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Acesso: 31/12/2010

afinal, o que é performance?


3 julho, 2009 às 12:40 pm · Arquivado em escritos and tagged: austin, estética da
recepção, paul zumthor, performance, saussure, teoria, walter ong

muita gente me faz essa pergunta, esperando ouvir algum tipo de definição ou, pelo
menos, procurando uma idéia mais precisa do termo. quando explico os conceitos com
os quais tenho trabalhado, a reação geralmente é uma frase como “mas então você quer
dizer que TUDO é performance?”

comecemos pelo começo: a etimologia da palavra, que se refere a um ato pelo qual se
dá forma a alguma coisa ou se revela a forma de alguma coisa. esta idéia de dar/revelar
uma forma é essencial para os estudos estéticos, afinal, analisamos obras de arte, que
são manifestações formais (entre muitas outras coisas).

no dicionário, encontramos a palavra performance como sinônimo de “desempenho” ou


“atuação”, ampliando os sentidos do termo para além do campo das artes: performance
é termo utilizado nos esportes, na área de tecnologia, recursos humanos etc.

o termo performance é muito utilizado na arte contemporânea para designar vários tipos
de intervenções artísticas nas quais o artista assume um papel ativo frente ao público,
atuando muitas vezes como o próprio veículo de expressão de sua obra. expressões
como o happening ou a arte-performance podem servir como exemplos, embora não
sejam os únicos.

para os estudos da palavra (canção, literatura, teatro, linguística etc.) o conceito de


performance tem como importante marco teórico a obra de J. L. Austin: de forma
grosseira, podemos dizer que o pensamento de Austin se baseia na noção do que ele
batizou como “atos de fala” (ou speech acts) cuja principal característica é a
performatividade, ou seja, em determinadas situações, “falar é fazer”. o exemplo
clássico oferecido por Austin é o casamento: ao pronunciar a frase “eu aceito”, os
noivos não estão apenas declarando algo, estão contraindo matrimônio. antes de Austin,
Saussure já havia chamado atenção para o fato de que a linguagem é essencialmente
sonora (linguagem é pensamento-som), uma característica que guarda forte ligação com
a idéia de performatividade desenvolvida por Austin. há que se comentar ainda sobre os
escritos de Walter Ong, que apontou diferenças essenciais sobre os modos de
pensamento e expressão oral (em sociedades ágrafas ou pouco letradas) e escrito. ao
revelar tais diferenças, Ong também concluiu que as tecnologias da linguagem (escrita,
imprensa e meios digitais) nunca apagaram as marcas da oralidade.
Paul Zumthor

outro pensador importante nos estudos de performance é Paul Zumthor que, vindo dos
estudos literários, desenvolveu uma importante linha de pensamento sobre a
performance a partir de suas investigações sobre a “literatura” medieval – ele utilizava a
expressão entre aspas para diferenciar as manifestações poéticas da idade média
(essencialmete orais e ligadas à música) da idéia contemporânea de literatura. em vez de
definir performance, Zumthor nos fala de “graus de performaticidade”, correspondendo
a performance presencial (artistas e público presentes no mesmo espaço) ao mais alto
grau de performaticidade. para Zumthor, até mesmo a leitura de um texto impresso (um
livro, por exemplo) é considerada performance, correspondendo à situação com grau
mais baixo de performaticidade. o importante aqui é o momento da interação entre obra
e público, no que as idéias de Zumthor se aproximam do pensamento de críticos ligados
à chamada estética da recepção (reader-response criticism or reception theory).

esta noção de performance que tem como núcleo a interação obra x público e leva em
consideração as diferentes gradações desta interação é extremamente útil aos estudos da
palavra performatizada em suas várias modalidades (palavra falada, cantada, declamada,
visualizada etc.)

voltando à pergunta inicial, podemos dizer que não há uma resposta absoluta, apenas
idéias e conceitos abertos demais para permitir uma definição bem delimitada. a reação
de achar que “tudo é performance” é bastante natural e está relacionada a uma condição
profundamente humana: a mudança. tudo que diz respeito à nossa percepção de mundo
pode ser considerado performance na medida em que nos relacionamos com um
universo em constante transformação, e nós mesmos somos seres mutantes por
excelência. as formas do mundo são formas em movimento. o mundo performa (revela
suas formas) para nós, seres performadores (criamos novas formas e as revelamos de
volta ao mundo).

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