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Aquino, S. F. et al.

ARTIGO TÉCNICO

METODOLOGIAS PARA DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE


METANOGÊNICA ESPECÍFICA (AME) EM LODOS ANAERÓBIOS
METHODOLOGIES FOR DETERMINING THE SPECIFIC METHANOGENIC ACTIVITY
(SMA) IN ANAEROBIC SLUDGES
SÉRGIO F. AQUINO
Professor do Departamento de Química, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP

CARLOS A. L.CHERNICHARO
Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

EUGÊNIO FORESTI
Professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo – USP/São Carlos

MARIA DE LOURDES FLORÊNCIO DOS SANTOS


Professora do Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

LUIZ O. MONTEGGIA
Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Recebido: 21/07/06 Aceito: 26/03/07

RESUMO ABSTRACT
Esse artigo apresenta uma revisão sobre os diferentes protoco- This paper presents a review on the different methodologies to
los para a determinação da atividade metanogênica específica determine the specific methanogenic activity (SMA) of anaerobic
(AME) de lodos anaeróbios. Os protocolos propostos se sludges. The protocols available in the literature differ not only
diferem tanto em relação aos procedimentos adotados para a regarding the procedures adopted to incubate the sludge, but
incubação do lodo, quanto ao método utilizado para quanti- also in relation to the method utilized to quantify the methane
ficação do metano produzido durante o teste. São discutidos produced during the test. This paper discusses the principles of
os princípios dos métodos manométricos e volumétricos, e manometric and volumetric methods, and briefly describes the
descritos brevemente os protocolos de incubação do lodo, protocols mostly used by the Brazilian research community for
de medição do metano e o procedimento para cálculo da sludge incubation, methane measurement and calculation of
AME obtida pelos métodos mais utilizados pela comunidade SMA.
científica nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Lodo anaeróbio, dgestão anaeróbia, KEYWORDS: Anaerobic sludge, anaerobic digestion, Specific
Atividade Metanogênica Específica, Testes AME. Methanogenic Activity; SMA tests.

INTRODUÇÃO da demanda química de oxigênio determinado reator permite estabelecer,


(DQO), da água residuária a ser trata- em última análise, a capacidade máxima
A atividade metanogênica espe- da só ocorrerá de fato com a formação de remoção de DQO da fase líquida, e
cífica (AME) pode ser definida como do metano, que por ser praticamente por isso permite estimar a carga orgânica
a capacidade máxima de produção de insolúvel em água, escapa facilmente máxima que pode ser aplicada com mi-
metano por um consórcio de micror- da fase líquida. nimização do risco de desbalanceamento
ganismos anaeróbios, realizada em Desta forma, a AME pode ser do processo anaeróbio. Fazendo uma
condições controladas de laboratório, utilizada como um parâmetro de moni- análise inversa, a AME permite determi-
para viabilizar a atividade bioquímica toramento da “eficiência” da população nar a massa mínima de lodo anaeróbio
máxima de conversão de substratos metanogênica presente em um reator a ser mantida no reator para a remoção
orgânicos a biogás. A determinação biológico e, como tal, constitui-se de determinada carga orgânica aplicada.
da capacidade do lodo anaeróbio em ainda em uma importante ferramenta Consequentemente o conhecimento da
produzir metano é importante porque para o controle operacional de reatores AME possibilitaria a adoção de procedi-
a remoção de elétrons equivalentes, ou anaeróbios (Foresti et al, 1999). O mentos mais racionais para o descarte de
seja compostos reduzidos causadores conhecimento da AME do lodo de lodo de sistemas anaeróbios.

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Metodologias para determinação da atividade metanogênica

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Os trabalhos de Valcke & medição do metano produzido, não se Os cerca de 30% restantes de metano
Verstraete (1983), De Zeeuw (1984) pode sugerir nesse artigo, um procedi- são produzidos por microrganismos
e Dolfing & Bloemen (1985) foram mento único para a determinação da hidrogenotróficos a partir da redução
pioneiros no desenvolvimento e uso AME. Sendo assim, o principal objetivo do dióxido de carbono. Desta forma,
dos testes de AME, como ferramenta dessa revisão é apresentar os principais muitos pesquisadores utilizam comu-
de caracterização e avaliação de reatores métodos utilizados pela comunidade mente sais de acetato ou ácido acético
anaeróbios. No Brasil, pesquisas sobre científica nacional e internacional para como substrato. O cálculo da AME
o teste de AME começaram a ser feitas a determinação da AME, dedicando-se através do uso de apenas acetato como
cerca de dez anos depois, e a tese de especial atenção ao princípio de cada fonte de carbono e energia subestima
doutorado de Penna (1994) talvez te- método, aos principais equipamentos em no mínimo 30% a capacidade má-
nha sido o primeiro trabalho brasileiro necessários para sua implantação, bem xima de produção de metano, uma vez
devotado ao estudo das condições de como ao procedimento para cálculo que microrganismos hidrogenotróficos
incubação e implantação do teste de da AME. têm maiores taxas de crescimento que
AME. Os artigos de Penna et al (1995) Torna-se importante esclarecer os acetoclásticos (Harper & Poland,
e Monteggia (1997) foram de fato as que a falta de uma padronização in- 1986; Pavlostathis & Giraldo-Gomez,
primeiras comunicações científicas ternacionalmente aceita para o teste 1991) e certamente estarão presentes
nacionais que discutiram a necessidade, de AME dificulta, de certa forma, a em reatores reais devido à degradação
e propuseram uma metodologia, para a comparação dos resultados absolutos de substrato mais complexo (proteínas,
harmonização do teste de AME. Não obtidos a partir de cada metodologia carboidratos e lipídeos) que resulta em
obstante as contribuições desses autores, atualmente disponível. Nesse sentido, produção de hidrogênio (H2) e gás
o fato é que há, na literatura nacional entende-se que os resultados obtidos carbônico (CO2).
e internacional, diferentes protocolos a partir de cada um dos métodos ora No sentido de se avaliar a ativida-
para a determinação da atividade me- descritos devam ser utilizados muito de metanogênica de ambos os grupos
tanogênica de lodos anaeróbios. Os mais como base relativa de comparação de microrganismos, acetoclásticos e
protocolos diferem entre si tanto nos em cada local em que vier a ser aplicado hidrogenotróficos, alguns pesquisa-
procedimentos adotados para a incuba- e levando-se em conta ainda o objetivo dores (Field et al, 1987; Florencio
ção do lodo (concentração de biomassa, principal de aplicação do resultado. et al, 1993; Alves et al, 2005) utilizam
tipo e concentração de substrato, rela- Em outras palavras, uma vez escolhido uma mistura de ácidos graxos voláteis
ção alimento/microrganismo, tipo e um determinado método para o teste (AGVs), comumente constituída de
concentração de nutrientes, tempo de de AME, os resultados obtidos através acetato (C2), propionato (C3) e butirato
incubação, etc), quanto para a quanti- do mesmo serão muito mais úteis em (C4), na proporção de 100:100:100 g/L,
ficação do metano produzido. termos comparativos, por exemplo, respectivamente. A DQO resultante
Em relação aos procedimentos de entre determinadas condições e fases da mistura de AGVs tem a proporção
incubação, observa-se que a comunida- operacionais de reatores anaeróbios. de 24,3:34,4:41,3 % para C2, C3 e C4,
de científica utiliza diferentes concen- Portanto, a maior contribuição respectivamente. Nesse caso, o teste
trações iniciais de substrato e biomassa, deste artigo será no sentido de fornecer avaliará não só a atividade dos micror-
sendo que alguns pesquisadores prefe- subsídios para a comunidade científica ganismos metanogênicos, mas também
rem utilizar glicose como substrato, ao e para os operadores de reatores ana- a capacidade sintrófica do sistema, ou
passo que outros utilizam ácido acético eróbios escolherem um determinado seja, a atividade dos microrganismos
ou uma mistura dos principais ácidos método para medição da AME do lodo, que convertem propionato e butirato
orgânicos intermediários da digestão além da proposição de algumas padro- em acetato. É importante salientar que
anaeróbia (ácidos acético, propiônico e nizações mínimas a serem empregadas a avaliação da atividade dos microrga-
butírico). Em relação à quantificação de por qualquer método que venha a ser nismos sintróficos é fundamental para a
metano, há métodos mais sofisticados, escolhido. boa operação dos digestores anaeróbios.
como os que se empregam cromató- Como os microrganismos metanogê-
grafos a gás e/ou respirômetros inter- CONSIDERAÇÕES SOBRE nicos não produzem metano a partir
faciados com micro-computadores, AS CONDIÇÕES DO de propionato ou butirato, a queda de
bem como métodos simplificados que TESTE DE AME eficiência de um reator anaeróbio pode
se baseiam na purificação do metano estar mais relacionada à baixa atividade
do biogás seguida de sua determinação Tipo e concentração de dos microrganismos sintróficos pro-
volumétrica. substrato dutores de acetato do que à atividade
Em virtude da não existência de de microrganismos metanogênicos
um procedimento padrão para a deter- Para se avaliar, strictu sensu, a consumidores de acetato.
minação atividade metanogênica, um atividade metanogênica de determi- Nessa linha de raciocínio alguns
esforço da International Water Associa- nado lodo deve-se alimentá-lo com pesquisadores defendem que um teste
tion (IWA) resultou na criação de um substrato que suporte apenas a ativi- de atividade do lodo anaeróbio deva
grupo de especialistas para harmonizar dade metabólica dos microrganismos avaliar todo consórcio microbiano,
diversos protocolos de análise, dentre metanogênicos. Como se sabe, a maior e para isso o uso de substratos mais
os quais se encontra a AME. Como parte do metano produzido, cerca de complexos, como glicose, seria o re-
não há, até o momento, consenso em 70%, advém da clivagem do acetato comendado, simulando o que ocorre
relação à melhor condição de incubação durante metabolismo dos microrga- em um reator em escala real. De fato
do lodo anaeróbio, bem como para a nismos metanogênicos acetoclásticos. o uso de glicose suportaria a atividade

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metabólica de microrganismos fer- do teste. Ou seja, partindo-se de uma se faça análise dos sólidos suspensos
mentativos (acidogênicos), sintróficos concentração maior de biomassa, voláteis (SSV) no lodo utilizado como
(acetogênicos) e produtores de metano haverá uma menor relação alimen- inóculo. Outro aspecto importante que
(metanogênicos), permitindo avaliar to/microrganimos (A/M), resultando se deve ter em mente é o crescimento
a atividade do consórcio anaeróbio em degradação mais rápida do substra- da biomassa durante o ensaio, que
como um todo. Se o teste com glicose to disponível, sendo a análise inversa interfere diretamente na determinação
evidenciar uma baixa produção de me- verdadeira. Como o resultado final da do valor de AME, uma vez que a con-
tano, então novos testes com mistura AME é expresso de forma normalizada, centração de SSV é geralmente medida
de AGVs ou com acetato poderiam ser ou seja, levando-se em conta a massa no início e não no final do teste. Para
feitos para identificar que grupo(s) de de inóculo, a concentração inicial de minimizar este problema, devem ser
microrganismo(s) está(ão) limitando a lodo não deveria afetar o valor da AME utilizadas concentrações relativamente
degradação anaeróbia. obtido. Tais fatos foram observados por altas de lodo e baixas concentrações de
Em relação à concentração do Monteggia (1997) que, investigando o substrato (baixa relação A/M). Uma
substrato utilizado, é importante res- efeito da concentração de microrganis- alternativa seria fazer a análise de SSV
saltar que o teste de AME deve ser feito mos no teste de AME feito sob agitação, tanto no início quanto no final do teste,
com excesso de substrato e nutrientes, concluiu que a faixa ótima de valores e usar o valor médio para calcular a
de forma que a cinética de degradação se de AME ocorreu entre 2 e 5 g SSV/L AME. Esse procedimento informaria,
aproxime de uma reação de pseudo or- e que, para valores crescentes de SSV, ainda, se houve predominantemente
dem zero, passando a depender apenas houve redução significativa na duração crescimento ou endogenia da biomassa
da concentração dos microrganismos do teste, ao passo que, para valores de durante o teste.
(inóculo) presentes. Desta forma, o SSV abaixo de 2 g/L ou superiores a
importante é que a concentração de 5 g/L, houve redução apenas discreta Solução de nutrientes
substrato seja maior que o valor de nos valores de AME. Rocha et al (2001)
Ks, que no caso dos microrganismos salientam que se o ensaio é conduzido A solução de nutrientes ideal,
metanogênicos acetoclásticos situa-se sem agitação, a concentração de lodo ou água de diluição, deve conter
na faixa de 11 a 421 mg/L de acetato deve ser em torno de 2,0 gSSV/L para macro (N-NH4+, P-PO43-, Mg, Ca) e
(Harper & Ohlland, 1986; Pavlostathis se reduzir problemas com a difusão do micro-nutrientes (Fe, Ni, Zn, Co...),
& Giraldo-Gomez, 1991). Sendo assim substrato. bem como alcalinidade (NaHCO3 ou
uma concentração de 2 g/L de acetato Os resultados de Penna (1995) KH2PO4 + K2HPO4) e agente redutor
seria suficiente para garantir excesso de são concordantes com os de Monteggia (Na2S.7H2O). Não há consenso na
substrato e, de fato, essa concentração (1997), ao mostrarem que a quantidade literatura em relação à solução nutri-
é o valor de referência recomendado de biomassa, na faixa de 2,5 a 20 g/L, cional a ser usada no teste de AME,
por Monteggia (1997), que concluiu não influenciou no resultado da AME. havendo inclusive a sugestão de alguns
que o uso de concentrações de ácido Entretanto, Penna (1995) mostrou que, pesquisadores para a não utilização das
acético na faixa de 2 a 4 g/L resultaram para testes de AME com lodo de esgoto soluções minerais e nutricionais, para
em valores máximos de AME. sanitário, nas concentrações iniciais de alguns tipos de lodo, como é o caso
Segundo Penna (1994), para 5,2 e 10 gSSV/L, os melhores valores do lodo de esgoto sanitário (Dolfing
cada quantidade de biomassa, existe de A/M ficaram na faixa de 0,3 a & Bloemen, 1985; Penna, 1995). Tal
uma faixa adequada de quantidade de 0,5 gDQO/gSSV. Para testes com lodo sugestão é motivada pela decorrente
substrato, que varia com a natureza e a 20 gSSV/L, a melhor relação ficou na simplificação do teste, e tem como
atividade do lodo. Ou seja, a relação faixa de 0,1 a 0,25 gDQO/gSSV, ao premissas a pequena duração do teste e
alimento/microrganismo que resulte passo que para lodo com 2,5 gSSV/L, a presença de nutrientes no lodo de es-
em maior valor de AME deve ser pes- a faixa de 0,8 a 1,8 gDQO/gSSV foi goto sanitário. Entretanto, a tendência
quisada caso a caso. Além disso, Penna a que forneceu os maiores valores de na literatura nacional e internacional
(1994) chega a sugerir a utilização, AME. Steil et al (2004) corroboram é a de se adicionar solução nutricional
como substrato durante o teste, da a proposição de Penna (1995), de ao frasco de reação, conforme mostra a
própria água residuária que alimenta o que é necessário pesquisar para cada Tabela 1, originalmente proposta por
reator que forneceu o lodo para o teste. lodo a relação A/M que fornece o Monteggia (1997) e complementada
Essa proposição decorre do fato de o maior valor de AME, e mostraram que aqui com outras referências.
autor ter verificado que a AME obtida 0,25 gDQO/gSSV foi o valor de A/M A solução de nutrientes utilizada
com a água residuária foi similar àquela mais adequado quando a mistura de por Souza et al (2005) é uma adapta-
obtida quando se usou uma mistura de AGVs foi escolhida como substrato. ção do meio nutricional apresentado
AGVs como substrato. Como o resultado do teste será em Chernicharo (1997), por incluir
expresso em termos da quantidade de os macro-nutrientes cálcio e magnésio
Concentração inicial de biomassa presente, a quantidade do (CaCl2.2H2O e MgCl2), os micronu-
inóculo inóculo usada, em tese, não precisaria trientes níquel e boro (NiCl2.6H2O e
ser exatamente a mesma para diferentes H3BO3), e por reduzir a quantidade de
Assumindo-se que o substrato e os ensaios. O importante é que se saiba fósforo (K2HPO4 e KH2PO4) devido à
nutrientes estarão presentes em excesso exatamente a concentração do lodo pre- substituição desse sistema tampão pelo
durante o teste de AME, é de se esperar sente em cada frasco para que se possa sistema bicarbonato (NaHCO3).
que a concentração inicial de inóculo calcular com precisão a massa inicial de No sentido de harmonizar, em
defina, em última instância, a duração inóculo. Por isso é indispensável que termos de Brasil, a solução nutricional a

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ser usada no teste de AME, recomenda- trato, ou seja, quando a quantidade de carga orgânica que poderia ser aplicada
se que a solução de nutrientes proposta metano acumulada for igual à teórica no reator anaeróbio contendo determi-
pela referência X (ver Tabelas 1 e 2) (Penna, 1995), o que poderia levar de nada massa de lodo. Contudo, deve-se
seja utilizada e complementada com horas a semanas. A maioria dos pesqui- avaliar criticamente o resultado do
50 mg/L de extrato de levedura (fonte sadores prefere adotar uma solução mais teste de AME, uma vez que os reatores
de vitaminas). Embora tal procedimen- prática, encerrando o teste quando a anaeróbios em operação nas estações de
to não contribua para a simplificação produção acumulada de metano sai da tratamento ficam submetidos à variação
do teste, tal padronização facilitaria a fase exponencial e entra na fase estacio- sazonal de temperatura, e raramente
comparação de resultados de diferen- nária. Nesse caso é preciso verificar se a trabalham na faixa de temperatura ideal
tes grupos de pesquisa, uma vez que produção acumulada de metano ao final para a atividade metanogênica. Sendo
eliminaria incertezas relacionadas à da fase exponencial atingiu o mínimo assim, o resultado de AME determina-
deficiência nutricional que poderiam de 50% da produção teórica. do em laboratório pode superestimar a
eventualmente surgir, a depender da capacidade de conversão dos micror-
origem do lodo testado. Agitação e controle de ganismos metanogênicos no reator
temperatura exposto a condições ambientais dife-
Tempo de incubação antes rentes. Pesquisa em andamento (Souto,
da adição de substrato Deve-se garantir, durante o teste 2006) se propõe a avaliar a influência
de AME, que haja suficiente contato da temperatura no resultado da AME,
Durante a execução dos testes da biomassa com o substrato e que não possibilitando a determinação de coefi-
de AME é comum incubar frascos de haja limitação de transferência de massa ciente empírico que permita converter
“branco”, ou seja, contendo água des- do substrato e nutrientes. Sendo assim os valores de AME obtidos a 30oC ou
tilada ao invés da solução de substrato, é comum incubar os frascos de reação 35 oC para outras temperaturas.
para se avaliar a produção residual de sob agitação constante, muito embora
metano devido ao decaimento endóge- não haja na literatura resultados con- MÉTODOS DE MEDIÇÃO
no, sendo a produção endógena descon- clusivos sobre a influência da agitação DO BIOGÁS
tada da produção observada nos frascos intermitente, e do tipo de agitador uti-
contendo o substrato. Tal procedimento lizado (agitação orbital versus agitação Há diferentes métodos para a me-
pode levar a erros grosseiros no cálculo magnética) nos testes de AME. Penna dição de biogás produzido no teste de
da AME, uma vez que a endogenia (1994) sugeriu que para lodo de esgoto AME, os quais podem ser classificados
observada no frasco contendo substrato sanitário seria possível uma simplifi- em manométricos ou volumétricos.
deve ser bem menor que aquela obser- cação da metodologia substituindo a
vada no frasco “branco”. Para eliminar a agitação mecanizada contínua pela agi- Métodos manométricos
incerteza do metano de origem endóge- tação manual intermitente. Resultados
na FDZ-Polanco et al (2005) sugeriram preliminares de pesquisa em andamento Os métodos manométricos se
a incubação do lodo por 7 dias a 35 oC, (Souto, 2006) demonstraram que se a baseiam na medição da pressão exercida
antes que o substrato fosse adicionado, agitação magnética for muito intensa, sobre um sensor (membrana trasdutora
para que o metano produzido pela os valores de AME podem ser menores de pressão) acoplado ao frasco de rea-
endogenia pudesse ser desconsiderado que os valores obtidos com a agitação ção. Dependendo da configuração do
no teste. Outros autores (James et al, orbital e com a agitação intermitente sistema a pressão medida pode ser de-
1990; Penna, 1994; Monteggia 1997; (agitação dos frascos uma vez por dia). vido à mistura de gases do biogás, que é
Silva et al, 2005) também sugeriram a Esses resultados parecem demonstrar constituído principalmente por metano
incubação do lodo, na temperatura de que a agitação muito intensa com barras e dióxido de carbono, ou devido somen-
realização do ensaio e na presença de magnéticas pode levar à ruptura dos flo- te ao metano. Como é possível, através
nutrientes e solução tampão, previa- cos microbianos, afetando consequen- de calibração do sistema, estabelecer
mente à adição do substrato, todavia temente a transferência de produtos e uma correlação entre a pressão medida e
por períodos menores, da ordem de 6 substratos entre os microrganismos do a quantidade de metano presente dentro
a 15 horas. consórcio anaeróbio. do frasco de reação, o registro diário
Ressalta-se que, dependendo das Com relação à temperatura, há da pressão permite determinar a taxa
condições operacionais do reator (Ex. consenso na literatura de que o teste diária de produção de metano e, por
carga aplicada) no qual o lodo anae- de AME deva ser feito na faixa de 30 conseguinte, o valor da AME.
róbio foi amostrado, a produção de a 35 oC, para que os microrganismos A grande vantagem do método
metano endógena pode durar horas ou metanogênicos mesofílicos tenham manométrico é a possibilidade de se
dias. Uma prática segura para garantir as melhores condições de crescimen- acoplarem os medidores de pressão
que a endogenia não afete os resultados to. Alguns pesquisadores utilizam a a microcomputadores, permitindo
da AME consiste em incubar o lodo, temperatura de 30 oC (Chernicharo, assim o monitoramento instantâneo
na presença de nutrientes e na tempe- 1997; Souza et al, 2005) enquanto e a automação do processo, enquan-
ratura de realização do teste, até que a outros preferem a temperatura de 35 oC to que a principal desvantagem está
produção de metano se estabilize. Só (Alves et al, 2005; Monteggia, 1997; relacionada ao custo de aquisição e
então o substrato seria adicionado para FDZ-Polanco, 2005). Como o teste de manutenção dos equipamentos. Um
início do teste. AME indica a capacidade de formação exemplo de respirômetro é apresentado
O teste de AME pode ser fina- de metano, o valor de AME obtido na Figura 1, e vários autores já desen-
lizado após o consumo total do subs- pode ser usado para se determinar a volveram equipamentos semelhantes

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Tabela 1 - Resumo dos nutrientes recomendados para testes de AME


Nutriente Referência
(mg/l) (I) (II) (III) (IV) (V) a
(VI)a (VII)a (VIII) (IX) (X) (XI) (XII)
NH4Cl 1.000 73,6 500 500 40 174 500 73,6 500 500 2.235 280
(NH4)2SO4 - 13,6 - - - - - 13,6 - -
NaHCO3 - - 10.000 10.000 1.000 - - - - 1.000 - 1e
KH2PO4 2.500 13,6 300 300 9 - 1.500 13,6 1.500 650 486
K2HPO4 1.000 - 400 400 - - 1.500 - 1.500 150 - 252
Na2HPO4.2H2O - - - - - 37 - - - - -
MgCl2 100 - - - 5,5 - - 500 - 100 150 100f
CaCl2.2H2O - - - - - - - - - 100 107 10
KCl - - - - 25 - - - - - -
Na2SO4 - - - - 9 7 - - - - -
Na2S.7H2O 100 - - - - - 50 - 50 50 0,25
Extrato levedura 200 - - - 50 - 200 - - - -
b b b c c c
Elementos traço Não Sim Não Não Sim Sim Não Sim Sim Sim Simc Simc
Resarzurinad - - - - - - - 1 ml/L - 1 ml/L - 0,2
a) água de torneira contendo aproximadamente 35 mg/l de íons cálcio; b) adição de 1 ml de solução de elementos traço descrito por Zehnder et al (1980);
c) solução de micronutrientes (Tabela 2); d) indicador de potencial redox (pE) (incolor: baixo pE; rosa, roxo: alto pE); e) 1 g/gDQO; f ) adição na forma
de MgSO4.7H2O.
Referências: I) Valcke & Verstraete, (1983) apud Monteggia (1997); II) De Zeeuw, (1984); III) Dolfing & Bloemen, (1985) apud Monteggia (1997); IV)
Dolfing, (1985) apud Monteggia (1997); V) Koster et al, (1986); VI) Koster & Cramer, (1987); VII) Monteggia (1997); VIII); Penna (1994); IX) Cherni-
charo (1997); X) Souza et al.. (2005); XI) Alvez et al (2005); XII) Florencio et al, (1993).

Tabela 2 – Solução de micronutrientes


Micronutriente Referência
Concentração na solução final (em mg/L) VIII IX X XI XII
FeCl3.6H2O 2a 2 2 4 2
ZnCl2 0,05 0,05 0,05 0,212b 0,05
c
CuCl2.2H2O 0,03 0,03 0,03 0,076 0,038
MnCl2.4H2O 0,5 0,5 0,5 1 0,5
(NH4)6Mo7O24.4H2O 0,05 0,05 0,05 0,2 0,05
AlCl3.6H2O 0,05 0,05 0,05 - 0,09
CoCl2.6H2O 2 2 2 2,2 2
NiCl2.6H2O - - 0,05 0,1 0,142
H3BO3 - - 0,01 0,1 0,05
Na2SeO3 - - - 0,2 0,164
EDTA - - - 2 1
H3PO4 1 ml/L - - - -
HCl conc.d 1 ml/L 1 ml/L 1 ml/L 1 ml/L 1 ml/L
a) Sal usado foi FeCl2.4H2O; b) Sal usado foi ZnSO4.7H2O; c) Sal usado foi CuSO4.5H2O; d) Proporção a ser adicionada na solução estoque.

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Metodologias para determinação da atividade metanogênica

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para a determinação da AME usando Um outro sistema respirométrico pastilhas de NaOH colocadas em uma
o procedimento manométrico (James que pode ser utilizado e, que também ‘cestinha’ suspensa, através da qual os
et al, 1990; Chernicharo & Campos, utiliza a concepção de absorção do gases são obrigados a passar antes de
1991; Cohen, 1991; Chernicharo gás carbônico previamente à medição atingirem o trasdutor de pressão.
et al, 1997; Monteggia, 1991; de pressão, é uma adaptação do kit Com base no exposto é possível
FDZ-Polanco et al, 2005; Louzada comercial Oxitop® disponível no adaptar o equipamento Oxitop® para
et al, 2005). mercado e usualmente empregado nas sua utilização nas determinações de
O sistema mostrado na Figura 1 determinações da demanda bioquímica AME, só que nesse caso o equipamento
consistia de 8 frascos de reação de 1 L de oxigênio (DBO). registraria acréscimos de pressão, devi-
submersos em um banho termostati- A determinação da DBO com o do à produção de metano, ao invés da
zado, sendo a mistura do seu conteúdo sistema Oxitop® (Figura 3) se baseia no redução de pressão devido ao consumo
feita com agitadores magnéticos. O fato de que durante a respiração aeróbia de oxigênio.
sistema de medição de gás era cons- haverá consumo de oxigênio dissolvido No processo manométrico é preci-
tituído de uma válvula solenóide de na fase líquida, com conseqüente repo- so calibrar o equipamento e determinar
3 vias controlada por um medidor de sição pelo oxigênio molecular presente a constante do frasco (K, em unidade de
pressão (manômetro ou transdutor de na fase gasosa. Desta forma a pressão volume/unidade de pressão), de forma
pressão), de tal forma que duas vias (vias parcial do oxigênio no headspace tende que o volume do biogás produzido
1 e 2 indicadas na Figura 1) ficavam a diminuir devido à reposição do oxi- (V, em unidade de volume) possa ser
normalmente abertas permitindo a gênio consumido pela atividade micro- relacionado à pressão medida (P, em
comunicação do frasco de reação com biana. Como há, durante a degradação unidade de pressão) através da Equação
o reservatório de gás. No decorrer do aeróbia, produção de gás carbônico, 1 (Chernicharo, 1997):
ensaio de AME a pressão no frasco de é preciso que se tenha um dispositivo 7  ,1 (1)
reação e no reservatório de gás aumen- para sua absorção antes que a pressão A determinação experimental da
tava e era registrada progressivamente seja medida, de forma que a queda de constante K pode ser feita através da
pelo manômetro até atingir um valor pressão devido ao consumo de oxigênio calibração de frascos de reação contendo
limite. Quando a pressão detectada no seja percebida e quantificada correta- um volume de água correspondente ao
manômetro atingia o limite estipulado, mente. Nos equipamentos Oxitop®, volume líquido utilizado no teste com
o controlador emitia um sinal elétrico a absorção de gás carbônico é feita por o lodo. Para minimizar, durante o teste
para a válvula solenóide para fechar a via
de entrada para o reator (via 1) e abrir
a via de purga (via 3). Isso fazia com
que a pressão do sistema fosse aliviada
devido à liberação do gás acumulado
no reservatório. Após a despressurização
o controlador enviava um novo sinal
para a válvula para fechar a via 3 e
abrir novamente as vias 1 e 2, iniciando 1- Frascos de reação (V =1 L)
assim um novo ciclo (Ince et al, 1995). 2- Septa para amostragem
3- Agitadores magnéticos
Outros respirômetros utilizam sistemas 4- Válvula solenóide de 3 vias
de medição semelhantes, substituindo o 5- Reservatório de gás (V = 80 ml)
6- Manômetro
manômetro por transdutores de pressão 7- Cabos elétricos
(Cohen, 1991; Chernicharo et al, 1997; 8- Termostato de imersão
FDZ-Polanco et al, 2005). 9- Banho de água
10- Motor do agitador magnético
É importante ressaltar que os pro- 11- Painel de controle da válvula solenóide
cedimentos manométricos só dispen- 12- Computador par a aquisição de dados

sam o uso de cromatógrafo caso haja Figura 1 – Respirômetro, originalmente proposto por Monteggia
a absorção do dióxido de carbono em (1991), para realização de testes de AME
etapa prévia à medição de pressão. Nos
respirômetros utilizados por James
et al (1990), Chernicharo & Campos
(1991), Monteggia (1991), Ince et al
1- Frasco de reação (200 ml)
(1995) e Chernicharo et al (1997), a 2- Solução alcalina (15 gNaOH/L)
pressão registrada correspondia às pressões 3- Headspace da câmara de lavagem do biogás
4- Tubo coletor
parciais do gás carbônico e metano e, por 5- Porta de amostragem
isso a determinação cromatográfica dos 6-
7-
Agulha de seringa
Transdutor de pressão
gases era necessária para quantificação do 8- Computador para aquisição de dados
metano produzido. Recentemente, FDZ-
Polanco et al (2005) desenvolveram um
respirômetro acoplado a um sistema de
absorção de gás carbônico (Figura 2), de
forma que a pressão medida pelo trasdu- Figura 2 – Respirômetro desenvolvido por FDZ-Polanco et al (2005) para
tor é devida apenas ao gás metano. remoção do CO2 previamente à medição da pressão

Eng. sanit. ambient. 197 Vol.12 - Nº 2 - abr/jun 2007, 192-201


Aquino, S. F. et al.
ARTIGO TÉCNICO

de calibração, a solubilização de gases na


água, principalmente do CO2, deve-se
utilizar água previamente saturada com
NaCl. A simulação da produção de gás
seria feita injetando-se, a cada 30 mi-
nutos ou outra frequência mais conve-
niente, quantidades conhecidas de uma
mistura padrão contendo gás carbônico
e metano em concentrações conhecidas.
O acréscimo de pressão registrado pode
ser então relacionado com a quantidade
de metano adicionada, possibilitando a
determinação de K (Figura 4).
Figura 3 – Sistema Oxitop® para medição da AME (Borges, 2004)
Métodos volumétricos
Os métodos volumétricos se ba-
seiam na determinação do volume de
biogás ou metano produzido em um Pressão máxima registrada pelo transdutor
frasco reacional que contém o lodo a (o headspace do frasco deve ser escolhido de
Pressão medida (atm)

ser testado. A literatura reporta três forma que o valor de pressão máxima não
metodologias comumente utilizadas seja atingido durante o teste)
que empregam procedimentos volu-
métricos: i) medição do volume e com-
posição do biogás, ii) medição apenas
da composição do biogás, iii) medição dV/dP = K (ml/atm)
direta do volume de metano.

Medição do volume e composição do


biogás Metano adicionado (ml)
Figura 4 – Exemplo da determinação gráfica da
Nesse procedimento, frascos de constante do frasco (K)
vidro (tipo antibiótico por exemplo)
são inoculados com lodo a ser testado,
substrato e solução de nutrientes, e tando-se diferentes volumes de um quer gás, na CNTP (O oC e 1 atm),
incubados à 30 oC por um período que mesmo gás padrão. A taxa máxima de ocupa um volume de 22,7 L, pode-se
varia de 7 a 20 dias. O teste deve ser produção de metano pode ser obtida dizer que 1 g de DQO destruída equi-
finalizado quando a produção acumu- ao se construir um gráfico temporal vale, na CNTP, a 0,354 L de metano
lada de metano se estabilizar, ou seja, da produção acumulada de metano. A formado. Como as condições do teste
é fundamental que a taxa máxima de AME pode ser então determinada no de AME não se encontram na CNTP,
produção de metano (ponto de máxima gráfico “volume acumulado de metano” é preciso usar a Equação 3 para ajustar
inclinação na curva obtido em gráfico versus “tempo de incubação” (Figu- a relação teórica:
tipo “volume acumulado de metano” ra 5), pelo coeficiente angular no trecho 17
  17
de maior inclinação. Deve-se assegurar E O  E  O
versus “tempo de incubação”) seja ob- 5 $/51 5 -"# (3)
tida antes que o teste seja encerrado. O que a taxa máxima seja determinada
no trecho linear que corresponda ao Supondo que o teste de AME seja
monitoramento da produção de metano
consumo mínimo de 50% do substrato feito em um laboratório localizado em
pode ser feito diariamente com o auxílio
adicionado. uma região onde a pressão atmosférica
de uma seringa esmerilhada (que não
Como o resultado de AME é geral- é de 1 atm, e sendo a temperatura de
ofereça resistência ao deslocamento),
mente expresso como gDQOCH4/gSSV.d, incubação de 30 oC (303 K), tem-se:
e a determinação da composição do
é preciso conhecer também a massa de BUN  7 N
biogás amostrado pode ser feita por D BUN   - N D 
lodo inoculada (em gramas de SSV), , , -"#
cromatografia gasosa. $/51

Nesse procedimento a produção bem como converter a produção volu-  7   - (4)
volumétrica de metano é calculada dia- métrica de metano (Ex. ml CH4/d) em Ou seja, nas condições em que a
riamente, multiplicando-se o volume DQO (gDQO/d). Isso pode ser feito produção de metano foi determinada,
de biogás pela porcentagem de metano sabendo-se o coeficiente estequiométrico 1 mol de metano ocupará um volume
no biogás. A porcentagem de metano de oxidação do metano (Equação 2). de 25,19 L. Desta forma é possível
no biogás pode ser encontrada a partir $) 0  $0 )0 (2) dizer que a 30 oC e 1 atm, 394 ml de
de uma curva de calibração construída metano produzido equivalem a 1 g de
injetando-se volumes fixos de diferentes A Equação 2 mostra que 1 mol DQO destruída. Através dessa correla-
gases padrão que contenham metano de metano equivale a 2 moles de O2 ou ção é possível expressar a taxa máxima
em diferentes porcentagens, ou inje- 64 g de DQO. Como 1 mol de qual- de produção de metano determinada

Eng. sanit. ambient. 198 Vol.12 - Nº 2 - abr/jun 2007, 192-201


Metodologias para determinação da atividade metanogênica

ARTIGO TÉCNICO
graficamente em equivalentes de DQO K = Constante da Lei de Henry (Para CH4 matografia gasosa (Figura 6). Conforme
(gDQOCH4/d). a 25oC, K = 1,34.10-3 mol.L-1.atm-1) discutido anteriormente, isso pode ser
Pg = pressão parcial do metano (atm), feito injetando-se diferentes quantida-
Medição apenas da composição do função da pressão total e da % de meta- des de um gás contendo porcentagem
biogás no no headspace (PCH4 = Ptotal × %CH4) fixa de metano, ou volumes fixos de ga-
Conhecendo-se os volumes da fase lí- ses contendo diferentes porcentagens de
De forma similar ao procedimen- quida e gasosa, pode-se encontrar então metano. Por sua vez, o número de moles
to descrito anteriormente, frascos de a quantidade de metano produzida a de metano que é injetada no cromató-
vidro (tipo antibiótico por exemplo) partir da Equação 6. grafo durante a construção da curva de
são inoculados em triplicata com lodo O  9H7H 9M7M (6) calibração é obtido conhecendo-se o
anaeróbio, substrato e solução de nu- Onde: volume de metano injetado bem como
trientes, e incubados até que a produção n = quantidade de metano dentro do a temperatura e pressão local.
acumulada de metano se estabilize. frasco (em moles) A curva de calibração permite
A diferença principal para o método Xg = concentração de metano determi- então que o número de moles de me-
descrito anteriormente está relacionada nada na fase gasosa (em mol.L-1) tano produzido diariamente no frasco
à forma de medição do metano produ- Vg = volume (em L) da fase gasosa de reação seja determinado a partir da
zido. Nesse caso o monitoramento da (headspace) injeção de um volume fixo de amostra
produção de metano é feito diariamente Xl = concentração de metano calculada (Ex. 1 ml). Uma vez conhecido o nú-
amostrando-se um volume fixo de bio- na fase líquida (em mol.L-1) mero de moles de metano produzido
gás (Ex. 0,5 ml) de dentro do frasco de Vl = volume da fase líquida diariamente, pode-se obter a produção
reação e deteminando-se a quantidade O inconveniente do procedimen- diária em termos de ml CH4/d, bem
de metano (massa ou número de moles) to descrito acima é a necessidade de se como a produção acumulada em ter-
produzida, por cromatografia gasosa saber a pressão dentro do frasco para se mos de gDQOCH4 conforme raciocí-
(Steil et al, 2004). determinar de forma exata a quantidade nio desenvolvido anteriormente. De
A grande vantagem dessa metodo- de metano dissolvida. forma similar, o valor da AME, em
logia é que ela dispensa a medição do Para se determinar a produção gDQOCH4/gSSV.d, pode ser calcula-
volume de biogás e o uso de seringas diária de metano é preciso construir do conhecendo-se a quantidade de
de vidro. Por outro lado sua grande uma curva de calibração que relacio- lodo usada como inóculo (g SSV) e a
desvantagem reside no fato de que o ne número de moles de metano no taxa máxima de produção de metano
frasco de reação trabalha sob pressões headspace com a área sob o pico de (gDQO CH4/d) obtida no trecho de
muito maiores, aumentando o risco de metano separado e detectado por cro- maior inclinação.
perda de biogás, principalmente durante
o procedimento de amostragem do volu-
me fixo. Além do mais, para evitar erros
na construção da curva de calibração, é
Volume acumulado

preciso que o volume de biogás amos-


trado seja exato (Ex. 1 ml), uma vez que
de CH4(ml)

esse volume determinará a quantidade de


metano injetada no cromatógrafo. Taxa máxima produção CH4 = dV/dt
Por ser um gás pouco solúvel, a
quantidade de metano presente na fase
líquida é desprezada na metodologia
de AME descrita na seção anterior,
uma vez que a pressão no interior do Tempo incubação (d)
frasco é “zerada” (igualada à atmosfé-
rica) periodicamente. Entretanto, no Figura 5 – Determinação gráfica da taxa máxima
procedimento em que se mede apenas de produção de metano
a composição do biogás, um pequeno
volume de gás é amostrado periodica-
Número de moles CH4

mente, causando a elevação contínua da


pressão no interior do frasco de reação.
Nesse caso a solubilização do metano
não pode ser desprezada, e necessita
ser calculada.
A solubilidade de metano em
água pode ser facilmente calculada pela
Lei de Henry, conforme a Equação 5
(Manahan, 1994).
9M  ,1H (5) Área
Onde: Figura 6 – Curva de calibração para
Xl = concentração metano dissolvida quantificação do metano
(mol.L-1)

Eng. sanit. ambient. 199 Vol.12 - Nº 2 - abr/jun 2007, 192-201


Aquino, S. F. et al.
ARTIGO TÉCNICO

Medição direta do volume de metano Aparato I Aparato II (Frasco de Mariotte)

A única diferença entre o “método Gás livre de CO2 Gás livre


(medição volume com de CO 2
de medição do volume e composição” seringa esmerilhada)
descrito anteriormente e o “método da
medição direta de metano” é que, para Frasco
NaOH 15%
se medir o volume de apenas metano,
deve-se lavar o biogás com uma solução
de soda (Ex. NaOH 15%) para que haja Frasco Frasco
a absorção do CO2 de acordo com as incubação NaOH 15%
seguintes reações: Medição do volume
Vreação deslocado com proveta
)0 $0 )$0 (7)
)$0 /B0) /B$0 )0 Figura 7 – Esquema de dois aparatos experimentais para lavagem do
(8) biogás e medição do volume de metano produzido
$0 /B0)  /B$0 )0 (9)
Esse procedimento assume que o também seria usado para conectar o esforço de alguns pesquisdores, não há,
CO2 e o CH4 são os principais constitu- frasco de incubação ao frasco de NaOH, na literatura nacional e internacional,
íntes do biogás formado durante o teste entretanto a despressurização do frasco consenso sobre as melhores condições de
de AME. Essa consideração é válida de incubação será seguida da expulsão incubação do lodo (concentração de bio-
uma vez que em pH neutro a maior de solução de soda, que corresponde massa, tipo e concentração de substrato,
parte da amônia (NH3) e metade do ao volume deslocado pelo metano. O relação alimento/microrganismo, tipo e
sulfeto de hidrogênio (H2S), se presen- volume de metano produzido pode ser concentração de nutrientes, tempo de
tes, estarão ionizados e dissolvidos na conhecido através da medição do volu- incubação), bem como procedimentos
fase líquida como NH4+ e HS-. me ou peso da soda expulsa do frasco. de medição de metano (manométricos,
Diferentes grupos de pesquisa Caso se opte pela pesagem do liquido volumétricos) para a execução do teste.
brasileiros usam esta metodologia também deve ser conhecida a densidade A não existência de um procedi-
(Rocha et al, 2001; Alves et al, 2005), da solução alcalina. A grande vantagem mento padrão para a determinação da
e o monitoramento da produção de do “Aparato I” é a sua simplicidade e a AME, dificulta a comparação dos resul-
metano também é feito diariamente, dispensa da necessidade de recompo- tados obtidos por diferentes estudos, e
com o auxílio de uma seringa conectada sição periódica do volume da solução limita a aplicabilidade e disseminação
a um recipiente para absorção do CO2. de NaOH, enquanto que a vantagem do teste de AME como ferramenta
A grande vantagem dessa metodologia do “Aparato II” é a dispensa do uso das de controle dos processos anaeróbios.
é que ele dispensa o cromatógrafo seringas esmerilhadas. Salienta-se que Dessa forma é importante que novas
para determinação da composição do para o correto funcionamento dos apa- pesquisas investiguem a possiblidade
biogás. Por isso essa técnica tem baixo ratos I e II, as mangueiras utilizadas nas de harmonização do teste de AME,
custo e pode ser implementada em, conexões “agulha-mangueira-agulha” tanto pela adoção de procedimentos
literalmente, qualquer laboratório de devem ser impermeáveis a gases (Ex.: comuns de incubação do lodo, como
monitoramento, e mesmo em ETEs mangueiras tipo “cristal” ou de látex, pela avaliação da confiabilidade dos
pequenas sem grande capacidade de impermeáveis a gases). diferentes métodos de medição do
infra-estrutura. A medição de metano Uma vez conhecido o volume metano durante o teste.
do biogás pode ser realizada como de metano produzido diariamente,
ilustrado na Figura 7. pode-se obter a produção acumulada REFERÊNCIAS
A Figura 7 mostra que o volume em termos de gDQOCH4/d conforme
de metano produzido pode ser aferido ALVES, R. G. C. M.; et al. Digestores anaeróbios
raciocínio desenvolvido anteriormente. para tratamento de dejetos suínos – avaliação de
medindo-se o volume do biogás lavado De forma similar, o valor da AME, em partida para diferentes configurações de reatores.
(Aparato I), ou o volume de solução de gDQOCH4/gSSV.d, pode ser calcula- In: 23O CONG. BRAS. ENG. SANITÁRIA E
hidróxido deslocado pelo gás lavado do conhecendo-se a quantidade de AMBIENTAL, Anais..., Campo Grande, 2005.
(Aparato II). No “Aparato I” pode-se, lodo usada como inóculo (g SSV) e a BORGES, E. S. M. Tratamento térmico de lodo
no momento da leitura, conectar o fras- taxa máxima de produção de metano anaeróbio a partir da queima do biogás produzido
co de incubação ao frasco de NaOH por (gDQO CH4/d) obtida no trecho de em reator UASB objetivando a higienização e a
melhoria da biodisponibilidade e biodegradabili-
meio de um sistema “agulha-mangueira maior inclinação e que corresponda a dade da fração orgânica. Tese de doutorado em
latex-agulha”, de forma que a introdu- uma utilização de, pelo menos, 50% Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídri-
ção da agulha da seringa esmerilhada no do substrato adicionado. cos, UFMG, 2004.
septo do frasco de NaOH cause a au- CHERNICHARO, C. A. L. Reatores Anaeró-
tomática despressurização do frasco de CONCLUSÕES bios - Princípios do tratamento biológico de águas
incubação. Como o gás entra no frasco residuárias, v. 5, DESA-UFMG, 1997.
de NaOH abaixo do nível da solução, Esse artigo apresentou uma revisão CHERNICHARO C. A. L., CAMPOS, C. M. M. A
garante-se que o gás medido na seringa sobre os diferentes testes normalmente new methodology to evaluate the behaviour of anaerobic
esmerilhada seja predominantemente utilizados para a determinação da sludge exposed to potentially inhibitory compounds. In:
PROC. IAWPRC INTERN. SEMINAR ON
metano. No caso do “Aparato II”, o sis- atividade metanogênica específica INDUSTRIAL RESIDUALS MANAGEMENT,
tema “agulha-mangueira latex-agulha” (AME) de lodos anaeróbios. Apesar do Salvador, p. 79-88, 1990.

Eng. sanit. ambient. 200 Vol.12 - Nº 2 - abr/jun 2007, 192-201


Metodologias para determinação da atividade metanogênica

ARTIGO TÉCNICO
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