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“A travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe “ (E.Cunha)
“As veredas são sempre belas” (Guimarães Rosa)
Introdução
Em 2006, estamos comemorando 50 anos do lançamento do famoso romance “ Grande
Sertão: Veredas”, de J oão Guimarães Rosa. Como “ Os Sertões”, de Euclides da Cunha, publicado
54 anos antes, em 1902, “ Grande Sertão: Veredas” tornouse obra polêmica, dando origem a
interpretações e análises intermináveis. Sobre esses autores e suas respectivas obras já existem
milhares de estudos analisando os aspectos inesgotáveis que contêm e são descobertos e revelados
por especialistas de todas as áreas do conhecimento. Ambos exploraram o sertão como tema geral,
assim como seus conflitos, suas paisagens, seus habitantes, seus costumes, sua religiosidade, suas
superstições, etc. O resultado foram duas obras monumentais, autênticos pilares da cultura
brasileira, traduzidas para vários idiomas, apesar das imensas dificuldades e desafios linguísticos.
Inúmeros artistas, escritores e críticos literários têm destacado a influência do livro “ Os Sertões”
(1902), de Euclides da Cunha, sobre Guimarães Rosa, especialmente sobre seu romance “ Grande
Sertão: Veredas” (1956), e procurado definila e fundamentála. Inicialmente, veremos as opiniões
que o próprio Guimarães Rosa anotou sobre Euclides da Cunha e sua obra, sobre seus méritos e
discordâncias. A seguir, como é possível imaginar um lugar comum a ambos. Depois, tentaremos
dar uma pequena idéia das afinidades e diferenças entre eles, de veredas notadas por importantes
intelectuais. Em seguida, através de estudo comparativo, examinaremos os contrastes e confrontos
existentes entre ambos através de suas próprias palavras e textos.
Euclides e “ Os Sertões”, segundo Guimarães Rosa
Guimarães Rosa fez leituras rigorosas do livro “ Os Sertões”, de Euclides da Cunha,
embora poucas vezes tenha se referido a ele, deixando anotações à margem de um exemplar onde
revela “um acentuado interesse técnico pela pesquisa de determinadas palavras e uma atitude
impassível diante das frases euclidianas de efeito, uma observação “fria”da retórica do páthos e da
comoção (…) Guimarães Rosa como se pode ver pelas marcas de leitura em seu exemplar d`Os
Sertões era avesso às frases de efeito euclidianas, mantendo diante do páthos do precursor uma
postura de impassibilidade e oubli actif. O autor de “ Grande Sertão: Veredas” distanciase do estilo
grandiloquente de Euclides através da desmontagem da heroização. O herói, o chefe UrutúBranco,
é um personagem que sente medo” (Bolle,Willi, in “ grandesertão.br O romance de formação do
Brasil”, Livraria Duas Cidades, São Paulo, 2004, ps. 28, 216, 217).
Em 1952, Guimarães Rosa reconheceu um dos méritos de Euclides, anotando: “Foi
Euclides quem tirou à luz o vaqueiro, em primeiro plano e como o essencial do quadro não mais
paisagístico, mas ecológico (…). Em Os Sertões, o mestiço limpo adestrado na guarda dos bovinos
(…) ocupou em relevo o centro do livro (…) E as páginas, essas, rodaram voz, ensinandonos o
vaqueiro, sua estampa intensa, seu código e currículo, sua humanidade, sua história rude. Daí,
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porém, se encerrava o círculo. De então tinha de ser como se os últimos vaqueiros reais houvessem
morrido no assalto final a Canudos. Sabiamse, mas distanciados, no espaço menos que no tempo,
que nem mitificados, diluídos. O que ressurtiria (…) revirou no liso do lago literário. Densas,
contudo, respiravam no sertão as suas pessoas dramáticas, dominando e sofrendo as paragens em
que sua estirpe se diferenciou. E tinha encerro e rumo o que Euclides comunicava em seus
superlativos sinceros” (in Bolle, ps. 28 e 29). Assim, Guimarães Rosa reconhece o mérito euclidiano
de colocar o vaqueiro real no centro de sua obra, e não o vaqueiro pitoresco, folclórico, que
predominara nas obras românticas e naturalistas. Enfatiza que o vaqueiro sobreviveu à guerra de
Canudos e à grandiloqüente descrição euclidiana que teria criado em muitas mentes a ilusão de que
o sertanejo e a sua cultura estavam definitivamente vencidos e condenados ao desaparecimento.
“J agunço é o sertão”, escreveu Guimarães Rosa, restabelecendo o vínculo entre ambos, e seu
romance propôsse a resgatar esse tipo social e a sua cultura, daí o crítico alemão Wille Bolle
considerar “ Grande Sertão: Veredas” como uma reescrita crítica de Os Sertões, embora 54 anos
separem uma obra da outra, e fatos históricos e culturais importantes tenham ocorrido nesse
período no mundo (duas guerras mundiais, industrialização, urbanização intensa, desenvolvimento
científico e tecnológico, colapso do colonialismo, era das massas, importância crescente da
imprensa, do rádio e do cinema, ascensão do comunismo, guerra fria, pessimismo filosófico,
afirmação da visão psicanalítica do indivíduo, etc).
Guimarães Rosa também colocou em dúvida a famosa afirmação euclidiana de que o
sertanejo era o cerne da nacionalidade brasileira, embora reconhecendo sua importância étnica,
social e cultural, nos seguintes termos: “Não sabemos no nosso país que ainda constrói sua gente de
tantos diversos sangues, se ele será o sertanejo, a rocha viva de uma raça, o cerne de uma
nacionalidade, mas sua presença é longa lição, sua persistência um julgamento e um recado”.
No próprio romance “ Grande Sertão: Veredas”, de 1956, há indícios de que Guimarães
Rosa referese à comunidade de Antônio Conselheiro descrita por Euclides da Cunha, devidamente
escoimada de suas características históricas explícitas e juízos ideológicos, quando Riobaldo diz:
“Às vezes eu penso: seria o caso de pessoas de fé e posição se reunirem, em algum apropriado lugar,
no meio dos gerais, para se viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo glória do
perdão do mundo. Todos vinham comparecendo, lá se levantava enorme igreja, não havia mais
crimes, nem ambição, e todo sofrimento se espraiava em Deus, dado logo, até à hora de cada uma
morte cantar.” (p.47) Ou quando Riobaldo afirma: “ Eu queria formar uma cidade da religião”
(p.235). Ou então: (...) descemos no canudo das desgraças” (p.229).
Em várias cartas que enviou ao escritor e amigo Paulo Dantas, J oão Guimarães Rosa
revelou observações sobre Canudos, Antônio Conselheiro, Euclides da Cunha e a Semana
Euclidiana de São J osé do Rio Pardo, ora num tom de ironia, ora de admiração, mas que revelam
seus conhecimentos e juízos sobre eles, reforçando as hipóteses de que sofrera indisfarçavel
influência do autor de “ Os Sertões” e que conhecia bem a sua biografia. Em maio de 1958,
Guimarães Rosa anotou: “ Se eu fosse o Chefe J uscelino, mandava botar na praça principal de
Brasília o trovãoíssimo nome de “Praça Antonio Conselheiro” (p.87). No mês seguinte, despediuse
do amigo Dantas intitulandose “ este seu companheiro, Antonio conselheiríssimo”. Numa saudação
a Dantas, intitulouo “ meu conselheiro de Conselheiro e Canudos” (p.93). Rejubilase com o amigo
Dantas pela “ Conferência em São J osé do Rio Pardo”, a ser dada por este em agosto de 1958
(p.96), e saúda 1966 como o “Ano Euclidiano” (eu, de fora, minha saúde e recato não dão para
movimentos...)” (p.113) (citações extraídas de “ Sa garana emotiva Cartas de J . Guimarães Rosa ”,
de Paulo Dantas, Livraria Duas Cidades, 1ª edição, São Paulo, 1975). Transparece, assim, em
Guimarães Rosa, uma inteligente manifestação de simpatia e identificação com Antônio
Conselheiro, ao mesmo tempo que aprovação pelo culto intelectual a Euclides da Cunha e
humildade em reconhecer no amigo Paulo Dantas seu “conselheiro de Conselheiro e Canudos” .
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São J osé do Riobaldo...
Numa de minhas vindas a São J osé do Rio Pardo, em 2005, num belo entardecer,
atravessando a praça da Matriz, ao passar por um dos bancos de pedra onde estava escrito o nome
da cidade abaixo de um nome comercial, reparei que o nome Rio Pardo estava esmaecido pelo
desgaste da tinta, com uma mancha bem abaixo da curva da letra P, que ficou parecendo um B, o
que permitia a leitura de Rio Bardo ao invés de Rio Pardo, expressão sertaneja que está muito
próxima de Riobaldo, numa tentadora aproximação fonética do nome Rio Pardo com o nome
Riobaldo, o principal personagem do romance “ Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa! Rio
Pardo – Rio Bardo – Riobaldo! Não haveria aí, perdoemme a pequena dose de humor e
imaginação, mais uma dentre as inúmeras hipóteses sobre o nome desse famoso personagem?
Ocorreume que o próprio Guimarães Rosa escrevera em seu romance, pela bôca de Riobaldo: (...)
muito ribeirão e vereda, nos contornados por aí, redobra nome”. Ou: “ nome não dá: nome
recebe”. Não seria mais um vínculo, ainda que inconsciente, de Guimarães Rosa com Euclides da
Cunha, já que o ilustre autor mineiro conhecia tão bem a vida e a obra do famoso autor
fluminense? O rio Pardo, tão ligado a Euclides, teria se transformado, ou pelo menos tido alguma
influência de forma, no nome do personagem central do romance de Guimarães Rosa? A imagem
do rio, tão simbólica filosófica, literária e religiosamente, e tão comum na obra de Guimarâes Rosa,
não poderia serlhe indiferente na importância que tivera no caso de Euclides da Cunha para a
elaboração do livro “ Os Sertões”, livro escrito em grande parte na cabana ao lado do rio Pardo. Se
tudo isso for relevado, poderíamos pensar num lugar imaginário, mítico, chamado São J osé do
Riobaldo neste ano de 2006, onde os dois grandes escritores encontrariam um ponto de
convergência para suas obras, uma vereda comum nas suas travessias pelos sertões, um lugar onde
passa um rio de águas escuras, de gente hospitaleira, onde há uma velha cabana encantada sob uma
grande árvore, próxima de uma ponte metálica, onde poderiam conversar animadamente sobre
muitos assuntos... Para Euclides, seria a chance de satisfazer seu desabafo de abril de 1908 a
Escobar: Que saudades do meu escritório de folhas de zinco e sarrafos, da margem do rio Pardo!
Creio que se persistir nesta agitação estéril não produzirei mais nada de duradouro”. Lugar de
encontro, de travessia, de muita conversa, de histórias e estórias, e de festanças esse São J osé do
Riobaldo. E faz muito tempo que é assim, e que assim seja para sempre. Lá se encontra gente muito
boa, que sabe muito, aprende rápido e ensina bem. Enquanto imaginamos que Euclides da Cunha e
Guimarães Rosa conversam na cabana encantada, vejamos o que críticos e artistas dizem sobre as
veredas que os ligam.
Veredas entre Euclides da Cunha e Guimarães Rosa
Estudiosos das vidas e das obras de Euclides da Cunha e de Guimarães Rosa têm
assinalado afinidades e diferenças entre eles, revelando semelhanças e antagonismos
surpreendentes, perceptíveis somente após muitas e cuidadosas leituras dos dois grandes livros.
O crítico literário Antonio Candido, num dos primeiros ensaios sobre “ Grande Sertão:
Veredas”, “ O homem dos avessos”, constatou semelhanças e diferenças com “ Os Sertões”: “Há em
“ Grande Sertão: Veredas”, como n`” Os Sertões”, três elementos estruturais, que apoiam a
composição: a terra, o homem, a luta. Uma obsessiva presença física do meio; uma sociedade cuja
pauta e destino dependem dele; como resultado o conflito entre os homens. Mas a analogia pára aí;
não só porque a atitude euclidiana é constatar para explicar, e a de Guimarães Rosa inventar para
sugerir, como porque a marcha de Euclides é lógica e sucessiva, enquanto a dele é uma trança
constante dos três elementos, refugindo a qualquer naturalismo e levando, não à solução, mas à
suspensão que marca a verdadeira obra de arte, e permite a sua ressonância na imaginação e na
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sensibilidade (in “ Tese e Antítese”, Companhia Editora Nacional, 2a edição, São Paulo, 1971, p.
123).
O crítico literário Franklin de Oliveira assinala que, “na história da literatura brasileira,
(...) o nome de Euclydes da Cunha associase ao de J oão Guimarães Rosa. Vários fatores justificam
a associação, tanto quanto outros servem à introdução de um distinquo entre o epos roseano e o
euclydeano (...) É da natureza das obras abertas serem mais fecundas do que as obras fechadas na
sua circularidade literária. Grande Sertão: Veredas é, ao contrário de Os Sertões, um universo
desfronteirado. Confrontados os dois livros vemos que o confronto contradiz o axioma sobre as
obras abertas. O paradoxo é tanto mais fascinante se se considera Grande Sertão: Veredas como a
vertente suprema da trilha rasgada por Euclydes (...) Enquanto Rosa trancou com o seu livro
monumental os caminhos regionalistas, deixando apenas aberta a vereda dos epígonos, Euclydes,
contrariando o princípio da infecundidade das obras cerradas, com Os Sertões instaurou novos
caminhos para a literatur a imaginativa brasileira, de base regional, embora não sendo Os Sertões
obra de ficção”( in “ Euclydes: A espada e a letra ”, Paz e Terra, 1ª edição, RJ SP, 1983, ps. 57, 58)
O romancista Paulo Dantas, por sua vez, diferencia e aproxima os dois autores da
seguinte forma: “Há vários sertões. Guimarães tratou de todos os sertões: os políticos, os místicos,
os geográficos, os emotivos, e o que impressiona em Guimarães Rosa é o encantamento. A gente fica
encantado com a literatura dele porque é pelo encantamento que tudo começa. Diferente de
Euclides da Cunha que é a sociologia, a história e, sobretudo, o sertão datado (…) Guimarães Rosa
não tinha medo de Euclides. Dizem, ele não afirmou isso, que na infância do J oão ele já lia “ Os
Sertões”. Para Dantas, “ Os Sertões” são dois mundos: a Natureza e o Homem. Depois a guerra e a
denúncia. O humanismo geral da Epopéia acaba englobando esses dois mundos num só e essa
envolvência, no tropel, faz da obra uma catedral barroca ou um anfiteatro gigantesco. “ Grande
Sertão: Veredas” parte, ao contrário do esquema de Euclides, do homem para a natureza, a qual é
representada no englobamento de três sertões distintos: o sertão geográfico, o sertão místico e o
sertão político. Impera nele o mando do homem em conflito com as correntes do bem e do mal.
Transformase em poema homérico metafísico, numa expressão bem patenteada do sertão
esotérico” ( in “ Euclides da Cunha e Guimarães Rosa Através dos sertões, Os livros, os autores”,
Massao Ohno Editor, 1a edição, 1996, São Paulo, p. 80).
Na série “ Os Nomes do Rosa ”, de Pedro Bial, produzido em 1997, encontramos
inúmeros depoimentos de intelectuais sobre as possíveis relações entre Euclides da Cunha e
Guimarães Rosa que destacamos a seguir.
O romancista e ensaísta Silviano Santiago assinala uma coincidência e uma diferença
entre ambos: Todos sabem hoje que Rosa tinha caderneta de campo, assim como Euclides da
Cunha tinha caderneta de campo. Mas a caderneta de campo para Euclides da Cunha era uma
maneira de ilustrar a história que ele estava querendo contar, para que essa história se tornasse
mais verossímel”.
Na mesma série, o crítico literário Antonio Candido, citado acima, reafirma e ressalta
uma semelhança estrutural e uma diferença existencial entre as obras: Se nós esquematizarmos a
visão dele, é uma visão que lembra a visão de Euclides da Cunha, porque tem a Terra, o Homem e a
Luta. No caso de Euclides da Cunha esse esquema é determinista, rigorosamente determinista, é o
esquema que vinha dos pensadores naturalistas e positivistas do século XIX. Quer dizer, a Terra
condiciona o Homem, o Homem condiciona a Luta. Nós podemos reconstituir “ Grande Sertão:
Veredas” exatamente como a Terra, o Homem e a Luta, só que aí não há nenhuma relação causal”.
O romancista Antonio Callado demonstra surpresa com a possível vinculação de
Guimarães Rosa a Euclides da Cunha: O que ele não fez foi se deixar influenciar pelo estilo a
ponto de você ler e se lembrar de Euclides. Eu quando leio Guimarães Rosa não me lembro de
Euclides”.
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O poeta Ferreira Gullar, entretanto, tem outro ponto de vista: Eu não duvido que essa
fascinação do Guimarães Rosa por escrever um romance que pegasse toda a realidade do sertão não
tivesse alguma coisa com “ Os Sertões” de Euclides da Cunha”.
O professor J osé Carlos Garbuglio diferenciaos principalmente pelo enfoque que deram
à temática sertão: “O sertão que está em “ Grande Sertão: Veredas” não constitui a projeção ou
transcrição pura e simples da realidade física, como fez, e em termos, por exemplo, Euclides da
Cunha, n`Os Sertões. Antes que isto, eu vejo na obra a transposição, o aproveitamento da imagem
que lhe conferiu na “alma popular”, quando lhe emprestou atributos que estavam em sua
aspiração, em seu desejo de ver convertido em fato palpável o mundo ideal. O que se queria que
fosse, não apenas o que era (…) o fato real é tomado como pretexto e ponto de partida para
elaboração das gestas sertanejas” ( in “ O mundo movente de Guimarães Rosa ”, Editora Ática, 1a
edição, São Paulo, 1972, p.95).
A socióloga Ana Maria Roland, por sua vez, constata: “A visão euclidiana formou uma
linhagem de escritores no Brasil, na literatura ficcional e na poesia. Pensamos naqueles escritores
que, em sua obra, têm o sertão por cenário e personagem, como Graciliano Ramos, J osé Lins,
Raquel de Queiroz, J oão Cabral, Guimarães Rosa, entre outros. Guimarães apresenta uma versão
extrema dessa vertente na literatura, na qual esse espaço será reconstruído como objeto estético,
pertencente a uma outra realidade, que se depreende a partir da memória histórica e de memória
pessoal. “ (in “ Fronteiras da palavra, fronteiras da história ”, Editora UNB, 1a edição, Brasília, 1997,
ps. 126/127).
O romancista e teatrólogo Ariano Suassuna aproxima os dois escritores estabelecendo
suas afinidades e diferenças: “O grande livro que é “ Os Sertões” aproximase muito mais da Novela
épica ou do estilo afortalezado e castanho das Capelas do barroco sertanejo da “Civilização do
Couro”. J á o “ Grande Sertão: Veredas”, descendente da “ Demanda do Santo Graal” ou de “ A
Donzela Que Foi à Guerra ”, como que veio completar o “Ciclo do Ouro” das Minas Gerais,
entrando numa comunhão harmoniosa com as Igrejas ou com a Música mineira do século 18 (…) A
meu ver, o Sertão mineiro é mais parecido com a nossa ZonadaMata do que com o verdadeiro
Sertão do Nordeste. Pelo menos é o que me sugere a paisagem do “ Grande Sertão: Veredas”, cheia
de árvores, rios e bosques verdes. “O Liso do Sussuarão” é apenas um episódio, isolado dentro de
todo aquele verdume, de todas aquelas águas. J á o Sertão nordestino formado por lugares como o
Cariri, a Espinhara, o Pajeú e o Moxotó é um semiárido pedregoso, povoado de cabras, jumentos,
carneiros, répteis e lagartos, carcarás e gaviões. Um grande Planalto amarelo e castanho, com uma
ou outra Serra, muita poeira e muito Sol. Por isso, as Matas fêmeas do “Grande Sertão: Veredas”
são aparentadas com os bosques esverdeados da versão portuguesa da “Demanda do Santo Graal”;
e o Mato macho do Sertão nordestino, com as paisagens secas e pedregosas que Euclydes da Cunha
recriou em sua Novelaépica, é mais parecido com as estradas, e planícies, e planaltos, empoeirados
e cheios de cabreiros, do “ Dom Quixote”, de Cervantes”. (in “ J oão Guimarães Rosa e o Barroco”,
Folha de São Paulo, 25/12/2000, p. E8). Recentemente, Ariano Suassuna reconheceu humildemente
sua dívida para com Euclides da Cunha ao declarar: “Se eu pudesse escolher um patrono para a
minha carreira de escritor, seria Euclydes da Cunha. É como se “Os Sertões”fosse o Velho
Tetsamento e “A Pedra do Reino”, pelo menos na minha intenção, um Novo Testamento, uma
herança de “Os Sertões” (in Folha de São Paulo, 20/07/2006, Ilustrada, p. E5).
O músico e compositor Fábio Paes confessa sua admiração pelos dois autores: “ Eu acho
que o trabalho de Euclides da Cunha é fundamental, é um trabalho que não é apenas “Canudos”; a
obra de Euclides da Cunha é um trabalho de arte: de profundidade, de linguagem, de inspiração.
Porque eu, que sou uma pessoa ligada no Sertão, cada vez que eu leio Euclides eu me apaixono (…)
hoje em dia ( “ Os Sertões”) faz parte das minhas obras preferidas, dos meus livros de cabeceira,
como também “ Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. São para mim dois livros
fundamentais” ( in Neto, Manoel e Dantas, Roberto (orgs), “ Os Intelectuais e Canudos: o discurso
contemporâneo”, UNEB, 1a edição, Salvador, 2001, p. 41).
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O ensaísta, poeta e professor Gilberto Mendonça Teles anota que, “ Os Sertões”, para
Bezerra de Freitas, é um livrosíntese e, para Antonio Candido, o fim de uma era literária e o
começo dos estudos científicos sobre o Brasil. J á o “ Grande Sertão: Veredas”, escrito cinquenta e
quatro anos depois, assinala o fim de uma narrativa realista que teve o seu apogeu com Graciliano
Ramos e o começo de uma nova maneira de narrar, com o imaginário em aberto para todas as
formas de ficção, erudita e popular. Na obra de Euclides da Cunha o sertão é de natureza realista e
naturalista, positivista, documentandose horizontalmente com espírito científico; na de Guimarães
Rosa o sertão é vertical, de dentro para fora, mistura digerida dos dois tipos de sertão, que passa a
ser compreendido como o lugar, melhor, o luar lu(g)ar da imaginação ou das superstições nas
noites claras, como a que se tece em torno do pássaro urutau, também conhecido como mãedalua,
que vive amedrontando os sertanejos, sobretudo nas noites de lua cheia “ ( in Fernandes, Rinaldo
de (org), “ O Clarim e a Oração Cem anos de Os Sertões”, Geração Editorial, 1a edição, São Paulo,
2002, ps. 298/299).
O crítico literário Wilson Martins é categórico ao considerar “ Grande Sertão: Veredas”
(...) um clássico como é clássico Euclides da Cunha, não sendo temerário pensar que “ Os Sertões”
terão sido a sua fonte de reminiscência involuntárias, desafio implícito, ou, se quisermos, encontro
fortuito de visões”( in Releituras rosianas, Suplemento especial “ Grande Sertão: Veredas 50 anos”,
jornal “O Estado de São Paulo, 27/05/2006)
Pelas declarações dos escritores e críticos literários mencionados acima, fica evidente a
influência decisiva do livro “ Os Sertões” (1902), de Euclides da Cunha, sobre Guimarães Rosa,
notadamente sobre seu romance “ Grande Sertão: Veredas” (1956).
“ Grande Sertão: Veredas”, uma reescrita de “ Os Sertões” ?
O professor e crítico literário alemão, Willi Bolle, radicado no Brasil há 40 anos, autor de
várias obras e artigos sobre a obra Guimarães Rosa, publicou em 2004 o livro “ grandesertão.br O
romance de formação do Brasil”. Nessa densa obra, o autor propôsse a constatar e a analisar o
retrato do Brasil em “ Grande Sertão: Veredas”: “Para poder revelar o romance de Guimarães Rosa
como um “retrato do Brasil”, é imprescindível situálo na tradição desse gênero (..) em forma de
uma comparação com a obra matricial daqueles retratos Os Sertões, de Euclides da Cunha ,
considerandose Grande Sertão: Veredas uma reescrita crítica desse livro precursor. A idéiachave
da comparação é que ambas as obras são discursos de narradoresréusetestemunhas diante de um
tribunal em que se julgam momentos decisivos da história brasileira” (p. 8), para acrescentar
adiante que “o romance de Guimarães Rosa é uma reencenação paródica do discurso de Euclides
de encobrir a história cotidiana civil com a epopéia dos guerreiros. O que é mitificação ideológica
em Os Sertões, tornase em Grande Sertão: Veredas mitologização autoreflexiva: a epopéia dos
jagunços, depois de encobrir longamente “o estatuto de misérias e enfermidades”(GSV:48), acaba
sendo desmontada a partir do ponto de reviravolta: o encontro com os catrumanos, que barram o
caminho ao “chefe cidadão” Zé Bebelo, que se apresenta soberbamente como vindo do Brasil (…) O
autor de Os Sertões reproduz a mitologia da classe dominante. Guimarães Rosa, em vez disso,
mergulha nessa mitologia, para tornála transparente” (ps. 348/349/372).
Bolle lembra que “o romance de Guimarães Rosa é o mais detalhado estudo de um dos
problemas cruciais do Brasil: a falta de entendimento entre a classe dominante e as classes
populares, o que constitui um sério obstáculo para a verdadeira emancipação do país” (p. 9), como
Euclides da Cunha havia denunciado em “ Os Sertões” em relação à guerra de Canudos e os
ensaistas posteriores tentaram elucidar. Assim, Willi Bolle reconhece que “ Os Sertões” (1902), de
Euclides da Cunha, é a obramãe que inspirou todos os retratos e ensaios que procuraram desde
então explicar a formação do Brasil: “CasaGrande e Senzala” (1933), de Gilberto Freyre; “Raízes
do Brasil” (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda; “Formação do Brasil Contemporâneo”(1942), de
Caio Prado J únior; “Formação Econômica do Brasil”, (1958), de Celso Furtado; “Os donos do
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poder no Brasil”(1958), de Raymundo Faoro, e “ O Povo Brasileiro” (1995), de Darcy Ribeiro. Em
relação ao romance “ Grande Sertão: Veredas”, publicado em 1956, Wille Bolle insiste que ele “não
se elucida sem um diálogo com o ensaio precursor de Euclides da Cunha” (p.24), embora
Guimarães Rosa tenha valorizado os aspectos metafísicos e religiosos do sertão, enquanto Euclides
valorizou principalmente os aspectos geográficos, históricos e sociológicos.
Entre essas duas obras, há muitas coincidências, pois tanto o ensaio de Euclides como o
romance de Guimarães Rosa são apresentados como discursos diante do tribunal.; o tema é o
sertão, a terra ignota; a guerra no sertão é a matéria histórica; os protagonistas são os “jagunços”
(“nome consagrado aos turbulentos de feira, aos valentões das refregas eleitorais e saqueadores de
cidades”, para Euclides da Cunha, e “criatura para crimes, impondo o sofrer no quieto arruado dos
outros, matando e roupilhando” (GS:V, p. 169), para Guimarães Rosa). “No enfoque de considerar
Grande Sertão: Veredas uma reescrita crítica d’Os Sertões, podese dizer, com uma formulação
extrema, que esse romance, narrado por um jagunço letrado, coloca em debate a maneira
tendenciosa e arbitrária com que o letrado Euclides da Cunha apresenta o jagunço. O romancista
move, por assim dizer, um processo contra o ensaístahistoriógrafo, em nome da autenticidade da
língua e da verdade dos fatos” (WB, p.92).
Por isso, Willi Bole afirma que “ Grande Sertão: Veredas” pode ser lido como um
processo aberto contra o modo como o autor de Os Sertões escreve a história” (p. 35), pois
Guimarães Rosa repele a narração histórica linear, insistindo na estória baseada em reflexões
morais, metafísicas, religiosas, psicológicas e míticas, enquanto que Euclides da Cunha fez um
relato histórico heroicizado dos acontecimentos com base em padrões datados de pensamento
inspirados no positivismo, no evolucionismo, no darwinismo social, no cientificismo, no racismo e
na apologia dos vencedores.
“ O sertão rosiano é o resgate de Canudos não como cópia daquela cidade empírica, mas
como recriação, em outra perspectiva, do Brasil avesso à modernização oficial. A razão de ser histórica
do discurso labiríntico de Guimarães Rosa é contestar a visão linear e progressista da história em
Euclides” , (…) o romance leva o leitor para “dentro “do cérebro e do coração do país” (WB, p.80). A
jagunçagem é vista de dentro, e Guimarães Rosa “faz a própria voz do crime falar”(WB, p. 142),
mostrando como funciona a máquina do poder (…) O romance de Guimarães Rosa é uma antítese
às idealizações e, com isso, uma crítica contundente ao livro precursor que, este sim, forjou uma
imagem idealizada do sertanejo (…) Diferentemente de Euclides, Guimarães Rosa não propõe
nenhuma teoria do povo, mas apresenta uma viva multidão, diferenciada em bandos, grupos e
pequenos ajuntamentos de gente, que por sua vez se subdividem em inúmeros personagens
individuais, cada um deles com um perfil, um nome e geralmente também com uma fala. A
sociedade sertaneja é apresentada numa ordem labiríntica, uma rede temática com uma
quantidade enciclopédica de informações (…) Essa apresentação labiríntica do povo pode ser
entendida como um resgate do Brasil recalcado por Euclides e pelos adeptos do
desenvolvimentismo, como uma reconstituição da “urbs monstruosa” dos sertanejos“, não no
sentido de uma cópia empírica, mas de uma recriação, em outra perspectiva, do Brasil avesso à
modernização oficial (…) Diferentemente de Euclides da Cunha, Guimarães Rosa trata o povo não
como um objeto de estudo e teorias, mas como sujeito capaz de inventar e narrar a sua própria
história (…) uma concepção multifocal e polifônica da História“(ps. 392/393/394/438).
Ao invés de analisar o Brasil a partir de seus antagonismos econômicosociais, o autor
de Os Sertões, na tentativa de entender a falta de “tradições nacionais uniformes”, empolgouse com
um esquema explicativo baseado numa teoria geral da civilização, de cunho étnico ou “racial”.
Euclides testemunhou, como resume Gilberto Freyre, “um choque violento de culturas: a do litoral
modernizado, urbanizado, europeizado, com a arcaica, pastoril e parada nos sertões”. Esse choque
se enquadrava em uma visão geral da história, em que Euclides, como contemporâneo do
Imperialismo por volta de 1900, compartilhava da convicção socialdarwinista de que o avanço da
civilização resultaria no “esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes”. ( Bolle, ps.
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270/271) Guimarães Rosa a descreve como microhistória através do dilaceramento individual e
social de Riobaldo e de sua forma fragmentada de narrar; filho ilegítimo do fazendeiro Selorico
Mendes com uma mulher pobre, Bigrí, como o colonizador português fez com o índio no Brasil.
Guimarães Rosa prefere o enfoque social ao enfoque étnico.
(…) Em Os Sertões, a fala de pessoas do povo aparece em pouquíssimos momentos (…)
O autor d`Os Sertões grifa as expressões que destoam da norma culta. Ele realça no falar do outro o
traço pitoresco e corrige o incorreto, seguindo o padrão da escrita acadêmica discriminatória (…)
Diferentemente de Euclides,(…)Guimarães Rosa, numa atitude de observação participante,
deslocase tão radicalmente para “dentro “da linguagem do povo, que este acaba sendo para ele a
personificação da língua (…) As mais de 1.300 falas de pessoas sertanejas, em discurso direto, e
outras tantas em discurso indireto, contêm uma representação do povo, em que este é o dono das
palavras com uma frequência quase cem vezes maior do que no livro de Euclides da Cunha (…) O
olhar do alto, frequente na obra de Euclides, é substituído em Guimarães Rosa por uma visão de
baixo da realidade sertaneja, a partir de uma perspectiva rasteira, da fala dos humildes, sem, no
entanto, idealizála. Configurase, assim, uma história do cotidiano, uma microhistória do diaa
dia, em contraposição aos feitos da historiografia monumental (...)(Bolle,pags. 411/413/420/421)
Contrastes e confrontos entre Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e em suas obras
Opiniões sobre “Os Sertões”, Euclides da Cunha, “Grande Sertão Veredas” e Guimarães Rosa
Não é de surpreender a interminável a lista de opiniões dadas de 1902 até hoje sobre
Euclides da Cunha e seu livro “Os Sertões”. Vejamos algumas delas: “livro notável” ( J osé
Veríssimo); “livro extraordinário” (Medeiros e Albuquerque); “livro de alto valor científico,
histórico, moral e literário”, “emocional” (Afonso Celso); “poema enorme” e “tremendo libelo”(
Coelho Neto); “um dos livros máximos da língua portuguesa”(Silvio Romero); “livro falso”(Mario
de Andrade); “livro grave” (J osé Maria Bello); “livro vulcânico”(Oliveira Lima); “verdadeiro
monumento de nossas letras”( Manuel Bandeira); “o Livro” (Guilherme de Almeida); “livro
monumental” (Augusto Frederico Schmidt); “epopéia em prosa” (Afrânio Coutinho); “livro
atormentador, ímpar, atrevido e soberbo” (Câmara Cascudo); “poema brasileiro até a raiz” ( Paulo
Dantas); “livro genial” (J oão Etienne Filho); “mito” (Wilson Martins); “uma das obras supremas
da literatura mundial” (Paulo Francis); “uma assembléia de estilos, um comício de formas e
procedimentos literários” e “polifônico” (Franklin de Oliveira); “fundador da cultura brasileira”
(Gerardo Mello Mourão); “tratado mitológico” (J úlio J osé Chiavenatto); “manual de latino
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americanismo” (Mario Vargas Llosa); “livrocatarse” (Percival de Souza). Sobre Euclides da
Cunha dizse: “gênio”, “poeta”, “artista”, “áspero historiador dos bárbaros”, “gênio americano”,
“escritor barroco”, “artista da poesia pura”, “mito”, “descobridor dos sertões”, “paladino de todos
os deserdados”, etc.
Sobre Guimarães Rosa e seu romance “ Grande Sertão: Veredas”, alguns comentários
são os seguintes: “ O maior inovador, no domínio da linguagem, de nossa literatura” (Oswaldino
Marques, 1957); “Grande Sertão: Veredas é uma imitação de Ulisses, de (J ames) J oyce, e sofre,
consequentemente, dos males de toda imitação” (Barbosa Lima Sobrinho); “ A obra de Guimarães
Rosa, apesar do interesse que possa oferecer, constitui um equívoco literário, que necessita ser
imediatamente desfeito”(Adonias Filho);“ O que acontece é que, sob as aparências da interpretação
mais direta, o Sr. Guimarães Rosa na verdade nos oferece uma transcrição eminentemente literária
da realidade. Com isso, os seus heróis perdem densidade e ganham convencionalismo (...) os
“vaqueiros”e “jagunços”do Sr. Guimarães Rosa não escapam de certa construção estereotipada,
mais ou menos mecânica e sem surpresas”(Wilson Martins); “Terá Guimarães Rosa inventado uma
língua? Não houve criação. O que ocorreu foi uma ampla utilização de virtualidades da nossa
língua” (Cavalcanti Proença, 1958); “O grande inovador e renovador da língua portuguesa”(
Gunther Lorenz, 1970); “Não se queira conferir a Guimarães Rosa a criação de uma língua ou
dialeto. Podemos, todavia, atribuirlhe a tradução de uma linguagem dentro da língua” (Nei
Leandro de Castro, 1970); “ O inventor de uma língua nova” (Manuel Bandeira, 1957); “ O criador
do “idioma Guimarães Rosa”( Augusto de Campos, 1959); “ (Sou) não um revolucionário, mas um
reacionário da língua”( Guimarães Rosa); “ A obra de Guimarães Rosa transformouse em uma
pedra no meio do caminho da literatura brasileira: é possível contornála, não é possível ignorála”
(Alfredo Bosi, 1983); “... Grande Sertão: Veredas, paradoxo vivo porque tópico e atópico, arcaico e
moderno, mítico e autoreflexivo, romance de aventuras e parábola do Destino humano, permanece
como insuperável travessia, pródiga em disfarces, da ficção brasileira para o Pensamento poético”
(Benedito Nunes, 1983); “Foi e ainda é o maior escritor brasileiro de todos os tempos” (Paulo
Dantas, 1983); “Gênio. Mesmo.”(Pedro Bloch, 1983); “O espaço que havia no mundo para
Guimarães Rosa era grande, mas foi todo ocupado. Pelo próprio.” (Orígenes Lessa); “Reescreve a
própria língua”( J . A. Hansen, 2000); “Romance difícil e labiríntico” (Wille Bolle, 2004)
A travessia continua...
Encontramos numa reflexão do importante cineasta francês Frédéric Rossif o que
podemos considerar uma espécie de homenagem a Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, já que
nela há elementos comuns a ambos: “O homem, em qualquer lugar, é um nômade do amor... Nessa
breve luta que é a passagem sobre a Terra, diante da imensidão do tempo, nós buscamos. Fazemos
o percurso de um combatente em busca de quê? De alguns oásis – não para descansar, mas para
tentarmos ser felizes. A característica do deserto é oferecernos miragens, sem nos devolver
qualquer eco. Perseguimos então a miragem sempre mais distante, cada vez mais distante, sem
jamais obtermos qualquer resposta. No final de tudo, alcançamos a miragem que, para alguns, é o
paraíso; para outros, a paz eterna; para outros ainda, a morte biológica. A travessia da vida oferece
alguns momentos de amor, que são, entretanto, oásis de felicidade, num deserto sempre
indiferente”. ( in “ O Correio da Unesco”, maio de 1990, ano 18, número 5, Fundação Getúlio
Vargas, RJ SP, p. 4) Nós, os brasileiros, somos herdeiros dos sertões e descendentes dos
personagens descritos por Euclides da Cunha e inventados por Guimarães Rosa, tentando juntos
atravessálos para alcançar suas miragens e conseguir a felicidade, embora nessa travessia
encorajada por ambos o amor seja oásis momentâneo, passageiro, uma trégua na violência sempre
presente, mas, sem dúvida, o seu grande instante, no seio do qual nasceram dois livros que
condensam nossos dramas e paixões e que são nossos documentos de identidade, nossos espelhos e
nossos rostos.
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