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ARTIGO DE REVISÃO
Resumo Abstract
Objetivo: Revisar as principais características das células T Objective: To review the main characteristics of regulatory
regulatórias (Tregs) e os estudos de suas funções nas doenças T cells (Tregs) and the studies of their function in human dise-
humanas. As Tregs são componentes da tolerância imunológi- ases. Treg cells are members of immune tolerance, and are es-
ca, e são moduladores essenciais na resposta imune à patóge- sential modulators of immune response, including down-modu-
nos, alérgenos, células cancerígenas e antígenos próprios. lation of immune response to pathogens, allergens, cancer
Método: Levantamento bibliográfico nos bancos de dados cells and self-antigens.
PubMed, Medline, LILACS, SCIELO e capítulos de livros, nos Methods: Searches in MEDLINE, LILACS, SCIELO database
últimos 10 anos. and book chapters, in the last 10 years.
Resultados: Neste trabalho são descritas as principais ca- Results: This review describes the role of Tregs on immune
racterísticas fenotípicas e funcionais das Tregs, as três hipóte- regulation, the three current hypotheses of Tregs’ action me-
ses de mecanismos de ação das Tregs sobre as células T efeto- chanisms on effector T cells, and some studies of Tregs in hu-
ras e estudos de Tregs em diversas doenças humanas. man diseases.
Conclusão: A identificação dos genes relacionados ao Conclusion: The identification of genes related to FOXP3
FOXP3 e o esclarecimento dos mecanismos de ação das Tregs, and a better comprehension of Tregs’ action mechanism, could
poderão melhorar a terapêutica nas doenças com desregulação improve the therapy in diseases with immune dysregulation.
imune.
Rev. bras. alerg. imunopatol. 2009; 32(5):184-188 Imuno- Rev. bras. alerg. imunopatol. 2009; 32(5):184-188 Primary
deficiência primária, células T regulatórias, FOXP3, CD25, immunodeficiency, Regulatory T cell, FOXP3, CD25, CD127,
CD127, tolerância imunológica, IPEX. immune tolerance, IPEX.
1- Pós-graduanda do Departamento de Pediatria – UNIFESP/EPM las co-estimulatórias, tornando assim as células T incapa-
2- Professora Adjunta Disciplina Alergia, Imunologia e Reumatolo- zes de responder aos Ag; ou b) quando as células T ex-
gia- UNIFESP/EPM pressam receptores inibidores. Na deleção clonal ocorre a
estimulação repetida das células T por Ag, resultando na
Artigo submetido em 16.09.2009, aceito em 21.12.2009.
morte celular por apoptose1. O mecanismo de supressão é
exercido pelas Tregs.
Introdução
As células T regulatórias (Tregs) são componentes im- Células T regulatórias
portantes da tolerância imunológica. A tolerância imunoló- As Tregs representam uma subpopulação de linfócitos T
gica é definida como a não-resposta a um determinado caracterizados pela expressão da molécula CD25+ e do fa-
antígeno (Ag), induzida pela exposição prévia a este, e po- tor nuclear FOXP3. Induzem a supressão das células T efe-
de ser central ou periférica1. toras, bloqueando a ativação e a função destes linfócitos,
Tolerância central: É induzida nos órgãos linfóides pri- sendo assim importantes no controle da resposta imunoló-
mários, em conseqüência ao reconhecimento dos antígenos gica a Ag próprios e não-próprios3, 4.
próprios pelos linfócitos T imaturos. Atualmente são descritas pelo menos dois tipos de
Tolerância periférica: As células T maduras reconhe- Tregs: naturais e adaptativas5. As chamadas Tregs naturais
cem especificamente os Ag próprios presentes nos tecidos expressam constitutivamente o receptor de cadeia α da IL-
periféricos, tornando-se assim incapazes de responder a -2 (CD25), sendo assim denominadas CD4+CD25+ 6. São
estes1. A tolerância periférica tem importância fundamental produzidas naturalmente nos corpúsculos de Hassal no ti-
na resposta a Ag estranhos e no desenvolvimento de doen- mo como uma subpopulação de células T funcionalmente
ças auto-imunes2. distintas e maduras, e representam 5 a 10% das células T
- Mecanismos de tolerância periférica: CD4+ periféricas7.
Foram descritos nas células T CD4+ e ocorrem através A sinalização para o desenvolvimento das Tregs naturais
de anergia, deleção clonal e supressão das células T. A a- que ocorre durante a timopoiese normal ainda é desconhe-
nergia pode ser induzida durante o processo de reconheci- cida, porém, acredita-se que estas células possam ser ge-
mento do Ag pelas células T quando: a) as células apre- radas mediante reconhecimento de Ag próprios no timo,
sentadoras de antígenos (APCs) não expressam as molécu- através de receptores (TCR) de alta afinidade1,8.
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Células T regulatórias Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 32, Nº 5, 2009 185
N C
Figura 1 - Estrutura da proteína FOXP3, com o domínio repressor, central composto por dedos de zinco (ZnF) e zíper
de leucina (Zip), e o domínio forkhead . A régua representa o número de aminoácidos (AA) de 1 a 431. (Adaptado de
Torgerson, Ochs, 2007).
O domínio repressor suprime a transcrição gênica me- A sinalização nuclear através da FOXP3 nas Tregs não
diada pelo fator nuclear de células T ativadas (NFAT- Nu- está ainda bem definida. De acordo com estudos experi-
clear factor of activated T-cells). O domínio central, que mentais, após a ligação do Ag com o TCR, há uma atenua-
contém um dedo de zinco (ZnF) e um zíper de leucina está ção na sinalização celular em decorrência da interação fí-
envolvido na interação proteína-proteína e o domínio fork- sica dos fatores nucleares NF-κB e NFAT com o fator
head se liga ao DNA17. FOXP3, reprimindo os genes de transcrição das citocinas
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IL-2, IL-4 e IFN-γ. (Figura 2). Uma outra consequência da Mecanismos de ação das Tregs
ligação de NFAT e FOXP3 é o aumento da expressão de
CD25 e CTLA-4. E, finalmente uma terceira hipótese de Os mecanismos utilizados pelas Tregs para exercer a
atuação do FOXP3 seria a ativação de um co-fator com a função supressora ainda não foram esclarecidos. Postula-se
função de liberar sinais inibitórios após a ligação do TCR que existam pelo menos três mecanismos de atuação des-
com o Ag3. tas células Figura 34, 16.
A B C
Proteína X
Figura 2 - Regulação da ativação das células T mediada por FOXP3. A) Sinalização nas células T CD4+ efetora. A ligação do receptor de células
T (TCR) e da molécula coestimulatória CD28 leva à ativação das vias de sinalização, resultando na translocação de NFAT (nuclear factor of
activated T cells) e AP1 (activator protein 1), com subseqüente transcrição do gene da IL- 2 (interleucina 2); B) Modelo de regulação direta de
TCR mediada pela sinalização do FOXP3. Neste modelo, o fator FOXP3 bloqueia a sinalização de TCR através da inibição da ativação mediada
pelo NFAT, NF-κB e AP1; C) Modelo de regulação indireta de sinalização do TCR: o fator FOXP3 modula a sinalização de TCR através da
expressão de um fator que pode inibir sinais induzidos pelo TCR. (Adaptado de Campbell e Ziegler, 20073).
APC
APC APC
Mediadores
CTLA-4/B7 -TGF-β -Receptor de cadeia
Lag3 -IL-10 γ para citocinas
AMPc -IL-35 -CTLA-4/B7
Granzima B -Adenosina
Figura 3 – Modelos de mecanismos de ação das Tregs. (a) Contato célula-célula - Supressão da célula-alvo com liberação de fatores de
supressão incluindo o monofosfato de adenosina cíclica (AMPc), citocinas supressivas como o TGF –β, citólise direta ou sinalização negativa
através da molécula CTLA-4; (b) Fatores de supressão solúveis como citocinas IL-10, TGF-β e IL-35 ou secreção de fatores supressivos pelas
APC como adenosina; (c) Competição – Competição por citocinas que sinalizam através de receptores da cadeia γ comum (IL-2, IL-4 e IL-7).
APC: célula apresentadora de antígeno (Adaptado de Sojka et al., 20084).
Células T regulatórias Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 32, Nº 5, 2009 187
a - Contato célula – célula incluindo leite, níquel e gramíneas13. Por outro lado, em
Este tipo de mecanismo depende do contato da Tregs amostras de sangue de pacientes alérgicos a pólen, a de-
com a célula T CD4+ efetora, requer a participação de mo- pleção de Tregs não afetou a liberação de citocinas pelas
léculas de superfície, tais como TGF-β e CTLA-4; além de células T efetoras de pacientes alérgicos a pólen em com-
moléculas citolíticas (Fas e granzima B). A molécula CTLA- paração aos controles27.
-4 libera sinais inibitórios após a ligação com o receptor de Nos pacientes com asma grave há relato de alteração na
membrana B7-1 (CD80) expresso em células dendríticas e sinalização de quimiocinas relacionadas às Tregs, além de
células T ativadas4. secreção diminuída de IL-10 [5, 28]. Provoost et al., 2009
Um outro mediador importante é o monofosfato de ade- observaram que as Tregs de pacientes com asma intermi-
nosina cíclica (AMPc), que é liberado pelas Tregs após o tente a moderada tinham uma diminuição na expressão da
contato com as células efetoras através das junções comu- proteína FOXP3. Neste estudo os pacientes em uso de cor-
nicantes ou gap junctions. O AMPc em níveis elevados inibe ticóide inalado apresentavam uma tendência à maior ex-
a proliferação e a diferenciação celular, e em linfócitos leva pressão de FOXP3, em comparação aos outros29.
a uma inibição seletiva da expressão de citocinas, incluindo Um aumento no número de Tregs tem sido descrito nos
IL-2 e IFN-γ. Esta inibição pode ocorrer por bloqueio da pacientes com dermatite atópica recebendo baixas doses
proteína cinase A (PCA), do fator nuclear NF-κB, ou através de ciclosporina e nos pacientes alérgicos a leite de vaca e
da ativação de um repressor de transcrição chamado ICER que adquiriram tolerância “naturalmente”, com o a pro-
(inducible cAMP early repressor)4,16. gressão da idade13, 29, 30.
Apesar de não haver um consenso sobre os mecanismos
b - Liberação de citocinas inibitórias de ação das Tregs, acredita-se que estas células possam
Em modelos experimentais in vivo o papel das citocinas ser úteis na compreensão das principais doenças alérgicas,
inibitórias IL-10 e TGF-β1 na regulação da resposta imuno- e também ser utilizada para terapêutica nos pacientes ató-
lógica é complexo e depende do tempo e contexto desta picos.
resposta8 . O TGF-β além da função supressora sobre as
células alvo, exerce a função de modular a expressão de Doenças infecciosas
FOXP3 pelas Tregs, sendo capaz de transformar células T Para o controle das respostas imunológicas a infecção,
periféricas CD4+CD25- em CD4+CD25+, tornando-se alvo diversos mecanismos são acionados e as Tregs participam
importante de estudos relacionados a reação enxerto – ativamente no controle destas respostas. Em estudos sobre
hospedeiro20,21. Enquanto a IL-10, inibe a ativação das indivíduos infectados pelo Helicobacter pylori tem sido de-
APCs e é antagonista do IFN-γ, sendo relacionada às rea- monstrado o aumento na freqüência destas células em es-
ções de controle da inflamação nos tecidos alvo4. tômago e duodeno; e em pacientes com hepatite pelo vírus
B (HBV) e C (HCV) há um aumento de Tregs em sangue
c - Competição por fatores de crescimento periférico13.
Uma outra forma de atuação das Tregs seria a competi- Nos pacientes infectados pelo HIV a progressão da do-
ção por fatores de crescimento, em especial a IL-2, com as ença está diretamente relacionada a um estado de hipera-
células-alvo. O que levaria à apoptose células por privação tivação imune, e nestes casos há uma redução no número
de citocinas. Esta forma de ação seria combinada com ou- e na função das Tregs12, 31.
tros mecanismos de ação.
Câncer
Tregs nas doenças humanas Os trabalhos sobre Tregs nas neoplasias malignas suge-
rem que o aumento na atividade destas células associa-se
O estudo das Tregs nas doenças humanas tem aumen- a uma resposta prejudicada na imunidade anti-tumoral. Há
tado nas últimas 3 décadas5, 13,17. São inúmeros trabalhos co-estimulação deficiente das células T CD4+ sobre as cé-
sobre a possibilidade destas células se tornarem uma op- lulas T CD8+, bem como alteração na citotoxicidade me-
ção terapêutica nas doenças alérgicas, autoimunes, neo- diada por células NK contra os antígenos tumorais1,13. Uma
plásicas e infecciosas, nestas últimas se destacando a in- das formas de inibição das Tregs sobre as células efetoras
fecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e da imunidade tumoral é a liberação das citocinas IL-10 e
também nos pacientes transplantados13,17, 22, 23. TGF-β. Assim, como estratégia terapêutica para o trata-
mento do câncer, a inibição da função das Tregs pode ter
resultados positivos13.
Doenças Autoimunes
Diversos estudos relatam alterações em número e fun-
ção das Tregs em distúrbios autoimunes5, 24- 26. Na escle- Imunodeficiências Primárias
rose múltipla as Tregs de sangue periférico exibem uma A síndrome IPEX é o protótipo de associação entre IDP e
redução na produção de INF-γ e na capacidade de inibir a desregulação imune. Descrita pela primeira vez em 198232,
proliferação de células T, disfunção esta, também observa- nesta síndrome há desregulação grave do sistema imunoló-
da em diabetes tipo I, na psoríase e na miastenia gravis5. gico, levando a tireoidite, anemia hemolítica autoimune, in-
Interessante, que nos pacientes com artrite reumatóide fecções de repetição e nefropatia32. O diagnóstico definitivo
o número e a função das Tregs podem ser normais, porém é baseado na análise de DNA, mostrando a presença da
com defeito na inibição de citocinas (IFN-γ e TNF- α) deri- mutação no gene FOXP3. Aproximadamente 20 mutações
vadas de células T e monócitos. Assim, o objetivo do tra- foram descritas, e o quadro clínico pode ser mais ou menos
tamento com Tregs nestas doenças visa utilizar mediado- grave dependendo do tipo de mutação. O transplante de
res que aumentem a função supressiva da população exis- medula óssea é o único tratamento curativo para IPEX33.
tente ao invés de simplesmente aumentar o número destas Atualmente acredita-se que alguns fenótipos de IPEX ou
células13. IPEX-like possam se manifestar mais tardiamente, até
mesmo na idade adulta.
Outras imunodeficiências que podem apresentar distúr-
Doenças Alérgicas
bios numéricos e funcionais das Tregs são: ICV, deficiência
Os estudos relacionados às Tregs e atopia têm mostrado
de CD25, APECED ( Autoimmune polyendocrinopathy- can-
resultados controversos. Os resultados de estudos in vitro
didiasis- ectodermal dystrophy ) e síndrome de Wiskottt-
descrevem que a depleção das Tregs de indivíduos normais
Aldrich17,34,35.
pode aumentar a resposta do tipo Th2 a vários alérgenos
188 Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 32, Nº 5, 2009 Células T regulatórias