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03/11/2010 TV Cultura - Alô Escola - Euclides da C…

"Aquela Campanha de Canudos lembra um refluxo para o passado.


E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo".
Euclides da Cunha

Em 1896, no sertão da Bahia, teve início um dos acontecimentos mais impressionantes e sangrentos de toda a história do Brasil:
a Campanha de Canudos. Quatro expedições foram enviadas durante um ano contra mais de vinte mil habitantes da região: índios,
mulatos, caboclos, pretos... sertanejos dirigidos pelo beato Antônio Conselheiro e munidos apenas de paus, pedras e armas
rústicas. Os soldados traziam metralhadoras, granadas e canhões. Estavam poderosamente armados e eram numericamente
muitas vezes superiores aos revoltosos, mas perdiam todas as batalhas. A resistência do sertanejo assombrava o país, e a derrota
de Canudos tornou-se para o Exército e para a República uma questão de honra nacional.

"Antônio Conselheiro chegou aqui fazendo muitos milagres, todo mundo se incutindo com as graças dele, achando que ele era um
verdadeiro profeta de Deus. Mas "deixa" que ele era revoltado contra a República. Ele não queria a república, queria a monarquia, o
tempo dos reis da monarquia. Quando achou-se com o povo do nordeste ao lado dele, ele que se revoltou contra o governo. Aí o
governo da Bahia teve de pedir auxílio ao governo do Rio de Janeiro, que mandou o canhão de guerra e o exército de lá. Veio com
um tal de Marechal Bittencourt, que foi quem venceu Antônio Conselheiro."
Vitalício José dos Santos, romeiro de Monte Santo - nascido em 1936.

Época de mudanças
A passagem da monarquia para a república, no final do século XIX, foi um período de muita agitação nacional. A libertação dos
escravos em 1888 fora o golpe fatal na monarquia. No ano seguinte, o golpe militar do dia 15 de novembro, liderado pelo marechal
Deodoro da Fonseca, proclamou a República. O novo regime trazia a promessa de uma organização de homens livres e iguais
perante a lei. As eleições democráticas dariam a todos o direito político de escolher seus dirigentes, e o trabalho livre traria
salários. Eram mudanças radicais, que pareciam acabar com antigos privilégios. Já se esperava um levante monarquista. Mas
nunca de um grupo de desvalidos... Canudos representou o imprevisto. Para o governo, o nordeste só poderia se beneficiar com a
nova ordem. No entanto, em pleno sertão, homens lutavam até a morte em nome dessa rejeição.

O desconhecido sertão

Até o início da guerra, as elites do litoral e do sul ignoravam o que fosse o sertão: uma estranha pátria sem dono, abandonada
pelas leis e instituições, vivendo sob o jugo da terra e dos latifundiários. Para compreender a revolta era necessário que o sertão
viesse à tona, numa nova tradução. Foi essa a grande proeza do jornalista e engenheiro militar Euclides da Cunha, ao publicar seu
livro "Os Sertões", em 1902. Uma obra contundente, que destruía o sonho brasileiro da república e da civilização branca
europeizada. O livro "Os Sertões" nasceu de uma reportagem sobre a Guerra de Canudos para o jornal "O Estado de São Paulo".
Euclides da Cunha foi cobrir o evento, em 1897, como enviado de guerra.

Até a Campanha de Canudos, Euclides da Cunha foi um defensor incondicional do novo regime. Sua história se
confunde em muitos momentos com a própria história da República. No Colégio Aquino, onde cursou o secundário, foi
aluno do grande mentor republicano Benjamim Constant. Logo depois, Euclides ingressou no exército - onde chegou
a tenente - e também na Escola Militar do Rio de Janeiro, que formava engenheiros para a construção de estradas,
portos e pontes. O exército, influenciado pelo positivismo de Augusto Comte, se organizava enquanto classe. Ainda
não era republicano como conjunto, mas Euclides da Cunha sim. Ainda em 1888, num ato de rebeldia, o escritor
lançou sua espada aos pés do ministro da Guerra, um monarquista. Foi preso e expulso das fileiras militares. Logo
depois, quando foi proclamada a República, esse ato o transformou em herói. Euclides da Cunha fazia parte de uma
elite militar que se impôs depois da Guerra do Paraguai. Nomes como marechal Floriano Peixoto e general Moreira
César passavam a fazer história. Estariam entre os responsáveis pela implantação do novo regime.

Republicano apaixonado, o escritor desembarcou no dia 7 de setembro em Monte Santo


- base da operação militar - ao lado do ministro da Guerra, general Machado Bittencourt.
Pensava defender a república contra um levante bárbaro e monarquista. A quarta
Campanha contra Canudos estava no final. E Euclides da Cunha jamais seria o mesmo.
Caberia a ele questionar a república que se formava e ser um dos maiores críticos do
Exército brasileiro.
Euclides da Cunha,
no exército, em 1888

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"Um dia, à tardinha, Antônio Conselheiro chegou aqui na Fazenda Rosada, na casa de Joaquim Macambira. Perguntou se por ali
não tinha uma capelinha onde se rezasse o terço na boca da noite e o ofício de madrugada. Disseram que tinha, aí avisaram
aquele pessoal ao redor e também minha mãe - que naquele tempo ainda era moça - e minha avó. Foi quando o convidaram para
vir e fazer a igreja de Santo Antônio. Continuaram a crescer a rua, foram aumentando e começaram a ficar por ali. Tinha muita
gente, era bom para fazer negócio, bom pra ganhar dinheiro. O Conselheiro mesmo pagava para trabalhar naquelas obras, que
eram muito bem feitas. Minha avó se chamava Josefa Maria de Jesus. E minha mãe, Joana Batista de Jesus. Elas eram de um
povo que naquele tempo gostava muito de reza. Ave Maria! Se tinha uma trezena de Santo Antônio, elas vinham as 13 noites! E
foi nessa data que minha mãe se casou. Quando teve o primeiro filho, Antônio Conselheiro foi quem batizou."
João Reginaldo de Mattos, "João de Régis" - nascido em 1909.

Um homem de personalidade obsessiva e passional: assim foi o escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha.
Desde muito cedo levou uma vida errante e aventureira. Muitas vezes como jornalista, outras como engenheiro e
militar, viajou por todo o país. Escreveu dois livros de ensaios; "Contrates e Confrontos", de 1907, "A Margem da
História", de 1909, e um relatório técnico, "Peru versus Bolívia", de 1907. Mas sua grandeza como escritor deve-se a
"Os Sertões".

Toda a sua obra é marcada por suas viagens. Além do nordeste, visitou o norte do Brasil,
onde chefiou a comissão brasileira que atuava na demarcação das fronteiras. Conheceu
de perto e num curto intervalo de tempo o "inferno verde da Amazônia" e o "saara
vermelho" do sertão e da seca nordestina. Foi um dos primeiros escritores brasileiros a
mostrar a miséria e o isolamento a que estava condenada parte dessas populações.
Desenvolveu uma literatura das massas marginalizadas do país sem confissões ou
excessos emocionais .
Sertão: Saara v ermelho
Euclides da Cunha nasceu em 20 de janeiro de 1866, na fazenda Saudade, no município de Cantagalo, estado do Rio
de Janeiro. Morreu no bairro da Piedade, aos 42 anos, assassinado pelo jovem cabo Dilermando Reis, amante de sua
mulher, Ana Maria Cunha, filha do Coronel Sólon Ribeiro, importante personalidade da República. A vida de Euclides
da Cunha foi marcada pela tragédia. Órfão de mãe aos 3 anos de idade, foi entregue aos cuidados de vários parentes.
Do Rio de Janeiro foi para Salvador e depois para São Paulo. Sua vida era feita de diferentes casas, bairros e afetos
entrecortados; sua mente, uma sucessão de múltiplas paisagens. Composições que só ajudariam o geógrafo, o
sociólogo e o antropólogo surpreendente que ele se revelaria anos mais tarde. Desde muito cedo Euclides da Cunha
foi tido como gênio por seus contemporâneos. Sua mente lúcida impressionava. Apesar do temperamento arredio e
turbulento, sempre soube preservar as amizades. Foi amigo de intelectuais e de gente poderosa como o barão do Rio
Branco. Mas nunca conheceu o afeto feminino.

Em Canudos, ao acompanhar a luta de perto, Euclides da Cunha logo percebeu que a guerra tinha como razões
aparentes o fanatismo religioso, o messianismo e o sebastianismo sertanejos. Suas razões profundas eram o
latifúndio, o coronelismo, a servidão, o isolamento cultural e a dureza do meio. Ele foi o primeiro escritor brasileiro a
diagnosticar o subdesenvolvimento do Brasil, referindo-se à existência de dois países contraditórios: o do litoral e o do
sertão. Canudos resultou do confronto entre esses dois Brasis, distintos entre si no espaço e no tempo, pelo atraso
de séculos em que vivia mergulhada a sociedade rural.

"Não faltava gente para chegar ao Conselheiro... Ele fez muitos milagres aqui, acompanhando esse povo... era com carregamento
de pedras, era com madeiras. Sei até de um caso de parto. Ele dava remédio para mulheres que não se despachavam. Ele dava
remédio e salvava... tudo isso... Ele fazia milagre."
João Siqueira Santos, "Ioiô da Professora" - nascido em 1911.

"Meu avô não acreditava nesse milagroso Antônio Conselheiro! Ele não acreditava nisso porque "como é que um Deus, um
comedor de feijão vai dizer que é Deus? Essa, não!... Se vocês quiserem ir, que vão só! Eu sou aquele que não vou!"
Vitalício José dos Santos.

"Papai casou-se lá em Canudos. Mamãe tinha aquela vozona cheia... Ela era morena, mas era bonita, mesmo. Uma cabocla
bonita. Cantava na segunda voz. Minha avó e as outras tiravam hinos e ela respondia. O Conselheiro dizia: 'Cantem meus filhos!'
Homens e mulheres, todos cantavam."
Josefa dos Santos, "D. Zefinha" - nascida em 1919.

Euclides da Cunha revelou ao Brasil o que ninguém até então conhecia: que o sertão é
um só, uma pátria independente. Canudos é uma síntese perfeita, em escala reduzida,
dos aspectos predominantes dos sertões do norte. Os sertões de Sergipe, Alagoas,
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí. Mostrou, com isso, que a Guerra de Canudos não
foi apenas um acontecimento local, mas um grito de revolta de todo o sertão brasileiro.

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Mapa de Canudos
O escritor estruturou sua obra em três partes: "A Terra", "O Homem" e " A Luta". Ele só fala do conflito depois de
levantar dados geográficos e culturais da região de Canudos e do Brasil. Ainda que o capítulo sobre a luta seja o mais
lido e conhecido, a grande contribuição do escritor foi justamente a descrição detalhada que ele fez, em capítulos
diferentes, da terra e do homem. O capítulo "A Terra" é um dos mais singulares da prosa brasileira. De forma literária,
examina a constituição geográfica do continente americano e da região de Canudos. São estudados o solo, a flora, a
fauna e o clima. Euclides da Cunha mostrou que todos os reveses sertanejos estão ligados à terra, desde a opressão
semifeudal do latifúndio até a ignorância e o isolamento a que esta parte do Brasil sempre esteve condenada. E
evidenciou que nada supera a principal calamidade do sertão: a seca. Antes de se transformar no retirante estropiado
que abandona a região, o sertanejo encara de frente a fatalidade e reage, numa luta indescritível. Nessa hora ele não é
mais o indolente ou o impulsivo violento, mas o herói que tem nos sertões, para todo o sempre perdidas, tragédias
espantosas. A princípio ele reza. O seu primeiro amparo é de fé religiosa. Para ele, a seca é uma maldição. Euclides
da Cunha apontou a coivara índia - prática de plantio por queimadas, que os sertanejos adotam - como uma das
causas daquele deserto. Ali, a dor do homem vem do sofrimento milenar da terra. O escritor deixou registrado que as
grandes secas do nordeste obedecem a um ciclo de 9 a 12 anos, desde o século XVIII, numa ordem cabalística. E
até hoje esse fenômeno amplia o misticismo do matuto. O sertanejo se sente um abandonado numa terra
barbaramente estéril e maravilhosamente exuberante. O escritor verificou estarrecido a transformação daquele deserto
medonho nos poucos dias de chuva, quando as matas se cobrem de verde, o mandacaru floresce... e assistiu à
transformação de espírito que essa mudança natural provoca na alma do sertanejo. O homem fechado e taciturno,
seco como sua terra, transfigura-se em risos e comemorações. O sertão entra em festa.

PRÓXIMA PÁGINA: O SERTANEJO

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Na paisagem inóspita, um grande personagem: O SERTANEJO

O sertão, com seus ventos bíblicos, calmarias pesadas e noites frias, impressiona. Cortado por veredas e árvores retorcidas em
desespero, todo ele são monótonos caminhos de caatingas e areais ressequidos. As "pueiras", lagoas mortas, de aspectos
lúgubres, são o único oásis do sertanejo. A serra de Monte Santo, com seus tons azulados, é uma cortina de muralha
monumental. As conformações rochosas, no ermo vazio do Bendegó, dão a ilusão de ruínas antigas. Os grandes
desmoronamentos rochosos do sertão lembram "mares de pedras". Os rios salgados, quando secam, parecem um fundo de mar
extinto, uma impressão acentuada pelos fenômenos ópticos do calor. Isso reforça a mítica sertaneja de que "um dia o sertão vai
virar mar e o mar vai virar sertão".

No sertão, a começar pelo solo e clima, tudo é adverso. O sertanejo sobrevive porque é uma raça forte. Assim como o cacto mais
resistente, ele foi feito para o sertão. Tem o pêlo, o corpo e a psicologia próprios para suportar o suplício da seca. Conhece
profundamente a flora e fauna.

Sabe o nome e as vantagens de cada cacto, de cada mandacaru, de cada xiquexique. Seus
pássaros: o carcará, o acauã... a asa branca. E a natureza que ele tanto ama é sua aliada na luta
pela sobrevivência. Desidratado como as plantas, consegue viver dias só com o trivial e um copo
d'água. E ama o sertão. Não se habitua a outro lugar. O sertão o destrói e hipnotiza. É o homem rude
e sereno acostumado desde muito novo com a morte. Um resistente num lugar onde quase só existe
deserto e onde a água é uma miragem.
Cactos

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral. A sua aparência, entretanto, no
primeiro lance de vista, revela o contrário(...). É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasimodo (...) é o homem
permanentemente fatigado (...) Entretanto, toda essa aparência de cansaço ilude (...) No revés o homem transfigura-se . (...) e da
figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num
desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias."
Trecho do livro "Os Sertões".

Ao tentar compreender a psicologia do sertanejo, Euclides da Cunha fez um ensaio revelador sobre a formação do
homem brasileiro. Desmistificou o pensamento vigente entre as elites do período, de que somente os brancos de
origem européia eram legítimos representantes da nação. Mostrou que não existe no país raça branca pura, mas uma
infinidade de combinações multirraciais. Previu um destino trágico para o Brasil, se o país continuasse a não levar em
conta as diversas raças que o formaram. Mostrou que o Brasil tinha contradições e diferenças étnicas e culturais
extremas. Concluiu que havia uma necessidade imperiosa de se inventar uma raça. Caso contrário, o Brasil seria
candidato a desaparecer. Para Euclides da Cunha, a mestiçagem enfraquecia o indivíduo e implicava uma perda de
identidade - um problema para a concepção de nação. Para ele, o mestiço do litoral é degenerado e o sertanejo,
retrógrado. No caso do sertão, porém, considerou que só esse mestiço se adaptaria à região.

"O crescimento do séquito de Antônio Conselheiro foi acentuado depois da libertação dos escravos, (...) Este fenômeno não tinha
sido observado pelo próprio Euclides da Cunha, mas está nos documentos da época, (...) e isso cria um estado de
desentendimento entre o Conselheiro e os fazendeiros. Você não encontra nenhuma reclamação por causa de terra, mas por
causa de mão-de-obra."
Prof. José Calasans - fundador do Núcleo Sertão da UFBA, Universidade Federal da Bahia.

Sertanejo: origens
No sertão, a mistura de raças deu-se mais entre brancos e índios. O jesuíta, o vaqueiro e o bandeirante foram os primeiros
habitantes brancos que migraram para a região. Deram origem aos tipos populares que compõem o sertão: o beato, o cangaceiro e
o jagunço. Ali estão todos, com suas vestes características, seu apego às tradições mais remotas, o sentimento religioso levado
até o fanatismo e o seu exagerado senso de honra.

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"Eu tenho orgulho de ser filha de Canudos! Tenho orgulho, mesmo! Me sinto feliz com essa palavra: Canudos não se rendeu !
Morreram todos, mas não se renderam!...
D. Zefinha.

Tanto o cangaceiro quanto o jagunço são guerreiros. Homens de armas. O cangaceiro age em bando e por conta própria, vive como
andarilho pelo deserto, obedecendo às leis do chefe do bando. O jagunço muitas vezes age sozinho. Protege alguém, que tanto
pode ser um coronel como uma pessoa com quem tem uma dívida de honra. O fazendeiro dos sertões vive no litoral, longe de suas
propriedades; quem cuida de suas terras é o vaqueiro, de fidelidade assombrosa e submissão inconsciente e servil. Mas na
adversidade sua roupa de couro pode se tornar a armadura de jagunço. Qualquer vaqueiro sabe lutar e lidar com armas. Oculta em
si o guerreiro. As sertanejas são diferentes das mulheres do litoral: são rezadeiras, rendeiras, mocinhas ingênuas, bruxas velhas e
alcoviteiras. Mulheres de coragem e encrenqueiras.

"Algumas mulheres lá em Canudos eram terríveis! Brigavam na trincheira, mulheres brigando a bem do Conselheiro!"
Ioiô da Professora.

A devoção do matuto
Descendentes dos antigos jesuítas, os padres, os beatos e os conselheiros dão conselhos e são beatos da categoria mais alta
entre a população. Padres e beatos podem se tornar líderes messiânicos como o padre Cícero, de Juazeiro do Norte, de grande
influência no sertão. Rebeliões religiosas são constantes na história do sertão: um universo primitivo, impregnado de um fanatismo
rude e impressionante, originário, segundo o autor, "do que existe de pior nas crenças místicas das três raças que o formaram".
Sob tais influências, o matuto vai da extrema brutalidade ao máximo devotamento. Apesar da coragem, acredita em todos os mal-
assombramentos. Está propenso a ser um "desvairado pelo fanatismo e um transfigurado pela fé." Por isso é um seguidor de
messias fanáticos que o arrastam e endoidecem.

Euclides da Cunha mostrou que um universo de tal natureza era governado por leis próprias. Demonstrou que a
Campanha de Canudos foi absurda, pois a população não era monarquista, como o exército acreditava. Pregar contra
a república era apenas uma variante do delírio religioso de Antônio Conselheiro. Uma sociedade tão primitiva era
incapaz de compreender tanto a forma republicana como a monarquia constitucional. Só aceitava o império de um
chefe sacerdotal ou guerreiro. Conselheiro foi esse chefe sacerdotal. Anos mais tarde, o cangaceiro Lampião seria o
chefe guerreiro.

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Antônio Conselheiro: um herói popular

Antônio dos Mares, Santo Antônio Aparecido, Bom Jesus Conselheiro ou apenas Antônio Conselheiro foi um dos maiores lideres
sertanejos de todos os tempos. Foi um asceta do século II D.C. em plena era industrial. Um mito. Seus seguidores o
consideravam divino, com poderes e milagres próprios de um santo. Era também a lei. Sua vontade e seus princípios eram ordens.
E sua vida pessoal aos poucos foi dando lugar a lendas de originalidade trágica, que até hoje circulam pelo sertão.

"Antônio Conselheiro morava em Pernambuco e a mulher dele... se diz que toda a noite entrava um homem pela janela quando ele
saía para pregar. Ele pregava e entrava um homem pela janela e dormia com a mulher dele (...) Uma vez ele se escondeu...
Comprou uma espingarda, se escondeu e quando deu 9 horas, o homem chegou na janela e entrou. Era a mãe dele, vestida de
roupa de homem. Ele passou fogo e derrubou, e quando foi ver era a mãe dele com roupa de homem. Pra não ser preso, veio pro
estado de Sergipe, do Sergipe veio pra Bahia, e aí inventou de fazer uma igreja no Canudos..."
Alberto Gonçalves Teixeira, "Índio Alberto" - nascido em 1902.

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, Ceará, em 1830. Vinha de uma família turbulenta, mas era calmo e
correto, avesso a confusão. Perdeu a mãe quando era pequeno e jamais matou alguém. Depois de casado, Antônio Vicente saiu
de Quixeramobim, tornando-se caixeiro viajante. Sua vida de casado era um inferno, minando aos poucos seu equilíbrio e
serenidade. Até que veio o golpe fatal: a mulher fugiu com um policial. Era o ano de 1860 e o alucinado Antônio Vicente, fulminado
de vergonha, desapareceu no sertão. Queria o abrigo da absoluta obscuridade. E nesses 10 anos de andanças, deu-se a
transformação.

Com um camisão de brim azul, vivendo de esmolas e carregando numa mão mão um livro com a
"Missão Abreviada" e na outra "As Horas Marianas", Antônio Conselheiro iniciou sua carreira de
andarilho, como beato. Mas logo se transformou num condutor de sertanejos. Acompanhado por
duas professas, entrava nas cidades rezando terços e ladainhas. Depois pregava, possuído por um
furor místico que arrastava multidões.
"Os retirantes e D. Quixote"
de Cândido Portinari

"Ele era alto e tinha o cabelo comprido. Ele mal comia. Levavam aquelas comidas, ele nunca comia toda. Partia assim... Ele
mesmo dizia que não fazia milagres, que não era santo, mas tinha gente que parece que acreditava. Ele era delgado de corpo, a
barba meio cheia (...). Era um moreno bem claro, quase branco, os olhos esverdeados. "Todos nós somos iguais", dizia, quando
começava a falar. "Dê-me abertura, todos nós somos iguais. Comecem! Qualquer um pode começar." Eles respondiam, "não, só
depois de sua fala". Ele ia tomando a palavra e ficava tudo na felicidade. Ele dava muito conselho. Numa época ele dizia que a
carestia era como uma rocha de formiga. Dizia: "Minha gente, com a carestia nada prospera! Uma rocha rodeada de formiga é
mesmo que... para onde ela vai? Só pode ser destruída." Ele dava esses conselhos. Eu cansei de ver meu pai lembrar que ele
dizia que "desgraçado do homem que se fiasse em outro". Dava muito conselho, o Antônio Conselheiro."
João de Régis.

Perseguição a Conselheiro

Ajudado pelo povo que o seguia, Antônio construía e restaurava igrejas. Levantava muros de
cemitérios. Fundou povoados que se tornaram cidades, como o de Bom Jesus, atual Crisópolis,
onde ainda hoje há uma igreja feita por ele. Pouco antes da seca de 1877, a maior do século XIX,
começou a abrir tanques d'água. Em 1874, já apareceu na Bahia dando conselhos. Aí tomou
definitivamente o nome de Conselheiro. E se firmou. A Igreja, sentindo-se desprestigiada, pediu em
Igrej a do Pov oado do Bom 1876 o afastamento do Conselheiro do sertão.
Jesus, construída por Antônio
Conselheiro

"Então veio um grupo de oficiais que o levaram para Salvador (...) Ele disse ao povo que ia preso, mas que dentro de três dias,
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"Então veio um grupo de oficiais que o levaram Cultura - Alô Escola
Salvador (...) Ele- disse
Euclides da C…que ia preso, mas que dentro de três dias,
ao povo
quatro, estava ali de novo".
Ioiô da Professora.

A prisão, na Zona de Itapicuru, foi o início das perseguições que ele sofreria, e também da sua consagração. Além de louco,
Conselheiro foi acusado de matar a própria mãe. Quando se provou sua inocência, foi solto. Retornou no dia e hora que havia
previsto. Era o início de uma série de profecias. Para o sertanejo, a comprovação de que estava diante de um poder divino: o
milagreiro resignado e fatalista prometia a felicidade para depois do fim do mundo, marcado para 1900.

"... Em 1896 há de rebanhos mil correr da praia para o sertão;


então o sertão virará praia e a praia virará sertão.
Em 1897 haverá muito pasto e pouco rastro e um só pastor e um só rebanho.
Em 1898 haverá muitos chapéus e poucas cabeças.
Em 1899 ficarão as águas em sangue e o planeta há de
aparecer no nascente com o raio do sol que o ramo
se confrontará na terra e a terra em algum lugar se confrontará no céu...
Há de chover uma grande chuva de estrelas e ali será o fim do mundo.
Em 1900 se apagarão as luzes. Deus disse no evangelho:
eu tenho um rebanho que anda fora deste aprisco e é preciso
que se reúnam porque há um só pastor e um só rebanho!"
Cantador imitando leitura de Antônio Conselheiro

"Alguns jagunços foram presos. Ai Arthur Oscar disse: - Deixa eu experimentar esses home. Rapaz, você quer a liberdade? - Se o
senhor me der, eu quero. - Vou lhe fazer uma proposta. Diga Viva a República! E morra Antônio conselheiro!" Ele disse: - Morra a
República E viva Antônio Conselheiro! - Rapaz, eu vou lhe dar a liberdade! Diga direito. Ele diz: - Eu já disse! - Diga de novo: Viva
a República! E morra Antônio Conselheiro! - Ele disse: "Viva o Conselheiro e morra a República!" - Leve ele pra degola, não tem
jeito, não! E matava."
Ioiô da Professora.

O livro "Os Sertões" levou cinco anos para ser escrito. Até a morte do autor, em 1909, sofreu alterações. Obra em
eterno processo, foi escrita de forma apaixonada e contraditória. Concluída, tornou-se um dos maiores épicos da
literatura brasileira e latino-americana, e um dos grandes livros da literatura universal, traduzido em 60 países e em
idiomas como o japonês, o russo e o chinês. Misto de ensaio científico, panfleto e relato jornalístico, o livro
impressiona por sua força estética. É fundamentalmente uma obra literária, de um gigantismo comparável aos
"Lusíadas" de Luís de Camões ou mesmo "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes, seja na construção dos tipos, seja
no conteúdo trágico, seja no estilo. Sua linguagem tende para o solene e o monumental, mas é moderna no registro
dos conflitos sociais, dos desvarios psíquicos e do heroísmo anônimo das populações sertanejas. A Guerra de
Canudos foi um dos maiores genocídios da história do Brasil. Em nome da república foram cometidas atrocidades que
sem o livro de Euclides da Cunha jamais seriam reveladas.

Conselheiro, imperador do sertão

Na curta estada em Monte Santo, cidade histórica do sertão baiano, Conselheiro e seu povo
restauraram os muros da via sacra, formada por um rosário de 24 capelinhas. Corria o ano de 1893 e
o beato era o imperador absoluto de todo o sertão. Vinha de uma peregrinação de 22 anos por todos
os recantos do interior do norte, fazendo melhorias. Seu nome ecoava no litoral. Antes, era tratado
nos jornais como maníaco seguido por fanáticos. Agora, o tom das notícias começava a mudar: ao
lado dos fanáticos havia jagunços.
Via Sacra

Conselheiro já não era apenas o místico inofensivo, que roubava fiéis da igreja. Não era só o doido que arrastava multidões e tirava
toda a mão de obra das fazendas. Era também o homem político, que se protegia com jagunços e não aceitava as notícias vindas
do litoral, de que o Imperador havia sido expulso por uma tal de república. A república era coisa do cão. Conselheiro deixou escrito
que "Deus, através da Princesa Isabel, libertara os escravos, e o demônio, para se vingar, derrubou a monarquia." Por isso, em
1893, em Bom Conselho, Antônio Conselheiro mandou o povo queimar os editais de impostos do município. Trinta praças saíram
de Salvador para prender os rebeldes. Na estrada de Monte Santo, encontraram um grupo feroz de 200 homens dispostos a tudo.
Bateram em retirada.

Canudos, segunda cidade da Bahia


Perseguidos pelo poder local, Conselheiro e seus sertanejos entraram cada vez mais para o deserto. E encontraram seu reduto:
Canudos, "velha fazenda abandonada à beira do rio Vaza-Barris". Nessa região inóspita e isolada do sertão baiano, protegida pelas
serras do Cambaio e Canabrava, e rodeada pelas cidades de Monte Santo, Cumbe, Rosário, Cocorobó e Uauá, fundaram um
arraial: o "Império de Belo Monte". Em torno da fazenda em ruínas e de uma igrejinha local, em pouco tempo Canudos cresceu
vertiginosamente. Os faveleiros, como eram chamadas as construções simples, de pau-a-pique e barro, porque lembravam a flor
sertaneja favela, iam coalhando as montanhas numa rapidez assombrosa: eram construídas até 12 casas por dia, para atender a
multidão que chegava.

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"Todos ajudavam uns aos outros. O Conselheiro dava conselhos pra um ajudar o outro. Se tinha uma roça de legume, ajudavam.
Se chegasse uns pobrezinhos que não tivessem nada, ele dava conselhos para que fizessem comunidades, ajudassem. E foram
fazendo assim, que a vida de Canudos era essa: um ajudando uns aos outros, aquele povo unido."
João de Régis.

Em Canudos, com exceção de poucas casas de telha, que eram dos comerciantes, as habitações
eram todas iguais. Os recém-chegados entregavam ao Conselheiro tudo o que traziam. Preparavam-
se para um futuro de justiça e prosperidade que viria depois do juízo final, quando voltaria a reinar
Dom Sebastião, rei português morto pelos mouros em 1580 e transformado numa figura mítica, cuja
volta era profetizada em épocas de calamidade.
Família Sertanej a

Para lá iam todos: ricos e pobres, comerciantes e bandidos violentos. Desvalidos de toda espécie, numa romaria miraculosa para
os céus. "Bem-aventurados os que sofrem" era a grande pregação do Conselheiro. A extrema dor era a absolvição plena na Terra.
Por isso mesmo os infelizes, os velhos alquebrados, os doentes e os estropiados tinham lugar de honra nesse clã.

"Eu ouvi contar várias vezes que alguns índios daqui da aldeia Kaimbé, de Massacará, foram pra lá. Não que se interessassem na
guerra. Falaram que tinha um rio de leite e uma ribanceira de cuscuz. O pessoal gosta, o sertanejo gosta do cuscuz com leite,
então ouviram falar isso e desejaram ir também."
Cacique Juvenal (índio Kaimbé, da aldeia Massacará)

Canudos logo se tornou a segunda maior cidade da Bahia, depois de Salvador. A maioria vivia com dificuldades, mas ninguém
passava fome. Além das rezadeiras, do sineiro Timotinho, Antônio Conselheiro vivia cercado por 12 apóstolos, todos armados.
Jagunços famosos como João Abade ou Pajeú, que na guerra se transformariam em seus capitães.

"O que vinha pra lá era jagunço. (...) Todo mundo que ia pra lá já estava preparado com armas. Os que tinham levavam, os que
não tinham recebiam lá." Ioiô da Professora.

"Os armamentos que eles tinham eram uns clavinotes, umas espingardas, foice, facão. Bridavam assim, naquela brutalidade e
naquela ignorância."
João de Régis.

Exército entra em cena: violência


Em 1894, na Bahia, um deputado chamou a atenção dos poderes públicos para a parte dos sertão "perturbada" por Antônio
Conselheiro. Em 1895, uma missão católica tentou convencer Conselheiro a desarmar seu povo. Inutilmente. Mas só em 1896
Canudos passou a preocupar a Capital. Conselheiro queria construir uma nova igreja em Canudos. Comprou umas madeiras em
Juazeiro mas não recebeu o material. Resolveu ir com seu povo buscar o que era seu. O juiz local denunciou o Conselheiro em
Salvador. De Salvador, cem praças comandados pelo tenente Manuel Pires Ferreira chegaram ao local. Na noite de 12 de
novembro, partiram para Canudos. Não alcançaram seu destino, pois foram surpreendidos na cidade de Uauá, Os soldados tinham
mais armas, mas se assombraram com o assalto corajoso dos matutos. Fugiram. O mesmo destino teriam os quinhentos homens
do major Febrônio de Brito, que chegaram às portas de Canudos em janeiro de 1897. Vieram arrogantes, com armas vistosas e
canhão. Mas na estrada do Cambaio os jagunços apareceram em trincheiras, num repentino deflagrar de tiros. Gritavam irônicos: -
"Avança, fraqueza do governo!" - A expedição caiu, de ponta a ponta. Foram obrigados a recuar.

No capítulo "A Luta", Euclides da Cunha considera alguns valores do Exército, mas critica a arrogância militar,
protegida por armas portentosas que nada valiam no sertão. Os canhões não passavam pela caatinga e o excesso de
munição era um fardo para os soldados. Os militares não conheciam a luta de emboscadas. Um único sertanejo era
capaz de destruir um pelotão. A flora agressiva era amiga dos rebeldes, que em tocaias pelas depressões rochosas
eram como guerreiros invisíveis. Grupos de cinqüenta jagunços subdivididos em dez homens atraíam os soldados pelo
imbuzeiros e veredas. Os soldados se perdiam pelo caminho. Enlouqueciam. Mesmo quando estavam vencendo a
batalha, fugiam apavorados.

A terceira expedição contra Canudos organizou-se no Rio de Janeiro. Para comandá-la foi escolhido o coronel Moreira César, um
seguidor de Floriano Peixoto que havia esmagado a Revolução Federalista. Levou para Canudos 1.300 soldados, 15 milhões de
cartuchos e muita artilharia pesada. Moreira César era temido por sua violência. E tinha sob suas ordens a melhor força do
governo. Nessa hora, mesmo os jagunços mais valentes sentiram medo.

"Então o conselheiro pregou naquela noite (...) para toda aquela jagunçada reunida. E disse: 'Olhem, ele vem combatente mas não
atravessa o Vaza-Barris que ele morre. Podem ficar cientes. Não deixem esses republicanos tomarem o Belo Monte'. Aí todos se
animaram, cataram logo de trincheira de todo jeito. Esperaram o bichão e deram logo o apelido de 'corta-cabeças'". Ioiô da
Professora.

Nas feiras, nas cidades, nas veredas, em todo lado Conselheiro tinha espias que vinham informar a todo momento a posição do

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exército. Os matutos, do alto das serras, se surpreendiam com os uniformes, as armas sofisticadas e a imponência militar.
Estavam pela primeira vez diante da civilização.

Contra Canudos, canhões e insanidade


Moreira César se dirigiu a Canudos pela estrada de Rosário. Passou pelo deserto de Angico e se instalou no Alto do Mário. Lá de
cima, ele e os soldados, surpresos, avistaram Canudos. No dia 2 de março de 1897, dois tiros de canhão foram lançados em cima
do vilarejo de Canudos. Em seguida, a cidade foi invadida. Ao comentar a terceira batalha, Euclides da Cunha desfaz a fama de
estrategista de Moreira César. O Conselheiro, para o escritor, "foi um grande homem pelo avesso". Sua loucura o transformou num
verdadeiro herói popular. A Moreira César, um epiléptico com rompantes suicidas, faltou o sopro divino. Não ultrapassou a loucura:
invadiu o povoado de Canudos pisoteando crianças, matando velhos e mulheres, numa luta insana. Levou milhares de soldados
ainda adolescentes a se destruir no meio da caatinga.

"Quando Moreira César chegou em Canudos, entrou numa parte da rua, matou uma porção de gente, derrubou casas. Mas foi
quando ele foi subir na rua, na ribanceira do rio, foi baleado. Uns dizem que foi um velho que tinha um clavinotão muito grande.
Dizem que era desses velhos mandingueiros. Quando foi subindo, pegou o clavinote e o baleou."
João de Régis.

"Aí foi uma luta danada. Morreu tudo que foi comandante. Morreu Tamarindo, morreu Salomão, morreu Vilarino. Só não morreu
Cunha Matos porque saltou num cavalo e saiu correndo pelos soldados, atravessou pela estrada e veio bater aqui".
Ioiô da Professora.

A derrota de Moreira César provocou uma revolução no Rio de Janeiro. Já não havia mais dúvida de que Conselheiro estava a
serviço de forças poderosíssimas, que vinham restabelecer a velha ordem. A quarta batalha já não foi uma guerra, mas uma
vingança selvagem. Do Rio de Janeiro chegaram 5 mil homens comandados pelo general Arthur Oscar. Uma parte veio por Monte
Santo e a outra, comandada pelo general Savaget, entrou em Canudos por Jeremoabo. Na porta de Umburanas encontraram uma
cena assustadora. O cadáver do coronel Tamarindo e de dois soldados recepcionavam o exército empalados numa estaca. O
ministro da Guerra, general Machado Bittencourt, foi enviado ao local para resolver pessoalmente a questão. Levava reforço de três
mil homens recrutados em todo o país para liquidar os "monarquistas". Euclides da Cunha chegou em Canudos em 16 de
setembro. Era o final da luta, mas ele ainda pode sentir todo o seu barbarismo.

Rendição jamais
Os poucos prisioneiros homens eram degolados, depois de se exigir deles, inutilmente, um "Viva a República". As águas do Vaza-
Barris em pouco tempo eram uma lagoa de sangue. Pilhas de cadáveres serviam de trincheiras aos sertanejos. Os soldados
incendiavam casas onde estavam velhos e crianças. E na mente do horrorizado Euclides crescia uma idéia: denunciar a barbárie e
provar que Canudos não era um problema político, era uma questão social. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a
história, resistiu até o esgotamento (...) quando caíram seus últimos defensores, quando todos morreram. Eram apenas quatro: um
velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (...)

Em 1902, numa choupana à beira do rio, em São José do Rio Pardo, Euclides da Cunha terminou seu livro, contando
a verdadeira história sobre o extermínio de Canudos: uma luta desigual e vergonhosa, em que o exército brasileiro se
cobriu de infâmia. O inimigo invencível afinal de contas não passava de gente sofrida das secas. Mulheres, velhos e
crianças que resistiram até o fim, numa luta inglória. Negros e índios que buscavam criar um espaço em que
pudessem ser admitidos como integrantes da nação.

Euclides da Cunha revelou que "sertão" é sinônimo de solidão do homem na terra, onde
o abrigo da salvação está apenas nas poucas veredas. Ao criticar o beato, foi o primeiro
que apregoou que a "terra é do homem, não é de Deus nem do diabo." E a frase
atribuída a Antônio Conselheiro, "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão" é uma
profecia que ecoa por todo o deserto nordestino, desde bem antes do Conselheiro. E
Profecia do deserto:
sobrevive na esperança e na alma do sertanejo.
"O sertão vai virar mar
e o mar vai virar
sertão"

Ficha Técnica:
Os Sertões, baseado na obra de Euclides da Cunha
Realização: TV Cultura - 1995
Projeto de: Gregório Bacic com consultoria de Walnice Galvão e José Calasans
Roteiro e Direção: Cristina Fonseca
Produção: Alejandra Hope
Pesquisa Iconográfica: Nerci Ferrari
Imagens: José Elias da Silva
Áudio: José do Carmo Jerônimo

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Edição de Imagens e pós-produção: Carlos H. Sartori
Arte: Aida Cassiano, Paulo César Dias, Aimberê Santos e Wesllen da Silva Silvério
Cenografia: Luciene Grecco
Trilha Sonora: David T ygel
Narração: Dráusio de Oliveira
Direção de Fotografia/Estúdio: Maurício Valim
Participação Especial: Antônio Nóbrega
Departamento de Documentários: Teresa Otondo

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Ensinar e Aprender

1) Com a proclamação da República, inicia-se um novo regime político no Brasil. Pesquisar as


transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas nesse período. Organizar os alunos em
grupos para elaborar o trabalho.

2) Os Sertões (1902), um dos maiores épicos da literatura brasileira e latino-americana, consagra


Euclides da Cunha como escritor e estudioso dos problemas brasileiros. Fazer coletivamente a
cronologia da vida e da obra desse autor.

3) Propor aos alunos, em duplas, que identifiquem no livro Os Sertões, na seção A Terra, 2º capítulo, a
forma como Euclides da Cunha descreve a região de Canudos nos seguintes aspectos: solo, flora,
fauna e clima.

4) Fazer um levantamento das características do sertanejo (vestes, tradições, religiosidade) da região


de Canudos. Elaborar coletivamente um painel com desenhos, fotos de jornais, revistas, livros. Expor
aos colegas da escola.

5) Euclides da Cunha aponta a formação de duas sociedades distintas: uma no norte, outra no sul do
Brasil (Os Sertões - seção: O Homem, 1º capítulo e 3º capítulo). Pesquisar os aspectos culturais
(linguagem, vestuário, alimentação) dos povos dessas regiões, tendo em vista a diversidade climática.

6) A partir da frase abaixo, discutir a questão da mestiçagem no Brasil. Sistematizar as conclusões.

"Não temos unidade de raça". Euclides da Cunha

7) Resumir a biografia de Antonio Conselheiro, narrada por Euclides da Cunha (Os Sertões - seção: O
Homem, 4º capítulo). No texto, apresentar os fatos mais significativos.

8) Em 1897, a Guerra de Canudos tornou-se o acontecimento jornalístico de maior importância em todo


o país. Recontar a história de Canudos, simulando um noticiário de rádio. Abordar os antecedentes,
formação, crescimento e término do conflito.

9) No livro Os Sertões - seção: A Luta, 3º capítulo - Expedição Moreira César, Euclides da Cunha
descreve Canudos de forma panorâmica. Ler o texto e comentar suas impressões.

10) "Canudos era a nossa Vendéia." (Os Sertões - Seção: A Luta, Preliminares, 4º capítulo). Estudar o
significado dessa expressão.

11) A Campanha contra Canudos teria sido "(...)na significação integral da palavra, um crime(...)".
Euclides da Cunha. Comentar essa afirmativa.

12) Ouvir a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Analisar a letra, verificando a
variação lingüística e o significado do pássaro asa branca (pomba-rolinha) no sertão nordestino.

Asa Branca

Quando oiei a terra ardendo


quá fogueira de São João
eu perguntei a Deus do Céu
purquê tamanha judiacão

Qui braseiro, qui fornaia

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nem um pé de prantação
pru farta dágua perdi meu gado
morreu de sede meu alazão

Inté mesmo o asa branca


bateu asas do Sertão
entonce eu disse, adeus Rosinha
guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas


numa triste solidão
espero a chuva cair de novo
pra mim vortá pro meu sertão

Quando o verde dos teus óio


se espaiá na prantacão
eu te asseguro, num chore nao, viu?
que eu vortarei, viu, meu coracão.

Visitas para complementar o estudo:


Casa de Euclides da Cunha
R. Zulmira Torres, s/n - Cantagalo Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 28500-000
Visitas: de 3ª a dom., das 13h00 às 22h00.

Casa de Cultura Euclides da Cunha


R. Mal. Floriano, 105 São José do Rio Pardo - SP - Brasil CEP 13720-000

Museu do Homem do Nordeste


Av. 17 de agosto, 2.187 - Casa Forte Recife - PE - Brasil

Bibliografia

CALASANS, José.Canudos na literatura de cordel. São Paulo, Ática, 1984.

CALASANS, José.Canudos: origem e desenvolvimento de um arraial messiânico. In: Revista da


Acadêmia Brasileira de Letras da Bahia, nº 34. Salvador, 1987.

100 ANOS de canudos. Nova escola. São Paulo: ano XII, n.105, p.16-17. 07/97.

CITELLI, Adilson. Os Sertões de Euclides da Cunha. São Paulo: Ática, 1996 (Roteiro de Leituras).

CHIAVENATO, Júlio José. As Meninas de Belo Monte. São Paulo: Página Aberta, 1993.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

CUNHA, José Guilherme da. Canudos: a luta. Salvador: Pé-de-Boi, 1991.

FONTES, Oleone Coelho. O Treme-terra. Moreira César - a República e Canudos. Rio de Janeiro,
Vozes, 1996.

GALVÃO, Nogueira Walnice & GALOTTI, Oswaldo. Correspondência - Euclides da Cunha. São
Paulo: Edusp, 1997.

GAUDENZI, Trípoli Francisco Brito. Memorial de Canudos. Brasília: CEF, 1994.

GUILHERME, Ricardo. O Conselheiro e Canudos. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade


Federal do Ceará, 1986.

LEVINE, Robert M.. O Sertão prometido - o massacre de Canudos. São Paulo: Edusp, 1995.

MACEDO, José Rivair & MAESTRI, Mário. Belo Monte - uma história da guerra de Canudos. São
Paulo: Moderna, 1997. (polêmica)

NUVENS, Plácido Cidade. Patativa e o universo fascinante do sertão. Fortaleza: Imprensa


Universitária Federal do Ceará, s.d..

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OLAVO, Antonio. Paixão e guerra no sertão de Canudos. Salvador: Portfolium, 1993.

QUEIROZ, Suely R. R. de. A Abolição da escravidão. São Paulo: Brasiliense, 1982. (Tudo é
história).

VENTURA, Roberto. A Nossa Vendéia: Canudos, o mito da Revolução Francesa e a formação


da identidade cultural no Brasil (1897-1902). In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 31,
a.1990.

VILLA, Marco Antônio. Canudos - o povo da terra. São Paulo: Ática, 1995.

VILLA, Marco Antônio. Canudos. São Paulo: Brasiliense, 1996. (Tudo é história, 142).

Filmografia

Deus e o Diabo na Terra do Sol (Brasil, 1964) Direção: Gláuber Rocha. Elenco: Othon Bastos,
Maurício do Valle, Yoná Magalhães.

Desejo (Brasil, 1990) Direção: Wolf Maia, Denise Sarraceni. Elenco: Vera Fischer, Tarcísio Meira,
Guilherme Fontes.

Discografia

Asa Branca (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) Intérprete: Luiz Gonzaga Disco: Música Popular
Brasileira Gravadora: Abril S.A. Cultural e Industrial.

Endereços Eletrônicos

Associação de Estudos Euclidianos - Vida e obras do escritor Euclides da Cunha

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