
Pensando bem, eu preferia evitar uma luta contra aquele alien, não sei você, mas acho que eu 
não iria me dar muito bem sozinho. Resolvi fazer algo que eu tinha feito desde o inicio, afinal 
vinha dando certo. 
 
Eu corri! 
 
No inicio, continuei no acostamento da estrada. Eu havia pensado em contornar os destroços 
do avião e depois retornar para a pista, talvez lá na frente eu conseguisse despistá­lo ou com 
sorte – é melhor não contar com essa ultima – alguém poderia me ajudar. 
 
Quando eu estava ultrapassando os destroços do avião, eu me senti estranho. Ao olhar o que 
havia restado dele, meu coração ficou pesado. No meio da pista, a base do avião permanecia 
quase intacta, porém ardia em chamas. Mais ao fundo era possível ver uma de suas turbinas, 
que descansava sobre a carga de um caminhão, a sua hélice girava calmamente. Notei 
também alguns acentos, bagagens e muitas outras coisas do avião que não pude distinguir, 
espalhados aqui e ali. Pessoas corriam entre os destroços, os viajantes ao redor deixavam os 
seus carros e buscavam abrigo no acostamento. 
 
Aquilo era surreal. Eu falo sério! Correr pelo acostamento, enquanto eu deixava os meus 
amigos para trás e fugia de uma pantera alienígena, em meio a um emaranhado de ferro, 
simplesmente não parecia real. Diferente das outras vezes, agora, eu estava em perigo e 
sozinho. 
 
Essa era uma das situações pela qual eu não esperava passar quando acordei hoje pela 
manhã... 
 
Claro, nada do que tem acontecido ultimamente sequer passou pela minha cabeça. Nada no 
mundo poderia ter me preparado para esse tipo de situação. 
 
Voltando ao que interessa, a aquele ponto sinistro em que eu corria pela minha vida. Sabe? 
Quando eu finalmente contornei o avião, tentei mais do que depressa voltar para a auto­estrada, 
pulei a barra de proteção e esgueirei­me por entre os carros. Meus planos não vinham dando 
muito certo até então, mas eu estava mais confiante com esse ultimo, até mesmo porque era o 
único que eu tinha. 
 
Eu gostaria de achar uma maneira de combater aquela criatura, mas no momento eu só queria 
despistá­la e voltar para os meus amigos. Então eu iria tentar me esconder entre os carros, e 
assim que ela me perdesse de vista, eu voltaria para entre os meus amigos, e nós poderíamos 
continuar o nosso caminho. 
 
Cara, como eu estava errado... Hoje eu percebo como eu fui idiota! 
 
Assim que eu coloquei os pés na auto­estrada eu soube que tudo daria errado. Você se lembra 
quando eu disse que aqueles aliens haviam saído de dentro dos meteoros? Pois bem, a minha 
poderosa mente criadora de planos não contou o fato de que agora á pouco haviam caído 
dezenas de meteoros do céu. 
 
Agora faça as contas, acho que estou com problemas não é? 
 
As pessoas não corriam para o acostamento somente pelo medo, elas fugiam de aliens. Que 
nessa altura caçavam inocentes de um lado para o outro. A primeira vista todos parecia igual a 
essa pantera alienígena que me seguia, sem sinal daqueles outros dois – isso não era 
necessariamente uma boa noticia – porém essa pantera ou cachorro, chame como quiser, era 
muito, mas muito mais assustador do que os outros. 
 
Eu corria na velocidade máxima, no limite que as minhas pernas agüentavam, me espremi 
entre dois carros e acreditei estar a salvo. O espaço era muito estreito para que a criatura o 
atravessasse, eu me distanciei e olhei para trás, esperando para ver o que iria acontecer. Eu 
esperava – secretamente – que aquele alien não estivesse tão interessado em mim, talvez 
quando ele me perdesse de vista desistisse... 
 
Vai nessa, nem terminei de ter esse pensamento direito e ele pulou por cima do carro e pousou 
no capô, me fitou por uns segundo como se estivesse se divertindo com essa coisa de me 
caçar e esperou para que eu continuasse a correr. Eu como um menino obediente, fiz 
exatamente o que ele queira, eu corri! 
 
Ainda mais rápido é claro. 
 
Eu continuei correndo por entre os carros, apesar de que o alien conseguisse saltá­los, ele 
parecia ficar cada vez mais distante. Pouco depois que eu passei por um furgão branco um 
senhor cruzou a minha frente, ele era gordo e usava uma regata branca com um jeans comum, 
ele corria em direção ao acostamento, atrás dele vinha um alien – igual ao que corria atrás de 
mim – Quando o senhor chegou á cerca de proteção a criatura o alcançou, ela saltou e cravou 
os dentes no pescoço do senhor. Eu não fiquei ali tempo o suficiente para descobrir o destino 
dele, eu continuei correndo, afinal eu não queria que nada de parecido acontecesse comigo. 
 
Conforme eu avançava, eu ouvia os sons da criatura atrás de mim, e ficamos nessa, carro 
após carro. Eu não agüentava mais, eu estava correndo desde o inicio dessa coisa toda, uma 
hora eu iria ceder e com a minha sorte iria ser quando eu mais precisasse. Mas o pior era que 
agora eu sabia que o ataque era real, havia pessoas sendo atacadas ao meu redor. 
 
Eu achei que quando o perigo se mostrasse presente e prejudicasse as pessoas á minha volta 
eu teria poder para protegê­las, independente delas serem minhas amigas ou não. Era questão 
de princípios. Mas nesse momento tudo que eu fazia era tomar conta do meu próprio nariz. 
 
Cara, isso era vergonhoso... 
 
Foi então que eu vi uma menininha, ela devia ter em torno de oito ou nove anos de idade. Ela 
estava de pé sozinha no meio da rodovia onde os carros estavam mais afastados, formando 
uma espécie de clareira. Ela usava um vestido branco com flores estampadas, tinha o cabelo 
na altura do ombro que era escuro como a noite, me lembrava um pouco a Dêh quando era 
pequena. Meu coração quase saiu pela boca quando eu vi um alien na sua frente, ele parecia 
grande, talvez maior ainda devido ao contraste com uma menina tão pequena. 
 
A criatura á espreitava, analisando se devia considerá­la uma ameaça ou não. Não tinha 
ninguém a sua volta, ninguém poderia ajudá­la. A não ser, bem... Eu! 
 
– Eu vou me arrepender disso! – pensei – Definitivamente, eu vou me arrepender disso... 
 
Eu apertei ainda mais o passo, enquanto isso eu gritava para a menininha se afastar, mas ela 
parecia não dar ouvidos. A criatura notou a minha presença, soltou um grunhido e arregaçou a 
boca, colocando os caninos enormes para fora. Ela ia atacar. 
 
Eu estava á uns sete metros da menina, seis, cinco, quatro, três, dois... 
 
Não ia dar tempo! 
 
Eu não sei como, mas eu pulei incríveis dois metros. Antes de aterrissar com o peito no 
concreto – o que não é legal – eu atravessei o meu flamingo de lado a lado no focinho – essas 
coisas tem focinhos? – do Alien. A criatura rugiu de dor, mas agora era tarde demais para 
mudar de idéia, aproveitei o momento de distração para fugir. 
 
A criança continuava em pé, parecia olhar para tudo e para nada ao mesmo tempo, eu a peguei 
no colo – ela parecia extremamente leve ­ ela colocou as mãos no meu pescoço e encostou a 
cabeça junto a minha. 
 
Eu falei que aquele flamingo ia ser útil. Infelizmente eu teria que deixá­lo para trás agora... 
 
Eu estava cansado, assustado e tentando achar a melhor maneira de dar o fora dali. Olhei em 
volta, a criatura lutava para se desvencilhar do flamingo preso em seu focinho, e ao fundo o 
outro alien se aproximava querendo brincar. 
 
Geralmente quando fazemos uma boa ação esperamos ser recompensados. Salvo uma 
menina, da morte certa, e o que eu ganho? Dois aliens extremamente furiosos que querem a 
minha cabeça. Ótimo não é? 
 
Estou começando a suspeitar de conspiração mundial contra mim. 
 
Eu não sabia para onde correr, e honestamente eu estava cansado demais para continuar, ao 
meu redor só havia carros. Quando as duas criaturas se encontraram, a segunda já havia se 
livrado do flamingo que – para o meu terror – estava partido ao meio e jogado no chão. 
 
Droga, eu ia sentir falta daquele souvenir... 
 
Agora era urgente! Eu precisava de uma rota de fuga. Ainda com a menina no colo eu corri para 
o norte, logo depois me deparei com um carro que bloqueava o meu caminho. Forcei a porta, 
torcendo para que ela estivesse destrancada, para minha sorte – as coisas pareciam estar 
melhorando ­ a porta estava aberta. 
 
Dirigir aquele carro nunca foi uma possibilidade, eu só queria chegar ao outro lado. Assim que 
eu entrei no carro, conforme eu me rastejava até o banco carona um dos aliens me alcançou, e 
meteu parte da cabeça dentro do carro. Ele entalou, mas continuou forçando e mordendo o ar, 
tentando me pegar. Eu encolhi as pernas – centímetros de distancia da criatura ­ eu podia sentir 
o seu bafo quente que cheirava a lixo. Ele se debatia com as patas arranhando e rasgando todo 
o estofamento, a menina se aconchegou ainda mais no meu colo, como se estivesse tentando 
se esconder do monstro. 
 
Eu até pensei em tentar chutá­lo, mas essa idéia desapareceu quando eu reparei no tamanho 
das suas presas, não seria muito legal levar uma mordida por dentes como aquele. Eu apalpei 
a porta detrás de mim, tentando abri­la. Com um “click” a porta se escancarou e caímos 
rolando no chão, deixando a criatura do outro lado. Eu perguntei a menina se ela estava bem e 
ela acenou em concordância. Eu a peguei no colo e saímos correndo novamente. 
 
Esqueça aquele papo das coisas estarem melhorando. Essa parte da estrada, que eu havia 
chegado agora, estava uma loucura. Diversas pessoas corriam pelas suas vidas, havia carros 
tombados, meteoros e aliens que caçavam humanos a cada metro. Atrás de mim as criaturas 
já haviam ultrapassado o obstáculo anterior e puseram­se a correr atrás da gente. 
 
A rodovia desbocava a um contorno minucioso que formava um “8” perfeito, mais ao fundo eu 
podia ver prédios, ao que parece estávamos perto de uma cidade. Olhei no extremo direito uma 
placa que dizia: Bem Vindo á Merced, as letras eram coloridas e espelhadas. Eu nem mesmo 
sabia da existência dessa cidade, das vezes em que eu viajei, peguei um caminho alternativo 
que ignorava essa cidade. Estava em um território extremamente desconhecido. 
 
Cruzei o contorno sem muitas dificuldades, quando chegamos ás extremidades da cidade 
troquei a rodovia principal por um desvio á direita que leva as primeiras ruas da cidade. O 
numero de pessoas ao meu redor era bem menor do que havia nas estradas, porém os danos 
causados pelos meteoros a cidade eram devastadores. Passei em frente a um McDonalds, que 
se não fosse por uma placa enorme com um “M” amarelo – que estava retorcida e tombada – 
eu não saberia que aquele lugar um dia foi uma lanchonete famosa. 
 
A menininha também não ajudava muito, ela parecia estar ficando mais pesada a cada passo 
que eu dava. Dei uma olhada para o caminho que eu já havia percorrido, as duas criaturas 
vinham se aproximando mais e mais, afinal agora eles não tinham os carros para bloquear os 
seus caminhos. 
 
Eu parei de correr, era impossível continuar. Se fosse somente por mim eu já teria desistido, 
não valia á pena, mas era essa garotinha que me fazia continuar. Eu meio que me identificava 
com ela, afinal ambos estávamos sozinhos e em perigo, acho que eu não me perdoaria se algo 
acontecesse com ela. 
 
Ainda mais que eu fiz uma promessa para a Dêh, eu tenho que sair dessa situação e 
procurá­la, só assim poderia mantê­la a salvo. 
 
Olhei ao meu redor, procurando um lugar para me esconder, isso era tudo que podia fazer. 
Então eu notei a umas três casas á minha frente, um pequeno bar de esquina. As portas 
estavam fechadas por uma daquelas cortinas de ferro sabe? Bem, quase fechada, o dono do 
estabelecimento deve ter deixado o lugar ás pressas, pois não desceu a cortina até o chão, ao 
invés disso deixou um espaço mais ou menos do tamanho da minha canela. 
 
Nós poderíamos atravessar para dentro daquele mercado, que deveria servir como um bom 
esconderijo. 
 
– Nós temos que entrar lá para dentro... – Comecei falando para a menina que me olhava nos 
olhos. – Você consegue fazer isso? 
 
– Sim... – Ela respondeu. Cara, agora caiu á ficha, eu estava tomando conta de uma criança. 
Ela não tinha como entender o que estava acontecendo ao seu redor. Se essa situação toda já 
era difícil para mim, como uma menininha da idade dela deveria reagir a isso? 
 
Merda, o que eu deveria fazer? 
 
Ela deitou­se no chão e atravessou a porta rumo ao interior do bar, eu esperei ela desaparecer 
de vista e fiz o mesmo. Lá dentro tudo que eu vi foi poeira, por todo lado. E escuridão é claro, o 
lugar parecia estar fora de atividade á meses. Tateie a procura da menina, que se encontrava 
ao meu lado, peguei da sua mão e nós movemos para o fundo do bar. 
 
Depois de alguns segundos, os meus olhos se acostumaram à escuridão, e eu pude distinguir 
um balcão comprido com bancos de prontidão, uma mesa de sinuca, os banheiros e outras 
coisas comuns em bares. O Local parecia vazio, nem uma viva alma, tanto da terra quanto do 
espaço. 
 
Ouvi som de passo vindos da rua, as criaturas deviam ter nos alcançado. Virei para a menina e 
falei baixinho: 
 
– Olha, fique em baixo daquela mesa, ok? – Apontei para a mesa de sinuca. – Eu te chamo 
quando for seguro sair, certo? 
 
Eu perguntei, mas não esperei resposta, me virei eu caminhei devagar até a cortina semi 
fechada. Pelo pouco de luz que atravessava pela fresta pude distinguir duas sombras passando 
do lado de fora. Agachei­me um pouco, até ficar do mesmo nível dos meus joelhos, e olhei para 
a rua. 
 
Era certo que as criaturas haviam nos seguido até ali, porém ou elas estavam brincando 
conosco ou haviam perdido o nosso rastro. Eu estava torcendo pela segunda. Lá de dentro 
pude observar as criaturas farejaram o ar e as calçadas a nossa procura, uma delas seguiu rua 
a baixo e a outra continuou em frente ao bar, procurando... 
 
Levantei­me devagar e comecei a retroceder, até que eu bati em algo e senti a minha alma 
deixar o corpo. Olhei de maneira estabanada para trás, e dei de cara com uma menina. Não, 
não era aquela menininha, era outra menina, essa parecia ter a mesma idade que eu. Ela era 
quase da minha altura, tinhas os cabelos louros preso em um rabo­de­cavalo e deixando a 
mostra somente uma franja na diagonal, usava uma maquiagem escura ao redor dos olhos 
azuis. Vestia uma blusa vermelha e jeans pretos, calçava um par de All­Stars combinando com 
as calças. 
 
Ela me olhava de maneira séria, fazendo um sinal com os dedos para que eu não fizesse 
barulho. Eu obedeci, e voltei a minha atenção para a porta. A sombra indicava que a criatura 
estava de guarda na saída, fungando o ar a nossa procura. 
 
Nós permanecemos em silêncio, pesando bem, acho que eu nem sequer respirei durante 
aquele momento. O tempo passou, e a criatura parecia ter ido embora, nós já respirávamos 
aliviados. Mas o alivio não durou muito, mais do que depressa ouvimos um som forte vindo da 
porta, a criatura a forçava, tentando atravessá­la. A porta se dobrou igual a papel, e quando 
percebemos a criatura já nos fitava frente a frente. 
 
Nós ficamos atônicos, sem saber o que fazer. Eu gritei para a menina correr, ela foi para um 
lado e eu para o outro. 
 
Essa menina devia ser ainda mais azarada do que eu, por que a criatura foi atrás dela. Eu tinha 
que ajudá­la, mas como? Eu não tinha o Jimmy ao meu lado, não tinha nem mesmo o meu 
flamingo. A única coisa em que eu era bom era em correr, e duvido que isso ajudasse em 
alguma coisa. 
 
A menina correu para trás do balcão, a criatura tentava escalá­lo, em quanto isso eu corri até a 
parede e me armei com um longo taco de sinuca. Não era nada comparado ao meu flamingo, 
mas era melhor do que nada. 
 
E corri as costas da criatura e a ataquei por trás, ela fraquejou e virou­se com raiva. Notei o seu 
focinho com um grande corte, essa era a mesma criatura de que eu havia salvado a garotinha, 
ela tinha motivos de sobra para me atacar. 
 
Ela pulou por cima de mim, tentando morder o meu pescoço, porem eu fui mais rápido e 
coloquei o taco como obstáculo. Então tudo que ela conseguiu foi um palito de dentes gigantes, 
claro que assim que o taco cedesse, eu estava perdido. 
 
Então a criatura rugiu... De dor? 
 
Ela cambaleou para os lados, me dando a oportunidade de sair de baixo dela, quando me 
levante vi que a menina á havia atacado com uma faca na cabeça, a criatura balançava a 
cabeça surpresa, a menina puxou a faca e a atacou de novo e de novo, todas na cabeça até 
que a criatura caiu imóvel no chão. 
 
Eu estava perplexo, de verdade. Eu respeitava o Jimmy por ter derrubado um deles com um 
taco de baseball, mas essa garota era demais. Ela matou um aliens enorme a facadas. 
 
– Uau! – Consegue dizer. – Isso foi impressionante... 
 
Caminhei até a criatura, dessa vez eu tinha certeza de que ela estava morta, não sei como, 
mas eu sabia. Eu não tive a chance de reparar em alguns detalhes dessa criatura antes, ela era 
enorme, tinha patas gigantes com garras afiadas, presas que colocariam medo em um 
Tiranossauro Rex. 
 
Não era esse tipo de alien que mostraram no E.T. 
 
Ela sorriu enquanto eu observava a criatura, ela já estava prestes a dizer algo, mas calou­se 
assim que percebeu que menininha se aproximava da gente. 
 
– Ai está você! Não se preocupe está tudo bem agora... – Falei num tom meigo, o que eu 
menos queira era assustar a menininha. – Você está a salvo agora... 
 
E me pus de pé e dei ás mão á garotinha, que segurou firme. Nós nos afastamos da alien caído 
no chão, não era muito legal ficar perto dele, mesmo ele estando morto. Olhei para a menina 
loira, estendi as mãos e me apresentei. 
 
– Ah... Eu sou Eddy, e essa é... – eu olhei para baixo, esperando respostas da menininha, ela 
me olhava com curiosidade depois falou num tom de voz fraco. 
 
– Rafa...ela... Rafaela! 
 
– Rafaela! – eu repeti para a menina. – Obrigado por nos ajudar, não sei o que seria de nós se 
não fosse por você. 
 
A menina corou levemente, depois respondeu. 
 
– Que nada. Se você não tivesse tentando salvar a minha vida eu nunca teria tido aquela 
oportunidade. – Ela falou sem me olhar nos olhos. – Aliás, meu nome é Mary Ann! – Ela 
completou, dessa vez me olhando nos olhos! 
 
– Muito prazer Mary Ann! ­ Respondi. 
 
– Prazer é todo meu... – ela terminou. 
 
Dei uma olhada ao meu redor, não tinha sinal de mais nenhuma criatura, mas nós não 
poderíamos dar bobeira. Elas tinham a estranha habilidade de aparecer e desaparecer sem 
serem notadas. Atenção era algo indispensável. 
 
– Olha, eu preciso descansar um pouco... – comecei. Não tinha jeito de continuar, somente 
depois disso eu seria capaz de pensar em como prosseguir. Eu queria muito voltar para a 
companhia dos meus amigos, mas isso tinha que esperar. 
 
– Ok, a minha casa é aqui perto, se agente correr e tiver um pouco de sorte, chegamos lá em 
poucos minutos... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eu ainda levava comigo o diário da Dêh e a chave do carro da minha mãe. Claro que eu só me 
dei de conta disso quando me sentei no sofá, quando já estávamos seguros e descansados em 
um belo apartamento do terceiro andar de um prédio central. Para completar uma velha lareira 
aquecia o que logo seria um fabuloso chocolate quente. 
 
Você deve estar se perguntando: Do que diabos eu estou falando? 
 
Vou atualizá­los... 
 
Mary Ann disse a verdade, a casa dela ficava a poucos minutos de onde estávamos 
anteriormente, a coisa mais próxima que ela disse de uma mentira era que não era uma casa e 
sim, um apartamento. Durante o caminho não aconteceu nada de anormal, estranho ou 
moderadamente perigoso. Nós avançamos algumas quadras em um passo acelerado, o que 
era meio estressante por que estávamos desarmados, se fossemos atacados naquele 
momento estaríamos perdidos. 
 
Eu me lembrava, perfeitamente, que havia outro alien igual aquele último, cercando as 
redondezas, eu rezei baixinho para que ele nunca nos encontrasse. Afinal, as opções seriam 
lutar ou correr e, honestamente, eu estava cansado demais para qualquer um dos dois. 
 
Por sorte, não vimos nem sinal da criatura. Na verdade não vimos ninguém. 
 
Apesar do perigo que nós corremos durante aquele pequeno percurso, a minha cabeça estava 
longe dali. A minha maior preocupação eram os meus amigos, eu não podia impedir a minha 
mente de fantasiar as mais malucas hipóteses do que poderia estar acontecendo á eles 
naquele exato momento. 
 
Nós não trocamos nem mesmo uma palavra. Eu não sabia para onde eles iriam agora, não 
sabia se eles estavam bem, nem mesmo se ainda estavam vivos. Eles não tinham razão 
nenhuma para me esperar, afinal não sabiam se eu estava vivo também... 
 
Droga, eu tenho que tirar esses pensamentos da minha cabeça, no final tudo vai ficar bem. Eu 
só preciso descansar um pouco, nada mais do que algumas horas, então eu posso começar a 
me preocupar com os meus amigos. 
 
Não importa onde eles estejam eu vou achá­los. 
 
Ok, de onde isso veio tudo isso? Acho que acabei deixando o modo­depressão ligado. 
 
Voltando ao assunto. Eu também descobri que a Mary Ann tinha 16 anos de idade, havia se 
mudado á pouco mais de seis meses para Merced, aonde vinha morando com a avó desde 
então. Ela não falou mais nada. Eu não sei o seu sobrenome, onde vivia antes, se ela tinha pais, 
irmãos, que série ela estava... 
 
Sabe, quando agente conhece alguém, no nosso dia­a­dia. Essas perguntas são comuns, nós 
á usamos para saber mais sobre alguém, mas esse tipo de situação era surreal. Eu não sei se 
existem perguntas certas para se fazer, afinal que tipo de informações eu preciso? E mesmo 
que eu saiba tudo sobre uma pessoa, isso irá fazer diferença? 
 
Em uma conversa, o silêncio em que fazíamos seria no mínimo desagradável, mas nós 
estávamos tão assustados e nervosos para chegar á casa dela que isso passou despercebido. 
Pouco mais de cinco minutos depois, nós estávamos subindo as escadas de um prédio rumo 
ao terceiro andar. O apartamento não era nenhuma mansão, ele possui os corredores 
pequenos e encardidos, mas quando atravessamos a porta me senti confortável e á salvo. 
 
Merced era uma típica cidade do interior, como que a cumprir o seu papel, possuía tudo de 
melhor que uma cidade do interior tem a oferecer. Não sei explicar, mas esses lugares são 
preenchidos por uma atmosfera tranqüila e acolhedora, em cada esquina, em cada casa. O 
apartamento da Mary Ann não era diferente, a sala era pequena com as paredes cor de vinho, o 
fogo de uma lareira de canto lançava uma luz fraca no aposento. Eu me senti como se eu 
tivesse achado algo que eu nunca havia procurado. 
 
– Sinta­se em casa... – Mary Ann falou com um sorriso cansado, fechando a porta detrás da 
gente. – Vocês estão com fome? Eu tenho alguns biscoitos na cozinha, se vocês quiserem... 
 
Eu olhei para a Rafaela, mas ela estava ocupada demais subindo o sofá, ela havia levado essa 
coisa do “sinta­se em casa” muito á serio. Eu estava faminto, á ultima coisa que havia caído no 
meu estomago foi um pacote de Ruffles, o que não era bem uma refeição. Então sim... Eu 
estava com fome! 
 
– Eu iria adorar alguns biscoitos... – Respondi. 
 
– Ok! – Ela falou, fez menção de sair, mas parou e depois completou desajeitada – Fique a 
vontade, sente­se, deite­se, faça o que quiser... 
 
Eu acenei com a cabeça e ela se foi em direção a cozinha. Eu caminhei até a janela ao lado do 
sofá e olhei para a rua. Já estava noite, o que deixava a coisa toda ainda mais assustadora, eu 
não via ninguém, obviamente não havia luz na cidade e nem mesmo uma única pessoa nas 
ruas. 
 
Era possível ouvir alguns sons, mas era impossível distinguir de onde vinha muito menos o que 
os causara. Eu me sentei no sofá, ao lado da Rafaela, pensando que um prato de biscoitos iria 
cair muito bem. 
 
Poucos segundos depois a Mary Ann atravessou a porta com um prato de biscoitos de 
chocolate, o colocou em cima de uma pequena mesa no centro da sala. Depois correu até a 
cozinha e voltou trazendo um brilhante bule de porcelana. Eu e a Rafaela nós servimos de 
biscoitos, enquanto Mary Ann transformava a lareira em uma espécie de fogão, depois de 
alguns minutos o bule aquecia lentamente exalando um cheiroso aroma de chocolate. 
 
– É só esperar alguns minutos agora... – Ela falou satisfeita, depois deu uma olhada ao redor e 
continuou. – Olha, eu já volto. Só vou avisar a minha avó sobre vocês e que eu estou bem, ela 
já deve estar ficando preocupada... 
 
Eu não respondi, estava com a boca cheia demais, ao invés disso acenei em concordância. Ele 
se virou e caminhou em direção á um corredor ao lado da porta da cozinha. Eu apalpei os 
bolsos, foi ai que eu encontrei o diário da Dêh e as chaves do carro da minha mãe. 
 
Cara, eu nem me lembrava de tê­los colocado no bolso, muito menos de carregá­los por ai, 
mas eles estavam lá. Ver aqueles objetos me causou um aperto no coração. Senti mais 
saudades da Dêh, do Jimmy e como estaria a minha mãe? 
 
Afinal, havia acontecido uma nova chuva de meteoros, ela estaria bem dessa vez? Droga, e a 
Dêh, o Jimmy onde eles estariam agora? Apesar de tudo eu era o sortudo, duvido que eles 
estivessem em um apartamento quente e confortável, comendo biscoitos e esperando uma 
xícara de chocolate quente. 
 
Merda... São muitas perguntas, poucas respostas... 
 
Falando sobre família, onde deveria estar á família da Rafaela? 
 
Eu olhei para ela ao meu lado, o seu queixo e nariz estavam sujos de chocolate do biscoito, 
quando ela me viu ficou me encarando com aqueles grandes olhos curiosos. Cara, era o 
mesmo olhar da Dêh, aquele que diz assim: Diga logo de uma vez o que você quer! 
 
O mundo é injusto demais, sabe? O que deveria ter acontecido com a família dela? Se eles 
estivessem vivos, como seria não saber onde sua pequena filha andava? Não saber se ela está 
segura. Isso se eles estivessem vivos... 
 
Merda... 
 
Eu coloquei as chaves e o diário ao lado dos pratos de biscoitos, me ajeitei e tentei começar 
uma conversa. O que talvez não fosse tão difícil, afinal eu já tinha a sua atenção. 
 
– Rafaela, me diz uma coisa... Quantos anos você tem? – Comecei. 
 
– Seis! – Ela disse entusiasmada, mostrando a idade com os dedos, embora ela mostrasse 
oito deles. Ela balançava os pés que não chegavam á metade do sofá, era um belo contraste na 
verdade, eu grandão ao lado de uma menina tão pequena. Eu poderia rir sobre isso! 
 
Ela era grande para a sua idade, mas acredito que ela era assim tão nova. Eu não seu se isso 
era uma coisa boa ou ruim... 
 
– Uau! Você é tão grande! – Eu comentei, ela sorriu satisfeita. – Mas me diz uma coisa... Você 
sabe onde está a sua mãe, ou o seu pai? – completei sério. 
 
Ela pensou por um momento, depois deu mais uma mordida no biscoito antes de responder. 
 
– A mamãe estava brincando com o cachorro... – Ela disse, depois imitou os latidos de um cão, 
ou tentou, pelo menos. – Depois saiu correndo! – Ela disse essas ultimas palavras com se 
estivesse surpresa, depois me olhou esperando respostas. 
 
Eu não sei você, mas estou convencido que o “cachorro” era um daqueles aliens, não seria 
uma grande surpresa se ela tivesse comparado aquela criatura a um cachorro, afinal eu havia 
feito o mesmo também. 
 
– E o seu pai? Você sabe onde ele está? – Perguntei. 
 
– Ele foi ajudar a mamãe! – Ela disse de maneira impaciente, como se isso fosse obvio. 
 
Droga... Droga, droga, droga! O que eu deveria dizer para ela? Que provavelmente ela nunca 
mais veria os seus pais? Eu não sou bom nesse tipo de conversa... Aliás, quem é? 
 
Resolvi deixar esse assunto para depois. 
 
– Bem, Rafaela. Eu nem te disse o meu nome... Eu sou... 
 
– Eddy! – Ela respondeu rápido, depois abriu o sorriso. 
 
– Uau, você é rápida e... 
 
A Mary Ann entrou na sala novamente e eu parei de falar. Ela carrega diversas xícaras, sem 
falar nada ela tirou o bule da lareira e serviu três xícaras de chocolate quente. Duas em xícaras 
grandes, para mim e para ela e outro em uma xícara menor para a Rafaela. Depois de todos 
estarem servidos ela sentou­se em uma velha poltrona, a modo que ficava de frente para mim. 
 
– Então... – Ela começou, tomou um gole do chocolate quente e continuou – De onde você é? 
 
– Fresno. – Respondi 
 
– E... Vocês dois são irmãos? – Ela perguntou para mim e para a Rafaela. 
 
– Não, eu á encontrei na estrada, pouco antes de cruzar com você... – Falei simplesmente, 
Mary Ann pareceu entender a situação e deixou o assunto de lado. Fiquei feliz com isso. 
 
– Você tem alguma idéia do que está acontecendo? – Ela disse piscando os olhos com força 
abraçando as pernas em cima da poltrona. 
 
Bem, eu falei a ela que eu não tinha a mínima idéia, depois eu contei tudo que havia acontecido 
comigo, desde a escola, o noticiário, os aliens na casa da Dêh, o hospital, o acidente do avião, 
como eu deixei os meus amigos e como eu encontrei a Rafaela... Bom tudo! Você sabe! E se 
você não souber, volte algumas páginas e leia mais uma vez por que seria muito chato contar 
tudo de novo... 
 
Ela não falou nada, só ouviu com atenção. Depois que eu terminei a minha breve narração, 
terminei a xícara de chocolate quente em um só gole, e me voltei para ela. 
 
Agora era a minha vez de fazer perguntas. 
 
– E você? O que aconteceu com você? 
 
Ela se ajeitou na poltrona, largou a xícara na mesa e começou a falar. 
 
– Quando a primeira chuva de meteoros começou, eu estava aqui, sentada nessa poltrona. Eu 
nem reagi, achei que talvez fosse um terremoto ou algo do tipo, de qualquer maneira a minha 
mente não estava preparada para esse tipo de situação. – Ela fez uma pausa, como se 
relembrasse quadro a quadro tudo o que aconteceu, eu sei bem como era isso. É horrível. Os 
pensamentos que você teve, as coisas que você viu e ouviu, simplesmente parecem ficar 
martelando os seus pensamentos de forma incansável. – Por sorte, o nosso prédio não foi 
atingido, mas perdemos o sinal de internet, telefone e até mesmo energia elétrica. – Ela 
concluiu. 
 
– E a sua avó ela está bem? – Perguntei. 
 
– Na verdade não... Mas isso já não tem nada haver com o incidente de hoje, ele tem 
leucemia... – Sua voz estava amarga e triste. – Ela passa grande parte do dia de cama, e está 
bastante fraca ultimamente... 
 
Eu não falei mais nada. Não sei muito bem o que é leucemia, mas a minha mãe me contou que 
é algum tipo de câncer, e é um dos fortes. E também aquilo era assunto pessoal, quem era eu 
para me meter? 
 
Eu estava admirando bastante essa menina, não só pelo que ela havia feito antes, mas ela tinha 
um jeito diferente, parecia ser uma pessoa de atitude. Apesar de tudo que vinha acontecendo, 
ela parecia estar bem ciente dos problemas, ela estava abalada é verdade – Mas quem não 
estaria? – mas ela não parecia assustada, longe disso... 
 
– Conforme o tempo passou, eu resolvi sair para rua, ver se descobria algo ou pelo menos 
encontrasse alguém que soubesse. Eu fui até o bar do Lu’, a esposa dele é bem próxima da 
minha avó, elas se conhecem desde pequenas. – Ela fez uma pausa, e pegou um biscoito da 
mesa, depois continuou. ­ Mas como você deve ter percebido, ele estava vazio, mesmo assim 
eu entrei para ver se encontrava uma pista ou alguém para me explicar o que estava 
acontecendo. Então a segunda chuva de meteoros começou e eu tive certeza de que a coisa 
era séria. Eu continuei lá dentro, só iria sair de lá quando tivesse certeza que seria seguro. 
Então vocês apareceram... 
 
Ela me olhou com admiração. Ficamos alguns segundos em silêncio, até que ela resolveu 
soltar algumas palavras no ar. 
 
– Foi muito legal o que você fez pela Rafaela... E o que fez por mim também... – Ela resmungou 
aparentemente interessada demais nos cadarços do seu All­Stars. 
 
Eu senti as bochechas ficando quentes. Confesso que gostaria de ter feito um discurso sobre a 
importância da vida, atos heróicos e tudo mais que acompanha o pacote, pra impressionar 
sabe? Mas tudo que eu disse foi: 
 
– Ah, não foi nada de mais... – Depois pensei que deveria devolver o agradecimento. – Você 
também foi demais... E esses biscoitos estão maravilhosos... – Completei com um sorriso 
cansado. 
 
Legal Eddy! Uma linda menina salva a sua vida, lhe dá um abrigo, comida e tudo pelo que você 
agradece é a droga de um biscoito. Boa jogada. 
 
Nós continuamos jogando conversa fora, dessa vez sobre assuntos aleatórios. Elaboramos 
algumas teorias para o que estava acontecendo, mas duvido que alguma tenha passado perto 
da realidade, mas o assunto mais discutido da noite foi: Música, televisão e filmes... 
 
Coisas comuns para adolescentes normais. E confesso que foi muito bom, era como se tudo 
não tivesse passado de um mal­entendido. 
 
E vai que você tenha ficado curioso, ela adora rock, filmes de terror e aquelas comedias 
românticas bobas. Eu não vou contar o que eu gosto, por que vai acabar com imagem máscula 
que você deve ter sobre mim. 
 
Até parece... Estou ficando engraçado agora. 
 
Meu relógio já marcava mais de 21:30 da noite. Foi quando a Mary Ann me avisou que a Rafaela 
havia adormecido, eu nem havia notado, ela também ofereceu a cama do seu quarto para 
deixá­la dormir. Ela devia estar cansada, foi longo dia e com certeza ela merecia um descanso. 
 
Eu a peguei no colo – com cuidado para não acordá­la – e a levei até a cama. Eu não consegui 
ver muito do quarto da Mary Ann – o que me rendeu uma bela canelada na quina da cama ­ 
estava muito escuro. Enquanto eu colocava a Rafaela na cama a Mary Ann aproveitou para dar 
uma olhada na avó, depois no encontramos na sala, afinal era o único lugar que havia um pouco 
de luz. 
 
– Tem certeza que não tem problema, passarmos a noite aqui? – Perguntei. 
 
– Claro que não, eu nunca deixaria vocês dois na rua, ainda mais com aquelas coisas á solta lá 
fora... – Ela respondeu. 
 
Eu estava preocupado com o fato de ter aliens lá fora, sei lá, mas eu tinha a sensação de que 
eles podiam invadir a porta do apartamento a qualquer momento. Mas isso não aconteceu. O 
senhor “Sorte” parecia finalmente estar agindo á meu favor, me premiando com um pouco de 
paz e descanso, pelo menos por agora... 
 
– E quanto a Rafaela, você acha que vamos conseguir encontrar os seus pais? – Ela retomou o 
assunto. – Talvez agente ainda possa achá­los... 
 
– Eu duvido! Eu acho que eles foram atacados na estrada, enquanto procuravam um lugar 
seguro para se esconder. – Respondi de um mau humor, depois fiquei brabo por ter falado 
daquela maneira com a Mary Ann. Ela não tinha culpa alguma. – Desculpe. Você está certa! 
Nós devemos ser positivos... Talvez, quem sabe? 
 
– Não, você está certo. Nós devemos ser realistas, é mais importante, não podemos brincar 
com o que desconhecemos. – Ela suspirou em resposta. – Coitadinha dela, o que será que 
está passando na cabeça dela? 
 
– Eu não tenho idéia, mas nós vamos dar um jeito... – Comentei, mesmo não tendo a mínima 
idéia de como isso iria acontecer. – Amanhã é um novo dia, talvez as coisas se ajeitem, ou pelo 
menos se expliquem. 
 
– Ok, e você? – Ela disse agitada. – O que você pretende fazer? Como você pretende achar os 
seus amigos? 
 
Essa era uma resposta que eu queria muito, mais até do que qualquer outra. Como eu iria 
achar o Jimmy e a Dêh? Não importa o quanto eu pensava, cada idéia que eu tinha parecia 
mais propensa a dar errada do que a anterior. 
 
– Ah, desculpe. Eu sou tão idiota, você não precisa responder... Isso deve estar sendo muito 
difícil para você. – Ela disse envergonhada. 
 
– Não, qual é? Ignorar isso só por que difícil, não vai me ajudar em nada... – comecei, tentei 
ficar o mais confortável o possível no sofá e contei o que eu pretendia fazer. – Eu quero 
continuar com o meu plano inicial. Ir até a casa do meu pai, como eu havia lhe contado, e com 
sorte, talvez eles sigam para o mesmo caminho. Quem sabe á essa mesma hora amanha nós 
estejamos juntos... 
 
– Mas eles sabem onde o seu pai mora? ­ Ela perguntou. 
 
– Esse é o ponto fraco do plano. Logo que entramos na rodovia, eu tentei explicar ao Jimmy á 
aonde iríamos, através de um pequeno GPS de bordo. Ele me garantiu que havia entendido 
perfeitamente o caminho. Mas eu não sei... Tudo que eu posso fazer é confiar nele, e torcer 
para que eles ajam da mesma maneira que eu... 
 
Ela não disse nada, e nem precisava. Eu sei que era loucura, eu poderia listar mil e uma razões 
para tudo que tudo isso desse errado, mas mais uma vez era tudo que eu tinha. 
 
– Isso leva á um ponto delicado. Eu vou precisar da sua ajuda. – Eu falei. 
 
– Claro, se eu puder lhe ajudar de alguma maneira, conte comigo... 
 
– Eu preciso que você cuide da Rafaela ­ Eu falei, ela me olhou surpresa, mas não respondeu. 
– Eu sei que é loucura, mas eu não posso correr o risco de colocá­la em perigo, e esse 
apartamento é muito mais seguro do que qualquer lugar que eu vá. Eu não tenho idéia do que 
eu vou encontrar pelo caminho, mas eu estou disposto a correr esse risco, ela não. 
 
Ela pensou, respirou, pensou novamente e por fim, respondeu: 
 
– Como eu vou tomar conta dela? Isso é impossível, eu mal consigo tomar conta de mim 
mesma... 
 
– Eu sei, mas eu não posso levá­la comigo, seria muito perigoso. Você já está aqui, com a sua 
avó, e tenho certeza que você vai cuidar dela muito melhor do que eu... 
 
– Ah, eu não sei... – Ela levantou­se da poltrona e caminhou até a frente da lareira. – Só se 
você... – Ela fez uma pausa, virou­se para mim e completou. – Prometer que ira voltar, depois 
que encontrar os seus amigos, você volta aqui e leva agente junto, você promete? 
 
– Você sabe que eu não posso prometer uma coisa dessas... – Balbuciei. 
 
– Promete? – Seus olhos lacrimejavam. 
 
– Ok, eu prometo. – Respondi com firmeza, mesmo não vendo como isso iria acontecer. 
 
Ela suspirou e depois se sentou de volta na poltrona. 
 
– Olha, nós temos uma ducha no banheiro, a água deve estar um gelo, mas aposto que te 
ajudaria a relaxar um pouco. – Ela disse. 
 
– Sério? Isso seria fantástico... 
 
Eu não sei se isso foi uma indireta de que eu estava cheirando mal – o que provavelmente seria 
verdade – mas um banho cairia muito bem. Naquele dia eu corri bastante, escapei de duas 
chuvas de meteoros, lutei contra três tipos diferentes de aliens, corri mais um pouco e salvei 
uma garotinha. 
 
Eu merecia uma estátua na verdade, mas devido aos acontecimentos anteriores eu me 
contentaria com um bom banho. 
 
E eu estava certo, foi fantástico. Apesar de ter sido no escuro e com a água incrivelmente 
gelada. Eu coloquei o meu uniforme de ginástica de escola de volta e me senti feliz por ter 
optado pelo abrigo ao invés de shorts quando me troquei naquela tarde, seria meio estranho ter 
feito todas as maluquices que eu fiz usando shorts de nylon. 
 
Disse o cara que usou um flamingo como arma. 
 
Sai do banheiro e caminhei devagar pelo corredor, não queria ser surpreendido por um bidê ou 
qualquer outro objeto levemente pontudo ou perigoso, eu duvido que a minha canela resista á 
outra pancada. Passei em frente a uma porta semi­aberta, não resisti e dei uma espiada, lá de 
dentro uma voz chamou: 
 
– Mary querida, é você? 
 
– Ah, não. Desculpe, eu não sabia que havia alguém aqui dentro. – Falei, abrindo um pouco 
mais a porta. 
 
O quarto era iluminado por uma dúzia de velas, espalhadas por todos os cantos, criando um 
ambiente meio assustador. Uma senhora bem velhinha repousava na cama, quando ela me viu 
tentou se acomodar melhor na cama e fez sinal para que eu me aproximasse. 
 
Eu obedeci. 
 
– Você deve ser o Edward, não é? Mary me falou de você... – Ela disse. 
 
– Sim, ela me falou sobre você também. Como á senhora está se sentindo? – Falei. 
 
–Tão bem quanto uma velha doente pode se sentir... – Ela disse com um sorriso irônico. Eu ri 
de volta enquanto me aproximava da cabeceira da cama. 
 
– Mary Ann me falou de você, mas não me disse o qual era o seu nome... – Comentei. 
 
– Pode me chamar de Michelle. 
 
– Prazer em lhe conhecer Michele. – Ela acenou de volta. 
 
– Então é verdade? Tudo que a Mary Ann me contou? Aliens? – Ela perguntou mudando de 
assunto. Sabe, para uma senhora com câncer ela parecia bastante disposta. 
 
– É o que parece... 
 
– Eu sempre acreditei que existia vida em outros planetas. Jorge dizia que era bobagem, mas ai 
está! Gostaria de ver a cara dele agora... 
 
– Jorge? 
 
– Sim! Meu marido, ele faleceu alguns anos atrás. Ele participou de duas guerras, e perdeu a 
vida graças a um ataque fulminante. 
 
– Eu sinto muito. 
 
– Não sinta, ele fumaça dois maços de cigarro por dia, teve o que mereceu... – Ela disse como 
se fosse completamente normal. – Você me lembra um pouco ele, talvez sejam os seus 
olhos...É com certeza são os olhos... 
 
Nós rimos um pouco. Não sei, mas ela parecia ser uma figura. 
 
– Posso fazer uma pergunta? – Comecei. 
 
– Claro. 
 
– Onde estão os pai da Mary Ann? Ela não me disse nada sobre eles... 
 
Ela suspirou fundo, e aquele brilho feliz deixou os seus olhos. 
 
– Eles se envolveram em um acidente de carro á quase um ano atrás, por isso Mary Ann veio 
morar comigo, ela não tinha mais ninguém. Ela é uma menina complicada, acho que o termo 
certo seria revoltada. – Ela disse levantando as sobrancelhas. – É como vocês jovens falam 
hoje em dia não é? 
 
Eu concordei, e esperei ela continuar. 
 
– Imagino que foi bastante difícil para ela. O plano era ela vir morar comigo para que eu pudesse 
tomar conta dela, então eu fiquei doente e quem tem cuidado de mim é ela. Engraçado não é? – 
Ela disse aquilo com bastante tristeza na voz, resolvi parar por ai. 
 
– Ok, eu vou deixá­la descansar. Foi um prazer conhecê­la. – Falei. 
 
– Claro, claro... Venha conversar, qualquer hora, eu estarei aqui. – Ela disse com um sorriso 
sereno. – Foi um prazer te conhecer também, boa noite. 
 
Eu deixei o quarto e voltei para a sala. A Mary Ann não estava lá, já devia ter ido dormir, ela havia 
feito uma cama no sofá que parecia bastante convidativa. 
 
Eu não estrago a surpresa em lhe contar que eu não dormi nada durante a noite, tirando breves 
momentos em que eu cochilava, mas era muito mais por cansaço do que por sono. No silêncio 
eu podia ouvir alguns distintos vindos da rua, alguns não eram nada mais do que o vento ou 
uma arvore qualquer, mas havia outros sons que eu sabia que eram coisas ruins. Isso me 
deixou apreensivo. 
 
Já passavam das três da madrugada, quando a Mary Ann apareceu na porta. 
 
– Eddy? 
 
– O que? – Me levantei assustado. – Algum problema? 
 
– Ah, desculpe te incomodar, não tem problema nenhum. É só que a Rafaela não consegui 
dormir, e ela pediu para ver você... 
 
Eu esfreguei os olhos, a Rafaela se escondia atrás das pernas de Mary Ann. Quando ela me viu 
veio correndo até o sofá. Poucos segundos depois, ela já estava deitada ao meu lado. Mary Ann 
continuou na porta, só observando. 
 
– Pode deixá­la comigo então. – Eu disse me ajeitando ao seu lado. – Volte a dormir, você 
precisa descansar... 
 
– Ok, boa noite. 
 
– Boa noite. 
 
Então ela se foi. Eu perguntei a Rafaela por que ela havia vindo para a sala e ela disse que não 
consegui dormir e que queria me ver. Ficamos um tempo em silêncio, tentando dormir. 
 
– Olha, amanhã eu vou encontrar com os meus amigos, você pode ficar aqui, com a Mary Ann? 
– Eu perguntei, ambos estávamos sem sono mesmo, não iria fazer mal algum conversar um 
pouco. 
 
– Não. – ela respondeu. 
 
– Como assim, Não? – Perguntei surpreso. – É muito perigoso, pode haver mais daqueles 
bichos lá fora. É melhor você ficar aqui... 
 
– Não, eu quero ficar com você... 
 
Ah cara, essa garota tem o poder de transformar o meu coração em gelatina. E acredite, ela é 
tão fofa quanto parece. Eu suspirei e tentei uma abordagem diferente. 
 
– Vamos fazer assim: Você fica aqui enquanto eu procuro pelos meus amigos, quando eu 
encontrá­los, eu volto aqui e pego você. Pode ser? 
 
– Não, eu não quero ficar sozinha... 
 
– Mas você não vai ficar sozinha, Mary Ann vai estar aqui. 
 
– Não, eu quero ficar com você Eddy! – ela respondeu, e mesmo estando escuro eu podia ver o 
brilho das suas lágrimas. 
 
– Ok, nós vamos juntos... – Resmunguei, eu não podia deixá­la para trás, não seria certo. – Eu 
e você, certo? 
 
– Verdade? – Ela perguntou curiosa. 
 
– Verdade. 
 
Era bastante provável que estivesse cometendo um erro naquele momento. Mas acho que no 
fundo eu não queria deixá­la para trás. 
 
É ruim se sentir sozinho, e se eu de alguma maneira puder fazer a Rafaela não se sentir dessa 
maneira, eu vou fazer. Acho que estar acompanhado ajuda a dormir, pois depois disso o sono 
pareceu finalmente nos encontrar. 
 
Fui dormir me lembrando de uma frase que a minha mãe vivia falando, ela leu em algum livro e 
por alguma razão ela veio a minha cabeça. Ela é mais ou menos assim: 
 
“No final tudo acaba bem, se não está tudo bem, é por que não acabou ainda.” 
 
Estou torcendo para que isso seja verdade... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando eu acordei, continuei de olhos fechados, e torci para que tudo tivesse sido apenas um 
sonho ruim. Até eu abrir os olhos e reconhecer à lareira, a parede cor de vinho, o sofá e a 
Rafaela que dormia, tranqüila ao meu lado. 
 
Não tinha sido um sonho, era tudo real. 
 
Eu me sentei no sofá, com cuidado para não acordar a Rafaela, suspirei fundo e fiquei de pé. 
Caminhei até a janela e pela brecha da cortina, observei o movimento lá fora. Tudo parecia 
normal, tão normal quanto é possível em meio a um ataque alienígena e após duas tormentas 
de meteoros. Mas você me entendeu. 
 
Eu torcia para que, quem sabe, o governo tivesse tomado alguma atitude frente a isso tudo. No 
dia anterior nós havíamos avistado helicópteros, que pareciam modelos militares, cruzarem os 
céus. Talvez, durante a noite, o exercito tenha tentado algum contragolpe ou qualquer outra 
técnica de resistência. 
 
Mas eu estava preocupado com os meus próprios objetivos, que no momento, resumiam­se a 
chegar à casa do meu pai. E como regra geral eu queria chegar até lá vivo. 
 
Olha, não me julgue, mas eu decidi não levar a Rafaela comigo. 
 
Eu sei que não é algo legal de se fazer, afinal eu havia prometido. Mas eu tenho agido como um 
idiota durante muito tempo, já está na hora fazer mudanças, caso contrário eu irei morrer antes 
mesmo de chegar ás rodovias. Eu vou sentir falta da Mary Ann e da Rafaela também, mas 
levá­la comigo seria suicídio, além do mais que ela é uma criança. E como criança ela possui 
necessidades, ela ira sentir fome, precisará ir ao banheiro, tomar banho e a lista só continua... 
 
Apesar de ter sido uma decisão difícil, eu a tomei logo depois da minha conversa com ela na 
noite anterior, antes de ir dormir. 
 
Rafaela fica com a Mary Ann. 
 
Eu fiquei quase uma hora sentado no sofá, pensando. Eu só queria deixar o apartamento 
quando tivesse a oportunidade de me despedir da Mary Ann. Não sei o que teria sido de mim se 
não fosse por ela, o mínimo que eu podia fazer era me despedir. Eu pensava coisas bobas, que 
no inicio eram importantes, mas depois de alguns minutos eu já estava viajando legal. Mas a 
espera acabou quando eu ouvi a voz da Mary Ann falar comigo. 
 
– Vejo que você já acordou... – Ela disse enquanto adentrava na sala. – Faz muito tempo que 
você está acordado? 
 
– Não... – Falei, mesmo não tendo idéia do por que eu estava mentindo. 
 
– Então... – Ela começou envergonhada. – Você realmente vai atrás dos seus amigos hoje? 
 
– Sim. Por quê? 
 
– Ah, eu estava pensando que talvez, fosse melhor você ficar aqui. Parece ser perigoso lá fora, 
e talvez tudo se resolva logo... – Ela parou de falar, obviamente sem argumento. 
 
– Obrigado! – Agradeci, era legal saber que alguém se importa com você. – Mas eu tenho que 
fazer isso... Não se preocupe comigo, eu escapei da morte no mínimo umas... Três vezes 
ontem. Duvido que tenha alguém mais preparado do que eu para sair ás ruas... 
 
Eu podia listar pelo menos dez pessoas mais preparadas do que eu para fazer aquilo. Mas 
como a idéia era impressionar, fiquei quieto. 
 
Ela concordou. 
 
– E a Rafaela, dormiu bem? 
 
– Como um anjo. – Respondi dando uma olhada de canto de olho para ela. – Não sei como ela 
consegue... 
 
– Como você espera que ela fique comigo? Acho que ela não gosta muito de mim, ontem ela 
me incomodou até que eu a trouxesse para perto de você! – Ela desabafou largando­se sobre a 
poltrona. Ela vestia um pijama listrado e seus cabelos estavam soltos, mas isso não a deixava 
menos bonita. 
 
– Não se preocupe, dê um tempo para ela se acostumar. – Falei, mas tratei de tentar mudar 
logo de assunto, não queria que ela soubesse que na noite anterior eu havia prometido a 
Rafaela que a levaria comigo e agora tinha mudado de idéia. – Então como está a sua avó? 
 
– Interessante você perguntar, ele queria falar com você agora. – Ela falou com um olhar 
curioso. – Isso é meio estranho, já que vocês nem se conhecem... 
 
– Na verdade nós tivemos uma pequena conversa ontem à noite... – Eu disse, mas parei por ai, 
levantei­me do sofá e fui em direção ao quarto da avó de Mary Ann. Ela ficou me olhando com 
uma cara atônica, mas eu não disse nada. 
 
Eu fiz como na noite anterior, abri a porta devagar, esperei até fazer contato visual com ela, 
como que seguindo o texto anterior fez sinal para que eu me aproximasse. 
 
– Olá, jovem Edward! Como você está? Dormiu bem? – Ela começou. 
 
– Sim, obrigado por me deixar ficar... – Respondi. 
 
Ela deu de ombros. 
 
– Então, ouvi dizer que você vai deixar a menininha aqui? – Ela perguntou. 
 
– Sim, eu estava planejando fazer isso, lá fora é muito perigoso... Isso é claro, se você não se 
importar... 
 
– Sem problema... – Ela disse em um gesto de rendição. – Mas me responda uma coisa... E 
depois? – Seus olhos brilhavam. 
 
– Como assim? 
 
– Pense Edward! Ao que tudo indica, nós estamos sobre ataque, você acha mesmo que esse 
apartamento é mais seguro do que lá fora? – Ela indagou, mas nem esperou a minha resposta 
e continuou falando. – É uma questão de tempo para que tenhamos que sair daqui para buscar 
suprimentos ou que eles nos encontrem... 
 
– Talvez, mas... 
 
– Não existe talvez, menino! – Ela disse séria. – Eu entendo a sua preocupação, mas use a sua 
cabeça, milhares de pessoas devem se encontrar na mesma situação do que a gente. 
Trancados em sua casa esperando pela ajuda que nunca virá. Se formos atacadas, o que uma 
velha doente, uma adolescente e uma criança podem fazer a respeito? 
 
Ela tinha razão. 
 
– Então o que você espera que eu faça? – Perguntei de mau humor. – Desista? 
 
– Bom, eu estava pensando ontem à noite... – Ela disse,suas mão apertaram forte a barra do 
lençol. – Acho que você deveria levar a Mary Ann com você, e a garotinha também, é claro... 
 
Ok, acho que a doença era muito mais séria do que parecia, pelo visto estava atacando o seu 
cérebro também. 
 
– Não! Não... Se algo der errado, apenas um deslize, todos nós terminaremos mortos... – 
Respondi, mas de novo ela não me deixou terminar. 
 
– As chances de encontrar pessoas que estejam resistindo a isso tudo, ou que pelo menos 
tenham alguma idéia do que está acontecendo, são maiores lá fora, do que dentro deste 
apartamento. – Ela disse, fez uma pausa e depois continuou. – Nós estamos jogados no escuro 
com as mãos atadas. Precisamos de uma luz para poder continuar... 
 
Ah, virou poeta agora? Ótimo. 
 
Mas ela estava certa de novo. Eu pensava a mesma coisa na verdade, mas algo me dizia que 
se eu fosse tão otimista em relação a isso tudo, a coisa ficaria ainda mais complicada. Resolvi 
pensar um pouco sobre o assunto. 
 
– Ok, talvez a senhora esteja com razão... – Disse finalmente. – Mas você agüenta uma 
viajem? 
 
– Você está lento essa manhã, hein? – Ela disse revirando os olhos, mas pelo sorriso que ela 
deu em seguida percebi que ela estava brincando. – Não Edward, eu não agüento um viajem... 
 
Ok, entendi do que se trata. No final ela quer ter certeza de que Mary Ann vai ficar bem, ela não 
se importava mais com ela. Mas eu conseguiria fazer isso? Lidar com essa responsabilidade? 
 
– Você sabe que a Mary Ann nunca vai concordar com isso, não sabe? – Falei. 
 
– Deixe que eu cuide disso, ok? Só preciso saber se você está disposto a mantê­la segura. 
 
– Isso é algo difícil de prometer... 
 
– Se fosse fácil, eu não pediria. Você pode ou não? – Ela falou novamente séria. – É o ultimo 
pedido de uma velha senhora... 
 
– Sim. Se ela quiser ir comigo... – Falei com convicção. – Eu prometo que farei o possível para 
mantê­la segura. 
 
Ela sorriu. Eu não tenho certeza, mas senti como se ela tivesse tirado um peso enorme das 
costas. O lado ruim é que agora esse peso, quem estava segurando, era eu. 
 
– Sabe... Não são somente os seus olhos que me lembram o Jorge. Ele tinha um grande 
coração também. – Ela lançou um sorriso fraco, porém mais verdadeiro que qualquer outro 
anterior. – Bem se você puder fazer a gentileza de chamar a Mary Ann... 
 
– Claro... – Eu caminhei em direção a porta. 
 
– Hey, Edward! – Ela chamou, eu parei e me virei de volta para ela. – Obrigado. 
 
– Não me agradeça. Você faria o mesmo por mim... 
 
Com essa maravilhosa resposta, deixei o quarto e fui em direção a sala. Mais tarde, mas ainda 
naquele dia, eu agradeci a Michelle pelas coisas que ela havia me dito naquele quarto. Tudo era 
verdade, por dentro eu pensava exatamente aquilo, acho que eu só precisava ouvir isso de mais 
alguém. O puxão de orelha me ajudou a entrar nos eixos. Saca? 
 
Quando entrei na sala o sofá estava vazio, onde deveria estar a Rafaela, havia um travesseiro 
todo amarrotado envolto a um cobertor. Olhei ao redor e a encontrei na cozinha, sentada à 
mesa ao lado da Mary Ann, elas estavam tomando o café da manhã. Eu fui até a cozinha e 
passei o recado da Michelle a ela, ela terminou o café, falou para que eu me servisse também, 
depois ficou de pé e foi em direção ao quarto da avó. 
 
A Rafaela tomava um copo de leite quente em uma canequinha rosa de plástico com um 
ursinho desenhado, e comia alguns biscoitos da noite anterior. Eu me servi de biscoitos, mas 
estava sem fome, quero dizer eu deveria estar com fome, mas por mais incrível que possa 
parecer eu não estava. Por isso fiquei beliscando os biscoitos com desgosto, pedacinho por 
pedacinho. 
 
– Nós já vamos embora? – A Rafaela perguntou, sem tirar os olhos do prato de biscoito. 
 
– Parece que sim... 
 
Ela suspirou. 
 
– Onde está a mamãe? Eu estou com saudades dela... – Ela disse ainda sem tirar os olhos do 
prato, como eu não respondi, ele me encarou esperando respostas. 
 
Como eu iria responder a isso? É como quando as crianças perguntam: De onde vêm os 
bebês? Por que as pessoas morrem? Por que as pessoas passam fome no mundo? Qual a 
diferença de verduras e legumes? 
 
Eu não sabia o que dizer. Por sorte antes que eu me visse forçado a responder, Mary Ann 
apareceu à porta. Ainda antes que eu ficasse feliz por ela estar ali, reparei que ela estava 
chorando, seus olhos estavam vermelho e o traço do delineador em volta aos seus olhos 
estava todo borrado. 
 
Tudo que me veio à cabeça foi que era parecia uma Panda de cabelos louros. Que idiota! 
 
Ela parou à porta e ficou me olhando, como se estivesse escolhendo muito bem as palavras, 
por fim falou: 
 
– O que você disse para a minha avó? – Ela resmungou. Eu esperava que ela ficasse brava 
comigo, mesmo a idéia não sendo, mas ela não parecia aborrecida e sim, triste. – Você vai 
responder, ou não? 
 
– Eu não tenho nada haver com isso. – Falei, levantei­me da cadeira e caminhei em direção a 
ela. – Mas acho que ela está certa! Nós não temos a mínima idéia do que está acontecendo lá 
fora, mas ficar aqui não irá ajudar em nada... 
 
– Mas como eu posso deixá­la para trás? – Ela respondeu inconformada. Tirou o excesso das 
lágrimas, o que deixou as suas bochechas manchadas. – Você não sabe como é perder a 
única pessoa que se importa com você? 
 
O quê? 
 
– Sério? Você acha isso? Eu deixei a minha mãe para trás e não tenho a mínima de como ela 
está! Eu me perdi meus dois melhores amigos, que há essa hora, podem estar lamentando a 
minha morte! O mundo que eu conhecia parece já não existir mais... Ninguém desejou essa 
situação! Sua avó está abrindo mão da sua vida para que agente possa sobreviver... 
 
Ok, eu posso ter elevado um pouco demais a voz, mas dane­se! Ela ficou com um olhar ainda 
mais triste, respirei fundo tentando me acalmar. 
 
– E você não está sozinha... Eu estou com você! – Falei com firmeza. Pela primeira vez em 
horas eu sentia verdade no que eu estava fazendo. E talvez essas palavras tenham tido mais 
peso que todas aas outras ditas anteriormente. 
 
Ela acenou com a cabeça. 
 
– Eu vou pegar as minhas coisas... – Ela disse, depois saiu devagar em direção ao corredor. 
 
Eu olhei em volta, e vi a Rafaela me observando. 
 
– Não se preocupe, ok! Logo nós já estaremos saindo daqui! 
 
Uma hora depois nós estávamos em frente à porta do hall principal do apartamento, olhando 
para as ruas desertas e destruídas. Sem sinal de qualquer coisa viva, seja da terra ou do 
espaço. Para melhorar a situação, enormes nuvens começavam a largar aos poucos gostas 
que logo tornar­se­iam uma enorme tempestade. 
 
Super, não é? 
 
A Rafaela estava de mãos dadas comigo, Mary Ann estava ao meu lado esquerdo. Ela estava 
bem quieta, acho que ela não me culpava pela escolha da avó, mas mesmo assim a coisa 
estava meio tensa entre a gente. Por experiência própria resolvi deixá­la em paz. Era muita 
coisa acontecendo em tão pouco tempo. 
 
Naquele período de uma hora nós havíamos terminado o café, fui obrigado a comer algo mais, 
afinal um longo dia esperava por mim. Ela havia pego uma mochila, à encheu com um pouco de 
comida, coisas rápidas que poderíamos comer a qualquer momento do dia, algumas mudas de 
roupa – Esse ultimo somente para ela, duvido que eu ficasse bem usando qualquer peça de 
roupa dela – alguns band­aids e ataduras que encontramos no banheiro. 
 
Eu me despedi rapidamente da Michelle, eu havia gostado bastante dela, mas duvido que 
tivéssemos algo mais para conversar. Mary Ann ficou vários minutos despedindo­se dela, 
enquanto deixávamos o apartamento, trocamos poucas palavras. 
 
– De carros nós levaremos, aproximadamente quarenta minutos para chegarmos a Modesto. – 
Eu disse na beirada da porta, olhando para as nuvens no céu. – Vocês esperem aqui dentro, 
que eu vou tentar conseguir um carro... 
 
Mary Ann me olhou com uma cara assustada, mas eu tratei de acalmá­la. 
 
– Não se preocupe! Muitos carros estão abandonados, provavelmente muitos estejam abertos e 
com a chave na ignição. – Eu disse apontando para um carro que se encontrava a duas 
quadras a nossa frente, torcendo para que eu estivesse certo. Afinal eu não era o Jimmy, eu 
não sabia fazer ligação direta. – Eu vou tentar achar um carro com gasolina suficiente para 
irmos até Modesto, enquanto isso fique aqui dentro. Quando eu achar um carro, eu venho e 
pego você duas, ok? 
 
Ela concordou, mas acho que ela não estava muito confortável com a idéia. Esperei elas 
entrarem no hall do apartamento, só depois sai à procura do carro. Quando vi que elas estavam 
a salvo, dei meia volta e segui pela rua. Havia diversos carros na rua, mas acho que eles já 
estavam lá antes mesmo da chuva de meteoros. 
 
Mesmo assim fui tentando a sorte, um por um. 
 
Eu já havia me distanciado quase duas quadras do apartamento da Mary Ann, sem ter obtido 
sucesso, até que encontrei uma viatura policial. A primeira coisa que me ocorreu foi que 
pudesse ter algum policial por perto, mas essa idéia se foi tão rápido quanto veio, as portas do 
carro estavam escancaradas, o motor estava ligado e os pára­brisas moviam­se 
freneticamente. 
 
Sentei no banco do motorista, e chequei o nível de gasolina, pouco menos de meio tanque, o 
que era uma boa noticia. Tentei usar o rádio, mas não consegui nada, nem aquele chiado sem 
nexo. Acho que ele não estava funcionando. 
 
Dei uma nova olhada para as ruas, não queria ser pego desprevenido, mas ela continuava 
vazia. Confesso que isso me deixava muito apreensivo, o fato de não haver ninguém nas ruas 
era simplesmente aterrorizante. Pois levantava a seguinte questão: Onde estava todo mundo? 
 
Eles pareciam ter sumido da noite para o dia. 
 
Foi então que eu vi, ao meu lado, no banco carona. Um revolver, não sei que modelo era e na 
verdade isso nem interessava, era um daqueles modelos com os famosos “tambores”, como 
os que os caubóis do velho oeste usavam. Eu peguei com a ponta dos dedos, é o primeiro 
pensamento que eu tive, foi: 
 
É pesado... 
 
O revolver era preto metálico e o “tambor” encontrava­se deslocado para o lado, revelando seis 
compartimentos para bala, dos quais quatro estavam carregados. Eu nunca havia tocado em 
uma arma, o meu tio Frank tinha algumas velhas espingardas no galpão, mas ele as usava 
somente para caçar. Sei lá, mas nunca tive muito interesse nelas. 
 
Até hoje me pergunto o que me fez ficar com ela, claro, que ela poderia ser usada como 
proteção. Mas eu não fazia a mínima idéia de com usá­la, torci para que fosse igual aos filmes. 
Empurrei o “tambor” com o dedão, e ele se fechou em um “click” profundo. 
 
Abri o porta­luvas o larguei lá dentro, não consegui parar de me sentir mais protegido, era como 
que se algo acontecesse, eu poderia lidar com a situação. Afinal, havia duas garotas que 
dependiam de mim, não importa como, eu tinha que mantê­las seguras. 
 
Acelerei o carro, e fiquei ainda mais contente quando ele funcionou normalmente. Dei a volta na 
rua e fui em direção ao apartamento, buscar a Mary Ann e a Rafaela. 
 
Legal esse era o segundo carro que eu roubava em dois dias, se não estivéssemos em meio a 
um caos nacional eu ficaria preocupada com as minhas tendências a marginalidade. 
 
Quando estacionei o carro, as meninas deixaram rapidamente o apartamento e 
acomodaram­se destro do veiculo. A Mary Ann sentou­se no banco carona, a Rafaela foi atrás 
ao lado da nossa mochila de suprimentos, parecendo realmente feliz por estar dentro de uma 
viatura policial. 
 
Com forme eu acelerei o carro, a Mary Ann falou: 
 
– Você roubou uma viatura policial? 
 
– Relaxa... Era o único carro que funcionava e ele possui gasolina mais do que suficiente para 
irmos até Modesto. – Respondi de ombros. 
 
Ela não disse mais nada. 
 
Começava a chover quando chegamos ás rodovias. Através do retrovisor, eu vi ao longe, os 
destroços do avião que havia caído no dia anterior. Mary Ann olhou para o que eu estava 
olhando e suspiro assustado. 
 
– Aquilo... É o avião que você falou... – Ela se virou no banco, na tentativa de ter uma visão 
melhor. – Oh meu Deus... – Ela disse boquiaberta. 
 
– Sim... 
 
Se atrás nós víamos destruição, a nossa frente à coisa não ficava melhor. Os carros estavam 
todos jogados e desordenados na pista. Eu consegui achar uma rota, mas logo fui forçado a 
fazer o trajeto de volta pelo interior da cidade. Lá nós tínhamos mais espaço e avançamos bons 
quilômetros. 
 
Em poucos menos de 25 minutos nós deixamos a cidade para trás, desembocamos nas 
rodovias, onde cruzávamos por aquelas cidades de beira de estrada, sabe? 
 
A felicidade da Rafaela parecia que tinha se esvaído por completo, ela olhava pela janela com 
uma expressão entediada, no final das contas ela estava agindo como uma criança agia 
durante uma viajem. Perfeitamente normal. 
 
– É assustador não é? – Mary Ann começou puxando assunto. Ela olhava com uma expressão 
preocupada para as ruas. – As ruas vazias... É como estar presa em um filme de terror... 
 
– Não se preocupe! Tudo vai melhorar quando chegarmos à casa do meu pai, então... 
 
Cara, eu nunca terminei aquela frase. 
 
O que aconteceu a seguir foi com toda a certeza a situação mais insana pela qual eu passei, 
até aquele momento. E olha que eu havia passado por um bocado de coisa estranha nos 
últimos dois dias. 
 
Um vulto negro se chocou com força com o nosso carro, era como tentar bater de frente com 
um trem, altamente impossível. Eu tentei frear, mas isso só piorou a situação, os pneus 
travaram o que fez o carro capotar, não uma, mas duas vezes. 
 
O carro parou em cima da calçada, um expectador distraído diria que estávamos estacionados 
ali e nada mais, o carro parecia normal a não ser pelos amassados na lataria e o motor que 
fumegava alto. 
 
– Vocês estão bem? – Gritei olhando para Mary Ann que se movia devagar, atordoada pela 
pancada. Depois para o banco de trás, onde Rafaela estava encostada na porta detrás de mim 
e chorava alto. – Ok, ok... Não se preocupe... – Resmunguei me ajeitando no assento. 
 
– Eddy olha! – Mary Ann gritou. Apontado pela janela para o meio da rua. – Ele está vindo... 
 
No centro da rua, um daqueles aliens panteras corria sobre as quatro patas em nossa direção. 
Minha mente ainda estava digerindo os acontecimentos anteriores, até que pude sentir uma 
nova batida. A criatura chocou­se contra nós novamente, dessa vez o carro não capotou, mas 
deslizamos uns dois metros e meio até darmos de encontro com um poste na calçada. 
 
O carro parou abruptamente, o poste bateu bem onde eu estava sentado, na porta do motorista. 
O vidro explodiu em milhares de fagulhas bem ao meu ouvido. A Mary Ann gritava o meu nome, 
a Rafaela chorava no banco de trás. E eu não consegui pensar em nada. 
 
Droga, de novo eu não consigo fazer nada... Totalmente travado. Merda, isso precisa mudar, 
isso tem que mudar! 
 
Se eu falhasse agora, a Mary Ann e a Rafaela seriam forçadas a pagar pelos meus erros, eu as 
coloquei nessa situação. Eu tinha que protegê­las, afinal eu havia prometido. 
 
Levantei a cabeça e olhei pela janela sem vidro, detrás do poste havia um grande 
supermercado chamado Crucks. 
 
– Mary Ann! – Falei mais alto que ela, e do que o choro da Rafaela. – Pegue a Rafaela e corra 
para dentro daquele supermercado! – Indiquei com a cabeça o prédio atrás de mim. – Deixa 
que eu cuido dessa criatura... 
 
Ela se calou, tirou o sinto de segurança e cruzou entres os dois bancos da frente para os 
assentos de trás. Abriu a porta, pegou a Rafaela – que ainda chorava bastante ­ no colo e saiu 
em direção ao supermercado, deus apenas alguns passos e depois voltou pegou a sua mochila 
com a mão livre, enfim correu em direção à entrada do estabelecimento. 
 
Lá fora, eu podia ver a criatura que me espreitava com cuidado, ela continuava a alguns metros 
de distância como se esperasse para ver o que eu era capaz de fazer. Abri o parta luvas e 
peguei o revolver, como não tinha como sair pela porta do motorista, tentei atravessar o carro e 
sair pela porta do carona. Quando eu impulsionei o corpo, senti uma dor aguda e incrivelmente 
dolorosa na coxa esquerda. 
 
O choque com o poste havia amassado parte da lata do carro trancando a minha perna entre 
ela. Tentei sair com cuidado, com movimentos leves, quando finalmente consegui me 
desvencilhar daquele emaranhado de ferro, notei um corte profundo na minha coxa. 
 
Não vou perder tempo aqui, tentando descrever como eu me sentia naquele momento. Primeiro 
por que é ruim até mesmo lembrar­me daquela dor, segundo por que acho que não conheço 
palavras que se encaixem na descrição do que eu sentia naquele momento. Mas posso 
adiantar que havia muito sangue... Muito mesmo! 
 
Continuando, eu atravessei o carro e sai pela porta do carona. Fiquei escorado na viatura, a 
perna doía tanto que era impossível apoiá­la no chão. A criatura me fitou com cautela, então se 
pôs a correr em minha direção com os dentes a mostra. 
 
Quando ela estava a um dois metros de distancia de mim, eu atirei. Duas vezes. 
 
A primeira bala pegou no olho da criatura, foi um belo tiro, não me pergunte como eu acertei, por 
que eu não tenho idéia. Ela retrocedeu assustada, foi quando eu disparei pela segunda vez, 
acertando­a no peito, ela ficou se contorcendo de um lado para o outro. Eu ia continuar atirando 
até que ela caísse no chão, mas vi algo que gelou a minha espinha. 
 
Aparentemente o barulho havia atraído uma multidão de outros aliens que brotavam das detrás 
das casas, esquinas, eles estavam vindo por todos os lados. Dezenas daquelas estanhas 
criaturas de quatro patas, e outras dezenas iguais aquela que eu havia me deparado na escola 
no dia anterior. 
 
Eu estava feliz comigo mesmo, por ter finalmente tomado vergonha na cara e ter revidado ao 
ataque. Mas eu não era estúpido, eu tinha somente mais duas balas, para o que? Vinte, trinta 
aliens? 
 
Deixei o alien se debatendo no chão e corri a toda velocidade atrás da Mary Ann e da Rafaela. 
Era preciso cruzar um grande estacionamento para chagar até a entrada do supermercado, as 
meninas já estavam lá adiante, em frente à porta. 
 
O termo não seria correr, o que eu fiz naquele momento estava longe disso. Eu não conseguia 
apoiar a perna esquerda no chão por mais do que um segundo. Então eu fiz esse percurso em 
uma espécie de “marcha manca”. Foi ridículo, e o pior era olhar para trás e ver as criaturas se 
aproximarem mais e mais... 
 
Quando eu me juntei ás meninas, a Mary Ann já veio dizendo: 
 
– Está trancada! Não abre de jeito nenhum... 
 
A porta era daqueles modelos eletrônicos e não tinha luz elétrica, logo elas não abriam 
automaticamente. Eu me aproximei da porta, saquei a arma, fiz sinal para que elas se 
afastassem e atirei contra a porta de vidro. Ela explodiu em migalhas, como o vidro da viatura 
anteriormente. 
 
– De onde você tirou isso? – Mary Ann Perguntou incrédula. 
 
– Eu te conto mais tarde, entra logo! – Falei em resposta. 
 
Olhei mais uma vez para a rua, as criaturas já estavam adentrando ao estacionamento. Dei 
meia volta e atravessei a porta do supermercado. A Mary Ann segurava a Rafaela no colo, e a 
alça da mochila estava dependurada no cotovelo direito. Ela ia caminhando em um passo 
acelerado à minha frente. Quando de repente, ela parou de maneira abrupta, deixando mochila 
cair do braço. Um homem apareceu a sua frente segurando uma pá de ferro, ele usava uma 
camisa de flanela vermelha, jeans azul um boné azul virado para frente. Sua feição era fechada 
e mais enigmática ainda pela barba fofa que usava. 
 
Não sei o que ele queria, eu não me importava, mas ele parecia perigoso. Acelerei o passo e 
apontei a arma para a sua cabeça. 
 
– Larga essa porra! Cara! – A arma tremia na minha mão, mas acho que se fosse necessário 
eu não hesitaria em atirar. 
 
Ele me viu, olhou para a arma, e vez uma cara descontraída. 
 
– Calma, meu jovem... – ele disse abaixando a pá. – Desculpe os meus modos, achei que 
vocês fossem um daqueles aliens lá de fora... 
 
Eu não abaixei a arma. 
 
– Mas nós não somos... 
 
– Eu percebi isso... Agora tira essa arma da minha cabeça, é perigoso! 
 
Eu permaneci mais alguns segundos com a arma no ar. Por fim resolvi abaixá­la, o homem 
suspirou, detrás dele uma senhora saiu da escuridão. Ela tinha o cabelo curto e castanho, 
usava um vestido liso, vermelho a pele enrugada marcava uma expressão preocupada. 
 
– Qual o problema? – Ela comentou, passou os olhos pela Mary Ann e pela Rafaela. Sua 
expressão se intensificou quando me viu e notou que eu estava armado. – O que está 
acontecendo... 
 
Eu olhei para trás, os aliens deviam estar muito próximo de onde estavam, mas curiosamente 
eles haviam parado no meio do estacionamento. Alguns continuavam a nos observar, outros 
desistiram e voltaram para os seus esconderijos. 
 
– O que? – Balbuciei atônico. – Por que eles... Não estão vindo? 
 
– Eles nunca atravessam o estacionamento! – Comentou o homem de barba. – É como se eles 
soubessem que há mais pessoas aqui... 
 
– Há mais pessoas aqui? – Mary Ann gritou exasperada. 
 
– Sim... – A senhora falou, ela cruzou os braços e continuou. – Venham para dentro... 
 
Mary Ann seguiu a senhora supermercado adentro. Eu fiquei parado em frente à porta, me 
perguntando o porquê deles não terem nos seguido. Como se o homem pudesse ler a minha 
mente, ele falou: 
 
– Nós não sabemos... Por que eles não atacam, só sabemos que eles não o fazem! – Ele 
apoiou o corpo em cima da pá. E estendeu a mão direita. – Aliás, eu sou Hugh Hope! 
 
Eu apertei a sua mão e me apresentei também. 
 
– Belo estrago você fez aqui... – ele disse olhando para a porta sem vidro. 
 
– Desculpe por isso... Eu não sabia que havia outras pessoas aqui dentro... 
 
– Não se preocupe! Mas mesmo que eles não venham atrás da gente, não custa nada à gente 
fechar essa porta, não é? – Ele disse com um sorriso. – Você pode me ajudar? Tem algumas 
coisas no deposito que podemos usar para fechar isso aqui... 
 
– Claro... – Suspirei. Ele deu volta e seguiu para o fundo do mercado. Eu dei mais uma olhada 
para as criaturas – haviam três deles agora – depois segui o homem. 
 
– Senhor... Há quanto tempo você está aqui? 
 
– Quase todos nós estamos desde ontem à tarde... – Ele deu de ombros. 
 
– Falando nisso... Quantas pessoas estão dentro desse supermercado? – Perguntei. 
 
Ele parou, pensou por um momento. 
 
– Nós estávamos em doze... – Ele me olhou preocupado. – Agora mais vocês três... 
 
Michelle estava certa, havia pessoas resistindo. Cara, eu tinha tantas perguntas para fazer, a 
possibilidade de que essas pessoas tivessem alguma idéia era muito grande. 
 
Mas tinha algo, martelando a minha mente, era a atitude dos aliens, todas as vezes que nos 
encontramos antes, eles se mostraram violentos e perigosos, por que mudar agora? Mas, por 
agora, eu vou deixar esse assunto de lado, e me concentrar em fechar aquela porta. Com a 
minha sorte, eu não ficaria surpreso se eles mudassem de idéia e resolvessem invadir o 
supermercado. 
 
Por agora, eu vou resolver com uma coisa de cada vez... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Cara! Quarenta minutos... 
 
Esse foi o tempo que eu levei para deixar o apartamento e quase morrer na mão de um bando 
de aliens. 
 
Eu continuo só melhorando, não é? 
 
Ok, antes que eu continue com as minhas reclamações, acho que devo lhe dizer que 
conseguimos bloquear a porta sem problemas. Usamos um grande quadro de ofertas apoiado 
em um frízer vazio, que encontramos nos fundos do super mercado, perto da sessão dos 
enlatados. 
 
Mas eu não pude ajudar muito, quando nos dirigíamos aos fundos do supermercado eu senti o 
músculo da minha coxa ceder de vez e aquela dor indescritível voltou. O Sr. Hugh não perdeu 
muito tempo e chamou outros dois homens para ajudá­lo a terminar o serviço, eu sentia tanta 
dor que nem pude distinguir o rosto dos caras. 
 
Você se lembra daquela senhora de antes, que havia levado a Mary Ann para dentro do 
supermercado na minha frente? Pois bem, seu nome é Yolanda e foi ela que teve a ­ brilhante – 
idéia de limpar o meu ferimento. 
 
Eu nunca teria concordado se soubesse que ela usaria álcool e doeria tanto. 
 
Infelizmente eu não sabia disso quando aceitei. 
 
Yolanda me levou até secção das rações, onde nos encontramos com os outros sobreviventes, 
de inicio notei que havia quatro homens e cinco mulheres – contando com Yolanda que me 
ajudava a caminhar com equilíbrio ­ mais ao fundo a Mary Ann e a Rafaela estavam 
acomodadas ao lado de um grande pacote de Iams*. 
 
Mary Ann me lançou um olhar preocupado quando viu que eu estava mancando, mas não disse 
nada. 
 
As expressões das outras pessoas também eram bem estranhas, algumas me olhavam como 
se eu trouxesse á eles boas noticias, que poderia tirá­las dali ou lhe dar a motivação necessária 
para continuar, outras como se eu fosse gerado pelo próprio diabo. 
 
Acho que eu estava longe de qualquer uma das duas... 
 
Tentei me concentrar em caminhar em linha reta. 
 
Yolanda me disse para sentar no chão e esperar enquanto ela procurava pelo kit de primeiros 
socorros, eu obedeci. Eu ainda carregava o revolver na mão direita, como a minha idéia não era 
assustar o pessoal, eu a joguei para baixo de uma das prateleiras ao meu lado da maneira mais 
discreta o possível. A última coisa que eu queria é deixá­los desconfortáveis. Eu já não havia 
tido uma experiência muito agradável com Sr. Hugh anteriormente, é meio incrível como as 
pessoas podem temer algo que criaram para protegê­los. 
 
As quatro mulheres estavam juntas em um canto e sussurravam umas com as outras, eu não 
sei o sobre o que elas falavam, mas parecia ser sério. Todas elas pareciam ser bem novas 
com exceção de uma, talvez, que parecia mais velha, na casa dos quarenta anos de idade, as 
outras três não tinha mais do que vinte e cinco anos. Eu poderia notar outras coisas, mas a 
minha cabeça girava tão rápida e elas estavam tão próximas umas das outras que seria 
impossível fazê­lo sem misturar as suas características. 
 
Os homens estavam do outro lado do corredor, porém não estavam agrupados, dois homens 
estavam de costas para mim e conversavam baixo entre si, outro estava sentado no chão – de 
modo que ficava bem à minha frente – ele tinha uma expressão cansada, com cabelos ruivos 
saindo das bordas do seu boné e usava um avental que indicava que ele era um funcionário do 
supermercado. O ultimo homem era jovem, com uma expressão destemida e cabelos escuros, 
vestia um moletom preto, eu poderia dizer mais sobre ele, mas quando eu tentava prestar mais 
atenção, ele deu volta e deixou o corredor em direção ao Hugh e ao outros dois. 
 
O som da chuva lá fora ficou mais forte, o que contribuía ainda mais para aquela atmosfera 
sinistra em que nós estávamos. 
 
Nós ficamos presos em um silêncio meio incomodo por alguns minutos até que a Yolanda 
apareceu carregando uma maleta branca com o sinal da cruz vermelha. Ela vinha caminhando 
rápido e conforme foi ficando mais perto começou a falar: 
 
– Já vou lhe avisando: É a primeira vez que eu vou fazer um curativo em um machucado dessa 
profundidade... Eu sou avó, então o máximo com que já lidei foi com alguns arranhões no joelho 
e cotovelos... – Ela tinha uma maneira divertida de falar, não parecia nem de perto aquela 
senhora que eu havia encontrado na porta do supermercado minutos antes. 
 
Sua atitude me lembrava um pouco da avó da Mary Ann, acho que é a idade. Não sei você, mas 
eu acho que as pessoas mais velhas sabem como agir em situações absurdas, sem esquecer 
o que realmente importa. 
 
– Acho que essa não é uma boa noticia, não é? – Respondi em meio a um sorriso. 
 
Ela sorriu, depois se ajoelhou ao meu lado, abriu a maleta e começou a tirar os mais diversos 
itens lá de dentro. Ela tinha uma expressão cansada, seus olhos demonstravam a sua idade e o 
quanto já havia vivido, mas seu sorriso parecia dizer totalmente o contrário. 
 
– Então você não me disse o seu nome, você vai dizer ou devo perguntar? – ela disse tirando 
um rolo de bandagens da maleta. 
 
– Eu sou Edward, mas me chame de Eddy... – Ela acenou em concordância, depois eu apontei 
para as meninas e continuei. ­ E elas são... 
 
– Mary Ann e Rafaela, certo? Eu já tive uma boa conversa com as duas... Aliás, ouvi algumas 
coisas sobre você, e devo dizer que foi muito corajoso da sua parte! – Ao terminar de falar, ela 
me fitou com curiosidade. Eu não sei o que a Mary Ann havia dito á ela, mas não pude deixar de 
corar. 
 
– Ok, isso dispensa apresentações da nossa parte. – Eu disse. – E você? Como veio... Espera, 
espera... – Ela passava o que parecia ser álcool em um pedaço de pano. – Isso é álcool? Isso 
vai doer. Minha mãe é medica e se teve uma coisa que eu aprendi com isso é que álcool 
machuca... 
 
– É para limpar... Você deveria saber disso se você tem uma mãe medica. O risco de infecção 
em um machucado como esse é muito grande, não podemos deixar isso acontecer! – Ela 
disse se aproximando ainda mais de mim. 
 
– Sim, mas não está tão ruim... – Ok, era mentira. Além de doer bastante, era um corte grande 
e profundo, mas eu já havia me machucado outras vezes e o álcool sempre piorava a situação. 
– Eu acho que isso não é necessário... 
 
– Meu Deus! Os aliens então atravessando o estacionamento! – Ela disse arregalando os 
olhos. 
 
– O quê? – Eu me virei em direção à porta de entrada, porém uma prateleira gigante bloqueava 
a minha visão, tentei me concentra em ouvir algo, mas meu cérebro fez a seguinte pergunta: 
Como ela havia visto alguma coisa? Afinal a prateleira também deveria estar bloqueando a sua 
visão... 
 
A resposta veio de maneira instantânea, e para essa pergunta, eu preferiria ter ficado com a 
dúvida. Acontece que essa coisa dos aliens atravessarem o estacionamento foi um golpe 
criado pela mente fértil de uma velhinha para me distrair e poder limpar o meu ferimento com 
álcool. E como eu havia previsto, doeu bastante. 
 
Bro! Uma vovó me passou a perna... 
 
No inicio era como se tivessem ateado fogo á minha perna, depois essa dor juntou­se com a 
dor anterior e... e... Cara!Era muita dor para uma pessoa só, mas como que por ironia a velha 
senhora agiu rápido e começou a trabalhar nas bandagens e a dor começou a ser contida. 
 
– Desculpe... Desculpe... – Ela começou a dizer quando dava os retoques finais no curativo. – 
Mas eu tinha que fazer isso, você querendo ou não... 
 
– Ok, vovó, mas eu nunca disse que eu não iria deixar você fazer isso. 
 
– Bem, mas funcionou, não é? 
 
É claro que eu não fiquei bravo, nem mesmo que eu quisesse, ela estava tentantando me 
ajudar. Confesso que já estava sentindo falta disso. 
 
A chuva aumentava de intensidade lá fora. Logo não seria mais uma chuva, e sim, uma 
tempestade. 
 
Poucos minutos depois o Sr. Hugh entrou pelo corredor com uma expressão séria no rosto, não 
era preciso ser nenhum gênio para perceber que algo o preocupava. Dessa vez eu pude prestar 
atenção nos caras que estavam com ele, um deles era alto, com uma pele morena e uma 
barba mal­feita e o olhar de medo nos seus olhos era ainda mais visível do que no Sr. Hugh. O 
outro era o mais baixo dos três, tenha um cabelo cortado de forma reta e sem graça, usava 
óculos com lentes grossas, porém a sua expressão era mais calma e serena. Para completar o 
grupo, aquele jovem de jaqueta escura vinha mais atrás, meio distanciado do resto do grupo, e 
novamente era difícil lê­lo. 
 
Eu soube que a noticia era ruim, assim que eles se aproximaram... 
 
– Tudo certo? – Perguntou Yolanda ainda ao meu lado, seu olhos mostravam que ela sabia que 
a resposta não seria boa. Eu continuava sentado no chão (até tentei ficar em pé, mas a perna 
doía bastante) e Yolanda está de pé ao meu lado, agora ela trocava o peso do corpo de pé para 
pé. 
 
– Não tenho certeza... – Sr. Hugh respondeu. 
 
Todos se calaram e olharam para o velho senhor, a preocupação era tanta que ninguém se 
atrevia a respirar. 
 
– O que está acontecendo? – Perguntou uma das mulheres – a mais velha – depois se 
aproximou mais do Sr. Hugh, esperando por respostas. Ela tinha um cabelo loiro, na altura dos 
ombros, e seus olhos estavam cansados e vermelhos. 
 
– Tem alguma coisa estranha... – Ele disse sem olhar para ninguém diretamente, depois 
pareceu escolher bem as palavras para continuar. – Acho, que estamos sendo encurralados... 
 
– Como assim? – Perguntou Yolanda. 
 
Aquele outro homem que estava ao lado do Sr. Hugh, o de óculos, tomou à dianteira e resolveu 
explicar a situação. 
 
– Nós trancamos a porta, nenhum problema até ai... – Ele deu uma olhada para ver se todos 
estavam acompanhando­o depois continuou. – Mas muitas daquelas “coisas” que estão lá fora, 
parecem estar nos espreitando. 
 
Alguém, não estou certo de quem, tentou interrompê­lo, mas ele simplesmente elevou a voz, 
nenhum sussurro veio depois. Ele era um cara meio estranho, mas não no sentido pejorativo da 
palavra, ele parecia ser bastante sério e as palavras que saiam de sua boca pareciam vazias. 
Mas mesmo assim ele tinha uma calma impressionante, isso era notável. 
 
– Claro que sabemos, que assim como na noite anterior, eles ficaram rondando o 
supermercado por horas. Depois de algumas horas eles pareceram perder o interesse e 
voltaram para as sombras. – Ele olhou para todos, para ter certeza de que todos se lembravam 
dos fatos. ­ Porém dessa vez, parece que eles realmente estão nos encurralando, chegando 
cada vez mais perto da porta do supermercado. Talvez estejamos errados, mas não temos 
nenhum conhecimento dessas criaturas, não temos idéia do seu comportamento, fraquezas ou 
qualquer outra coisa que possa nos ser útil. Por isso fiquem alerta... 
 
Ninguém disse nada, mas o clima ficou pesado. Sei lá, mas aquele lugar parecia seguro, eu 
não tinha idéia do por que, mas ele parecia. Agora com isso acontecendo, eu começa a achar 
que nenhum lugar na terra seria seguro, talvez eu estivesse perdendo tempo com essa 
aventura toda até a casa do meu pai. O garoto dos cabelos escuros me encarou com 
crueldade, como se fosse eu a causa disso tudo. 
 
Claro que não era minha culpa. Isso devia ser coisa da minha sorte, eu falei que isso podia 
acontecer... 
 
– Ah, e esse menino? Ele esteve lá fora... Talvez ele saiba de alguma coisa! – Disse uma das 
mulheres, ela estava meio escondida e parecia ser bem nova. Minha cabeça voava tão alto que 
eu nem consegui distingui­la. 
 
Senti os olhos pousarem sobre mim. 
 
– Bem, eu encontrei com alguns deles antes... – Comecei com a voz rouca. – Mas não sei se 
eles possuem um ponto fraco... Quero dizer, um amigo conseguiu derrubar um deles com um 
taco de baseball, e a Mary Ann... – Eu apontei para ela. – Ela o matou um deles a facadas na 
cabeça... Quem sabe, talvez eles sejam tão vulneráveis quanto nós somos... 
 
– Mas eles irão nos atacar? Quero dizer, nós já estamos a mais de um dia aqui, e não fomos 
atacados. Por que eles fariam isso agora? – A menina indagou novamente, dessa vez pude ter 
uma visão mais clara dela. Ela tinha olhos escuros, assim como o seu cabelo que estava preso 
em um rabo de cavalo. Tinha uma expressão suave e amigável, mas que naquele momento 
estava com muito medo. 
 
– É isso que vem me incomodando... – Eu disse levantando­me, por um momento achei que 
não fosse conseguir, porém quando me dei por mim já estava de pé. – Todas as vezes que eu 
estive frente a frente com essas criaturas, elas agiam como predadores. Eu fiquei muito 
surpreso quando vi que elas não nos seguiram para dentro do supermercado, eu não tenho 
idéia do porque disso ter acontecido... 
 
O homem de óculos ficou pensativo. E o corredor entrou em silêncio novamente. 
 
– Nós devemos estar preparados! – Eu disse retomando a atenção de todos. – Esses aliens 
são perigosos e... 
 
– Aliens? – Perguntou o jovem saindo da escuridão, e devo admitir que ele tinha uma voz muito 
mais fina e hesitante do que eu esperava. – Quem disse que eles são aliens? 
 
Antes que eu pudesse explicar, o senhor de óculos se dirigiu até mim e disse: 
 
– Garoto, nós estamos aqui a mais de vinte e quatro horas, tudo que sabemos é que existem 
criaturas poderosas lá fora. Quando tudo começou, nós éramos mais de cinqüenta pessoas, 
elas foram deixando o supermercado para voltar para suas casas, procurar seus familiares... 
Enfim, elas não voltaram... – Ele fez uma pausa. – Porém por alguma razão elas não nos 
atacaram aqui, e isso talvez, seja o pior. Não saber. Logo, não sabemos o quê elas são, de 
onde vêem e nem mesmo como podemos nos proteger delas... Se você sabe de alguma coisa, 
qualquer coisa, nos diga, pois pode ser a diferença entre a vida e a morte! 
 
Todos ao meu redor estavam com os olhos esbugalhados, e sussurravam lamentações. Mas 
aquele cara estava certo, eu era o único – contando com a Mary Ann e a Rafaela – que esteve 
lá fora, e mesmo que não parecesse talvez eu fosse o único no momento com capacidade para 
reagir. 
 
Isso vai soar estranho, mas eu sou o único que podia ajudá­los. 
 
Então eu contei – de novo – minha a história, desde o começo. Com essa já eram três o 
numero de vezes que eu fiz isso – o que era três vezes a mais do que eu gostaria – o que era 
bastante deprimente. Sei lá, mas parte de mim não conseguia acreditar o que havia acontecido 
tantas coisas em o quê? Vinte e quatro horas? 
 
Eu contei tudo bem devagar e não demorava muito e alguém levantava a mão para perguntar 
alguma coisa. E pela primeira vez, desde que essa coisa toda começou, eu prestei a atenção 
nas minhas próprias palavras e percebi o quanto insano isso tudo vinha sendo. Era como se eu 
estivesse contando uma história de terror, e a chuva forte lá fora proporcionava o clima perfeito 
para isso. 
 
Claro, eu sempre soube que isso era coisa de outro mundo – literalmente – mas acho que eu 
não havia compreendido o quão perigoso era a situação, ou quão maluca era o plano que eu 
vinha tentando executar. Fala sério! Eu queria deixar a cidade e chegar à casa do meu pai, 
esperando encontrar amigos que eu nem sabia se estavam vivos, depois o que? Eu havia 
combinado de encontrar com a minha mãe na Califórnia, é isso mesmo, C­A­L­I­F­Ó­R­N­I­A, 
aquela que fica na costa do país. Eu tive problemas para deixar a pequena cidade de Merced, 
como eu atravessaria um estado inteiro? Outra que nem mesmo o resto do país parecia estar 
reagindo, então como eu deveria agir nessa situação? 
 
O único jeito que eu vinha agindo era como uma criança... 
 
Acho que é algo do ser humano, sabe? Nós temos a doce ilusão de que as coisas irão dar 
certo, que irão funcionar. Talvez esse seja o nosso maior defeito. O problema é que não 
fazemos nada para que funcione, e se você analisar bem isso é bastante medíocre. É como 
tentar andar sem mover as pernas, saca? 
 
O que eu quero dizer, é que não estamos enfrentando o inimigo, estamos resistindo á ele. 
 
Mas sabe o que é o pior? É que o ser humano, mesmo sabendo que está preso a idéias 
fantasiosas e impossíveis, não desiste delas. Você também acha isso coisa de louco? 
 
Bem, me chame de louco. Por que isso é tudo que eu tenho, encontrar meus amigos e família, 
acho que é bem difícil dar certo. Mas essa é a motivação que preciso para dar o próximo passo. 
As coisas não podem piorar podem? 
 
Eu e essas minhas perguntas desnecessárias... Tenho que parar – urgentemente – com isso. 
 
O pessoal continuava em silêncio, e pela suas feições não sabiam nem mesmo o que pensar. 
Com um pouco de dificuldade, caminhei até o meio do corredor, todos me olharam e 
esperavam pelo que eu tinha a dizer. 
 
– Olha, nenhum de nós poderia estar preparado para o que estamos enfrentando. Mas aqui 
estamos. Eu não peço que acreditem em mim, nem mesmo que sigam o mesmo caminho que 
eu. – Eu disse, fiz uma pausa e me virei para a Mary Ann, ela andava bastante quieta e isso já 
estava me preocupando. – Acho que esse lugar não é seguro e talvez nós devêssemos... 
 
– Você está brincando, não é? – disse o menino de cabelos escuros, eu preciso descobrir o 
nome dele logo de uma vez, ele parecia mais confiante agora. Cruzou o corredor até se deparar 
frente a frente comigo. – Como você pode dizer isso? Nós estamos a salvo aqui! Eles não nos 
atacam aqui dentro, temos comida mais do que suficiente até que a ajuda apareça. 
 
Todos olhavam para o jovem, quando ele parou de falar, eles voltaram os seus olhares para 
mim como se eu fosse capaz de contradizer aquilo tudo. Em parte eu concordava com ele, eles 
tinham tudo que precisavam, mas não poderia ser tão fácil assim, poderia? 
 
– É por isso que eu disse que vocês não devem seguir o meu exemplo. – E retruquei, as 
palavras da Michelle vieram a minha mente. – Não temos idéia se a ajuda está a caminho... – 
Um trovão ribombou no céu. E eu resolvi mudar de assunto. – Olha, vocês pediram a minha 
opinião, isso é tudo que eu tenho, talvez ajude, talvez não. 
 
O jovem estava prestes a falar algo, mas o Sr. Hugh o interrompeu: 
 
– Ok, acho que temos tudo que precisamos... Eddy, você gostaria de dar uma volta comigo? 
 
Eu não queria, não conseguiria – caso você se lembre tem um corte de 12cm na coxa 
esquerda – mas algo me dizia que seria importante, então eu concordei e o segui. 
 
No inicio não dissemos nada. Só caminhamos de volta para a entrada do supermercado, foi 
quando eu avistei o freezer vazio e o quadro de ofertas. Paramos em frente as vitrines que 
davam de frente para o estacionamento. O Sr. Hugh havia dito a verdade, eles estavam 
chegando cada vez mais perto, e cada vez em um numero maior. 
 
De onde nós estávamos eu podia avistar o carro – o que sobrou dele na verdade – a chuva caia 
forte, e o céu estava escuro como se fosse noite, mesmo o meu relógio indicando que mal 
passava das duas da tarde. A temperatura havia caído drasticamente. 
 
Acho, que pela primeira vez o clima lá fora estava de acordo com a situação toda. O que não 
era nada animador. 
 
– Eu concordo com você menino. – Ele disse quebrando o silêncio. – E acho que todos lá 
dentro concordam também, mas é difícil acreditar nisso, se o fizermos estaremos aceitando o 
fato que perdemos o controle da situação. 
 
– Talvez você esteja certo. – Eu disse, resolvi aproveitar o momento para perguntar mais 
algumas coisas sobre ele. – Então... Você já soube como eu vim parar aqui, e você? Como se 
meteu nessa? 
 
Ele riu, coçou a barba e disse: 
 
– Eu sou caminhoneiro, estava cruzando a cidade à procura de um lugar para abastecer, então 
tive fome e resolvi parar nesse supermercado. – Ele olhou ao redor com uma expressão 
divertida. – Claro, que ele parecia muito mais convidativo antes. Eu não tive nem tempo de 
procurar algo nas prateleiras, mais do que de repente os meteoros começaram a cair. Todo 
mundo gritava, corria... Eles se amontoaram na porta como animais, derrubaram prateleiras, é 
incrível como o ser humano não sabe agir em situações perigosas. 
 
– Verdade... – Eu disse, e não disse mais nada. Dei uma olhada ao redor. Quando coloquei os 
olhos no Sr. Hugh novamente, notei que ele ainda segurava a sua pá. E tive uma idéia. 
 
– Senhor... Onde você conseguiu isso? – Disse apontando em direção a pá. 
 
– Ah isso? – Ele a levantou em cima dos ombros. – Lá no fundo tem secção de construção, 
achei que seria uma boa idéia carregá­la comigo. ­ Ele me olhou, e como se soubesse o que eu 
estava pensando completou. ­ Infelizmente era uma secção muito mal equipada, duvido que 
possamos conseguir algo para nossa proteção lá de dentro. A não ser que estejamos 
enfrentando uma infestação de ervas daninhas ou algo do tipo... 
 
Eu ri, pensando em que momento comecei a parecer tão previsível. 
 
– Hugh? Você tem família? – perguntei, sei que eu não tinha essa intimidade toda, mas só achei 
que deveria perguntar. 
 
– Na verdade eu tenho uma filha... – Ele começou. – Ela mora em Austin no Texas, ela está 
estudando para ser arquiteta. – Ele completou com um sorriso orgulhoso. 
 
– Isso é legal... – Cara, eu devia ter ficado de boca fechada. A garota mora no outro lado do 
país, o que eu deveria dizer? Nesse tipo de situação deveria ter alguém encarregado a dizer a 
todos que tudo iria ficar bem... 
 
Por sorte, não precisei dizer nada. O homem deu uma olhada de volta para o corredor e disse: 
 
– Philip estava certo... 
 
– Quem? – perguntei, ainda olhando a chuva que caia lá fora. 
 
– Ah, Philip, é Aquele cara de óculos que você conversou antes, ele é um cara inteligente, mas 
um pouco estranho também. – Ele disse com um sorriso sem graça. – Mas ele é um bom 
homem e pelo que disseram é um advogado de sucesso aqui na cidade. Ele acredita em você, 
eu acho... Ele havia elaborado teorias parecidas com a que você contou, e acertou na mosca... 
– Ele me olhou como que para ter certeza de que eu estava prestando atenção, depois 
completou. – Ele disse que as pessoas iriam ficar assustadas e se recusariam a acreditar... 
 
– Acho que isso é normal, não é? – Perguntei. Porém dessa vez me virei e fitei o corredor ao 
seu lado. 
 
– Acho que sim... – Ele pensou por alguns segundos e continuou. – Ele disse também que se 
isso acontecesse à situação ficaria critica, algumas pessoas se sentiriam seguras aqui dentro 
e outras lá fora, e eu concordo com ele, nesse momento a união faz a força... 
 
Eu não disse nada. 
 
– Bom, acho que devo ver se eles não precisam de nada... – Ele disse. – Ter uma ocupação 
deve me ajudar a manter a cabeça longe dessas coisas estranhas... 
 
Sem nem mesmo esperar, ele deu um passo a frente e sumiu por entre os corredores. Eu 
voltei­me para a vitrine e observei o seu lá fora. 
 
Era tudo muito estressante. Sei que as últimas linhas que você leu estão um pouco confusas, 
mas era exatamente assim que eu me sentia naquele momento, sei lá, mas parecia que 
havíamos chegado a um momento crucial e as coisas estavam acontecendo muito rápido. A 
nostalgia enchia o meu peito, na minha cabeça eu sentia falta de coisas que, talvez, nunca mais 
teria. 
 
Lá fora, os aliens se moviam lentamente por entre as sombras, cada vez mais perto. Todas as 
vezes que eu pousava os olhos sobre um em particular eles pareciam se esconder, é como se 
não quisessem ser observados. Apesar deles estarem ali, do outro lado do vidro, eu não sentia 
medo deles. Para falar a verdade, acho que me sentia bastante surpreso. 
 
Imaginei onde a Dêh e o Jimmy devia estar nesse momento, isso meio que não saia da minha 
cabeça. Então me lembrei que havia duas garotas que contavam comigo, e que nas ultimas 
horas eu não havia conseguido dar a devida atenção a elas como eu gostaria. Se isso tudo era 
muito novo para mim, elas não estavam a salvo. 
 
Eu não sei bem o que eu teria feito em seguida. Mas o que aconteceu não era nem mesmo 
uma possibilidade. 
 
Começou com um zumbido irritante, depois ele foi ficando mais alto até se tornar quase 
insuportável. No inicio eu achei que o som estivesse vindo de dentro do supermercado, mas 
depois pude perceber que vinha lá de fora, do outro lado do vidro. Era difícil distinguir algo as 
coisas lá fora, o céu estava escuro, chovia forte e o som não estava só mais forte como estava 
mais próximo também. 
 
Pude ouvir pessoas atrás de mim, devia ser o pessoal que resolveu investigar também, mas 
isso eu nunca vou saber por que eu tentava olhar através do vidro. Aproximei o rosto do vidro a 
ponto do meu nariz tocá­lo. 
 
Foi quando aconteceu... 
 
Na verdade demorou alguns segundos, então algo se chocou contra o vidro bem onde eu 
estava. Naturalmente e pulei de susto e retrocedi alguns passos, olhei atentamente o que 
estava pousado no vidro. 
 
Eu nunca tinha visto aquilo ­ o que na atual situação não poderia ser bom – era uma criatura 
estranha, pequena e com asas. Lembrava algum tipo de inseto, porém comparado com os 
insetos desse planeta esse era em tamanho extra­grande. Seu corpo parecia ser feito de um 
material duro e resistente, com um tom pastel. O que não o deixava nenhum pouco mais 
atraente. 
 
– Mas que merda é isso? – Comecei a resmungar. 
 
Logo outros apareceram e resolveram seguir o exemplo do primeiro, pousando por toda a 
extensão do vidro. Eles pareciam sair da escuridão e mais do que de repente havia dezenas 
deles. Elas batiam com pequenas patas na superfície do vidro como se procurassem uma 
maneira de entrar. 
 
O pessoal começou a se agrupar ao meu lado, olhando com espanto e sem reação o que 
começava a acontecer do outro lado do vidro. Senti alguém me puxar pela camiseta, era a 
Rafaela, ela estava ao colo da Mary Ann. Um estalo percorreu pela minha espinha, algo me dizia 
que algo ruim estava prestes a acontecer – Dã! Talvez os aliens grudados na vitrine, querendo 
entrar, me dessem alguma pista ­ e tê­las ao meu lado me deixava alerta. 
 
Eu havia prometido que não iria perder mais ninguém. 
 
Eu me virei, e vi todos os meus companheiros ali, sem reação. Afinal esse era o primeiro 
contato que eles estavam tendo com os inimigos. 
 
– Hey! O que vocês estão fazendo aqui? – Perguntei exasperado. – Voltem para os corredores, 
é perigoso aqui! 
 
Então uma das vitrines – uma que estava há alguns metros de mim – estourou. 
 
A coisa toda ficou muito confusa. 
 
As pessoas gritavam. 
 
Corriam. 
 
Eu balbuciava ordens que eu nem mesmo sabia de onde viam, era como se o meu cérebro 
estivesse no automático. 
 
Mas eu não conseguia tirar os olhos das meninas, na verdade, é como se nada do que estava 
acontecendo ao meu redor importasse. Eu só queria mantê­las seguras. 
 
– Mary Ann! – Chamei, ela me olhou. Então eu pude ver a quão assustada ela estava. – Vá com 
a Rafaela para os corredores e procure um lugar seguro. 
 
Ela assentiu e depois correu desajeitada com a Rafaela no colo em direção aos corredores. 
Porém eu não me senti nem um pouco mais aliviado, resolvi voltar a minha atenção ao que 
acontecia ao meu redor. Nesse exato momento outra vitrine explodiu, e mais um par de aliens 
entrou, e mais dezenas de outros tentavam de toda maneira entrar também. 
 
O que nós poderíamos fazer? 
 
Eu gostaria de correr, ajudar, sei lá, mas aquela corte na minha coxa não me deixava dar um 
passo sequer. Os aliens que entravam voavam baixo, e havia em torno de seis deles dentro do 
supermercado e como eu já disse antes mais um montão deles querendo entrar também. 
 
– Os corredores!Voltem para os corredores! – Gritei, e dessa vez eles parecem compreender 
que eu falava sério e resolveram obedecer. 
 
Eu quanto eu tentava – sem sucesso – correr de volta para os corredores me deparei com o Sr. 
Hugh, que estava atônico em frente às vitrines. Ele olhava para tudo e ao mesmo para nada. 
 
– Sr. Hugh! Vamos lá! Não me deixe... – Ele não olhou para mim. Eu tive que gritar o seu nome 
várias vezes para ganhar a sua atenção, e quando eu a tive era como se ele nem estive ali. Era 
como se eu estive falando com uma pintura, sem emoção alguma. ­ Cara, você tem que me 
ajudar... Eu não posso fazer isso sozinho. 
 
Honestamente eu não tinha idéia do que dizer. Na verdades, acho que eu não saberia palavras 
certas para aquele momento nem mesmo que elas estivessem na ponta da minha língua. 
 
Então um grito percorreu os corredores. 
 
Eu soube – quase antes de acontecer – que era a Mary Ann. 
 
Ela estava em perigo. 
 
Nesse momento eu sentia um medo inexplicável, um medo que eu não sabia ser possível 
existir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Estou sem palavras... 
 
É difícil descrever o que se passava na minha cabeça durante aquilo tudo. 
 
Sabe quando você sonha? Tem aquele momento, logo depois que você acorda, onde você 
lembra o que sonhou como se acabasse de ter vivenciado tudo, então, dez minutos depois tudo 
o que resta é um monte de lembranças borradas que não fazem o mínimo sentido... 
 
Essas lembranças borradas são tudo que eu tenho... 
 
Eu estava aterrorizado! 
 
E eu me sentia culpado, afinal eu deveria ter previsto que aquilo ia acontecer. 
 
Acha que estou errado? Nós estávamos presos em um super mercado, sem proteção ou 
conhecimentos necessários para revidar, cercados por um numero absurdo de alienígenas. Eu 
devia ter sacado a situação toda assim que eles começaram a se aglomerar no 
estacionamento. 
 
Mas não... Eu tinha que tentar bancar o importante, o salvador. Quis mostrar a todos que eu 
tinha o controle da situação... Então – mais uma vez – a vida me nocauteou... 
 
E agora eu caio pensando que não voltarei para o próximo round. 
 
Honestamente eu queria ficar ali, parado, esperando pelo pior. Eu já estava cansado disso tudo. 
Mas como a minha vontade é sempre ignorada eu tive que agir. 
 
Afinal de contas eu tinha certeza que o grito era da Mary Ann. 
 
E apesar de eu não ligar muito para o que acontecesse comigo, as meninas eram outro 
departamento. Tem toda aquela baboseira sobre eu ter arrastado as duas para essa comigo, a 
promessa a avó da Mary Ann e coisa e tal. 
 
Infelizmente eu ligava – e muito – para essa baboseira. 
 
Hoje, eu acho que me preocupava tanto assim por que era a única coisa que me fazia eu me 
sentir eu mesmo. Funcionava como uma ancora, que me mantinha preso a realidade e ao 
passado. 
 
Vai saber... 
 
A boa noticia – uma salva de palmas para o destino – foi que o senhor Hugh pareceu despertar 
e se a situação fosse outra a sua reação teria sido engraçada. Do nada ele ficou com um olhar 
louco na cara, a sua respiração ficou ofegante como se tivesse acabado de sair de dentro de 
uma piscina. 
 
– Hugh, as meninas... – Eu disse em um tom bastante sério. Minha mente voava longe dali, 
aquelas três palavras foi tudo que eu consegui processar para falar. 
 
Por sorte ele pareceu entender. Ele acenou com a cabeça, segurou firme a sua pá e correu em 
direção aos corredores. 
 
Claro que eu gostaria de fazer o mesmo, até tentei. Mas a minha coxa doeu novamente e eu 
tive que me contentar com aquela “Marcha Manca” novamente. 
 
Agora eu preciso de um tempo, quero que vocês entendam como estava a situação dentro do 
supermercado, acho que para isso eu vou ter que usar o máximo da minha imaginação. 
 
Três das vitrines já estavam em migalhas no chão e não demoraria muito para as restantes 
tomarem o mesmo destino. Esses insetos, aliens ou o que quer que fossem, voavam de um 
lado para o outro. Eles eram muitos, mais de vinte e o numero continuava aumentando. 
 
Enquanto eu atravessava os caixas do supermercado, em direção aos corredores, me ocorreu 
que era uma questão de tempo até que os outros aliens se juntassem a festa, afinal eles 
estavam bem ali, no estacionamento. O pior é que se eu tivesse parado para pensar, eu teria 
notado que era tudo muito estranho, o jeito que eles estavam nos atacando, era quase como se 
eles fossem organizados. 
 
Mas eu não parei para pensar, adicione mais essa a minha lista de mancadas. 
 
Eu estava quase na metade do corredor quando um dos insetos passou voando ao lado do meu 
ouvido. Naturalmente eu me assustei, para melhorar o chão naquela parte do supermercado 
estava molhado e escorregadio, não estrago a surpresa em contar que assim que ele passou 
por mim eu escorrei a cai no chão. 
 
Eu cai sentado, como quando agente é criança e corre dentro do banheiro, é inevitável, quando 
eu vi já estava no chão. Agora além de um grande corte na perna, a minha bunda estava 
doendo pela pancada no chão e as minhas mãos molhadas por algo que ­ a julgar pelo cheiro ­ 
não era água. Eu tentei me segurar em uma das prateleiras antes de cair, mas isso só deixou a 
coisa toda ainda mais ridícula. 
 
Essa era o tipo de situação que tira a gente do sério. 
 
Aquele carinha de cabelos escuros passou correndo pelo mesmo corredor que eu. Eu já sabia 
que ele não ia muito com a minha cara, mas mesmo assim eu fiquei louco quando percebi que 
ele não tinha nem mesmo a intenção de me ajudar. Ele só passou correndo por mim, deu uma 
escorregada, quase caiu, e continuou rumo aos fundos do supermercado. 
 
Quando eu fiquei em pé, ouvi mais uma vez o som das vitrines virando migalhas, isso me 
motivou a caminhar mais rápido. Quando eu entrei no corredor das rações – que era onde 
agente havia se agrupado – a coisa estava séria. O Sr. Hugh agitava a sua pá no ar, como um 
fazendeiro maluco, e a Mary Ann estava ao seu lado ajudando­o a espantar os insetos com... 
Uma frigideira? 
 
Ok, eu vou ignorar a total estranhice dessa cena e continuar contando o que aconteceu... 
 
Atrás deles, estavam aquelas mulheres de antes, o funcionário do supermercado e aquele 
senhor de pele morena, que só para constar estava deitado no chão com os olhos fechados. Na 
hora não passou na minha cabeça onde estava a Yolanda, Philip, ou até mesmo o jovem de 
cabelos escuros, nem mesmo o porquê da Mary Ann estar sangrando no ombro ou onde diabos 
estava a Rafaela... O que ocupou os meus pensamentos foi por que aquelas criaturas não nos 
atacavam. 
 
Ok, eu devo explicar melhor. Elas estavam nos atacando, mas era como se não fosse sério. 
Quero dizer, algo me dizia que elas tinham força suficiente para acabar com a gente, mas era 
como se eles só quisessem nos distrair. Antes mesmo no corredor, eu só vi aquela coisa 
quando ela passou voando ao lado do meu ouvido. O que eu quero dizer é que eles tinham 
força e oportunidades de sobra para nos atacar, só que não o faziam. 
 
Esses pensamentos me ajudaram a ficar mais calmo, só a hipótese deles não estarem nos 
atacando para valer era suficiente para mim. Eu passei os olhos pela cena uma três vezes 
antes de notar onde estava a Rafaela, ou melhor, onde ela não estava. 
 
– Mary Ann, cadê a Rafaela? 
 
Ela ainda achou tempo para acertar uma daquelas criaturas voadoras com a frigideira antes de 
me responder. 
 
– Eu não sei... Aconteceu muito rápido, quando eu me dei por conta... 
 
Eu nem esperei ela terminar, me agachei no chão e olhei por baixo das prateleiras. Algo me 
dizia que eu iria precisar da minha arma. Ao invés de achá­la, o que eu pude ver por debaixo 
das prateleiras foi o par de pernas pequenas e gordinhas da Rafaela. Ela estava do outro lado 
do corredor. 
 
Mais do que depressa eu fiquei de pé, dei meia volta e corri em direção ao corredor vizinho. 
Quando eu cheguei lá senti um arrependimento profundo por não estar carregando uma arma 
ou qualquer coisa que pudesse ser usada como uma. Acontece que a Rafaela estava parada, 
de costas para mim, no meio do corredor e a sua frente estava uma daquelas terríveis criaturas 
verdes de dois metros de altura. 
 
È só eu? Ou vocês também sentem falta do meu Flamingo? 
 
Eles estavam somente se encarando, como se tentassem decidir quem era o mais estranho 
dos dois, e continuaram nessa por quase cinco segundo, até que eu resolvi falar alguma coisa. 
 
– Mary Ann... Venha aqui... – Eu tomei cuidado para não falar mais alto do que em um sussurro, 
não queria assustar a criatura. Ela não se mexeu, porém a criatura alternou o olhar para mim, 
depois para a Rafaela e de novo para mim. 
 
Então ele atacou. Acho que eu entrei em um modo automático ou algo do tipo, avancei um 
passo à frente, abracei a Rafaela e me joguei de costas no chão, salvando das garras da 
criatura por centímetros. No chão, tentei usar os impulsos das pernas para nos afastar para 
longe da criatura, enquanto gritava por ajuda. Se é que é possível, a expressão do monstro 
mudou, era como se agora ele estivesse bravo para valer... 
 
O que não é muito bom para mim. Deitado, desarmado e com uma criança entre os braços... 
Não era bem assim que eu gostaria de enfrentar uma criatura dessas. 
 
Então com um só passo largo a criatura estava sobre nós, escorou um dos seus braços ao 
lado da minha cabeça e foi chegando mais perto. Era como se ela curtisse a idéia de encurralar 
a sua presa. Ele já estava a um palmo do meu rosto quando a coisa ficou mais estranha e 
assustador. 
 
Ele não tinha boca, ao invés disso uma linha vertical começou a se abrir, começando onde 
deveria estar à boca e terminando na metade do pescoço. O que apareceu ali era nojento, tinha 
dentes em formatos estranhos, tentáculos e coisas que eu não sei como descrever, porém 
apesar de esquisito não deixavam de ser assustadore. 
 
Eu apertei a Rafaela com força, não iria deixar nenhum mal acontecer a ela. Mas eu sabia que a 
criatura iria me atacar. Então mesmo ignorando uma possível dilaceração por parte da minha 
mão, eu tentei um murro na cara do ET. E se houvesse algo mais estranho do que a boca 
daquela criatura, só poderia ser o que aconteceu a seguir. 
 
Assim que a minha mão tocou no rosto da criatura, ela recuou rapidamente para longe, o seu 
rosto estava queimado, onde antes eu havia tocado, agora saia uma fumaça fraca. Da mesma 
forma quando você pega um marcador de gado quente e mergulha em água fria. 
 
Você deve estar se perguntando... Que diabos? Pois é, foi exatamente isso que passou pela a 
minha cabeça. 
 
A criatura logo restaurou a sua compostura, seus olhos negros me fitaram com seriedade, da 
sua garganta escapou um pequeno gemido, porém era um gemido de raiva. 
 
Ele se moveu naquela velocidade incrível que eu já conhecia. Segurei a Rafaela com força e 
coloquei o meu corpo na frente para protegê­la. Fechei os olhos e esperei. 
 
Então um barulho alto ribombou no corredor, como um grande rojão do dia de ações de graça. 
Olhei para a criatura a tempo de vê­la cair de joelhos, com os mesmos olhos negros, só que 
dessa vez eles não olhavam para nada. 
 
Atrás dele, apontando um revolver, estava Yolanda. 
 
– Vo­Você está bem, jovem? 
 
Eu demorei um pouco para responder, estava tentando absorver o que tinha acabado de 
acontecer. 
 
– Sim... Sim... Graças a você vovó! 
 
Estava explicado o porque de eu não ter achado o revolver. 
 
Então eu ouvi outro barulho dessa vez dos corredores atrás de mim. O Sr. Philip espantava as 
criaturas com um extintor de incêndio. Surpreendentemente parecia estar dando certo, o Sr. 
Hugh vinha logo atrás tentando acertar os que não eram atingidos pelo pó do extintor. 
 
Depois a Mary Ann dobrou o corredor em direção a mim e a Rafaela. 
 
– Vocês estão bem? Eddy? Rafa? 
 
Eu acenei com a cabeça. Soltei um poucos os braços que seguravam a Rafaela. 
 
– Você está bem? – Perguntei. 
 
Ela não disse nada, só aproximou o rosto do meu peito e ficou em silêncio. 
 
Mary Ann ficou olhando para nós dois com os olhos cheios de lagrima, mas nenhuma delas foi 
derramada. Quando ela percebeu que eu estava olhando ela limpou o rosto com a manha do 
casaco. 
 
Nós ficamos em silêncio, ouvindo atentamente o som do extintor de incêndio que vinha do outro 
lado do supermercado. Ao que parecia nenhuma outra criatura havia se atrevido a entrar. 
 
– E agora essa? – Suspirou a Yolanda. Ela parecia bastante calma, mas olhava com um tanto 
de medo para a criatura no chão. – Ela está morta? 
 
– Eu espero que sim... – Eu não podia ter certeza, mas não parecia haver vida alguma naquela 
criatura. 
 
–Eu vou ver como os outros estão... – Ela disse, cruzou com cuidado a criatura jogada no chão, 
e foi em direção ao corredor vizinho. 
 
– E você está bem? – perguntei à Mary Ann. 
 
– Sim... – Ela respondeu. 
 
– Ótimo! Ótimo! – falei. ­ E como você ganhou esse corte no ombro? 
 
– Hum... Bom, quando aquelas coisas voadoras invadiram o supermercado, elas meio que 
derrubaram uma prateleira em cima de mim... tinha um vaso de vidro... 
 
– Nós temos que dar um jeito nisso, certo? Quando a Yolanda voltar a gente vê o que podemos 
fazer. 
 
Ela concordou, mas eu estava preocupado, ela parecia meio em choque. Não posso culpá­la é 
muita coisa para um dia. 
 
Eu levantei, ainda com a Rafaela no colo e caminhei ao lado da Mary Ann de volta para o 
corredor das rações. Quando chegamos lá, as mulheres estavam todas amontoadas em torno 
aquele senhor de pele morena. O jovem funcionário estava aplicando as técnicas de primeiros 
socorros no senhor. 
 
– O que está acontecendo com ele? Ele está bem? – Mary Ann perguntou. 
 
O jovem continuava a aplicar os primeiros socorros e não se deu ao trabalho de responder. 
Então uma das mulheres, a mais jovem, ficou de pé. 
 
– Acho que ele teve um ataque cardíaco... 
 
Ninguém disse nada. Então depois de alguns minutos o senhor abriu os olhos. O jovem 
funcionário de um sorriso exasperado. Ninguém mais sorriu, até mesmo por que a situação já 
estava bastante complicada, porém foi possível sentir o ambiente ficando mais leve. 
 
O velho continuou deitado, respirando devagar e com dificuldade, mas por agora, ele estava 
vivo. 
 
Yolanda entrou no corredor acompanhada pelo Sr. Hugh e o Sr. Philips. Todos os olhos se 
voltaram para os três. 
 
– Nós levamos todos para fora. – começou o Sr. Philips. ­ O estacionamento está limpo, eles 
sumiram... – Ele disse essa ultima frase com uma incerteza enorme na voz, como se tivesse 
medo de dar falsas esperanças as pessoas lá de dentro. 
 
– Eles todos desapareceram? – perguntou a mulher loira. 
 
Dessa vez quem respondeu foi o Sr. Hugh. 
 
– Provavelmente eles se esconderam... Nós não sabemos por quê. Mas ao que parece nós 
estamos a salvo. 
 
Todos trocaram um olhar desconfiado. Sei lá, parecia muito fácil. 
 
– Ok, tirando o senhor “ataque cardíaco”, todos estão bem? – Eu disse. Acho o jovem 
funcionário não gostou muito do jeito que eu chamei o cara, mas eu não sabia o nome dele e 
outra que fiquei tão feliz por todos estarem bem que nem liguei. 
 
Quinze minutos depois eu estava parado ao lado do Sr. Hugh, do Sr. Philip, Mary Ann, o 
funcionário e o “franguinho” dos cabelos escuros. Quer saber o porquê do franguinho? Quando 
as criaturas atacaram e ele passou correndo por mim no corredor. Ele foi na verdade se 
esconder nos fundos do supermercados. 
 
O Sr. Hugh, assim como a Mary Ann não pouparam xingamentos para ele, afinal todos estavam 
ajudando uns aos outros para continuarem vivos que o que ele fez era quase inaceitável. Eu até 
queria falar alguma coisa, mas os dois estavam indo tão bem que achei melhor deixar para 
depois. 
 
Nós havíamos ido até o estacionamento, para ter certeza de que estava tudo seguro. E estava, 
se eu não o tivesse visto antes, nunca diria que alguns minutos atrás tinha um exercito de 
alienígenas bem ali. 
 
– Nós temos que fechar essas vitrines, é perigoso demais continuar com isso aberto... – Disse 
o Sr, Philip. – Não acho que esse supermercado seja seguro, mas precisamos de tempo para 
que possamos decidir o que fazer. 
 
Nós todos concordamos. 
 
– Acho que tem algumas coisas no fundo do supermercado que podemos usar. – Disse o Sr. 
Hugh, em seguida caminhou para dentro do mercado, seguido de perto pela Mary Ann (ela 
insistiu bastante em ajudar, por isso deixamos a Rafaela com a Yolanda) e pelo funcionário. 
Que na verdade se chamava Billy. Só para você saber... 
 
– Então você vai ficar ou vai ajudar, franguinho? – Mary Ann falou para o jovem, que eu ainda 
não sabia o nome, e para ser sincero nem me interessava em saber. O jovem não disse nada, 
só baixou cabeça e seguiu os outros três. 
 
Era meio bonito ver a atitude da Mary Ann, ela parecia bem abalada um tempo atrás, mas acho 
que ela estava lindando bem com a situação. 
 
Logo os três já haviam sumido supermercado adentro, deixando eu e o Philip sozinhos. A chuva 
caia mais forte do que nunca lá fora. 
 
– Tem alguma idéia do por que eles terem desaparecido? – Philip perguntou. 
 
– Não. 
 
– Entendo. Esse lugar não é seguro. Você estava certo antes, nós devíamos ter saído daqui a 
muito tempo. – Ele me encarou através das lentes dos óculos, sua expressão era grave. 
 
– Na verdade acho que não teria funcionado. Aconteceu muito rápido, mas acho que esse lugar 
já não é mais seguro. Devemos sair daqui... 
 
– Concordo. 
 
Ficamos alguns segundos olhando a chuva cair. 
 
– Quer ouvir algo estranho? – Eu perguntei. 
 
Ele me olhou surpreso, abriu os braços. 
 
– Se você tiver algo mais estranho do que tudo isso que está acontecendo... Por favor me conte 
logo. ­ Ele tentou parecer descontraído, mas era possível ver através dos seus olhos como ele 
estava cansado. 
 
Eu dei uma risada e logo depois me senti mal por fazê­lo, não parecia ser a hora nem o lugar 
para se fazer aquilo. 
 
– Quando eu estava no corredor, tentando tirar a Rafaela de lá... Eu ia ser atacado. – Eu olhei 
para ele, para ter certeza de que ele estava prestando a atenção. – Quando eu toquei no rosto 
da criatura, ele... Queimou. 
 
Ele franziu o cenho. 
 
– Você o queimou? Como? 
 
– Não sei. Foi como se... 
 
Então caiu a ficha. Eu suspirei e entrei de volta para o supermercado. Philip veio atrás de mim, 
perguntando se estava tudo bem. Claro que estava, eu só não respondi por que estava ocupado 
demais tentando entender. 
 
– Aqui! – Eu disse apontando para a poça de água do corredor em que eu havia caído. – Nós 
precisamos descobrir o que é isso. Minhas mãos estavam molhadas com isso... E depois 
quando eu toquei na criatura... Você acha que tem alguma conexão? 
 
– Não sei... Talvez, quero dizer, é possível. – Ele disse, depois caminhou devagar pelo corredor. 
Em um dos extremos do corredor havia um galão d’água despedaçado e ao seu lado um 
grande saco de um agrotóxico desconhecido. 
 
Para aqueles que não sabem – como eu – esses agrotóxicos são bastante comuns em 
mercados desse lado do país. Eles combatem às pragas das plantações e como grande parte 
da economia das cidades são frutos da agricultura. Não era surpresa encontrá­los em qualquer 
loja de conveniência. 
 
– Isso é Bathan... – ele disse 
 
– O que? 
 
– É um pesticida, ele foi banido em algumas partes do país por conter uma grande 
concentração de metamidofós... É bastante raro ainda venderem esse tipo por aqui. 
 
– Ok, claro. Metamidofós. – Eu disse, tentando captar o que ele dizia. Você acha que foi isso 
que causou a queimadura naquela criatura? 
 
– Não tem como nós termos certeza. Mas é obvio que ela se misturou com a água, é possível 
que as substâncias tenham ficado em suas mãos... E, bem, o resto a gente já sabe. 
 
Nós ficamos em silêncio, cada elaborando as suas próprias teorias. 
 
– Como você sabe sobre isso? Os pesticidas e os metam... 
 
– Metamidofós! – ele disse se levantando com um sorriso no rosto. Meus pais possuíam uma 
fazenda quando eu era novo, cresci rodeado pelo campo e pesticidas. Algumas semanas atrás 
eu li na internet que ela estava para ser suspensa. 
 
– Ele é utilizado para combater que tipo de praga? – perguntei. 
 
– Muitos tipos na verdade... ela é bastante indicada para o controle de insetos, besouros, 
pulgas, minhocas, lagartas e muitos outros, por que? 
 
– Não sei ao certo, algo está errado... 
 
– Jovem, tudo está errado. Nada disso era para estar acontecendo. 
 
– Não, não é disso que eu estou falando. Porque os aliens desistiram de nos atacar? 
 
– Não sei... Talvez tenham ficado assustados, talvez o pesticida tenha os afugentado. É 
impossível saber. 
 
– O senhor não acha estranho como eles desapareceram tão rápido? Eles não pareciam com 
medo, era mais como se soubessem que algo pior estava vindo... 
 
Ele me olhou com curiosidade. 
 
– Na verdade, agora que você tocou no assunto, eu achei um tanto quanto fácil levá­los para a 
rua. Na hora eu achei que eles tinham alguma fraqueza com o pó do extintor. Mas a sua idéia 
parece fazer mais sentido. 
 
Ele deu meia volta e foi até as vitrines, lá ele fitou ao céu chuvoso. 
 
– Eles realmente deixaram o supermercado muito rápido. E pensando bem, pareciam bem 
assustados. Mas se não era o pesticida, o extintor de incêndio, o que seria? 
 
Nada me ocorreu. Era difícil pensar em algo que colocasse medo naquelas criaturas. Sei lá 
acho que a única coisa capaz de fazer algo assim seria um aliens maior e mais forte... Mas 
isso seria ridículo... 
 
– Não adianta nós perdemos tempo com isso agora. – o Sr. Philip se voltou para mim. – Vamos 
tirar essa gente daqui, depois... 
 
Nisso um vulto enorme veio do céu, agarrou o Sr. Philip pela cintura e voltou para cima, 
lavando­o junto. Não teve barulho, não teve um grito, algo simplesmente foi ali e o pegou. 
 
Eu fiquei paralisado. 
 
Afinal a minha teoria não era tão ridícula. De fato, havia algo mais poderoso e sinistro lá fora, 
algo que definitivamente não era desse planeta. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eu estava digamos... Perplexo. 
 
É! Essa é a palavra certa. 
 
Eu não tinha a mínima idéia do que estava acontecendo agora, não que antes fosse diferente, 
pelo contrário. Mas agora eu não sabia o que pensar, fazer... Só fiquei lá, parado. 
 
O que diabos estava lá fora? 
 
Por longos segundos eu fiquei só ouvindo o som da chuva cair. Era como se pedras de 
concreto estivessem amarradas as minhas pernas, eu não conseguia sair do lugar. Então eu 
tive aquele pensamento, um pensamento que eu vinha tentando ignorar desde que tudo 
começou. 
 
Talvez não tenha saída... 
 
Eu sei que não é legal e eu até vinha tentando acreditar em algo diferente, de verdade, mas a 
realidade era que o mundo estava desmoronando bem na frente dos meus olhos e a situação 
não parecia melhorar. Sei lá, mas eu achava que se nós agüentássemos firmes por algum 
tempo as coisas iriam se resolverem. 
 
Um belo tapa na cara, hein? 
 
Parte de mim queria ir até lá, sabe? Vai ver eu estava delirando, a mente pode pregar peças 
quando estressada não é? E se não fosse fruto da minha imaginação, bem... Dane­se. Ai o que 
for que esteja lá fora pode colocar fim a essa loucura toda. 
 
Por outro lado, algo bem lá no fundo gritava para que eu avisasse os outros e começasse a 
pensar e uma maneira de sair de lá. É difícil aceitar a derrota e eu ainda não estava pronto para 
isso. Talvez seja instinto, amor próprio, estupidez, eu não sei... 
 
Mas eu vou fazer algo, não sei bem o quê, mas eu vou. 
 
– Eddy? – Era Mary Ann que saia dos corredores. – Eu tenho boas noticias, acho... 
 
Ela parou de falar. Ela devia ter notado que algo não estava certo, talvez a minha cara de 
maníaco olhando para a vitrine tenha dado alguma pista. Ela se aproximou com cautela e falou 
baixinho, quase em um sussurro. Me perguntei se isso faria alguma diferença. 
 
– Eddy, alguma coisa errada? – Ela examinou a cena ao meu redor. ­ Onde está o Sr. Philips? 
 
Eu ignorei a pergunta, respirei fundo e tentei me concentrar. Mary Ann não pareceu gostar da 
minha atitude e repetiu a pergunta, dessa vez quase gritando. 
 
– Eddy?! O que está acontecendo?! 
 
– Eu não sei! – Respondi, confesso que saiu mais alto do que eu esperava. Nesse momento eu 
percebi como eu estava nervoso. – Alguma coisa pegou o Sr. Philips, eu não sei o que é, mas 
sei que é grande. Nós seremos presas fáceis aqui, então vamos reunir todo mundo e dar no pé 
daqui! 
 
Ela não disse nada, ficou com uma expressão vazia, provavelmente tentando captar tudo que 
eu havia dito. 
 
Nós demos meia volta para dentro dos corredores, quando estávamos mais ou menos na 
metade encontramos o Sr. Hugh, que trazia um grande quadro de anúncios embaixo do braço e 
um sorriso no rosto. 
 
– Crianças, acho que encontrei algo bastante útil. – Ele disse sacudindo o quadro. 
 
– Esqueça, nós temos que deixar o supermercado... – Eu disse logo de uma vez, e não parei 
para esperar por perguntas, continuei caminhando. 
 
– Como assim? O que está acontecendo? E onde está o Sr. Philips? 
 
– Eu não sei... Mas nós estamos em perigo. 
 
Depois dessa excelente explicação, eu apertei o passo em direção ao corredor das rações. 
 
Logo que eu entrei, todos os olhos se voltaram para mim. É meio incrível como as pessoas se 
tornam perceptivas em situações de perigo. Assim que eles notaram a minha expressão o 
clima mudou. Todos ficaram sérios esperando por uma noticia ruim. 
 
Sabe o que era realmente ruim? É que eu não sabia nem o nome da maioria daquelas pessoas. 
Nós éramos quase quinze pessoas, e eu havia conversado com quantas? Quatro? Era 
bastante desconfortável, chegar ali e dar uma noticia como essa para um bando de pessoas 
que eu não tinha o mínimo de intimidade. 
 
A Yolanda, que carregava a Rafaela no colo, foi a primeira a perguntar: 
 
– Qual é o problema Eddy? 
 
– O Sr. Philips foi atacado. – Achei melhor já ir largando a bomba, mentir não ajudaria em nada. 
 
– Atacado pelo quê? – Uma das mulheres perguntou, a loira. 
 
– Eu não tenho a mínima idéia... – Expliquei com calma, para evitar qualquer pergunta futura, eu 
não sabia nem o que pensar direito, imagina o quê dizer para eles. Resolvi ignorar os olhares 
incrédulos e tomar uma atitude. 
 
– É muito perigoso ficarmos aqui... Acho que seria melhor nós procurarmos outro lugar para 
nos escondermos... 
 
Ninguém disse nada, cheguei a pensar que ninguém diria. 
 
– Alguém discorda? – Yolanda perguntou. 
 
Ninguém disse nada. O “franginho” até parecia relutante em discordar, mas escolheu ficar 
calado. Foi uma escolha sábia, pois eu estou começando a perder a paciência com esse tipo 
de atitude. 
 
Eu fiquei feliz de finalmente todos estarem concordando, e juntos, tomarmos uma decisão. Na 
minha cabeça seria como em um filme. Sabe aquele momento em que todos levantam em um 
só pulo, esquecem suas adversidades e trabalham em conjunto? Então nós caminharíamos 
lado a lado para longe daquele inferno e no fim tudo daria certo, afinal a união superaria qualquer 
coisa. 
 
Quem eu estou enganando? Acho que pelo que você já leu até agora, você sabe que isso seria 
impossível de acontecer. 
 
O que aconteceu na realidade foram dez segundos de um silêncio desconfortável, onde todos 
olhavam uns para os outros com uma expressão tensa no rosto. Até que a Mary Ann resolveu 
fazer a pergunta que estava no ar. 
 
– Então... O que devemos fazer agora? 
 
Os olhos se voltaram para mim novamente. E eu devo confessar que fiquei um pouco surpreso 
com isso. 
 
Isso me fez perceber que precisaríamos de um bom plano, sair correndo feitos loucos como 
das ultimas vezes não parecia ser a melhor opção, ou seria? Bem, nós teríamos que fazer algo 
mais elaborado, afinal nós estamos em grande número, qualquer erro seria fatal. Correr feito 
louco poderia ser o plano “B”. 
 
Era uma sacanagem o destino fazer com que essas pessoas depositassem suas ultimas 
esperanças em mim. Um cara que não vinha fazendo nada a não ser fugir do perigo, um cara 
que não conseguiu nem mesmo cuidar de seus amigos, um cara que com toda certeza deveria 
parar de falar de si mesmo em terceira pessoa. É ridículo! 
 
Desculpe, eu não vou fazer Isso novamente. 
 
Mas acho que eu não estou em posição de reclamar, afinal de contas, deixar o supermercado 
foi minha idéia. Gostando ou não, era a minha vez de jogar. 
 
– Obviamente não podemos sair pela porta da frente... – Eu comecei. – Temos que encontrar 
outra maneira de sair daqui sem chamar muita atenção. Não sabemos o que pode estar lá fora. 
 
Olhei em volta em busca de inspiração. Até que eu avistei o Billy sentado no chão. 
 
– Billy, você trabalha aqui! ­ Eu disse, e algumas idéias começavam a se formar na minha 
cabeça. O Billy era atendente do supermercado, lembra? Se alguém aqui era capaz de saber 
como sair do supermercado da maneira mais furtiva o possível, seria ele, não seria? – Existe 
alguma outra saída? Uma que não nos leve de volta para o estacionamento? – Completei. 
 
A sua reação foi engraçada. Primeiro ele ficou vermelho quando eu disse o seu nome, depois 
seu rosto ficou confuso, como se estivesse resolvendo uma equação de matemática 
extremamente difícil. 
 
– Sim, no depósito. Tem uma porta de serviços, por onde recebíamos os produtos... Ela leva 
para um pequeno beco na rua detrás... 
 
Tentei analisar a situação, mas era claro que não conseguiríamos algo muito melhor que isso. 
 
– Ok! Podemos começar com isso. Saímos pelos fundos e depois? Pra onde nós vamos? 
 
Ninguém disse nada, só olharam uns para os outros. 
 
– Ótimo, por que eu precisaria de ajuda? – pensei. 
 
– Olha pessoal, não sei vocês se lembram, mas eu não sou dessa cidade. Eu não tenho idéia 
de onde estamos ou o que tem ao nosso redor... Eu vou precisar de ajuda! 
 
Yolanda se aproximou do meio do corredor. 
 
– Bem na outra quadra há um banco, não há? – Ela perguntou. 
 
– Sim! – Disse o “franguinho” e pelo seu entusiasmo ele queria dizer alguma coisa à bastante 
tempo. – O banco! O prédio é enorme, com grossas paredes de concreto, estaríamos super 
seguros lá dentro... 
 
De repente todos pareciam revigorados, como se a nossa luz no fim do túnel finalmente 
estivesse se aproximando. Muitos abriram um sorriso, que mesmo que cansado, parecia 
verdadeiro. 
 
Eu fiquei feliz com aquilo, e admito que me senti mais motivado também, o problema era que 
cada passo em direção a nossa segurança, eu me sentia como se estivesse me distanciando 
cada vez mais da Dêh, do Jimmy e da minha mãe. 
 
Mas eu não podia deixar essas pessoas, não agora. 
 
– Ok! Muito bom. – Eu olhei no relógio, já se passavam das 4hrs da tarde. – Nós partimos em 
dez minutos. Nesse meio tempo peguem o máximo de suprimentos que puderem carregar, 
tudo que podemos precisar, principalmente comida. Não sabemos quanto tempo vamos ficar lá 
dentro do banco. 
 
Todos concordaram. Minutos depois todos vagavam os corredores a procura de coisas úteis e 
suprimentos básicos. O Billy me levou até o deposito para me mostrar a saída, depois voltou 
para dentro do supermercado para ajudar os outros. Eu ainda não podia me mover muito bem, 
a minha perna doía bastante, resolvi descansar. Seria uma desgraça se ela falhasse durante a 
nossa fuga. 
 
Eu não estava sozinho, a Rafaela estava comigo. A Yolanda a deixou comigo e foi ajudar o 
pessoal a separar os suprimentos e impedir que acabassem carregando coisas 
desnecessárias. Nós estávamos sentados em cima de um grande freezer, um ao lado do outro. 
 
Eu sempre me sentia bem ao lado dela. Essa criança tinha algo muito especial, não sei o que 
era, mas me deixava muito tranqüilo. Era como se a vida fosse nada mais, do que uma grande 
comédia, mesmo com tudo demonstrando contrário. Não sei o que eu faria se algo de ruim 
acontecesse a ela e naquele momento prometi a mim mesmo que não permitiria que nada a 
machucasse. 
 
Nós estávamos em silêncio, esperando pelos outros, quando ela começou a me encarar. Era 
sempre muito estranho quando ela fazia isso, ela quase não piscava, era como se ela pudesse 
ver cada pensamento que se passava em minha mente. 
 
– Não se preocupe Rafaela. – Eu disse, depois passei o braço por cima do seu ombro e a 
trouxe mais para perto de mim. – Nós vamos para um lugar mais seguro agora, então vai tudo 
ficar melhor. – Não sei se essas palavras vieram do coração, mas eu realmente gostaria que 
elas se tornassem realidade. 
 
Eu pude ver um pequeno sorriso no seu rosto, até ela desviar o olhar e observar ao nosso 
redor. Quando ela voltou a sua atenção para mim, disse: 
 
– Estou com fome, quando nós vamos comer ? 
 
– É verdade você não come nada desde hoje de manhã, eu estou com fome também, imagina 
você... Vou procurar algo para nós comermos, pode ser? 
 
– Não se preocupe eu trouxe algo para vocês! – Era a Mary Ann que entrava no depósito, ela 
carregava um pacote de bolachas recheadas nas mãos, quando chegou mais perto de onde 
estávamos ela abriu o pacote e o entregou a Rafaela. Que parecia realmente contente por 
poder comer uma bolacha com rosto de um panda. 
 
– Você deveria comer alguma coisa também. – Ela disse. 
 
– Eu não conseguiria... Melhor fazer isso quando sairmos daqui. 
 
Ela concordou. 
 
– E a sua perna? Como está? 
 
Olhei para o curativo e minha perna, a ferida já havia parado de sangrar, porém para evitar 
qualquer problema futuro eu deveria refazer o curativo. A verdade é que ainda doía um pouco, 
mas eu não queria preocupá­la com isso, por isso resolvi mentir. 
 
– Está tudo bem, a Yolanda fez um bom trabalho, nem está doendo mais. 
 
Ela não pareceu acreditar. Para evitar perguntas eu resolvi continuar falando. 
 
– Sabe, acho que eu deveria beliscar alguma coisa, afinal vou precisar de energia para deixar 
esse supermercado. 
 
Ela me entregou a minha mochila, eu a coloquei em cima do balcão e comecei a procurar algo 
que me chamasse à atenção. Assim como nós havíamos combinado, ela havia colocado 
alguns suprimentos em minha mochila também, porém eu não encontrei nada que despertasse 
o meu apetite. Continuei bisbilhotando a mochila, até chegar ao fundo e encontrar o chaveiro do 
carro da mamãe e o diário cor­de­rosa da Dêh. 
 
Cara, aquilo era muito deprimente. Alguns pensamentos vieram à tona, como onde estaria a 
minha mãe, ela estaria bem? E quanto ao Jimmy e a Dêh? No final das contas eu havia sido 
abençoado com um lugar seguro, comida e talvez mais importante, eu não estava sozinho... 
Será que eles teriam tido a mesma sorte que eu? 
 
– Está tudo bem Eddy? – Mary Ann perguntou. 
 
– Sim. Chame o pessoal, já está na hora... 
 
Alguns minutos depois eu estava abrindo uma pequena porta lateral que levava a um beco 
imundo, seguido de perto por um pequeno batalhão de quatorze pessoas. A chuva já havia 
parado e as nuvens negras tinham deixado o céu, que agora estava em um tom alaranjado, já 
que o sol começa o seu percurso para se pôr. Claro que ainda estava tudo molhado, o chão 
estava coberto com várias poças d’água, e o ar estava embalado naquele doce aroma de terra 
molhada. 
 
Eu estava na frente do grupo, ao lado do Sr. Hugh, que segurava a sua pá com toda a força de 
seus braços, seguidos de perto pela Mary Ann e pelo Billy, nós seguimos dessa maneira, em 
filas duplas. Eu caminhei devagar, tentando me concentrar em qualquer movimento ou barulhos 
ao meu redor, fiz um sinal para o pessoal esperar. Só iríamos avançar quando eu tivesse 
certeza de que era seguro. 
 
O beco cruzava a quadra na horizontal, ela ficava entre os fundos do supermercado e de um 
conjunto de apartamentos que tinha no outro lado. O beco possuía duas saídas – ou duas 
entradas, você escolhe – voltei­me para o Billy e apontei para ambos os lados, perguntando 
para qual dos lados deveríamos ir. Eu sempre fui muito ruim em mímica, mas por sorte ele 
entendeu e apontou para a direita. 
 
Atravessei o beco sozinho, flexionando os joelhos de modo que poderia andar sem fazer 
barulho, o meu objetivo era chegar às latas de lixo do outro lado, dessa maneira eu teria uma 
visão mais privilegiada do local. Atravessei sem nenhum problema, quando cheguei do outro 
lado me escorei na lata de lixo e observei bem o beco. 
 
Era muito estranho, meu coração parecia estar quase saindo pela minha boca, eu estava 
suando e minhas pernas tremiam. Diferente das vezes anteriores, eu sabia que algo ruim podia 
acontecer a qualquer minuto, eu não seria pego de surpresa, era isso que me preocupava. 
 
Fiz sinal para o pessoal prosseguir. Eles deixaram o supermercado e começaram a caminhar 
com cautela em direção a saída. Eu observava de longe, mas meus olhos não saiam da 
Yolanda, afinal ela carregava a Rafaela. Ela estava no meio da fila ao lado daquele senhor que 
havia tido um ataque cardíaco, nós nos organizamos de maneira que aqueles que não 
pudessem lutar ficassem protegidos no meio da fila, nas pontas os homens carregavam pás e 
tesouras de jardinagem, se algo desse errado nós teríamos uma chance de abrir uma abertura 
para fugir. Sei que não era a força ofensiva ideal, mas era tudo que nós tínhamos. 
 
O pessoal já estava quase na metade do beco quando eu ouvi um barulho, me virei a tempo de 
ver um pequeno rato atravessar de um lado ao outro do beco e entrar para de baixo de uma lata 
de lixo. Eu provavelmente tive um mini ataque cardíaco naquela hora, tentei me recompor 
respirando fundo, depois voltei a observar o pessoal. 
 
– Foi só um rato... Fique calmo. – Sussurrei baixinho. 
 
Dei mais uma olhada ao meu redor, tudo limpo, quando eu voltava a minha atenção para o 
pessoal novamente meus olhos encontraram o meu reflexo em uma poça d’água no chão. Eu 
estava com uma cara nervosa, olhos esbugalhados e os cabelos estavam uma bagunça, 
honestamente eu nem liguei, estética não era a maior das minhas preocupações naquele 
momento. Tudo tranqüilo até que o meu reflexo tremeu. 
 
No inicio eu achei que poderia ser a chuva voltando, olhei para o céu, e apesar de nublado não 
parecia haver nenhuma nuvem chuvosa lá em cima. Concentrei­me na poça, depois de alguns 
segundos ela tremeu novamente, porém dessa vez eu senti uma pequena vibração nas solas 
dos meus pés. 
 
Algo estava se aproximando, algo grande! 
 
Eu fiquei de pé em um só pulo, o chão continuava a tremer, como se em algum lugar ali perto 
estivessem perfurando o chão com uma picareta. Comecei a caminhar em direção ao pessoal 
até que o tremor parou, eu parei junto. 
 
O que estava acontecendo? 
 
A essa altura o pessoal já havia passado da metade e estava quase saindo do beco, Mary Ann 
olhou para mim e fez sinal para que eu os alcançasse. Comecei a caminhar em um passo 
acelerado, seja o que quer que fosse aquele tremor eu estava contente em não precisar 
descobrir. 
 
Então eu ouvi um barulho, como se algo estivesse se rachando, de repente era como se 
tivessem apagado às luzes, pois uma grande sombra me cercou. Eu ainda tive tempo de olhar 
para o teto do supermercado para ver a origem disso tudo, uma criatura gigante atravessava o 
teto que não resistiu e desabou em uma avalanche de tijolos atrás de mim. 
 
Forcei ao máximo os músculos das minhas pernas para desviar daquela avalanche, consegui 
dar dois longos passos até que fui forçado a pular, aterrissei no chão em frente a uma pilha 
gigantesca de entulhos. Em cima do que havia sobrado das paredes do supermercado uma 
criatura gigantesca abria caminho por entre os escombros, o pior é que ela vinha em minha 
direção. 
 
Por quê? Por que sempre eu? Deve ter algo errado comigo! 
 
Honestamente eu não sei como descrever o que eu via com os meus olhos, mas uma coisa é 
certa, era a mim que aquela coisa queria, os seus quatro olhos deixaram isso bem claro. Não, 
você ouviu certo. Quatro olhos, grandes e amarelos. A criatura tinha mais de três metros de 
altura mesmo andando sobre as patas, quatro na frente e mais quatro na parte de trás, sua pela 
era escamosa e em um tom cinza­azulado, tudo naquilo era extremamente ameaçador. Os 
seus dentes eram tão grandes e afiados que comparados com daqueles aliens que encontrei 
na estrada no dia anterior você iria cair na risada. Os dentes que eu via na minha frente, eram 
verdadeiros dentes de um predador, o outro estava mais para aquelas dentaduras de vampiros 
usadas por crianças no halloween. 
 
Sabe o que é pior? Eu estou falando sério. Muito sério. 
 
Coloquei­me de barriga para cima enquanto via aquela criatura se aproximar, empurrei meu 
corpo com as pernas e braços, tentando me distanciar e procurando espaço para me levantar. 
Eu havia me distanciado um pouco mais de um metro quando uma dor tomou conta da minha 
perna, a minha ferida havia aberto de novo. Mordi os lábios para evitar gritar. 
 
– Eddy! – Ouvi a Mary Ann gritar. 
 
Eu tentei levantar, mas foi inútil, levantei os olhos e vi a criatura a somente alguns metros à 
minha frente. A criatura levantou a sua pata ­ que não era bem uma pata, estava mais para 
estaca em forma de foice gigante ­ para o céu, depois desferiu um golpe certeiro. 
Instintivamente, e sem qualquer idéia de como, eu abri as pernas e vi a sua pata cravar no chão 
a minha frente. 
 
Utilizei toda força que eu tinha – e grande parte da que não tinha também – para forçar os meus 
braços e me empurrar para longe daquela criatura. Em um movimento rápido ela tirou a sua 
pata do chão e tentou um novo golpe, dessa vez eu rolei para o lado, quando parei de rolar ela já 
estava atacando de novo e eu fui forçado à rolar para o outro lado. Quando dei por mim estava 
escorado na lata de lixo, aproveitei a usei a alça da sua tampa como apoio para levantar. Pela 
primeira vez em bastante tempo eu parecia estar com sorte, pois o golpe da criatura foi tão forte 
que a sua pata ficou enterrada no chão, ela forçava para trazê­la de volta a superfície, mas não 
parecia que iria conseguir facilmente. 
 
Tentei ignorar a dor e ativei a velha “marcha manca” de antes. A Mary Ann fez menção de correr 
em minha direção para ajudar, mas eu falei: 
 
– Não! Não venha! Nós temos que sair daqui! Vamos para o plano B! 
 
Ela parou. 
 
– Qual é o plano B? – Ela berrou, batendo com raiva as mãos na cintura. 
 
– Correr! 
 
Eu mal havia terminado de dizer aquelas palavras quando a outra pata da criatura cortou o ar na 
horizontal, por sorte eu fui mais rápido e me joguei no chão, o golpe acertou a parte traseira de 
um apartamento que em questão de segundos virou uma pilha de escombros. Dessa vez eu 
estava mais preparado, assim que cai no chão forcei os o braços e impulsionei o corpo para 
cima, tive um pouco de dificuldade para manter o equilíbrio, mas no fim consegui me manter em 
pé. 
 
Então eu corri. 
 
Quando levantei a cabeça para olhar a minha frente, eu vi o Sr. Hugh, Mary Ann, Billy e toda a 
galera correndo em minha direção. Lá na saída do beco, atrás de todos os meus amigos, uma 
criatura igual a que estava atrás de mim bloqueava o caminho. Ela estava somente sobre as 
patas traseiras, com as da frente levantadas no ar, em posição de ataque, lembrava um 
gafanhoto. 
 
Um gafanhoto muito, mas muito malvado. 
 
Eu nem fiquei surpreso que tudo estivesse dando errado. Surpresa mesmo era que eu não me 
sentia nem mesmo assustado, meu cérebro só procurava uma maneira de sair dali, mas 
parecia impossível já que ambas as saídas estavam bloqueadas por criaturas gigantes e 
raivosas. 
 
– Eddy o que nós vamos fazer? – Mary Ann falou assustada se aproximando de mim. 
 
Até tentei falar alguma coisa, mas as palavras recusavam­se a sair dos meus lábios. Fechei os 
olhos e mirei a cabeça para o céu a procura de uma idéia, uma saída, um milagre, qualquer 
coisa. 
 
Foi então que eu abri os olhos e vi as escadas das saídas de incêndios. 
 
É bastante comum um apartamento possuir uma saída de incêndio, para a minha sorte este 
não havia sido diferente. Uma fina escada de metal levava a um tipo de sacada que era 
conectado ao segundo andar e assim por diante, até chegar ao topo do prédio. Geralmente ela 
é utilizada para se descer do prédio, mas casos inusitados pedem medidas inusitadas. 
 
– Vamos subir! ­ Eu disse apontando para a escada. 
 
A escada estava recolhida, seria impossível alcançá­la do chão, por sorte o Sr. Hugh estava 
atento e com a ponta da sua pá trouxe a escada para baixo. Eu olhei ao meu redor, a criatura 
ainda tentava desenterrar a sua pata do chão, do outro lado a criatura lutava com dois caras, eu 
não sabia o nome deles, mas eles pareciam estar agüentando firme. 
 
Porém outra coisa me chamou a atenção, nós estávamos em pequeno numero. Grande parte 
do pessoal aproveitou que os dois homens estavam tentando atacar a criatura e resolveram 
fugir pelos pequenos espaços, outras estavam na volta esperando o momento certo para 
darem no pé. 
 
Uma coisa era certa, eles resolveram fugir ao invés de ajudar. 
 
Eu não tive tempo nem cabeça para descobrir que estava comigo ali, só tive tempo para aquilo 
minutos mais tarde, mas para que você entenda o que estava acontecendo com mais facilidade 
eu vou lhe dizer todos os que estavam comigo. Nós éramos sete, eu, a Mary Ann, o Sr. Hugh, a 
Yolanda que ainda carregava a Rafaela no colo, o Billy e o franguinho. 
 
Ninguém que você já não conheça. 
 
Confesso que me senti meio traído, fiquei um ou dois segundos sem reação, até que a Mary 
Ann gritou me trazendo de volta. 
 
– Eddy, vamos lá! 
 
Não era hora de pensar, e sim, de agir. 
 
– Ok! O Sr. Hugh deve ir primeiro. Assim ele pode ajudar os outros a subir. 
 
Ele me entregou a sua pá e subiu a escada. 
 
– Yolanda me dê a Rafaela e suba! 
 
Ela caminhou até mim e me entrou a menina, porém eu não tinha forças para carregá­la no 
colo, por isso ficamos de mãos dadas. Eu fiz questão que a Yolanda subisse logo de uma vez, 
pois assim eu poderia mandar a Rafaela em seguida, dessa maneira ela não correria nenhum 
perigo. A Yolanda teve um pouco de dificuldade enquanto tentava subir as escadas, por isso 
larguei a mão da Rafaela – já que estava carregando uma pá na mão esquerda ­ e a ajudei a 
subir. 
 
Aquele, provavelmente, foi o meu erro. 
 
Quando eu procurei a sua mão para pega­la de volta, eu não achei nada. Mais do que depressa 
eu me virei e procurei por ela. A boa noticia é que ela só havia se distanciado alguns passos de 
mim, mesmo que esses passinhos tenham me proporcionado o segundo ataque cardíaco em 
menos de dez minutos. A má noticia – se acostume, sempre vai ter uma – é que a criatura 
havia conseguido livrar a sua pata do buraco e agora estava um tanto mais zangada comigo. 
 
Mas deve ser só um pouco, não se preocupe. 
 
Ela veio em nossa direção, tudo que eu pude fazer me colocar a frente da Rafaela e receber o 
golpe. A criatura atacou na horizontal, com a parte interna da pata, mas isso não fez com que 
doesse menos. O golpe me acertou na altura da cintura e me fez cruzar o beco de um lado ao 
outro. 
 
O pessoal gritava, a criatura soltava pequenos grunhidos, a terra girava ao meu redor. 
Incrivelmente eu ainda carregava a pá em minhas mãos, tentei me colocar de pé, afinal a 
Rafaela ainda estava em perigo. Quando me levantei vi que a Rafaela continuava parada, o 
pessoal tentava subir as escadas, a Mary Ann tentava se aproximar da Rafaela, mas a cada 
passo seu a criatura ameaçava atacar e no fim ela não consegui chegar perto. 
 
Cada um tentava algo, mas nada parecia estar dando muito certo. 
 
Corri em direção à criatura, empunhei a pá na altura do ombro e ataquei uma de suas patas. O 
golpe foi inútil, não deve ter feito nem mesmo cócegas, a sua pele parecia ser feita de concreto. 
Se você realmente quer saber o que eu senti naquele momento, pegue um taco de madeira e 
bata com toda a sua força em uma parede. O sentimento é irado, podes crer. 
 
Assim que o meu golpe falhou, devido ao impacto, a pá acabou escorregando das minhas 
mãos e foi voando para de baixo do corpo da criatura. Eu estava desarmado e nós ainda 
continuávamos em perigo. Em uma tentativa desesperada de recuperar a pá eu acabei abrindo 
uma brecha perfeita para a criatura contra­atacar e é claro que ela não desperdiçou. 
 
Não foi um golpe tão forte, tanto é que ela nem precisou levantar a pata para o ar, era como se 
eu fosse uma mosca inconveniente que ela deveria se livrar com um simples gesto de mão. Ela 
simplesmente escorou o peso da sua pata para cima do meu corpo e me mandou de volta para 
o chão. Depois levantou as suas patas para o céu e atacou a Rafaela. 
 
Eu estava no chão, o meu corpo doía em lugares que eu nem sabia que existia, a minha perna 
sangrava mais do que nunca, eu estava desarmado, simplesmente não tinha jeito de eu chegar 
até a Rafaela, mesmo que eu conseguisse o que eu seria capaz de fazer? 
 
Eu já havia quase perdido as esperanças quando algo muito incrível aconteceu. A criatura 
desferiu o golpe, porém a Mary Ann foi mais rápida e em um movimento certeiro e muito ágil 
retirou a Rafaela da linha de ataque. Ela se jogou como se estivesse dando um mergulho, 
enquanto estava no ar ela abraçou a Rafaela pelos ombros, virou uma cambalhota e aterrissou 
a poucos centímetros de onde o a criatura havia acertado. 
 
Por mais incrível e maneiro que fosse aquilo que ela tinha acabado de fazer, nós não tínhamos 
tempo a perder, a pessoal já gritava das sacadas para que nós nos apresássemos. De repente 
eu já sabia o que fazer, eu precisava chamar a atenção da criatura, algo me dizia que ela não ia 
desistir facilmente. Eu precisava criar uma distração, só assim as meninas poderiam subir 
pelas escadas em segurança. 
 
Tentei me colocar de pé, apanhei um tijolo – metade dele para ser mais exato – do chão, e 
joguei na criatura. A intenção nunca foi machucá­la, eu só queria chamar a sua atenção, e 
funcionou. Assim que o tijolo lhe atingiu a criatura voltou­se para mim, não sei bem o que 
passou na minha cabeça, nem mesmo qual era o resultado que eu esperava, mas eu comecei 
a falar mal dela... 
 
Sem comentários. 
 
– Hey! Sua aberração! Você me quer? Eu estou bem aqui! O que você está esperando? – Eu 
berrei com todo o ar dos meus pulmões. Ela focou toda a sua atenção e mim, e de canto de 
olho eu pude ver a Mary Ann ir sorrateiramente com a Rafaela até a escada. 
 
A criatura tentou um novo ataque, mas dessa vez eu tive facilidade para desviar, em seguida 
corri para o outro lado para levá­la para ainda mais longe das meninas. Olhei ao meu redor 
procurando uma nova rota, quando avistei o outro lado do beco e vi que a outra criatura estava 
vindo em minha direção. Pelo visto ela queria brincar. Agora haviam duas criaturas gigantes e 
raivosas querendo me matar, ao que parecia os caras haviam perdido a batalha e eu havia 
herdado dois novos problemas. 
 
Desviar de uma só criatura não era fácil, duas era quase impossível. Eu corri de um lado para o 
outro, tentando fugir de suas patas, elas me acertaram algumas vezes, mas não eram golpes 
fortes, eu só era derrubado. Ninguém me tira da minha cabeça de que elas estavam brincando 
comigo, para ser honesto eu não me importava, contando que eu continuasse vivo, estava tudo 
bem. 
 
– Eddy, vem logo! – Mary Ann gritou das escadas. 
 
– É fácil falar, não é você que está dançando com aliens! – Respondi enquanto me agachava e 
via a pata da criatura cortar o ar, centímetros acima da minha cabeça. 
 
As criaturas me encurralaram ao lado da lata de lixo, onde eu notei que ao lado do meu pé 
estava a minha mochila, eu não me lembrava de perdê­la, mas eu não queria deixá­la para trás. 
Apanhei com a minha mão esquerda e tentei me concentrar em uma rota que me levasse até a 
escada, claro, evitando qualquer criatura inimiga. Eu esperei elas se aproximarem, quando uma 
delas atacou, eu desviei, o seu ataque acertou em cheio a lata de lixo, que se partiu como uma 
latinha de refrigerante. Corri em direção à outra criatura. Quando estava bem próximo dela me 
joguei no chão e passei deslizando por de baixo do seu corpo, tomando bastante cuidado para 
evitar as patas da criatura, quando fiquei de pé já havia deixado ambas para trás. Coloquei de 
qualquer maneira a mochila nas costas e comecei a subir as escadas. 
 
Eu estava bastante satisfeito comigo mesmo, sei lá, mas eu havia acabado de sair com vida de 
uma batalha contra dois aliens gigantes. A essa altura o pessoal já estava todo na cobertura do 
apartamento, e eu recém passava do segundo andar. Eram três andares, quatro se 
contássemos com o telhado, eu havia começado a subir as escadas do terceiro quando algo 
inesperado aconteceu. 
 
Para aqueles que não sabem o que a palavra inesperado significa: É algo que você ­ 
obviamente ­ não espera algo surpreendente, repentino. Todas elas se encaixam perfeitamente 
no que aconteceu a seguir. 
 
Eu recém havia chegado ao terceiro piso, e caminhava em direção da ultima escada, foi então 
que tudo tremeu. Olhei para baixo e meu medo se confirmou: Uma das criaturas estava vindo 
atrás de mim. Ela cravou as suas patas na superfície do apartamento e a cada novo passo ela 
avançava um andar, corri até as escadas. Quando coloquei as minhas mãos na escada, a pata 
da criatura passou zunindo ao lado da minha cabeça, transformando o vidro da janela em minha 
frente em um milhão de fagulhas. Suas patas traseiras procuraram apoio na base da escada 
dos andares anteriores, e assim como aconteceu com o teto do supermercado, a sacada não 
iria agüentar por muito tempo. 
 
Comecei a subir a escada de maneira frenética, no topo a Mary Ann gritava o meu nome e 
oferecia a sua mão para me ajudar, mas ainda era impossível alcançá­la. Subi mais dois 
degraus até que toda a estrutura de metal da saída de incêndio entrou em colapso, para dizer a 
verdade durou mais do que eu poderia imaginar. Ela se desprendeu da parede, levando a mim e 
a criatura para longe, não consegui pegar nas mãos da Mary Ann por dois ou três centímetros. 
 
Eu iria cair... 
 
Forcei um ultimo passo, impulsionei toda a minha força restante e usei o ultimo degrau da 
escada como trampolim. Ganhei uns bons dez centímetros, no mínimo, quando comecei a cair 
novamente senti a mão calorosa da Mary Ann. Ela me segurou firme, porém ela não consegui 
me impedir de me chocar contra a parede do prédio. 
 
– Eddy! Você está bem?! – Ela berrou, fazendo força para não me largar. 
 
Eu não respondi, nem mesmo sei o que deveria ser falado naquele momento. 
 
Então as coisas melhoraram, um pouco pelo menos. O Sr. Hugh ajudou a Mary Ann a me trazer 
para cima, enquanto eu era carregado para o terraço dei uma olhada por cima do ombro, lá 
embaixo que estava em um misto de entulhos e ferro. Uma das criaturas estava normal e 
soltava alguns grunhidos aleatórios, já a outra continuava embaixo do emaranhado de ferro e 
tijolos. 
 
Assim que senti os meus pés tocarem a superfície eu me deixei cair no chão. Meu coração 
batia muito rápido e meu corpo doía muito. Nós ficamos dessa maneira por vários segundos, 
todos nós estávamos assustados, cansados, e foi o Sr. Hugh resolveu falar: 
 
– Olha, eu sei que esse não é o melhor momento, mas... Nós não podemos ficar aqui, logo vai 
anoitecer e eu não estou no clima para descobrir como essas ruas estarão daqui algumas 
horas. 
 
A Mary Ann se colocou de pé, limpou a poeira de sua roupa, prendeu o cabelo com uma 
colinhas e disse: 
 
– Você está certo, temos que sair daqui! – Ela olhou para todos, até parar os olhos em mim – O 
que você acha de nós deixarmos essa cidade?! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Deixar a cidade... Hum, como eu não pensei nisso antes? É brilhante! 
 
Ah, não espera... É impossível. Quase morremos ao tentar atravessar um pequeno beco, 
imagina sair da cidade. Não sei sobre você, mas para mim ficou bastante claro que as ruas 
estão um tanto quanto perigosas, vamos só dizer que essa não seria a minha primeira opção 
de coisas para se fazer a seguir. 
 
E só para constar eu estou bem, não que alguém se importe. A minha perna só dói bastantes, 
alguns hematomas espalhados pelo corpo e tenho quase certeza que fraturei uma costela, pois 
a cada vez que eu puxo o fôlego parece que vai ser a ultima vez... 
 
Só para você saber. 
 
Eu me sentei, escorando as costas na parede ao lado da porta que levava para as escadas 
internas do apartamento. O pessoal discutia o que iríamos fazer a seguir, confesso que nem 
prestei atenção, estava ocupado demais tentando manter o meu ritmo cardíaco estável. Olhei 
para o céu e por um pensamento eu fiquei preocupado, logo seria noite. 
 
Yolanda largou a Rafaela no chão, ela veio até mim e se sentou ao meu lado. 
 
– Pelo menos alguém se preocupa comigo. – Sussurrei. 
 
Ela só me deu aquela velha olhada, tirou os cabelos dos olhos e escorou a cabeça no meu 
braço. Fiquei tão feliz de vê­la ao meu lado que, de repente, eu sabia que tudo havia valido a 
pena. Mantê­la segura foi à única promessa que eu consegui manter desde que tudo isso 
começou. Tentei voltar a minha atenção para o pessoal e descobrir até onde já haviam decidido 
o que fazer. 
 
– Bom, temos a saída do norte... Mas acho que deveríamos procurar um lugar seguro para 
passar a noite... – Começou a Yolanda. ­ Me assusta a idéia de estarmos aqui fora quando 
essas coisas resolverem voltar. E olhe para o Eddy, ele precisa descansar. 
 
Ai uma idéia que eu concordo. Muito Obrigado! 
 
– Não, não! – Mary Ann discordou. Passou as mãos pelos seus cabelos loiros, respirou fundo e 
depois continuou. – Nós temos que aproveitar essa chance, por alguma razão ás criaturas 
recuaram... Talvez seja a única oportunidade que tenhamos de fugir! 
 
O franguinho se aproximou da Mary Ann e chamou a atenção de uma duvida interessante. 
 
– Eu não quero estragar o plano de vocês, mas tem dois aliens gigantes lá embaixo! Mesmo 
que a gente saia desse prédio com facilidade como nós iríamos passar por eles? 
 
Antes que qualquer um pudesse falar alguma coisa, o Sr. Hugh exclamou da beirada do terraço: 
 
– Eles já se foram! Saíram do beco! Acho que eles não teriam como nos alcançarem aqui em 
cima e resolveram ir atrás dos outros... 
 
Minha mente estalou. Onde estavam os outros? Por um momento eu havia esquecido que 
alguns haviam conseguido fugir, talvez eles estivessem tentando seguir com plano e indo rumo 
ao banco. De qualquer maneira nós não podíamos deixá­los. 
 
– E quanto a essas pessoas? Temos que ajudá­los! – Eu disse. Tentei me colocar de pé, mas 
não tive forças nem mesmo para me mover, e duvido que alguém tenha sequer notado a minha 
tentativa. Resolvi me manter sentado. – Tinha dois homens lá embaixo, eles estão bem? 
 
O Sr. Hugh não respondeu, só ficou com uma expressão fechada. 
 
– Nós temos que fazer algo! – Exclamei. 
 
– Como o quê? – Mary Ann protestou depois colocou as mãos na cintura e começou a me dar 
uma bronca. ­ Por favor, me diga o que podemos fazer para salvar a vida daquelas pessoas... 
Nós, um pequeno grupo de pessoas, desarmados, cansados e assustados. O que faria com 
que a gente fosse diferente deles? O que faria com que nós pudéssemos, de alguma forma, 
salvá­los? 
 
– Eu não sei! Mas não podemos simplesmente esquecê­los, imagine se fossemos nós no lugar 
deles, como vocês iriam se sentir. – Eu gritei, ou pelo menos tentei, o simples esforço de tentar 
falar estava sugando o resto de minha energia. 
 
Ninguém disse nada, todos desviaram o olhar como se fosse vergonhoso estar desistindo 
daquelas pessoas. A Mary Ann veio até a minha frente, se ajoelhou e falou com a voz bastante 
calma e segura. 
 
– Eles desistiram de nós, Eddy. Eles poderiam ter ajudado, mas não o fizeram. 
 
– E daí? Por isso eles merecem morrer? 
 
– Claro que não! Mas não tem jeito de nós ajudarmos eles, não sem colocar a vida de todos 
aqui em perigo. – Ela falava devagar e com uma voz diferente, como se estivesse falando com 
a Rafaela. Cara, isso me deixou mais furioso ainda, primeiro por que eu não era criança, e 
segundo por que ela tinha razão. 
 
Tentei pensar em algo inteligente para falar, mas nada me ocorreu. Resolvi confiar na Mary Ann, 
afinal ela havia confiado em mim na ultima vez. 
 
– Ok, é com vocês. O que vocês acharem que for melhor, será. – Levantei as mãos em um 
gesto de rendição. – Mas temos que fazer algo logo, já vai escurecer e eu concordo com a 
Yolanda em não querer estar aqui quando isso acontecer. 
 
Mary Ann suspirou, aparentemente aliviada, depois ficou de pé e continuou a discutir idéias com 
a galera. Eu fiquei meio chateado, não com a Mary Ann ou com qualquer outra pessoa, mas 
com o fato de que para que pudéssemos sobreviver teríamos que deixar para trás outras 
pessoas. Tecnicamente aquelas pessoas seriam como iscas. 
 
Eu não prestei a atenção no que eles falavam, não que eu não quisesse, simplesmente não 
conseguia. Só fiquei sabendo o que iríamos fazer minutos depois, quando a Mary Ann me 
explicou tudo em detalhes. Ela veio até mim em particular – acho que ela percebeu que eu não 
havia captado nada – enquanto o pessoal estava checando o que havia sobrado de 
suprimentos. 
 
– Nós vamos tentar deixar a cidade. – Ela começou a me explicar, porém não tirava a atenção 
dos seus all­Stars. Acho que no fundo nem mesmo ela gostava de ter que deixar aquelas 
pessoas para trás. – Por alguma razão as outras criaturas sumiram, deve ser uma questão de 
tempo até que elas voltem... Então vamos aproveitar a oportunidade e ir em direção oposta, 
com sorte estaremos saindo da cidade antes de ficar totalmente escuro. Ontem você me 
contou que achava que essas coisas estavam habitando as pequenas cidades, talvez se 
estivermos longe daqui possamos encontrar um lugar seguro para passar a noite... 
 
– Certo. – Respondi de mal­humor. – Se você está dizendo, quem sou eu para contrariar? 
 
A Mary Ann ficou com uma expressão séria no rosto, ou magoada não sei dizer com certeza. 
Ela até pareceu prestes a dizer algo, mas desistiu no ultimo segundo. Depois ficou de pé e foi 
até o Sr. Hugh. O problema é que eu poderia jurar que vi uma lagrima percorrer a sua 
bochecha. 
 
Mandou bem Eddy! 
 
Minutos depois nós já havíamos deixado o apartamento e caminhávamos em grupo pelas 
calçadas da cidade. Embora tenha sido difícil descer as escadas – só consegui porque o Sr. 
Hugh me ajudou no caminho – nós já havíamos percorrido umas três quadras sem ver ou ouvir 
algo estranho ou moderadamente perigoso, isto poderia ser considerado uma boa noticia. 
Faltavam apenas duas ou três quadras para que chegássemos até as estradas. 
Hipoteticamente, nós estaríamos seguros quando chegássemos lá. Apesar de ainda doer um 
pouco eu já estava conseguindo caminhar sem a ajuda do Sr. Hugh, embora eu mancasse e 
ele ainda caminhasse ao meu lado no caso de eu precisar de ajuda. 
 
– Sabe, eu também não gosto de deixar os outros para trás. – O Sr. Hugh começou puxando 
assunto. – Mas a Mary Ann está certa, essa seria a nossa única chance. E olhe mais duas 
quadras e estaremos deixando essa cidade! 
 
– E depois? – perguntei – Onde passaremos a noite? Onde iremos depois? 
 
– Eu não sei... Mas acho que qualquer lugar será melhor do que aqui com esses alienígenas. – 
Assim que ele terminou de falar, ele deu uma olhada para trás para ver se estávamos seguros, 
visto que a rua estava deserta ele continuou falando. – Talvez tenhamos mais sorte na próxima 
cidade, vai ver encontramos alguém que saiba o que está acontecendo ou quem sabe o 
exercito esteja montando uma resistência. Deixaremos isso a cargo do destino. – Ele deu um 
sorriso. 
 
– É, espero que você esteja certo. – Murmurei. 
 
O problema é que acho que o destino tem sérios problemas comigo. 
 
Incrivelmente nós chegamos até a estrada sem nenhum problema. As ruas da cidade 
desbocavam em um trevo que levava a três caminhos diferentes. Se continuássemos em linha 
reta, eu não tenho certeza de onde iríamos parar, a placa de sinalização estava tombada e 
amassada como um pedaço de papel no chão, outra que um grande caminhão estava tombado 
na horizontal, o que bloqueava a passagem, a menos que déssemos a volta por trás da 
estrada. A estrada da direita levava para a cidade de Sacramento, que ficava mais para o centro 
do país, as chances de encontrar ajuda seriam maiores para aquela direção. Mas meu coração 
ficou pesado quando eu vi a placa da esquerda, ela indicava que somente há dez quilômetros 
se encontrava a pequena cidade de Modesto. 
 
Era isso! Eu precisava escolher. Me agarrar a uma tentativa desesperada de encontrar os 
meus amigos, arriscando a ficar sozinho, ou continuar com o pessoal e procurar ajuda em uma 
grande cidade. Nós caminhamos até ficar no meio do trevo, cada um olhava para um dos 
caminhos disponíveis, imaginando o destino que cada um poderia oferecer. 
 
– Acho que a nossa melhor escolha seria Sacramento, não seria? – Sr. Hugh perguntou, e 
mesmo que esperasse a resposta de qualquer um, olhava fixamente para mim. 
 
– Bem, se procuramos qualquer tipo de resistência é para lá que devemos ir! – Dessa vez 
quem respondeu foi o Billy. Confesso que fiquei surpreso, ele não parecia ser do tipo que 
gostava de opinar. – E pelo que o Eddy nos contou, devíamos evitar as pequenas cidades... – 
Ele ficou em silencio, parecia divido entre continuar falando ou esperar a minha resposta. 
 
– Você está certo! – Concordei. Instantaneamente o grupo começou a prestar a atenção em 
mim. Eu estava meio surpreso, achei que depois do fracasso do meu plano anterior o pessoal 
não iria ouvir o que eu tinha a dizer, pelo menos não com tanta vontade. – Durante o caminho 
eu pensei bastante sobre isso, ir para uma cidade grande é a melhor chance que temos. Eu 
acho que essa invasão só alcançou esse nível alarmante nessas pequenas cidades, o 
verdadeiro desafio será chegar até a próxima cidade em segurança, é um longo caminho. 
 
Eu vinha pensando nisso fazia bastante tempo, só não comentei antes por falta de 
oportunidade. Sei lá, mas algo me dizia que por mais poderosas que fossem essas criaturas 
elas teriam certa dificuldade em dizimar uma cidade grande como Sacramento, Texas, São 
Francisco, Manhattan ou qualquer outra que ocupe um espaço considerável no mapa. Meu 
palpite era que elas estavam atacando somente pequenos grupos, o que era meio assustador, 
pois isso seria sinal de que eles possuíam algum tipo de organização e até agora nenhuma 
dessas belezinhas do espaço havia demonstrado habilidades estratégicas. Até agora... 
 
Droga, quanto mais eu penso, mais confuso eu fico. 
 
– De qualquer maneira é uma longa caminhada até sacramento, longa mesmo, será que não 
seria à hora de conseguirmos um veiculo? – O Sr. Hugh perguntou, ele esfregava as mãos com 
entusiasmo, um carro naquela situação significaria uma passagem para longe dali. Ele deu uma 
volta completa e observou os carros abandonados pela extensão da estrada. – Temos ótimas 
opções aqui, tenho certeza que muitos desses carros ainda estão com a chave na ignição. 
 
– Acho melhor esperarmos mais um pouco para isso. – Yolanda advertiu. – Talvez quando 
estivermos mais distante da cidade, afinal já está noite, quanto menos chamarmos a atenção 
melhor. 
 
Um pensamento muito engraçado – ou incrivelmente trágico – me ocorreu. Você reparou que 
tipo de conversa nós estávamos tendo? Quero dizer, já era noite e nós estávamos no meio de 
uma estrada, discutindo se deveríamos ou não roubar um carro, que nos levaria até uma cidade 
onde, talvez, pudéssemos lutar contra seres vindos do espaço. Vamos ser justos, isso é muito 
insano! Dois dias atrás, à essa hora eu estaria bastante preocupado em assistir televisão ou 
navegar na internet. Agora eu estava em uma aventura frenética, a mais de quatrocentos 
quilômetros de casa, lutando pela minha vida e procurando pelos meus amigos. 
 
Se você tivesse me perguntado, eu tenho certeza que não era bem esse tipo de aventura que 
eu esperava para o restante da minha semana. 
 
Tentei me concentrar no presente, e coloquei uma idéia em jogo. 
 
– Olha, se você querem a minha opinião, eu acho o seguinte: Formem dois grupos, caminhem 
pela beira da estrada, sempre mantendo uma distância segura entre os dois. Dessa maneira se 
o grupo da frente for atacado eles podem avisar o grupo de trás, que ganhariam preciosos 
segundos para fugir. Em caso contrário as mesmas regras podem ser aplicadas. Cuidado para 
não chamarem atenção, qualquer barulho ou movimento pode ser fatal, não temos idéia de 
como as coisas funcionam durante a noite. Quando estiverem longe o suficiente tentem achar 
um carro ou algo do tipo, então acelerem sem olhar para trás. 
 
Todos acenaram em concordância. Com exceção de Yolanda que franziu o cenho. 
 
– Por que você está falando como se não fosse ir com a gente? – Ela perguntou. 
 
Eu dei mais uma olhada para a estrada que levava a Modesto antes de responder. 
 
– Desculpe. Eu não posso ir com vocês, eu queria muito, de verdade. Mas eu tenho que ir a 
Modesto, meu pai mora lá e eu combinei de encontrar com meus amigos. Sei que parece 
loucura, mas eu só fui capaz de chegar até aqui porque eu preciso ter certeza de que eles 
estão vivos. Não era bem assim... Droga! – Agora é oficial. Eu sou um fracasso quando o 
assunto é despedidas. Você duvida? Olha as ultimas palavras que eu havia trocado com a 
minha mãe, com a Dêh ­ embora não tenha sido uma despedida, já que ela só me viu correr. ­ 
Isso só confirma quão ruim eu sou nessa coisa toda. Respirei fundo e continuei. – Eu só tenho 
que fazer isso, certo? Espero que vocês consigam entender. 
 
– Eddy, você já parou para pensar o quão perigoso isso pode ser? – Yolanda protestou, eu 
podia sentir a preocupação verdadeira em sua voz. Cara, eu ai sentir falta disso. 
 
– Provavelmente não! – Eu admiti com um sorriso. Não era um sorriso de felicidade, longe 
disso, eu só não ter certeza de não deixá­la preocupada. 
 
Ela tentou continuar, mas as palavras pareceram trancar em sua garganta. Antes que ela 
pudesse se recuperar da surpresa da minha resposta, o Sr. Hugh entreviu. 
 
– Tudo bem Eddy. Só prometa tomar cuidado, ok?! – Ele falou sorrindo. Yolanda não parecia 
concordar, mas acabou cedendo. Acho que o Sr. Hugh me entendia. 
 
– Eu vou! 
 
Caminhei até o Sr. Hugh e troquei um forte abraço, depois fiz o mesmo com a Yolanda. Eu não 
tinha tanta intimidade com o Billy e o franguinho – tanto é que eu não sei nem o nome 
verdadeiro do cara – por isso só troquei um forte aperto de mão com os dois. Quando meus 
olhos encontraram a Mary Ann e a Rafaela do outro lado, eu senti estranho, como se o meu 
coração tivesse ficado pesado. 
 
– Mary Ann... Eu nem sei bem como... – Eu comecei desajeitado. 
 
– Uou! O que você está fazendo? – Ela me interrompeu. Sua expressão era estranha ou 
engraçada, não sei ao certo. Era como se ela estivesse indignada comigo e ao mesmo tempo 
partilhasse de uma piada que somente eu não conseguia entender. 
 
– Hã... Bem... Eu só queria me despedir. 
 
– Sem chance! Nós vamos com você! 
 
– O quê? Como assim? – Eu balbuciei. Então essa era a piada? Ok, eu não gostei. 
 
– Poupe a sua saliva! – Ela advertiu. Agora sério, que diz esse tipo de coisa em pleno século 
vinte e um? – Você prometeu a minha avó que cuidaria de mim... Eu não queria usar isso contra 
você, mas você não me deixa escolha. Você tem que manter a sua promessa, além do mais, 
nada do que você disser me fará mudar de idéia. 
 
Eu olhei para a Rafaela, imaginando qual seria a sua desculpa. 
 
– Não olhe dessa maneira para a Rafa! Ela vai com a gente também! – Ela disse cruzando os 
braços e levantando as sobrancelhas, como se me desafiasse a contradizê­la. 
 
Olhei para o pessoal em busca de apoio, mas acho que não conseguiria nada deles. Por dentro 
eu me sentia inacreditavelmente feliz, aquelas duas meninas eram importantes para mim, e 
tê­las ao meu lado era bastante motivador. Diferente das outras vezes, eu não tinha certeza de 
que elas ficariam mais seguras longe de mim, pelo contrário, enquanto estivessem ao meu 
lado, eu não deixaria nada de ruim acontecer a elas. 
 
Eu concordei e então assisti a Mary Ann e a Rafaela trocarem um olhar animado. Eu coloquei a 
minha mochila nas costas e olhei a lua cheia no céu que nos iluminava. Eu me despedi 
novamente, dessa vez somente com um aceno de mão, e nenhuma palavra foi dita. Eu gostava 
de acreditar que aquilo não seria um adeus definitivo, e sim, um até longo provisório. 
 
Observei o pequeno grupo se perder nas sombras da estrada, enquanto nós caminhávamos na 
direção oposta, acompanhados de perto pelo silêncio e pelo brilho da lua. Nós já havíamos nos 
distanciado algumas dezenas de metros quando a Mary Ann perguntou: 
 
– Então... Quando tempo leva até Modesto? 
 
– Bom, de carro... 
 
– Não! Esquece o carro, nós iríamos chamar muita atenção. Prefiro caminhar a ter que fugir 
daquelas coisas de novo. – Ela interrompeu. 
 
– Certo! A pé nós vamos levar um pouco mais de uma hora, ou talvez, uma hora e meia... – 
Falei contente por não precisar correr aquele risco desnecessário que seria ir de carro. 
 
Nós não falamos muito depois disso, algo me dizia que ela ainda estava meio chateada comigo, 
mas eu não conseguia descobrir o motivo exato. Durante o caminho, foram diversas às vezes 
em que paramos e nos escondemos atrás de placas de sinalização ou atrás daqueles 
Outdoores gigantes espalhados pela beira da estrada. Isso por que, constantemente, nós 
escutávamos barulhos estranhos, alguns pareciam ser exatamente há alguns metros da gente, 
outros a quilômetros de distância. Eu também senti um cheiro estranho que estava me 
deixando louco, era muito fraco para que eu soubesse de onde vinha, mas parecia algo que eu 
já conhecia. 
 
Uma coisa era certa: Aquilo era muito assustador. 
 
Um pouco depois de meia hora de percurso, a Rafaela havia reclamado de dor nas pernas, e a 
gente devia dar um desconto, afinal ela é só uma criança. Então a Mary Ann teve a idéia de 
esvaziar a sua mochila – colocando o seu conteúdo na minha – e carregar a Rafaela no colo, 
eu não reclamei, obviamente a Rafaela pesava muito mais do que uma dúzia de barras de 
cereal e biscoitos. Digamos que foi uma divisão justa. 
 
Sabe, eu estava esperando um pouco mais de ação. A coisa estava inquietamente perigosa, na 
minha cabeça era só questão de tempo até sermos atacados, se isso acontecesse nós só 
teríamos duas opções: Correr ou lutar. 
 
Honestamente, eu estava muito cansado para qualquer uma das duas. 
 
A Rafaela já havia adormecido no ombro da Mary Ann quando nós resolvemos diminuir o passo 
– em parte para não acordar a Rafaela – e eu aproveitei para pegar algumas barras de cereal e 
uma garrafa d’água da minha mochila. Eu estava faminto e a julgar pela cor pálida do rosto da 
Mary Ann, ela também. Nós já estávamos há bastante tempo sem conversar, então eu resolvi 
quebrar o gelo. 
 
– Você não quer parar um pouco? – Comecei. Abri a pacote da barra de cereal e entreguei a 
sua mão livre. – Tenho certeza que podemos achar algum lugar seguro por aqui... 
 
Ela ainda deu uma mordida na barra de cereal antes de responder. 
 
– Ão. – Presumi que aquilo era um não, já que a sua cabeça movia­se negativamente, isso que 
acontece ao se falar de boca cheia. Ela pareceu notar o seu erro, engoliu, continuou. – Quanto 
mais rápido a gente sair daqui, melhor. Já estamos abusando da sorte ao caminharmos 
sozinhos no meio da noite... Vamos continuar, teremos tempo para descansar mais tarde 
quando chegarmos à casa do seu pai. 
 
Eu concordei e o meu peito encheu de expectativas. Ficamos mais alguns segundos em 
silêncio. Eu queria muito agradecê­la por ter tomado a controle da situação mais cedo, diferente 
de mim, querendo ou não, os planos dela haviam dado certo. Nós conseguimos deixar a cidade 
no que era, provavelmente, o único momento propicio para isso. Ela merecia todos os créditos 
por nós estarmos aqui, indo para a casa do meu pai, e principalmente por ainda estarmos vivos. 
Se tivesse dependido de mim, nós teríamos ido ao resgate daquelas outras pessoas, e agora 
as nós estaríamos... Bem, acho que nós não estaríamos em lugar algum. 
 
– Mary Ann... – Comecei super desajeitado, me sentia como no jardim de infância quando a 
gente fala com alguém que a gente gosta, sabe? Tomando cuidado para não dizer nada idiota. 
Ela olhou para mim. – Obrigado. 
 
– Pelo quê? – Ela piscou surpresa. 
 
– Qual é? Você vem confiando em mim desde que tudo isso começou. Você está aqui comigo, 
o que provavelmente te faz a pessoas mais cabeça dura desse planeta, mas para mim, isso 
é... – Eu disse, ou pelo menos tentei dizer, mas não achei as palavras certas para terminar a 
frase. Mas acho que estava tudo bem, já que depois da pausa ela soltou um meio sorriso. De 
repente eu achei a Mary incrivelmente linda, meu rosto ficou quente. Tentei me concentrar em 
continuar falando. – O que eu quero dizer é que... Desculpe... Sabe? Você estava certa! Eu 
meio que travei lá atrás, e se você não tivesse tomado o controle da situação, nós estaríamos 
em maus bocados. 
 
– Eu não vou mentir. Eu fiquei bastante brava com você antes! – Ela comentou, seu olhar 
parecia longe, focado em um lugar qualquer da estrada a nossa frente. – Todos nós estávamos 
assustados, sei lá, mas achei que você conseguiria pensar em algo. Você realmente travou. – 
Ela olhou para mim. – e eu fui forçada em pensar em algo. Eu não achei que pudesse dar certo, 
só pensei que deveríamos tentar faze algo, quando eu fui lhe contar a minha idéia você nem 
mesmo me apoiou! Eu não gostei disso! 
 
Eu admirava muito isso na Mary Ann, tipo, ela falava o que pensava sem qualquer preocupação. 
Se algo a incomodava, ela não fazia segredo algum. O mundo seria um lugar melhor se mais 
pessoas seguissem o seu exemplo. Mas ver aquilo ser usado contra mim não era muito legal. 
Ou talvez, eu me sentia daquela maneira, pois era verdade. 
 
Eu me senti tremendamente estúpido. 
 
– Ah... Você está certa, eu... 
 
Mas ela não me deixou terminar, duvido até que tenha notado que eu tentava me desculpar. Ela 
continuou falando, como se nunca tivesse parado, como se aquele espaço de tempo não 
tivesse passado de um intervalo para recuperar o seu fôlego. 
 
– Eu precisava da sua ajuda, do seu apoio. Eu só queria que você dissesse que tudo iria dar 
certo! Eu lhe apoiei antes, não é verdade? Talvez não tenha feito muita diferença, eu sei, mas 
de qualquer maneira eu estava lá. – Ela olhou ao redor, depois se voltou para mim um tanto 
mais enérgica. – Como você pode fazer aquilo?! 
 
Ok, eu havia sido totalmente massacrado por aquelas palavras, fui cuspido, vaiado e retirado do 
ringue. Agora eu sabia como o Apollo se sentiu depois de tomar aquela surra do Rocky no filme, 
confesso que o meu carinho pelo vilão cresceu consideravelmente. 
 
Por vários minutos eu tentei pensar em uma resposta, mas tudo que via na minha cabeça eram 
desculpas esfarrapadas. A Mary Ann merecia a verdade. Respirei fundo e comecei a falar: 
 
– As coisas não estavam indo bem, pensei que aquelas pessoas mereciam a nossa ajuda, não 
conseguia me imaginar deixando­as para trás. Eu falhei com aquelas pessoas, mesmo que eu 
não conhecesse nenhuma delas... Elas confiaram em mim, e eu acabei bolando algo 
incrivelmente estúpido, que obviamente era uma questão de tempo até que desse errado. – Ela 
não disse nada, só continuou olhando para a estrada. Talvez ela concordasse nessa parte. – 
Por minha culpa a Rafaela ficou em grande perigo, se não fosse por você... Eu não estaria aqui 
também, lembra? Você evitou que eu caísse de um prédio de quatro andares... Nada do que eu 
faço parece dar certo! – Terminei chutando uma pedrinha que havia no meio da estrada, 
mandando­a a toda velocidade para o meio do mato. 
 
Ela me olhou, mas era de uma maneira diferente. Como se estivesse me vendo pela primeira 
vez. 
 
– Você sabe que não foi a sua culpa, certo? Ninguém poderia adivinhar que aquilo iria 
acontecer. Qual é? Aliens gigantes? – Ela disse exasperada, um pouco alto demais. Ela 
percebeu o erro e acalmou a voz. – Eu não estou brava por as coisas terem dado errado, eu 
estou brava por você desistir de proteger as pessoas ao seu redor, nós só temos uns aos 
outros nessa guerra. A Rafaela precisa de você... – A sua voz se perdeu como se estivesse 
prestes a dizer algo difícil de admitir. – Eu preciso de você! 
 
Senti como se tivesse recebido um novo Jeb* no rosto. Porém esse era estranhamente 
reconfortante. 
 
– Eu só fui capaz de fazer algo quando nós estávamos naquele terraço, por que tentei imaginar 
o que você faria... – Ela continuou, ela parecia envergonhada, o que a deixava perigosamente 
atraente. ­ Olha, a coisa é que eu não gostei daquilo! Você é o cara dos planos, então se as 
coisas não deram certo da primeira vez, paciência, planeje melhor a partir de agora. Quanto a 
mim, só me dê uma frigideira e me deixe chutar alguns traseiros do espaço... Se cada um fizer 
a sua parte, talvez as coisas acabem bem. – Ela terminou com um sorriso fraco, depois me 
deu um soco de leve no braço. 
 
Claro, nas minhas condições aquilo doeu, mas eu não queria estragar o momento e deixei 
passar... 
 
Achei que ela iria dizer algo a mais, mas ela ficou em silêncio. Eu tinha uma visão diferente da 
Mary Ann agora, ela fala o que pensa, faz piadas e é incrivelmente corajosa. Ela parecia uma 
pessoal totalmente diferente para mim agora, como se eu tivesse acabado de conhecer a 
menina que estava ao meu lado. Talvez seja por que eu a conheci em um momento delicado. 
Poxa, eram meteoros, alienígenas, o caos nacional e a perda da sua avó. Impossível não ficar 
para baixo em meio disso, acho que conhecia um lado da Mary Ann que poucos tiveram a 
oportunidade de conhecer, e que talvez ninguém nunca conhecesse. 
 
Depois do papo que nós trocamos, eu percebi que mudanças eram necessárias, eu nunca me 
perdoaria se encontrasse os meus amigos e os perdesse por falta de persistência ou por um 
erro idiota. Eu tinha que deixar de ser o Apollo, para me tornar mais como o Rocky, fazer 
daqueles erros um combustível para me levantar mais uma vez. 
 
Ok, a analogia foi horrível, mas você captou a mensagem, certo? 
 
Depois da nossa conversa, a atmosfera ao nosso redor ficou mais leve, nós trocamos poucas 
palavras, mas era por que estávamos preocupados em manter o ritmo e o silêncio. Quando 
entramos na cidade a Rafaela acordou, e nós começamos a nos mover com mais cautela. Nós 
tivemos a estranha sorte de termos caminhado mais de uma hora, em plena noite, e não 
termos sido atacados ou perseguidos. Eu não fazia idéia do porquê, talvez o destino resolveu 
me dar uma trégua ou realmente os aliens só estavam habitando as pequenas cidade, o que 
dobrava a dificuldade de andar pela cidade de Modesto, afinal ela era um exemplo de pequena 
cidade do interior. 
 
Talvez as coisas finalmente estivessem fluindo ao nosso favor, pois a casa do meu pai ficava 
quase que na entrada da cidade, assim que passamos a placa de boas vindas entramos em 
uma rua lateral e eu tinha certeza que aquela era a rua correta. A rua estava escura, algumas 
nuvens bloqueavam a luz da lua de iluminar o nosso caminho, mas meus olhos já estavam tão 
acostumados com a escuridão que eu nem estranhei. A grande maioria das casas continuavam 
em ótimas condições, inclusive a do meu pai que eu pude avistar de longe, porém as que 
haviam sido atingidas pelos meteoros estavam irreconhecíveis e não passavam de um entulho 
de destroços. 
 
Nós apertamos o passo, e na minha mente milhares de perguntas pipocavam sem parar. 
Quando nós paramos em frente à casa do meu pai, senti meus joelhos tremerem. A casa do 
meu pai é um pequeno sobrado que um dia havia sido branco, agora estava descascado 
revelando um fundo cinza. Metade da propriedade formava um pátio cercado por uma cerca de 
metal e preenchido por um jardim verde­escuro e sem vida, meu pai nunca cuidou muito bem 
da casa, muito menos do jardim, então é bem provável que eles já estivessem daquela maneira 
antes dos meteoros. 
 
Nós atravessamos a cerca de metal, então eu me lembrei do incidente na casa da Dêh. Eu não 
tinha como saber se a Dêh e o Jimmy estavam lá dentro, nem mesmo se eles ao menos 
tinham tentado ir até Modesto, mas nós precisávamos de um lugar para descansar, então não 
faria diferença. Porém eu me lembrava muito bem a ultima vez que eu entrei em uma casa sem 
ter certeza de que ela estava vazia. 
 
Caso você não se lembre, eu fui expulso por pequenas pragas azuis. 
 
Como eu não queria ser pego de surpresa novamente, e pretendia manter as meninas seguras, 
resolvi entrar primeiro. Se a casa estivesse vazia, tudo bem, caso contrário... Sei lá, eu 
pensaria em algo. As meninas se acomodaram na escuridão dos arbustos enquanto eu 
explicava o meu plano, a Mary Ann concordou de imediato. 
 
– Não demore, está frio aqui fora! – Ela reclamou. Acho que esse era o jeito dela dizer: Tome 
cuidado! 
 
Mulheres. Vai entender... 
 
Caminhei na ponta dos pés, o que forçou um pouco o músculo na coxa, me fazendo sentir uma 
dor não muito agradável. Eu até poderia lhe contar às palavras que se passaram na minha 
cabeça, mas grande parte delas estava longe de serem dignas e com certeza fariam a minha 
mãe ficar muito chateada comigo, então vamos dizer eu consegui agüentar firme. Forcei a 
porta, que para a minha sorte – e aumento de esperanças – estava aberta. 
 
A porta me levou direto para a sala, a esquerda ficava a cozinha, seguida pelo banheiro e depois 
um corredor que levava a um par de quartos. Caminhei de devagar, atento a qualquer som e 
com cuidado para não esbarrar em nada, porém dois passos depois eu chutei o pé do sofá e 
acabei arredando­o alguns centímetros. Mais algumas palavras mal­criadas cruzaram a minha 
mente. O sofá não estava naquele local na ultima vez que eu havia visitado a casa do meu pai, 
mas não era de se espantar, já que haviam se passado dois longos anos desde à ultima vez 
que eu estivera lá. Fiquei preocupado que o meu acidente pudesse ter chamado a atenção de 
alguma companhia indesejável, mas o lugar parecia vazio. 
 
Eu fiquei dividido, feliz por não ter que lidar com nenhuma criatura azul do mal, mas triste por 
não encontrar os meus amigos. Dei mais alguns passo até chegar em frente ao arco da 
cozinha, tudo que eu conseguia enxergar era a silhueta da torneira, que brilhava graças a fraca 
luz da lua que atravessava pela janela. 
 
De repente a luz foi bloqueada por uma grande sombra, eu não consegui distinguir muito bem o 
que estava vindo em minha direção, mas estava prestes a me atacar. Dei um passo à frente e 
baixei a cabeça, desviando por poucos centímetros, de um golpe mortal que acertou a parede 
em minha frente. Então eu ouvi alguém gritar: 
 
– Eu peguei! – Parecia ser uma voz conhecida, e me deixou confortavelmente tranqüilo. 
 
Então como se a cena não pudesse ficar mais confusa, outra sombra pulou por detrás do sofá, 
provavelmente de onde havia vindo o grito também. Fui acertado em cheio, e acabei caindo de 
costa no chão. Seja o que for que estivesse em cima de mim, era extremamente leve, e parecia 
ter calculado errado, pois o seu rosto ficou quase que colado ao meu. 
 
Meu coração deu uma pequena volta olímpica dentro do meu peito. Mesmo estando escuro, e 
apesar de toda a estranhice da cena, o rosto estava muito próximo do meu – quase próximo 
demais – para que eu não reconhecesse. 
 
Era a Débora. 
 
 

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