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94ª  Semana  Euclidiana  de  São  J osé  do  Rio  Par do 


Confer ência Oficial 
Confer encista: Nicola S. Costa 
Tema: 
Os imensos ser tões e as infinitas ver edas de Euclides da Cunha e Guimar ães Rosa  

“A  travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe “ (E.Cunha) 

“As veredas são sempre belas” (Guimarães Rosa) 

Introdução 

Em  2006,  estamos  comemorando  50  anos  do  lançamento  do  famoso  romance  “ Grande 
Sertão:  Veredas”,  de  J oão  Guimarães  Rosa. Como “ Os Sertões”, de Euclides da Cunha, publicado 
54  anos  antes,  em  1902,  “ Grande  Sertão:  Veredas”   tornou­se  obra  polêmica,  dando  origem  a 
interpretações  e  análises  intermináveis.  Sobre  esses  autores  e  suas  respectivas  obras  já  existem 
milhares  de  estudos  analisando  os  aspectos  inesgotáveis  que  contêm  e  são  descobertos  e  revelados 
por especialistas de todas as áreas do conhecimento. Ambos exploraram o sertão como tema geral, 
assim  como  seus  conflitos,  suas  paisagens,  seus  habitantes,  seus  costumes,  sua  religiosidade,  suas 
superstições,  etc.  O  resultado  foram  duas  obras  monumentais,  autênticos  pilares  da  cultura 
brasileira,  traduzidas  para  vários  idiomas,  apesar  das  imensas  dificuldades  e  desafios  linguísticos. 
Inúmeros  artistas,  escritores  e  críticos  literários  têm  destacado  a  influência  do  livro  “ Os  Sertões” 
(1902),  de  Euclides  da  Cunha,  sobre  Guimarães  Rosa,  especialmente  sobre  seu  romance  “ Grande 
Sertão:  Veredas”  (1956),  e  procurado  defini­la  e  fundamentá­la.  Inicialmente,  veremos  as opiniões 
que  o  próprio  Guimarães  Rosa  anotou  sobre  Euclides  da  Cunha  e  sua  obra,  sobre  seus  méritos  e 
discordâncias.  A  seguir,  como  é  possível  imaginar  um  lugar   comum  a  ambos.  Depois,  tentaremos 
dar uma pequena idéia das afinidades e diferenças entre eles, de veredas notadas por importantes 
intelectuais. Em seguida, através de estudo comparativo, examinaremos os contrastes e confrontos 
existentes entre ambos através de suas próprias palavras e textos. 

Euclides e “ Os Sertões”, segundo Guimarães Rosa 

Guimarães  Rosa  fez  leituras  rigorosas  do  livro  “ Os  Sertões”,  de  Euclides  da  Cunha, 
embora  poucas  vezes  tenha  se  referido  a  ele,  deixando anotações à margem de um exemplar onde 
revela  “um  acentuado  interesse  técnico  pela  pesquisa  de  determinadas  palavras  e  uma  atitude 
impassível diante das frases euclidianas de efeito, uma observação “fria”da retórica do páthos e da 
comoção  (…)  Guimarães  Rosa  ­  como  se  pode  ver  pelas  marcas  de  leitura  em  seu  exemplar  d`Os 
Sertões  ­  era  avesso  às  frases  de  efeito  euclidianas,  mantendo  diante  do  páthos  do  precursor  uma 
postura de impassibilidade e oubli actif. O autor de “ Grande Sertão: Veredas” distancia­se do estilo 
grandiloquente de Euclides através da desmontagem da heroização. O herói, o chefe Urutú­Branco, 
é  um  personagem  que  sente  medo” (Bolle,Willi, in  “ grandesertão.br  ­ O romance de formação do 
Brasil”,  Livraria Duas Cidades, São Paulo, 2004, ps. 28, 216, 217). 
Em  1952,  Guimarães  Rosa   reconheceu  um  dos  méritos  de  Euclides,  anotando:  “Foi 
Euclides quem tirou à luz o vaqueiro, em primeiro plano e como o essencial do quadro ­ não mais 
paisagístico,  mas  ecológico  (…).  Em  Os Sertões, o mestiço limpo adestrado na guarda dos bovinos 
(…)  ocupou  em  relevo  o  centro  do  livro  (…)  E  as  páginas,  essas,  rodaram  voz,  ensinando­nos  o 
vaqueiro,  sua  estampa  intensa,  seu  código  e  currículo,  sua  humanidade,  sua  história  rude.  Daí,

porém, se encerrava o círculo. De então tinha de ser como se os últimos vaqueiros reais houvessem 
morrido no assalto final a Canudos. Sabiam­se, mas distanciados, no espaço menos que no tempo, 
que  nem  mitificados,  diluídos.  O  que  ressurtiria  (…)  revirou  no  liso  do  lago  literário.  Densas, 
contudo,  respiravam  no  sertão  as  suas  pessoas dramáticas, dominando e sofrendo as paragens em 
que  sua  estirpe  se  diferenciou.  E  tinha  encerro  e  rumo  o  que  Euclides  comunicava  em  seus 
superlativos sinceros” (in Bolle, ps. 28 e 29). Assim, Guimarães Rosa reconhece o mérito euclidiano 
de  colocar  o  vaqueiro  real  no  centro  de  sua  obra,  e  não  o  vaqueiro  pitoresco,  folclórico,  que 
predominara nas obras românticas e naturalistas. Enfatiza que o vaqueiro sobreviveu à guerra de 
Canudos e à grandiloqüente descrição euclidiana que teria criado em muitas mentes a ilusão de que 
o  sertanejo  e  a  sua  cultura  estavam  definitivamente  vencidos  e  condenados  ao  desaparecimento. 
“J agunço  é  o  sertão”,  escreveu  Guimarães  Rosa,  restabelecendo  o  vínculo  entre  ambos,  e  seu 
romance  propôs­se  a  resgatar  esse  tipo  social  e  a  sua  cultura,  daí  o  crítico  alemão  Wille  Bolle 
considerar  “ Grande  Sertão:  Veredas”  como    uma  reescrita  crítica  de  Os  Sertões,  embora  54  anos 
separem  uma  obra  da  outra,  e  fatos  históricos  e  culturais  importantes  tenham  ocorrido  nesse 
período no mundo (duas guerras mundiais, industrialização, urbanização intensa, desenvolvimento 
científico  e  tecnológico,  colapso  do  colonialismo,  era  das  massas,  importância  crescente  da 
imprensa,  do  rádio  e  do  cinema,  ascensão  do  comunismo,  guerra  fria,  pessimismo  filosófico, 
afirmação da visão psicanalítica do indivíduo, etc). 
Guimarães  Rosa  também  colocou  em  dúvida  a  famosa  afirmação  euclidiana  de  que  o 
sertanejo  era  o  cerne  da  nacionalidade  brasileira,  embora  reconhecendo  sua  importância  étnica, 
social e cultural, nos seguintes termos: “Não sabemos no nosso país que ainda constrói sua gente de 
tantos  diversos  sangues,  se  ele  será  o  sertanejo,  a  rocha  viva  de  uma  raça,  o  cerne  de  uma 
nacionalidade, mas sua presença é longa lição, sua persistência um julgamento e um recado”. 
No próprio romance “  Grande Sertão: Veredas”, de 1956, há indícios de que Guimarães 
Rosa refere­se à comunidade de Antônio Conselheiro descrita por Euclides da Cunha, devidamente 
escoimada  de  suas  características  históricas  explícitas  e  juízos  ideológicos,  quando  Riobaldo  diz: 
“Às vezes eu penso: seria o caso de pessoas de fé e posição se reunirem, em algum apropriado lugar, 
no meio dos gerais, para se viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo glória do 
perdão  do  mundo.  Todos  vinham  comparecendo,  lá  se  levantava  enorme  igreja,  não  havia  mais 
crimes, nem ambição, e todo sofrimento se espraiava em Deus, dado logo, até à hora de cada uma 
morte  cantar.”  (p.47)  Ou  quando  Riobaldo  afirma:  “  Eu  queria  formar  uma  cidade  da  religião” 
(p.235). Ou então: (...) descemos no canudo das desgraças” (p.229). 
Em  várias  cartas  que  enviou  ao  escritor   e  amigo  Paulo  Dantas,  J oão  Guimarães  Rosa  
revelou  observações  sobre  Canudos,  Antônio  Conselheiro,  Euclides  da  Cunha  e  a  Semana 
Euclidiana de São J osé do Rio Pardo, ora num tom de ironia, ora de admiração, mas que revelam 
seus  conhecimentos  e  juízos  sobre  eles,  reforçando  as  hipóteses  de  que  sofrera  indisfarçavel 
influência  do  autor  de  “   Os  Sertões”  e  que  conhecia  bem  a  sua  biografia.  Em  maio  de  1958, 
Guimarães  Rosa  anotou:  “  Se  eu  fosse  o  Chefe  J uscelino,  mandava  botar  na  praça  principal  de 
Brasília o trovãoíssimo nome de “Praça Antonio Conselheiro” (p.87). No mês seguinte, despediu­se 
do amigo Dantas intitulando­se “ este seu companheiro, Antonio conselheiríssimo”. Numa saudação 
a Dantas, intitulou­o “ meu conselheiro de Conselheiro e Canudos” (p.93). Rejubila­se com o amigo 
Dantas  pela  “  Conferência  em  São  J osé  do  Rio  Pardo”,  a  ser  dada  por  este  em  agosto  de  1958 
(p.96),  e  saúda  1966  como  o  “Ano  Euclidiano”  (eu,  de  fora,  minha  saúde  e  recato  não  dão  para 
movimentos...)” (p.113) (citações extraídas de “  Sa garana emotiva  ­ Cartas de J . Guimarães Rosa ”, 
de  Paulo  Dantas,  Livraria  Duas  Cidades,  1ª  edição,  São  Paulo,  1975).  Transparece,  assim,  em 
Guimarães  Rosa,  uma  inteligente  manifestação  de  simpatia  e  identificação  com  Antônio 
Conselheiro,  ao  mesmo  tempo  que  aprovação  pelo  culto  intelectual  a  Euclides  da  Cunha  e 
humildade em reconhecer no amigo Paulo Dantas seu “conselheiro de Conselheiro e Canudos” .

São J osé do Riobaldo... 

Numa  de  minhas  vindas  a  São  J osé  do  Rio  Pardo,  em  2005,  num  belo  entardecer, 
atravessando a praça da Matriz, ao passar por um dos bancos de pedra onde estava escrito o nome 
da  cidade  abaixo  de  um  nome  comercial,  reparei  que  o  nome  Rio  Pardo  estava  esmaecido  pelo 
desgaste da tinta, com uma mancha bem abaixo da curva da letra P, que ficou parecendo um B, o 
que  permitia  a  leitura  de  Rio  Bardo  ao  invés  de  Rio  Pardo,  expressão  sertaneja  que  está  muito 
próxima  de  Riobaldo,  numa  tentadora  aproximação  fonética  do  nome  Rio  Pardo  com  o  nome 
Riobaldo, o principal personagem do romance “ Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa! Rio 
Pardo  –  Rio  Bardo  –  Riobaldo!  Não  haveria  aí,  perdoem­me  a  pequena  dose  de  humor  e 
imaginação,  mais  uma  dentre  as  inúmeras  hipóteses  sobre  o  nome  desse  famoso  personagem? 
Ocorreu­me que o próprio Guimarães Rosa escrevera em seu romance, pela bôca de Riobaldo: (...) 
muito  ribeirão  e  vereda,  nos  contornados  por  aí,  redobra  nome”.  Ou:  “  nome  não  dá:  nome 
recebe”.  Não  seria  mais  um  vínculo,  ainda  que  inconsciente,  de Guimarães Rosa com Euclides da 
Cunha,  já  que  o  ilustre  autor  mineiro  conhecia  tão  bem  a  vida  e  a  obra  do  famoso  autor  
fluminense? O rio Pardo, tão ligado a Euclides, teria se transformado, ou pelo menos tido alguma 
influência  de  forma,  no  nome  do  personagem central do romance de Guimarães Rosa? A imagem 
do rio, tão simbólica filosófica, literária e religiosamente, e tão comum na obra de Guimarâes Rosa, 
não  poderia  ser­lhe  indiferente  na  importância  que  tivera  no  caso  de  Euclides  da  Cunha  para  a 
elaboração do livro “ Os Sertões”, livro escrito em grande parte na cabana ao lado do rio Pardo. Se 
tudo  isso  for  relevado,  poderíamos  pensar   num  lugar   imaginário,  mítico,  chamado  São  J osé  do 
Riobaldo  neste  ano  de  2006,  onde  os  dois  grandes  escritores  encontrariam  um  ponto  de 
convergência para suas obras, uma vereda comum nas suas travessias pelos sertões, um lugar onde 
passa um rio de águas escuras, de gente hospitaleira, onde há uma velha cabana encantada sob uma 
grande  árvore,  próxima  de  uma  ponte  metálica,  onde  poderiam  conversar  animadamente  sobre 
muitos  assuntos...  Para  Euclides,  seria  a  chance  de  satisfazer  seu  desabafo  de  abril  de  1908  a 
Escobar: ­ Que saudades do meu escritório de folhas de zinco e sarrafos, da margem do rio Pardo! 
Creio  que  se  persistir  nesta  agitação  estéril  não  produzirei  mais  nada  de  duradouro”.  Lugar  de 
encontro,  de  travessia,  de  muita  conversa,  de  histórias  e  estórias,  e  de  festanças  esse  São  J osé  do 
Riobaldo. E faz muito tempo que é assim, e que assim seja para sempre. Lá se encontra gente muito 
boa, que sabe muito, aprende rápido e ensina bem. Enquanto imaginamos que Euclides da Cunha e 
Guimarães Rosa conversam na cabana encantada, vejamos o que críticos e artistas dizem sobre as 
veredas que os ligam. 

Veredas entre Euclides da Cunha e Guimarães Rosa 

Estudiosos  das  vidas  e  das  obras  de  Euclides  da  Cunha  e  de  Guimarães  Rosa  têm 
assinalado  afinidades  e  diferenças  entre  eles,  revelando  semelhanças  e  antagonismos 
surpreendentes, perceptíveis somente após muitas e cuidadosas leituras dos dois grandes livros. 
O  crítico  literário  Antonio  Candido,  num  dos  primeiros  ensaios  sobre  “ Grande  Sertão: 
Veredas”, “ O homem dos avessos”, constatou semelhanças e diferenças com “ Os Sertões”:  “Há em 
“ Grande  Sertão:  Veredas”,  como  n`” Os  Sertões”,  três  elementos  estruturais,  que  apoiam  a 
composição: a terra, o homem, a luta. Uma obsessiva presença física do meio; uma sociedade cuja 
pauta e destino dependem dele; como resultado o conflito entre os homens. Mas a analogia pára aí; 
não só porque a atitude euclidiana é constatar para explicar, e a de Guimarães Rosa inventar para 
sugerir,  como  porque  a  marcha  de  Euclides  é  lógica  e  sucessiva,  enquanto  a  dele  é  uma  trança 
constante  dos  três  elementos,  refugindo  a  qualquer  naturalismo  e  levando,  não  à  solução,  mas  à 
suspensão  que  marca  a  verdadeira  obra  de  arte,  e  permite  a  sua  ressonância  na  imaginação  e  na

sensibilidade  (in  “   Tese  e  Antítese”,  Companhia  Editora  Nacional,  2a  edição,  São  Paulo,  1971,  p. 
123). 
O crítico literário Franklin de Oliveira  assinala que, “na história da literatura brasileira, 
(...) o nome de Euclydes da Cunha associa­se ao de J oão Guimarães Rosa. Vários fatores justificam 
a  associação,  tanto  quanto  outros  servem  à  introdução  de  um   distinquo  entre  o  epos  roseano  e  o 
euclydeano (...) É da natureza das obras abertas serem mais fecundas do que as obras fechadas na 
sua  circularidade  literária.  Grande  Sertão:  Veredas  é,  ao  contrário  de  Os  Sertões,  um  universo 
desfronteirado.  Confrontados  os  dois  livros  vemos  que  o  confronto  contradiz  o  axioma  sobre  as 
obras abertas. O paradoxo é tanto mais fascinante se se considera  Grande Sertão: Veredas como a 
vertente  suprema  da  trilha  rasgada  por  Euclydes  (...)  Enquanto  Rosa  trancou  com  o  seu  livro 
monumental  os  caminhos  regionalistas,  deixando  apenas  aberta  a  vereda  dos  epígonos,  Euclydes, 
contrariando  o  princípio  da  infecundidade  das  obras  cerradas,  com   Os  Sertões  instaurou  novos 
caminhos  para  a   literatur a  imaginativa  brasileira,  de  base  regional,  embora  não  sendo  Os  Sertões 
obra de ficção”( in “ Euclydes: A espada e a letra ”, Paz e Terra, 1ª edição, RJ ­SP, 1983, ps. 57, 58) 
O  romancista   Paulo  Dantas,  por  sua  vez,  diferencia  e  aproxima  os  dois  autores  da 
seguinte forma: “Há vários sertões. Guimarães tratou de todos os sertões: os políticos, os místicos, 
os geográficos, os emotivos, e o que impressiona em Guimarães Rosa é o encantamento. A gente fica 
encantado  com  a  literatura  dele  porque  é  pelo  encantamento  que  tudo  começa.  Diferente  de 
Euclides da Cunha que é a sociologia, a história e, sobretudo, o sertão datado (…) Guimarães Rosa 
não  tinha  medo  de  Euclides.  Dizem,  ele  não  afirmou  isso,  que  na  infância  do  J oão  ele  já  lia  “ Os 
Sertões”. Para Dantas, “ Os Sertões” são dois mundos: a Natureza e o Homem. Depois a guerra e a 
denúncia.  O  humanismo  geral  da  Epopéia  acaba  englobando  esses  dois  mundos  num  só  e  essa 
envolvência,  no  tropel,  faz  da  obra  uma  catedral  barroca  ou  um  anfiteatro  gigantesco.  “ Grande 
Sertão: Veredas” parte, ao contrário do esquema de Euclides, do homem para a natureza, a qual é 
representada  no  englobamento  de  três  sertões  distintos:  o  sertão  geográfico,  o  sertão  místico  e  o 
sertão  político.  Impera  nele  o  mando  do  homem  em  conflito  com  as  correntes  do  bem  e  do  mal. 
Transforma­se  em  poema  homérico  metafísico,  numa  expressão  bem  patenteada  do  sertão 
esotérico”  (  in  “   Euclides  da  Cunha  e  Guimarães  Rosa  ­  Através  dos sertões, Os livros, os autores”, 
Massao Ohno Editor, 1a edição, 1996, São Paulo, p. 80). 
Na  série  “ Os  Nomes  do  Rosa ”,  de  Pedro  Bial,  produzido  em  1997,  encontramos 
inúmeros  depoimentos  de  intelectuais  sobre  as  possíveis  relações  entre  Euclides  da  Cunha  e 
Guimarães Rosa que destacamos a seguir. 
O  romancista  e  ensaísta   Silviano  Santiago  assinala  uma  coincidência  e  uma  diferença 
entre  ambos:  ­  Todos  sabem  hoje  que  Rosa  tinha  caderneta  de  campo,  assim  como  Euclides  da 
Cunha  tinha  caderneta  de  campo.  Mas  a  caderneta  de  campo  para  Euclides  da  Cunha  era  uma 
maneira  de  ilustrar  a  história  que  ele  estava  querendo  contar,  para  que  essa  história  se  tornasse 
mais verossímel”. 
Na  mesma  série,  o  crítico  literário  Antonio  Candido,  citado  acima,  reafirma  e  ressalta 
uma semelhança estrutural e uma diferença existencial entre as obras: ­ Se nós esquematizarmos a 
visão dele, é uma visão que lembra a visão de Euclides da Cunha, porque tem a Terra, o Homem e a 
Luta. No caso de Euclides da Cunha esse esquema é determinista, rigorosamente determinista, é o 
esquema    que  vinha  dos  pensadores  naturalistas  e  positivistas do século XIX. Quer dizer, a Terra 
condiciona  o  Homem,  o  Homem  condiciona  a  Luta.  Nós  podemos  reconstituir  “ Grande  Sertão: 
Veredas” exatamente como a Terra, o Homem e a Luta, só que aí não há nenhuma relação causal”. 
O  romancista   Antonio  Callado  demonstra  surpresa  com  a  possível  vinculação  de 
Guimarães  Rosa  a  Euclides  da  Cunha:  ­  O  que  ele  não  fez  foi  se  deixar  influenciar  pelo  estilo  a 
ponto  de  você  ler  e  se  lembrar  de  Euclides.  Eu  quando  leio  Guimarães  Rosa  não  me  lembro  de 
Euclides”.

O poeta  Ferreira Gullar, entretanto, tem outro ponto de vista: ­ Eu não duvido que essa 
fascinação do Guimarães Rosa por escrever um romance que pegasse toda a realidade do sertão não 
tivesse alguma coisa com “ Os Sertões” de Euclides da Cunha”. 
O professor  J osé Carlos Garbuglio diferencia­os principalmente pelo enfoque que deram 
à  temática  sertão:  “O  sertão  que  está  em  “ Grande  Sertão:  Veredas”  não  constitui  a  projeção  ou 
transcrição  pura  e  simples  da  realidade  física,  como  fez,  e  em  termos,  por  exemplo,  Euclides  da 
Cunha, n`Os Sertões. Antes que isto, eu vejo na obra a transposição, o aproveitamento da imagem 
que  lhe  conferiu  na  “alma  popular”,  quando  lhe  emprestou  atributos  que  estavam  em  sua 
aspiração,  em  seu  desejo  de  ver  convertido  em  fato  palpável  o  mundo  ideal.  O  que  se  queria  que 
fosse,  não  apenas  o  que  era  (…)  o  fato  real  é  tomado  como  pretexto  e  ponto  de  partida  para 
elaboração  das  gestas  sertanejas”  (  in  “ O  mundo  movente  de  Guimarães  Rosa ”,  Editora  Ática,  1a 
edição, São Paulo, 1972, p.95). 
A socióloga  Ana Maria Roland, por sua vez,  constata: “A visão euclidiana formou uma 
linhagem  de  escritores  no  Brasil,  na  literatura  ficcional  e  na  poesia.  Pensamos  naqueles  escritores 
que,  em  sua  obra,  têm  o  sertão  por  cenário  e  personagem,  como  Graciliano  Ramos,  J osé  Lins, 
Raquel de Queiroz, J oão Cabral, Guimarães Rosa, entre outros. Guimarães apresenta uma versão 
extrema  dessa  vertente  na  literatura,  na  qual  esse  espaço  será  reconstruído  como  objeto  estético, 
pertencente a uma outra realidade, que se depreende a partir da memória histórica e de memória 
pessoal. “ (in  “ Fronteiras da palavra, fronteiras da história ”, Editora UNB, 1a edição, Brasília, 1997, 
ps. 126/127). 
O  romancista  e  teatrólogo  Ariano  Suassuna   aproxima  os  dois  escritores  estabelecendo 
suas afinidades e diferenças: “O grande livro que é “ Os Sertões” aproxima­se muito mais da Novela 
épica  ou  do  estilo  afortalezado  e  castanho  das  Capelas  do  barroco  sertanejo  da  “Civilização  do 
Couro”.  J á  o  “ Grande  Sertão:  Veredas”,  descendente  da  “ Demanda  do  Santo  Graal”  ou  de  “ A 
Donzela  Que  Foi  à  Guerra ”,  como  que  veio  completar  o  “Ciclo  do  Ouro”  das  Minas  Gerais, 
entrando numa comunhão harmoniosa com as Igrejas ou com a Música mineira do século 18 (…) A 
meu  ver,  o  Sertão  mineiro  é  mais  parecido  com  a  nossa  Zona­da­Mata  do  que  com  o  verdadeiro 
Sertão do Nordeste. Pelo menos é o que me sugere a paisagem do “ Grande Sertão: Veredas”, cheia 
de árvores, rios e bosques verdes. “O Liso do Sussuarão” é apenas um episódio, isolado dentro de 
todo aquele verdume, de todas aquelas águas. J á o Sertão nordestino formado por lugares como o 
Cariri, a Espinhara, o Pajeú e o Moxotó é um semi­árido pedregoso, povoado de cabras, jumentos, 
carneiros, répteis e lagartos, carcarás e gaviões. Um grande Planalto amarelo e castanho, com uma 
ou outra Serra, muita poeira e muito Sol. Por isso, as Matas fêmeas do “Grande Sertão: Veredas” 
são aparentadas com os bosques esverdeados da versão portuguesa da “Demanda do Santo Graal”; 
e o Mato macho do Sertão nordestino, com as paisagens secas e pedregosas que Euclydes da Cunha 
recriou em sua Novela­épica, é mais parecido com as estradas, e planícies, e planaltos, empoeirados 
e cheios de cabreiros, do “ Dom Quixote”, de Cervantes”. (in  “ J oão Guimarães Rosa e o Barroco”, 
Folha de São Paulo, 25/12/2000, p. E8). Recentemente, Ariano Suassuna reconheceu humildemente 
sua  dívida  para  com  Euclides  da  Cunha  ao  declarar:  “Se  eu  pudesse  escolher  um  patrono  para a 
minha  carreira  de  escritor,  seria  Euclydes  da  Cunha.  É  como  se  “Os  Sertões”fosse  o  Velho 
Tetsamento  e  “A  Pedra  do  Reino”,  pelo  menos  na  minha  intenção,  um  Novo  Testamento,  uma 
herança de “Os Sertões” (in Folha de São Paulo, 20/07/2006, Ilustrada, p. E5). 
O músico e compositor  Fábio Paes confessa sua admiração pelos dois autores: “ Eu acho 
que o trabalho de Euclides da Cunha é fundamental, é um trabalho que não é apenas “Canudos”; a 
obra de Euclides da Cunha é um trabalho de arte: de profundidade, de linguagem, de inspiração. 
Porque eu, que sou uma pessoa ligada no Sertão, cada vez que eu leio Euclides eu me apaixono (…) 
hoje  em  dia  (  “ Os  Sertões”)  faz  parte  das  minhas  obras  preferidas,  dos  meus  livros  de  cabeceira, 
como  também  “ Grande  Sertão:  Veredas”,  de  Guimarães  Rosa.  São  para  mim  dois  livros 
fundamentais”  (  in  Neto,  Manoel e Dantas, Roberto (orgs), “ Os Intelectuais e Canudos: o discurso 
contemporâneo”, UNEB, 1a edição, Salvador, 2001, p. 41).

O  ensaísta,  poeta  e  professor   Gilberto  Mendonça  Teles  anota  que,  “ Os  Sertões”,  para 
Bezerra  de  Freitas,  é  um  livro­síntese  e,  para  Antonio  Candido,  o  fim  de  uma  era  literária  e  o 
começo  dos  estudos  científicos  sobre  o  Brasil.  J á  o  “ Grande  Sertão:  Veredas”,  escrito  cinquenta  e 
quatro anos depois, assinala o fim de uma narrativa realista que teve o seu apogeu com Graciliano 
Ramos  e  o  começo  de  uma  nova  maneira  de  narrar,  com  o  imaginário  em  aberto  para  todas  as 
formas de ficção, erudita e popular. Na obra de Euclides da Cunha o sertão é de natureza realista e 
naturalista, positivista, documentando­se horizontalmente com espírito científico; na de Guimarães 
Rosa o sertão é vertical, de dentro para fora, mistura digerida dos dois tipos de sertão, que passa a 
ser  compreendido  como  o  lugar,  melhor,  o  luar  ­  lu(g)ar  ­  da  imaginação  ou  das  superstições  nas 
noites claras, como a que se tece em torno do pássaro urutau, também conhecido como mãe­da­lua, 
que vive amedrontando os sertanejos, sobretudo nas noites de lua cheia “ ( in Fernandes, Rinaldo 
de (org), “ O Clarim e a Oração ­ Cem anos de Os Sertões”, Geração Editorial, 1a edição, São Paulo, 
2002, ps. 298/299). 
O  crítico  literário  Wilson  Martins é categórico ao considerar “ Grande Sertão: Veredas” 
(...)  um  clássico  como é clássico Euclides da Cunha, não sendo temerário pensar que “ Os Sertões” 
terão sido a sua fonte de reminiscência involuntárias, desafio implícito, ou, se quisermos, encontro 
fortuito de visões”( in Releituras rosianas, Suplemento especial “ Grande Sertão: Veredas 50 anos”, 
jornal “O Estado de São Paulo, 27/05/2006) 
Pelas  declarações dos escritores e críticos literários mencionados acima, fica evidente a 
influência  decisiva  do  livro  “ Os  Sertões”  (1902),  de  Euclides  da  Cunha,  sobre  Guimarães  Rosa, 
notadamente sobre seu romance “ Grande Sertão: Veredas” (1956). 

“  Grande Sertão: Veredas”, uma reescrita de “  Os Sertões” ? 

O professor e crítico  literário alemão, Willi Bolle, radicado no Brasil há 40 anos, autor de 
várias obras e artigos sobre a obra Guimarães Rosa, publicou em 2004 o livro “ grandesertão.br ­ O 
romance  de  formação  do  Brasil”.  Nessa  densa  obra,  o  autor  propôs­se  a  constatar  e  a  analisar  o 
retrato do Brasil em “ Grande Sertão: Veredas”: “Para poder revelar o romance de Guimarães Rosa 
como  um  “retrato  do  Brasil”,  é  imprescindível  situá­lo  na  tradição  desse  gênero  (..)  em  forma  de 
uma  comparação  com  a  obra  matricial  daqueles  retratos  ­  Os  Sertões,  de  Euclides  da  Cunha  ­, 
considerando­se Grande Sertão: Veredas  uma reescrita crítica desse livro precursor. A idéia­chave 
da comparação é que ambas as obras são discursos de narradores­réus­e­testemunhas diante de um 
tribunal  em  que  se  julgam  momentos  decisivos  da  história  brasileira”  (p.  8),  para  acrescentar  
adiante  que  “o  romance  de Guimarães Rosa é uma reencenação paródica do discurso de Euclides 
de encobrir a história cotidiana civil com a epopéia dos guerreiros. O que é mitificação ideológica 
em   Os  Sertões,  torna­se  em   Grande  Sertão:  Veredas  mitologização  auto­reflexiva:  a  epopéia  dos 
jagunços,  depois  de  encobrir  longamente “o estatuto de misérias e enfermidades”(GSV:48), acaba 
sendo desmontada a partir do ponto de reviravolta: o encontro com os catrumanos, que barram o 
caminho ao “chefe cidadão” Zé Bebelo, que se apresenta soberbamente como vindo do Brasil (…) O 
autor  de  Os  Sertões  reproduz  a  mitologia  da  classe  dominante.  Guimarães  Rosa,  em  vez  disso, 
mergulha nessa mitologia, para torná­la transparente” (ps. 348/349/372). 
Bolle lembra que “o romance de Guimarães Rosa é o mais detalhado estudo de um dos 
problemas  cruciais  do  Brasil:  a  falta  de  entendimento  entre  a  classe  dominante  e  as  classes 
populares, o que constitui um sério obstáculo para a verdadeira emancipação do país” (p. 9), como 
Euclides  da  Cunha  havia  denunciado  em  “ Os  Sertões”  em  relação  à  guerra  de  Canudos  e  os 
ensaistas  posteriores  tentaram  elucidar.  Assim,  Willi  Bolle  reconhece  que  “ Os  Sertões”   (1902),  de 
Euclides  da  Cunha,  é  a  obra­mãe  que  inspirou  todos  os  retratos  e  ensaios  que  procuraram  desde 
então explicar a formação do Brasil: “Casa­Grande e Senzala” (1933), de Gilberto Freyre; “Raízes 
do Brasil” (1936), de Sérgio Buarque de Hollanda; “Formação do Brasil Contemporâneo”(1942), de 
Caio  Prado  J únior;  “Formação  Econômica  do  Brasil”,  (1958),  de  Celso  Furtado;  “Os  donos  do

poder no Brasil”(1958), de Raymundo Faoro, e “ O Povo Brasileiro” (1995), de Darcy Ribeiro. Em 
relação ao romance “ Grande Sertão: Veredas”, publicado em 1956, Wille Bolle insiste que ele “não 
se  elucida  sem  um  diálogo  com  o  ensaio  precursor  de  Euclides  da  Cunha”  (p.24),  embora 
Guimarães Rosa tenha valorizado os aspectos metafísicos e religiosos do sertão, enquanto Euclides 
valorizou principalmente os aspectos geográficos, históricos e sociológicos. 
Entre essas duas obras, há muitas coincidências, pois tanto o ensaio de Euclides como o 
romance  de  Guimarães  Rosa  são  apresentados  como  discursos  diante  do  tribunal.;  o  tema  é  o 
sertão, a terra ignota; a guerra no sertão é a matéria histórica; os protagonistas são os “jagunços” 
(“nome consagrado aos turbulentos de feira, aos valentões das refregas eleitorais e saqueadores de 
cidades”, para Euclides da Cunha, e “criatura para crimes, impondo o sofrer no quieto arruado dos 
outros, matando e roupilhando” (GS:V, p. 169), para Guimarães Rosa). “No enfoque de considerar  
Grande  Sertão:  Veredas  uma  reescrita  crítica  d’Os  Sertões,  pode­se  dizer,  com  uma  formulação 
extrema,  que  esse  romance,  narrado  por  um   jagunço  letrado,  coloca  em  debate  a  maneira 
tendenciosa  e  arbitrária  com  que  o letrado Euclides da Cunha apresenta o jagunço. O romancista 
move,  por  assim  dizer,  um  processo  contra o ensaísta­historiógrafo, em nome da autenticidade da 
língua e da verdade dos fatos” (WB, p.92). 
Por  isso,  Willi  Bole  afirma  que  “ Grande  Sertão:  Veredas”   pode  ser  lido  como  um 
processo  aberto  contra  o  modo  como  o  autor  de  Os  Sertões  escreve  a  história”  (p.  35),  pois 
Guimarães  Rosa  repele  a  narração  histórica  linear,  insistindo  na  estória  baseada  em  reflexões 
morais,  metafísicas,  religiosas,  psicológicas  e  míticas,  enquanto  que  Euclides  da  Cunha  fez  um 
relato  histórico  heroicizado  dos  acontecimentos  com  base  em  padrões  datados  de  pensamento 
inspirados  no  positivismo,  no  evolucionismo,  no  darwinismo  social,  no  cientificismo,  no  racismo  e 
na apologia dos vencedores. 
“ O sertão rosiano é o resgate de Canudos ­ não como cópia daquela cidade empírica, mas 
como recriação, em outra perspectiva, do Brasil avesso à modernização oficial. A razão de ser histórica 
do  discurso  labiríntico  de  Guimarães  Rosa  é  contestar  a  visão  linear  e  progressista  da  história  em 
Euclides” , (…) o romance leva o leitor para “dentro “do cérebro e do coração do país” (WB, p.80). A 
jagunçagem  é  vista  de  dentro,  e  Guimarães Rosa “faz a própria voz do crime falar”(WB, p. 142), 
mostrando como funciona a máquina do poder (…) O romance de Guimarães Rosa é uma antítese 
às  idealizações  e,  com  isso,  uma  crítica  contundente  ao  livro  precursor  que,  este  sim,  forjou  uma 
imagem  idealizada  do  sertanejo  (…)  Diferentemente  de  Euclides,  Guimarães  Rosa  não  propõe 
nenhuma  teoria  do  povo,  mas  apresenta  uma  viva  multidão,  diferenciada  em  bandos,  grupos  e 
pequenos  ajuntamentos  de  gente,  que  por  sua  vez  se  subdividem  em  inúmeros  personagens 
individuais,  cada  um  deles  com  um  perfil,  um  nome  e  geralmente  também  com  uma  fala.  A 
sociedade  sertaneja  é  apresentada  numa  ordem  labiríntica,  uma  rede  temática  com  uma 
quantidade  enciclopédica  de  informações  (…)  Essa  apresentação  labiríntica  do  povo  pode  ser  
entendida  como  um  resgate  do  Brasil  recalcado  por  Euclides  e  pelos  adeptos  do 
desenvolvimentismo,  como  uma  reconstituição  da  “urbs  monstruosa”  dos  sertanejos“,  não  no 
sentido  de  uma  cópia  empírica,  mas  de  uma  recriação,  em  outra  perspectiva,  do  Brasil  avesso  à 
modernização oficial (…) Diferentemente de Euclides da Cunha, Guimarães Rosa trata o povo não 
como  um  objeto  de  estudo  e  teorias,  mas  como  sujeito  capaz  de  inventar  e  narrar  a  sua  própria 
história (…) uma concepção multifocal e polifônica da História“(ps. 392/393/394/438). 
Ao invés de analisar o Brasil a partir de seus antagonismos econômico­sociais, o autor  
de Os Sertões, na tentativa de entender a falta de “tradições nacionais uniformes”, empolgou­se com 
um  esquema  explicativo  baseado  numa  teoria  geral  da  civilização,  de  cunho  étnico  ou  “racial”. 
Euclides testemunhou, como resume Gilberto Freyre, “um choque violento de culturas: a do litoral 
modernizado, urbanizado, europeizado, com a arcaica, pastoril e parada nos sertões”. Esse choque 
se  enquadrava  em  uma  visão  geral  da  história,  em  que  Euclides,  como  contemporâneo  do 
Imperialismo por volta de 1900, compartilhava da convicção social­darwinista de que o avanço da 
civilização  resultaria  no  “esmagamento  inevitável  das  raças  fracas  pelas  raças  fortes”.  (  Bolle,  ps.

270/271)  Guimarães  Rosa  a  descreve  como  micro­história  através  do  dilaceramento  individual  e 
social  de  Riobaldo  e  de  sua  forma  fragmentada  de  narrar;  filho  ilegítimo  do  fazendeiro  Selorico 
Mendes  com  uma  mulher  pobre,  Bigrí,  como  o  colonizador  português  fez  com  o  índio  no  Brasil. 
Guimarães Rosa prefere o enfoque social ao enfoque étnico. 
(…) Em  Os Sertões, a fala de pessoas do povo aparece em pouquíssimos momentos (…) 
O autor d`Os Sertões grifa as expressões que destoam da norma culta. Ele realça no falar do outro o 
traço  pitoresco  e corrige o incorreto, seguindo o padrão da escrita acadêmica discriminatória (…) 
Diferentemente  de  Euclides,(…)Guimarães  Rosa,  numa  atitude  de  observação  participante, 
desloca­se tão radicalmente para “dentro “da linguagem do povo, que este acaba sendo para ele a 
personificação  da  língua  (…)  As  mais  de  1.300  falas  de  pessoas  sertanejas,  em  discurso  direto,  e 
outras  tantas  em  discurso  indireto,  contêm  uma representação do povo, em que este é o dono das 
palavras ­ com uma frequência quase cem vezes maior do que no livro de Euclides da Cunha (…) O 
olhar  do  alto,  frequente  na  obra  de  Euclides,  é  substituído  em  Guimarães Rosa por uma visão de 
baixo  da  realidade  sertaneja,  a  partir  de  uma  perspectiva  rasteira,  da  fala  dos  humildes,  sem,  no 
entanto,  idealizá­la.  Configura­se,  assim,  uma  história  do  cotidiano,  uma  micro­história  do  dia­a­ 
dia, em contraposição aos feitos da historiografia monumental (...)(Bolle,pags. 411/413/420/421) 

Contrastes e confrontos entre Euclides da Cunha, Guimarães Rosa e em suas obras 

Agora  podemos  examinar os incontáveis contrastes e confrontos existentes entre Euclides 


da  Cunha  e  Guimarães  Rosa,  após  termos  lido  suas  obras, pensado no que dizem os entendidos e 
imaginado  a  conversa  mágica  sem  testemunhas  que  eles  tiveram  naquela  cabana  encantada 
aparentemente  vazia  e  fechada  de  São  J osé  do  Riobaldo,  mas  que  despertou  tantas  consciências, 
estimulou  tantas  vozes  e  abriu  tantas  trilhas  literárias,  conversa  essa  de  que  há  indícios  se 
apurarmos nossos sentidos e nossos corações para ouví­la. 
Euclides  da  Cunha   nasceu  em  20 de janeiro de 1866, em Cantagalo, no interior da então 
província  do  Rio  de  J aneiro, quando o reinado de D. Pedro II estava no apogeu;  J oão Guimarães 
Rosa   nasceu  em  27  de  junho  de  1908,  em  Cordisburgo,  estado  de  Minas  Gerais,  quando  a 
República já estava consolidada nas mãos das oligarquias estaduais e dos “coronéis”. 
O  interior  fluminense  de  Euclides  vivia  o esplendor do ciclo do café baseado no trabalho 
dos escravos. O pai de Euclides era guarda­livros de fazendeiros da região. O norte de Minas Gerais 
era terra de fazendas, boiadas e vaqueiros que circulavam pelo sertão e passavam pela venda do pai 
de Guimarães Rosa , que ouvia fascinado as estórias dos viajantes. 
Euclides  ficou  órfão  de  mãe  com  uma  irmã  e  foi  criado  pelas  tias,  tendo  estudado  em 
escolas de várias cidades, até ingressar na vida militar, que cursou com incidentes, sendo desligado 
e  reintegrado,  formando­se  engenheiro  e  alcançando  o  posto  de  tenente.  Guimarães  Rosa   tinha 
cinco irmãos e irmãs, estudou medicina e mais tarde tornou­se diplomata. Tanto em um quanto em 
outro, a literatura era preferida em relação às profissões. 
Euclides foi ardoroso republicano, tendo casado com Ana, filha do famoso general Solon, 
com  quem  teve  três  filhos.  Guimarães  Rosa   casou  com  Lígia,  com  quem  teve  duas  filhas,  mas 
separou­se depois, casando com Aracy, a  Ara , a quem dedicou “ Grande Sertão: Veredas”. 
Euclides  era  um  homem  abatido  por  doenças  (tuberculose,  nevralgia,  reumatismo,  febre, 
resfriado, varíola; (...) estou bom, embora pressinta que os longos dias de ansiedade, de misérias e 
triunfos  passados  nas  cabeceiras  do  Purus  me  prejudicram  a  vida”­  08/11/1905);   Guimarães  Rosa  
era assolado por superstições e premonições (“Em volta de nós, o que há, é a sombra mais fechada – 
coisas gerais”). 
Euclides  era  influenciado  por  poetas  e  romancistas  clássicos,  por  concepções  científicas  e 
por  pensadores  deterministas,  positivistas  e  racistas  da  época  em  que  viveu  (Platão,  Aristóteles, 
Homero,  Ésquilo,  Eurípedes,  Virgílio,  J uvenal,  Dante  Alighieri,  Shakespeare,  Auguste  Comte, 
Darwin,  Spencer,  Taine,  Renan,  Gobineau,  Lombroso,  Michelet,  Glumpowicz,  Hartt,  Agassiz,

Humboldt, Sarmiento, Emerson, Zola, Walter Scott, Vitor Hugo, Stuart Mill, Daudet, Saint Hilaire, 
Francis Bacon, Antônio Vieira, Buckle, Heine,  etc). Guimarães Rosa  era influenciado por doutrinas 
religiosas,  místicas,  esotéricas,  metafísicas,  psicanalíticas,  filosóficas,  literárias  (Platão,  Plotino, 
Santo  Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Alquimia, Budismo, Hinduísmo, Dante Alighieri, J ohn 
Milton,  Dostoiévski,  Flaubert,  Freud,  J ames  J oyce,  Robert  Musil,  William  Faulkner,  Thomas 
Mann, Franz Kafka, Goethe, etc). 
Euclides seguia uma linha reta para viver  (“ A minha velha linha reta”);  Guimarães Rosa  
seguia  um  caminho  oculto  ((...)  existe  uma  receita,  a  norma  dum  caminho  certo,  estreito, de cada 
uma pessoa viver  – e essa pauta cada um tem – mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar  
(...)  Mas,  esse  norteado,  tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso 
dessa doideira que é.”) 
Euclides  participou  da  Revolta  da  Armada  de  1893,  testemunhou  parte  da  guerra  de 
Canudos como repórter e escreveu o livro “ Os Sertões”, publicando­o em 1902, sob uma perspectiva 
histórica, geográfica, sociológica e científica de cunho determinista. Guimarães Rosa  participou da 
Revolução Constitucionalista de 1932 como médico ( “Como médico conheci o valor do sofrimento; 
como  rebelde,  o  valor  da  consciência;  como  soldado,  o  valor  da  proximidade  da  morte”), 
testemunhou  a  Segunda  Guerra  Mundial  (era  cônsul  em  Hamburgo,  na  Alemanha  nazista,  onde 
ajudou judeus a fugir para o exterior) e escreveu o romance “ Grande Sertão: Veredas”, publicando­ 
o em 1956, sob uma perspectiva mágica, poética, mística (“Quem quer viver, faz mágica”; “Tudo o 
que  vemos  é  por  uma  básica  ilusão  de  óptica”;  “Todos  os  meus  livros  são  simples  tentativas  de 
rodear e devassar um pouquinho o mistério cósmico, esta coisa movente, rebelde a qualquer lógica, 
que é a chamada “realidade “, que é a gente mesmo, o mundo, a vida. Antes o obscuro que o óbvio, 
que  o  frouxo.  Toda  lógica  contém  inevitável  dose  de  mistificação.  Toda  mistificação  contém  boa 
dose de verdade. Precisamos também do obscuro.” (em carta a Curt Meyer­Clason)). 
Euclides  gostava  de  uma  frase  de  Shakespeare:  What  should  a  man  do  but  be  merry 
(“Que pode um homem fazer senão ser feliz!”), que mandou escrever no frontispício da cabana de 
zinco  às  margens do rio Pardo; Guimarães Rosa aproximava­se de Shakespeare sem transcrevê­lo 
nem  citá­lo  (“Tem  horas  em  que  penso  que  a  gente  carecia,  de  repente,  de  acordar  de  alguma 
espécie de encanto. As pessoas, e as coisas, não são de verdade”; “Que é que é um nome? Nome não 
dá:  nome  recebe”;  “Vida  devia  de  ser  como  na  sala  do  teatro,  cada  um inteiro fazendo com forte 
gosto seu papel”; “O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.” Como não lembrar  
daquilo que personagens do bardo inglês disseram: Miranda: “Nós somos da mesma matéria de que 
se  fabricam  os  sonhos”;  J ulieta,  dizendo  a  Romeu:  “  Que  há  em  um  nome?  O  que  chamamos  de 
rosa,  com  outro  nome,  exalaria  o  mesmo  perfume  agradável”;  da  afirmação  de  que  “a  vida  é  um 
palco”; Hamlet, agonizante, ao dizer a Horácio: “O resto é silêncio”.) 
Ambos tentaram inicialmente a poesia, Euclides com “ Ondas” e sonetos, Guimarães Rosa  
com  “ Magma ”,  mas  optaram  depois  pela  prosa,  que  nunca  perdeu  o  tom  poético.  (O  próprio 
Guimarães  Rosa  sugeriu  uma  escala  de  valores  para  avaliar  seus  escritos:  “Cenário  e  realidade 
sertaneja, 1 ponto. Enredo, 2 pontos. Poesia, 3 pontos. Valor metafísico e linguístico, 4 pontos”). 
Euclides  estudava  infatigavelmente  ((...)  vivo  à  parte  do  movimento  geral;  interrompi  o 
estudo  para  escrever­te,  encerro  esta  carta  para  estudar.”  ­  21/04/1893;  “A  minha  atividade 
intelectual  agora  converge  toda  para  os  livros  práticos  –  deixando  provisoriamente  de  lado  os 
filósofos,  o  Comte,  o  Spencer, o Huxley, etc”­ 26/09/1895);  Guimarães Rosa , rezava ( “O que mais 
penso, testo e explico: todo­o­mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se 
carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No 
geral.  Isso  é  que  é  a  salvação­da­alma...  Muita  religião,  seu  moço!  Eu  cá,  não  perco  ocasião  de 
religião.  Aproveito  de  todas.  Bebo  água  de  todo  rio...  Uma  só,  para  mim  é  pouca,  talvez  não  me 
chegue”; “Ninguém não pode me impedir de rezar; pode algum? O existir da alma é a reza”) . 
Decepcionado  com  os  rumos  da  República,  Euclides  deixou  o  exército  e  dedicou­se  ao 
jornalismo ocasional e à cartografia, só obtendo um emprego estável, o de professor de Lógica,  um
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mês antes de morrer;  Guimarães Rosa  foi “médico de roça” durante pouco tempo, em Itaguara, mas 
ingressou na carreira diplomática por concurso onde permaneceu até a morte. 
Euclides  era  agnóstico  (  “Se  há  um  Deus,  ele  sabe  de  quanta  virtude  eu  disponho  para 
arcar  com  o  cumprimento  de  tão  penosos  deveres;  aliados  a  sacrifícios  tão  grandes”(carta  ao pai, 
1893);  “  Então...  eu  não  creio  em  Deus?  Quem  te  disse  isto?  Puseste­me  na  mesma  roda  dos 
singulares infelizes, que usam do ateísmo como usam de gravatas – por  chic, e para se darem ares 
de sábios... Não. Rezo, sem palavras no meu grande panteísmo, na perpétua adoração das coisas; e 
na  minha  miserabilíssima  e  falha  ciência  sei,  positivamente,  que  há  alguma  coisa  que eu não sei... 
(1903,  a  Coelho  Neto)  ;   Guimarães  Rosa   era  místico  (“Com  Deus  existindo,  tudo  dá  esperança: 
sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há de a gente perdidos no 
vai­vem, e a vida é burra... Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá 
certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma!”; “Que Deus existe, 
sim , devagarinho, depressa. Ele existe – mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons 
e maus. Coisas imensas no mundo. O grande­sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?”) 
A  angústia  de  Euclides  era  social  e  histórica  (“...  levo  a  mais  inútil  das  vidas  em  perene 
conflito  com  a  minha  engenharia  obscura  cujas  exigências  me  afastam  de  outras  ocupações  mais 
atraentes às quais somente dedico um ou outro quarto de hora de folga nos meus dias fatigantes de 
operário”((1900);  “  (...)  a  nossa  carrreira  é,  hoje,  a  mais  infeliz  do  Brasil.  Num  país  pobre,  o 
engenheiro é a primeira vítima, o primeiro atingido pelo golpe da pobreza geral”(1901); “ A vida é 
hoje  triste,  no  Brasil”(1903);  “...  esta  minha  triste  profissão  de  cartógrafo”(1907);  “Não  será  um 
mal tão viva volta de leme: passar de golpe de engenheiro a professor? Assim procede, porém, numa 
grande  ânsia de dar uma estabilidade à vida, por mim mesmo, sem precisar incomodar os amigos 
poderosos.”(1908);”(...)vou  atravessando  esta  existência  no  pior  dos  países  possíveis  e 
imagináveis”(1909);  para  Guimarães Rosa , a angústia era existencial e metafísica (“Nenhuns olhos 
têm fundo: a vida, também, não”; “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer  
outras maiores perguntas”; “Viver  – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque 
aprender­a­viver é que é viver, mesmo”). 
Euclides  tornou­se  um  descrente  da  política  (  “...  compreendi  afinal  que  nesta  terra  a 
política  é  a  ocupação  cômoda  dos  desocupados  e só tenho um arrependimento sincero e profundo 
na vida: o ter­me, embora fracamente, me (sic) preocupado algum tempo com tal coisa”(1893); “ O 
nosso  belo  ideal  político  (...)  continua  sacrificado  pelos  políticos  tontos  egoístas  que  nos 
governam”(1897);  “O  nosso  reles  mundozinho  político”(1901);  “  ...  país  em  que  se  inventam  os 
empregos  para  a  vadiagem  remunerada”(1904);   Guimarães  Rosa   era  indiferente  à  política 
(“Escrevendo  descubro  sempre  um  novo  pedaço  de  infinito.  Vivo  no  infinito;  o  momento  não 
conta”(1965). 
Euclides  da  Cunha   revelou  uma  visão  oposta  à  de  Guimarães  Rosa,  pois  o  histórico,  o 
político  e  o  sociológico  tinham  prioridade,  sendo  a  religião  tratada  como  elemento  secundário 
diante  de  sua  aguçada  mentalidade  científica,  pouco  preocupada  com  ela,  pela  sua  formação 
evolucionista  e  positivista  avessa  a  assuntos  teológicos  e  metafísicos.  Guimarães  Rosa  afirma  o 
contrário:  “Desconfio  que  sou  um   individualista  feroz,  mas  disciplinadíssimo.  Com  aversão  ao 
histórico,  ao  político,  ao  sociológico.  Acho  que  a  vida  neste  planeta  é  caos,  queda,  desordem 
essencial,  irremediável  aqui,  tudo  fora  de  foco.  Sou  só  religião  –  mas  impossível  de  qualquer  
associação  ou  organização  religiosa:  tudo  é  o  quente  diálogo  (tentativa  de)  com  O  mais.  Você 
deduz” (p. 9). 
O  que  interessava  para   Euclides,  era  o  real,  o  verdadeiro  (“os  fatos”);  para   Guimarães 
Rosa, o que interessava era o transitório, o meio do caminho ( “... o real não está na saída nem na 
chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”). 
Euclides  via  fatos  e  fazia  análises;   Guimarães  Rosa ,  via  enigmas  e  ambiguidades  (“Tudo, 
aliás,  é  a  ponta  de  um  mistério.  Inclusive,  os  fatos.  Ou  a  ausência  deles”;  “...só  sabemos  de  nós 
mesmos com muita confusão”).
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Euclides viu a matéria determinante; Guimarães Rosa, a “matéria vertente”. 
Euclides valorizava  o documental;  Guimarães Rosa  valorizava o oral. 
Tanto  Euclides  como  Guimarães  Rosa   utilizavam  cadernetas  de  campo  onde  registravam 
cuidadosamente palavras, nomes e faziam desenhos. (Guimarães Rosa: “Quando saio montado num 
cavalo,  pela  minha  Minas  Gerais,  vou  tomando  nota  das  coisas.  O  caderno  fica  impregnado  de 
sangue  de  boi,  suor  de  cavalo,  folha  machucada.  Cada  pássaro  que  voa,  cada  espécie,  tem  vôo 
diferente.  Quero  descobrir  o  que  caracteriza  o  vôo  de  cada  pássaro,  a  cada  momento.  Eu  não 
escrevo difícil. Eu sei o nome das coisas” ). 
O estilo de Euclides era reto, duro, denunciador (“ o seringueiro é o homem que trabalha 
para  escravizar­se”);  o  de  Guimarães  Rosa ,  suave,  ficcional,  fantasioso  (“as  verdades  da  vida  são 
sem  prazos”;  “O  correr  da  vida  embrulha  tudo,  a  vida  é  assim:  esquenta  e  esfria,  aperta  e  daí 
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”). 
As frases de Euclides eram contundentes ( “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”); as de 
Guimarães  Rosa ,  normativas  (“Viver  é  sempre  plural”;  “As  verdades  da  vida  são  sempre  sem 
prazos”). 
São  raras  as  interrogações  em   Euclides,  que  sempre  escrevia  de  forma  categórica  ;  em  
Guimarães  Rosa ,  as  interrogações  são  frequentes  (“  O  grande  sertão  é  a  forte  arma.  Deus  é  um 
gatilho?”) 
Euclides  fez  diagnósticos  (litoral  X  sertão,  República X Monarquia, Brancos X Mestiços, 
Civilização  X  Barbárie);  Guimarães  Rosa  fez  paradoxos  (  “A  gente  só  sabe  bem  aquilo  que  não 
entende”; “A vida não é entendível”). 
Euclides  da  Cunha  via  círculos  viciosos  e  retas;  Guimarães  Rosa  via  pontos  e  voltas 
(“Nada em rigor tem começo e coisa alguma tem fim, já que tudo se passa em ponto numa bola; e o 
espaço é o avesso de um silêncio onde o mundo dá mais voltas”) 
O tempo é físico para  Euclides ( “realizo o milagre incrível de inventar o tempo; não deixo 
passar um quarto de hora de tréguas, nesta azáfama estéril – e neste estudo aos pedaços, mal feito, 
grandemente atrapalhado, vou seguindo pelos meandros de nossa história”); para  Guimarães Rosa , 
o  tempo  é  mistério  (“O  tempo  é  o  mágico  de  todas  as  traições”;  “O  tempo  é  a  vida  da  morte: 
imperfeição”; “Até hoje, para não se entender a vida, o que de melhor se achou foram os relógios”) 
Euclides  escrevia  História,  tomando  como  modelo  a  Revolução  Francesa  (considerou 
inicialmente  a  guerra  de  Canudos  como  “a  nossa  Vendéia”);   Guimarães  Rosa   escrevia  estórias, 
partindo  da  imaginação  (“A  estória  não  quer  ser  história.  A  estória,  em  rigor,  deve  ser  contra  a 
História. A estória, às vezes, quer­se um pouco parecida à anedota”). 
A visão de Euclides  era panorâmica, do alto para baixo, de fora para dentro e objetiva; a 
de Guimarães Rosa , cotidiana, de dentro para fora e subjetiva. 
A  geografia  para  Euclides  era  a  real;  para  Guimarães  Rosa,  havia  uma  geografia 
imaginária.
Euclides percorreu o rio Purus até as nascentes no Peru e escreveu sobre o rio Vazabarris 
como um rio sangrento;  Guimarães Rosa  escreveu sobre os rios São Francisco e Urucuia como rios 
místicos (“Só na foz do rio é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”; “Gostaria de ser um 
crocodilo vivendo no rio São Francisco (...) amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de 
um homem (...) Amo ainda mais uma coisa dos nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma 
palavra mágica para conjugar eternidade.”). 
O  sertão  de  Euclides  é  colonial,  temporal,  físico;  o  sertão  de  Guimarães  Rosa ,  medieval, 
atemporal, abstrato (“Sertão: é dentro da gente”), metafísico (“O sertão é sem lugar”). 
Euclides viu o umbuzeiro (“a árvore sagrada do sertão”);  Guimarães Rosa  viu o buriti (“O 
buriti é a palmeira de Deus”). 
O  sertão,  para   Euclides,  era  o  homizio,  o  paraíso  (no  inverno);  para   Guimarães  Rosa ,  o 
sertão  é  o  sozinho, o penal, tudo (“Sertão é o sozinho”; “O sertão aceita todos os nomes: aqui é o
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Gerais,  lá  é  o  Chapadão,  lá  acolá  é  a  caatinga”;  “Sertão  é  penal,  criminal.  Sertão  é  onde  homem 
tem de ter a dura nuca e mão quadrada”). 
Euclides descreveu os vaqueiros da seca, da caatinga, e os seringueiros do Acre;  Guimarães 
Rosa   descreveu  os  vaqueiros  das  águas,  dos  rios  (“Perto  de  muita  água,  tudo  é feliz”), dos Gerais 
(“Minas principia de dentro para fora e do céu para o chão”). 
Euclides  anotou  que  “a  guerra  é  uma  coisa  monstruosa  e  ilógica  em  tudo”;   Guimarães 
Rosa  afirmou que “o que guerreia é o bicho, não é o homem”. 
Euclides  era  indiferente  aos  bichos,  embora  tenha  discursado  aos  bois  quando  criança; 
Guimarães Rosa revelava ternura e nomeava­os (“Amar os bichos é aprendizado de humanidade”). 
Para   Euclides,  “a  guerra  de Canudos foi um refluxo em nossa história”; para  Guimarães 
Rosa , a vida é travessia. 
O conflito era entre civilização e barbárie na guerra de Canudos, para  Euclides ( “Estamos 
condenados à civilização. Ou progredimos, ou desaparecemos”); para  Guimarães Rosa , o conflito é 
entre Deus e o Diabo (“Deus é paciência. O contrário, é o diabo”; “O que não é Deus, é estado do 
demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver  – a 
gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo”). 
Euclides  comparava  Canudos  à  Tróia  grega  (“Tróia  de  taipa  dos  jagunços”,  “Tróia  de 
palha”, “Tróia de barro”); Guimarães comparava o sertão ao mundo (“O sertão é do tamanho do 
mundo”). 
Euclides explicou Antônio Conselheiro, os sertanejos e Canudos pela loucura que refletia a 
mestiçagem;   Guimarães  Rosa   considerava  a  loucura  inerente  à  natureza  humana  (“Ninguém  é 
doido. Ou, então, todos”.) 
Para  Euclides, os sertanejos esperavam o rei D. Sebastião; para  Guimarães Rosa , o diabo 
está em toda parte. 
Euclides  descreveu  figuras  coletivas  de  sertanejos  (“O  sertanejo  é,  antes  de  tudo,  um 
forte”);   Guimarães  Rosa ,  figuras  pessoais  de  jagunços  (“A  colheita  é  comum,  mas  o  capinar  é 
sozinho”; “ Homem é rosto a rosto; jagunço também: é no quem­com­quem”). 
Para  Euclides,  o  sertanejo  era  um  forte;  para  Guimarães  Rosa,  “sertanejos,  sabidos, 
sábios”. 
Euclides  descreveu  os  sertanejos  machistas;  Guimarães  Rosa  criou  Diadorim,  a  donzela 
guerreira. 
Para   Euclides,  “as  mulheres  (de  Canudos)  eram,  na  maioria,    repugnantes.  Fisionomias 
ríspidas,  de  viragos,  de  olhos  zanagas  e  maus”);  para   Guimarães  Rosa ,  “mulher  tira  idéia  é  do 
corpo”. 
No  livro  de  Euclides,  a  sexualidade  está  recalcada;  em  Guimarães Rosa , presente (“Pasto 
bom e mulher – e o mais, se tiver”). 
Para   Euclides,  os  heróis  são  os  sertanejos;  para   Guimarães  Rosa,  Riobaldo  (“Herói  é  no 
que dói”). 
Euclides  era  teatral (“anfiteatro”,  “drama”,  “teatro”;    “lance  teatral”;  “teatro  de  luta”);  
Guimarães Rosa  era verbal (“... toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada”). 
A  guerra  de  Canudos  foi,  para   Euclides,  um  crime  contra  a  nacionalidade;  para  
Guimarães Rosa , a guerra era causada pelo poder de mando. 
Euclides  descreve  o  terror,  a  crueldade  (  “Canudos  (foi)  dissolvido  a  bala,  e  a  fogo,  e  a 
espada...”);  Guimarães Rosa  prioriza o amor, a amizade, a lealdade, a coragem ( “Amor é a gente 
querer achar o que é da gente”; “amizade dada é amor”; “...o amor se faz é graças a dois”; “Vau do 
mundo é a coragem”). 
Euclides  denunciou  um  crime  contra  os  sertanejos  (“Aquilo  não  era  uma  campanha,  era 
uma  charqueada.  Não  era  a  ação  severa  das  leis,  era  a  vingança”);   Guimarães  Rosa   retratou  os 
perigos do sertão ( “Sertão não é malino, nem caridoso – ele tira ou dá, ou agrada ou amarga, ao
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senhor, conforme o senhor mesmo”; “Sertão é penal, criminal. Sertão é onde homem tem de ter a 
dura nuca e mão quadrada”). 
Euclides viu a guerra do fim do mundo;  Guimarães Rosa  viu os párias ou sobreviventes do 
início do mundo, os catrumanos. 
As  utopias  de  Euclides  eram:  levar  professores  e  não  soldados  para  “civilizar”  os 
sertanejos,  criar  leis  e  justiça  para  os  seringueiros,  e construir uma ferrovia, a Transacreana, que 
atravessasse  o  Acre;  a  utopia  de  Guimarães  Rosa   era  “formar  uma  cidade  da  religião”,  “um 
fazendão  de  Deus”  (“seria  o  caso  de  pessoas  de  fé  e  posição  se  reunirem,  em  algum  apropriado 
lugar,  no  meio  dos  gerais,  para  se  viver só em altas rezas, fortíssimas, louvando a Deus e pedindo 
glória do perdão do mundo. Todos vinham comparecendo, lá se levantava enorme igreja, não havia 
mais crimes, nem ambição, e todo sofrimento se espraiava em Deus, dado logo, até à hora de cada 
uma morte cantar.”) 
Euclides  intitulou­se  o  “advogado  dos  pobres  sertanejos  assassinados  (em  Canudos)  por  
uma  sociedade  pulha,  covarde  e  sanguinária”  e  denunciou  a  exploração  dos  seringueiros  da 
Amazônia;  Guimarães Rosa  ajudou judeus a fugirem da Alemanha nazista para o Brasil. 
Euclides  revelou  a  visão  oficial  do  Brasil,  com  críticas  (...)  esta  pobre  terra,  esta  pobre 
pátria – esta misérrima pátria tão digna de melhores dias!...”(1892); “o que atualmente se passa na 
nossa pobre terra, é para entristecer e desalentar aos caracteres mais robustos”(1892);”o nosso reles 
mundozinho  político”(1901);  “a  vida  é  hoje  triste  no  Brasil”(1903);  “país  em  que  se  inventam  os 
empregos  para  a  vadiagem  remunerada”(1904);   Guimarães  Rosa   revelou  o  Brasil  não­oficial, 
arcaico, poeticamente. 
Euclides revelava amarga ironia (“ Num país em que toda a gente acomoda a sua vidinha 
num  cantinho  de  secretaria,  ou  numa  aposentadoria,  eu  estou,  depois  de  haver  trabalhado  tanto, 
galhardamente, sem posição definida! Reivindico, assim, o belo título de último dos românticos, não 
já  do  Brasil  apenas,  mas  do  mundo  todo,  nestes  tempos  utilitários!" );   Guimarães  Rosa   era  bem 
humorado (“... o que não é casório, é falatório”). 
Euclides  revelava  contrariedades:  “vou  atravessando  esta  existência  no  pior  dos  piores 
países possíveis e imagináveis”(1909);  Guimarães Rosa , ambiguidades (“Nada em rigor tem começo 
e  coisa  alguma  tem  fim,  já  que  tudo  se  passa  em  ponto  numa  bola;  e  o  espaço  é  o  avesso  de  um 
silêncio onde o mundo dá mais voltas”; “A gente cresce sempre, sem saber para onde”; “Em volta 
de nós, o que há, é a sombra mais fechada – coisas gerais”). 
Euclides  é  polifônico;   Guimarães  Rosa ,  sinfônico  (“De  tudo,  quer  nascer  uma  música”; 
“Tudo, nesta vida, é muito cantável”). 
Euclides  teve  como  padrinho  o  Barão  do  Rio  Branco,  que  deu­lhe  funções  burocráticas 
irrelevantes e uma missão diplomática para reconhecer as cabeceiras do rio Purus, na fronteira com 
o Peru;  Guimarães Rosa  teve como padrinho J oão Neves da Fontoura. 
Euclides  só  saiu  uma  vez  do  Brasil,  na  fronteira  do  Brasil  com  o  Peru,  reconhecendo  as 
cabeceiras do rio Purus (“... eu sinto necessidade de abandonar por algum tempo o meio civilizado 
da  nossa  terra:  assim  ou  aspiro  os  sertões  desertos  ou  as  grandes  capitais  estrangeiras”(1892);  
Guimarães Rosa  morou e viajou por vários países (“Quem viaja por terras estranhas, vê o que quer  
e o que não quer!”). 
Euclides  valorizava  a  educação formal (“Estuda sempre, meu filhinho! Quero te ver bem 
adiantado. Cultiva também o teu coração, porque ele vale mais do que a cabeça. Sede sempre bom, 
digno  e  forte”;  “Prossegue  com  abnegação.  Para  isto  não  precisas  sacrificar­te.  Basta  que  tenhas 
constância e método, e que estudes nas horas de estudo e prestes toda a atenção nas aulas. Assim, 
ainda  terás  muito  tempo para brincares; e chegarás ao fim do ano com toda matéria sabida. Mas 
não  te  desvies  nunca  deste  programa:  nem  um  dia  sem  estudar.  Um  pouco  por  dia  quer  dizer  
muitíssimo por ano”; “Quero que respeites mais aos teus mestres – porque eles, aí, me representam, 
de  sorte  que  não  tens  de  envergonhar­te  das  repreensões  que  eles  te  dirijam.  É  um  engano 
imaginares  que  a  insubmissão  seja  própria  de  um  homem  verdadeiramente  altivo.  O  homem
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verdadeiramente altivo é o que evita ver­se na posição de merecer uma censura. É o que deves não 
esquecer”;  “Estuda  bem,  comporta­te  bem,  como  um  menino  digno  de  estima”;  “Ninguém  lê, 
ninguém escreve, ninguém pensa”);  Guimarães Rosa  valorizava a educação informal ( “Vivendo, se 
aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer maiores perguntas”; “Mestre não é quem sempre 
ensina, mas quem de repente aprende”). 
Euclides  não  escreveu  o  seu  segundo  livro  vingador,  “Um  Paraíso  Perdido”,  sobre  a 
Amazônia,  só  deixando  um  esboço  (  “...  onde  procurarei  vingar  a  Hiléia  maravilhosa  de  todas  as 
brutalidades  das  gentes  adoidadas  que  a  maculam  desde  o  século  XVIII.  Que  tarefa  e  que 
ideal!“(1905);   Guimarães  Rosa   não  escreveu  o  livro  de  contos  “Segundas  Estórias”,  por  razões 
desconhecidas, saltando das “Primeiras Estórias” para  “Tutaméia” (Terceiras Estórias)”, embora 
este tenha sido seu segundo livro... 
Para   Euclides,  a  Amazônia  era  a  terra  sem  história,  paleozóica,  anfíbia,  em  ser;  para  
Guimarães Rosa , o sertão era a terra com estórias, mitológica, fluvial, com seres. 
Euclides viu os “ 100.000 ressuscitados” do Acre;  Guimarães Rosa  viu os “catrumanos” do 
sertão. 
Euclides  associou  o  J udas  traidor  a  Ashverus,  o  judeu  errante;   Guimarães  Rosa   chamou 
Hermógenes e Ricardão de “ judas “ porque eles assassinaram J oca Ramiro à traição. 
Ambos foram membros da Academia Brasileira de Letras e conheceram a glória em vida. 
Ambos escreveram centenas de cartas aos parentes, amigos e intelectuais. 
Euclides foi professor de Lógica nos últimos dias de vida;  Guimarães Rosa  era pelo ilógico 
( “A lógica (...) é a força com a qual o homem algum dia haverá de se matar. Apenas superando a 
lógica  é  que  se  pode  pensar  com  justiça.  Pense  nisto:  o  amor  é  sempre  ilógico,  mas  cada  crime  é 
cometido segundo as leis da lógica”; “ A espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um 
pouco de rotina ou lógica, mas algo ou alguém faz frincha para rir­se da gente”) 
A morte de Euclides foi passional, pois morreu ao tentar matar o amante de sua mulher; a 
morte de Guimarães Rosa  coincidiu com sua superstição de que morreria aos 59 anos e se tomasse 
posse na Academia Brasileira de Letras, o que ocorreu três dias depois de infarto (“As pessoas não 
morrem, ficam encantadas”; “A gente morre é para provar que viveu”) 
Quando Euclides morreu, em agosto de 1909, Guimarães Rosa tinha uma ano de idade. 
Pronto!  São  J osé  do  Riobaldo  volta  a  ser  São  J osé  do  Rio  Pardo!  O  mito  dá  lugar  à 
realidade! Euclides da Cunha e Guimarães Rosa se despedem! Ou não? Fica por conta de cada um. 
Mas  encontraram­se  durante  esta  palestra  e  são  inseparáveis  para  sempre.  Completam­se  e 
complementam­se, unidos pelo sertão/ sertões, embora mantenham­se inconfundíveis em seus estilos 
e personalidades. 

Opiniões sobre “Os Sertões”, Euclides da Cunha, “Grande Sertão Veredas” e Guimarães Rosa 

Não  é  de  surpreender  a  interminável  a  lista  de  opiniões  dadas  de  1902  até  hoje  sobre 
Euclides  da  Cunha  e  seu  livro  “Os  Sertões”.  Vejamos  algumas  delas:  “livro  notável”  (  J osé 
Veríssimo);  “livro  extraordinário”  (Medeiros  e  Albuquerque);  “livro  de  alto  valor  científico, 
histórico,  moral  e  literário”,  “emocional”  (Afonso  Celso);  “poema  enorme”  e  “tremendo  libelo”( 
Coelho Neto); “um dos livros máximos da língua portuguesa”(Silvio Romero); “livro falso”(Mario 
de  Andrade);  “livro  grave”  (J osé  Maria  Bello);  “livro  vulcânico”(Oliveira  Lima);  “verdadeiro 
monumento  de  nossas  letras”(  Manuel  Bandeira);  “o  Livro”  (Guilherme  de  Almeida);  “livro 
monumental”  (Augusto  Frederico  Schmidt);  “epopéia  em  prosa”  (Afrânio  Coutinho);  “livro 
atormentador, ímpar, atrevido e soberbo” (Câmara Cascudo); “poema brasileiro até a raiz” ( Paulo 
Dantas);  “livro  genial”  (J oão  Etienne  Filho);  “mito”  (Wilson Martins); “uma das obras supremas 
da  literatura  mundial”  (Paulo  Francis);  “uma  assembléia  de  estilos,  um  comício  de  formas  e 
procedimentos  literários”  e  “polifônico”  (Franklin  de  Oliveira);  “fundador  da  cultura  brasileira” 
(Gerardo  Mello  Mourão);  “tratado  mitológico”  (J úlio  J osé  Chiavenatto);  “manual  de  latino­
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americanismo”  (Mario  Vargas  Llosa);  “livro­catarse”  (Percival  de  Souza).  Sobre  Euclides  da 
Cunha  diz­se:  “gênio”,  “poeta”,  “artista”,  “áspero  historiador  dos  bárbaros”,  “gênio  americano”, 
“escritor barroco”, “artista da poesia pura”, “mito”, “descobridor dos  sertões”, “paladino de todos 
os deserdados”, etc. 
Sobre  Guimarães  Rosa  e  seu  romance  “  Grande  Sertão:  Veredas”,  alguns  comentários 
são  os  seguintes:  “  O  maior  inovador,  no  domínio  da  linguagem,  de  nossa  literatura”  (Oswaldino 
Marques,  1957);  “Grande  Sertão:  Veredas  é  uma  imitação  de  Ulisses,  de  (J ames)  J oyce,  e  sofre, 
consequentemente, dos males de toda imitação” (Barbosa Lima Sobrinho); “ A obra de Guimarães 
Rosa,  apesar  do  interesse  que  possa  oferecer,  constitui  um  equívoco  literário,  que  necessita  ser  
imediatamente desfeito”(Adonias Filho);“ O que acontece é que, sob as aparências da interpretação 
mais direta, o Sr. Guimarães Rosa na verdade nos oferece uma transcrição eminentemente literária 
da  realidade.  Com  isso,  os  seus  heróis  perdem  densidade  e  ganham  convencionalismo  (...)  os 
“vaqueiros”e  “jagunços”do  Sr.  Guimarães  Rosa  não  escapam  de  certa  construção  estereotipada, 
mais ou menos mecânica e sem surpresas”(Wilson Martins); “Terá Guimarães Rosa inventado uma 
língua?  Não  houve  criação.  O  que  ocorreu  foi  uma  ampla  utilização  de  virtualidades  da  nossa 
língua”  (Cavalcanti  Proença,  1958);  “O  grande  inovador  e  renovador  da  língua  portuguesa”( 
Gunther  Lorenz,  1970);  “Não  se  queira  conferir  a  Guimarães  Rosa  a  criação  de  uma  língua  ou 
dialeto.  Podemos,  todavia,  atribuir­lhe  a  tradução  de  uma  linguagem  dentro  da  língua”  (Nei 
Leandro de Castro, 1970); “ O inventor de uma língua nova” (Manuel Bandeira, 1957); “ O criador  
do “idioma Guimarães Rosa”( Augusto de Campos, 1959); “ (Sou) não um revolucionário, mas um 
reacionário  da  língua”(  Guimarães  Rosa);  “  A  obra  de  Guimarães  Rosa  transformou­se  em  uma 
pedra no meio do caminho da literatura brasileira: é possível contorná­la, não é possível ignorá­la” 
(Alfredo Bosi, 1983);  “... Grande Sertão: Veredas, paradoxo vivo porque tópico e atópico, arcaico e 
moderno, mítico e  auto­reflexivo, romance de aventuras e parábola do Destino humano, permanece 
como insuperável travessia, pródiga em disfarces, da ficção brasileira para o Pensamento poético” 
(Benedito  Nunes,  1983);  “Foi  e  ainda  é  o  maior  escritor  brasileiro  de  todos  os  tempos”  (Paulo 
Dantas,  1983);  “Gênio.  Mesmo.”(Pedro  Bloch,  1983);  “O  espaço  que  havia  no  mundo  para 
Guimarães Rosa era grande, mas foi todo ocupado. Pelo próprio.” (Orígenes Lessa); “Reescreve a 
própria língua”( J . A. Hansen, 2000); “Romance difícil e labiríntico” (Wille Bolle, 2004) 

A travessia continua... 

Encontramos  numa  reflexão  do  importante  cineasta  francês  Frédéric  Rossif  o  que 
podemos  considerar  uma  espécie  de  homenagem  a  Euclides  da  Cunha  e  Guimarães  Rosa,  já  que 
nela há elementos comuns a ambos: “O homem, em qualquer lugar, é um nômade do amor... Nessa 
breve luta que é a passagem sobre a Terra, diante da imensidão do tempo, nós buscamos. Fazemos 
o  percurso  de  um  combatente  em  busca  de  quê?  De  alguns  oásis  –  não  para  descansar,  mas para 
tentarmos  ser  felizes.  A  característica  do  deserto  é  oferecer­nos  miragens,  sem  nos  devolver  
qualquer  eco.  Perseguimos  então  a  miragem  sempre  mais  distante,  cada  vez  mais  distante,  sem 
jamais obtermos qualquer resposta. No final de tudo, alcançamos a miragem que, para alguns, é o 
paraíso; para outros, a paz eterna; para outros ainda, a morte biológica. A travessia da vida oferece 
alguns  momentos  de  amor,  que  são,  entretanto,  oásis  de  felicidade,  num  deserto  sempre 
indiferente”.  (  in  “ O  Correio  da  Unesco”,  maio  de  1990,  ano  18,  número  5,  Fundação  Getúlio 
Vargas,  RJ ­SP,  p.  4)  Nós,  os  brasileiros,  somos  herdeiros  dos  sertões  e  descendentes  dos 
personagens  descritos  por  Euclides  da  Cunha  e  inventados  por  Guimarães  Rosa,  tentando  juntos 
atravessá­los  para  alcançar  suas  miragens  e  conseguir  a  felicidade,  embora  nessa  travessia 
encorajada por ambos o amor seja oásis momentâneo, passageiro, uma trégua na violência sempre 
presente,  mas,  sem  dúvida,  o  seu  grande  instante,  no  seio  do  qual  nasceram  dois  livros  que 
condensam nossos dramas e paixões e que são nossos documentos de identidade, nossos espelhos e 
nossos rostos.
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