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10 GAZETA DE MATEM ATIÇA

pouco e pouco, a organizar o seu pensamento Cada um de nós é levado pela leitura deste
e, daquelas premissas instrumentais, ele po- artigo, que pode, à primeira vista, parecer
deria fazer brotar relações e consequências excessivamente original e afastado das nossas
até inesperadas. Propriedades e questões, que ideias, geralmente mais moderadas, a uma
estamos habituados a tratar numa certa or- reconsideração do programa e da nossa ma-
dem e que são muitas vezes «atomizadas», neira de ensinar; ninda por esta razão, o
fundir-se-iam num todo único. E , a pouco e trabalho de GATTIÍÍINO, oferecendo contínuos
pouco, a estrutura de cada particular situa- estímulos de revisões, de crítica, de discus-
ção levaria a conceber o método axiomático são, traz em si uma contribuição notável ao
relativo àquela determinada situação, porque — problema em questão"
diz com acerto o autor — «averiguar aquilo
que basta postular para obter tudo por via *
*
*

dedutiva é um luxo que a ciência se permite,


Depois de ter referido cada capítulo deste
só depois de ter acumulado um certo número
livro, verdadeiramente original e fascinante,
de factos*. Ele acha por isso que uma revi-
pouco resta a concluir, porque o livro não
são do programa dum ponto de vista dedutivo
quer concliiir, quer deixar aberto o pro-
só deveria fazer-se no fim da carreira escolar.
blema. Um problema discutido por matemá-
Como se vê, trata-se dum ensino da geome-
ticos de profissão e pedagogistas, por lógi-
tria em que falta uma linlia contínua, no sen-
cos e psicólogos; cada um deles expês, de
tido que estamos habituados a conceber; é
modo magistral, as suas ideias sobre o mesmo
uma série de assuntos organizados sobre o
assunto: «o ensino da matemáticas. Compete
plano das estruturas, mas livres; ó um en-
agora a cada um de nós encontrar nestas pá-
sino por centros de interesse, em que cada
ginas matéria de reflexão e de trabalho e dar
centro é provocado por um impulso particular.
uma contribuição ao movimento que se está
Com quanto haja, sem dúvida, um parale- difundindo em todo o mundo para inspirar a
lismo entre o ensino da geometria e o da ál- didáctica matemática em critérios mais mo-
gebra sugeridos pelo autor, paralelismo de- dernos.
vido ao sentido de largueza e de libertação
que se pretende esteja na base de ambos,
nota-se uma considerável diferença entre as
duas didácticas, sendo a geométrica muito N. lia R. — Em consequência da demora He publi-
cação da «G. M u o da subsequente acumulação de
mais perceptiva, mais visual e portanto me-
original, sai este artigo com atraso considerável, do
nos abstracta do que a algébrica, aplicada na que pedimos desculpa á nossa distinta colaboradora,
mesma idade. bem como aos leitores.

«Princípios c/e equjVa/ênc/a sobre equações»


por H e n r i q u e V e r o / M e r q u e s

A importância primordial de que se reveste estudante de liceu lbe atribui a importância


o estudo dos princípios de equivalência de que ela, inegavelmente, merece. Basta ter em
equações leva-nos a abordá-lo no presente atenção que sendo o objectivo fundamental
artigo. Presume-se que se torne útil dissecar da Álgebra a resolução de equações, tal
tal matéria por se crer que, nem sempre, o objectivo só poderá ser atingido se se conhe-
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cerem, com clareza, as leis que regem essa ção genérica desta equação, tem-se /(y) +
resolução. + 9(7) — 9(y) + 9(7)- Daf. /(7)"=ff(7)-
No presente trabalho apenas se consideram Consequentemente, y é raiz da equação
equações a uma incógnita, porque só a estas /(*) = 9 (x) •
se faz referência no actual programa dos As duas equações /(ar) = ff(a?) e f(x) +
liceus. + <s(x)=g(a?) + 9(jr) são, então, equivalentes.
Como ó sabido, raiz ou solução de uma Seja, agora, 0(a?) uma função não inteira
equação a uma incógnita é todo o número de ar. Se 0(ot) tem significado numérico a
que colocado no lugar da incógnita torna o equação f(zr) = y(ar) é equivalente à equação
valor numérico do primeiro membro idêntico /(«) + 6(ar) — g (ar) + 0 (ar) (tudo se passa como
ao valor numérico do segundo membro. no caso anterior). Se f(<*) não tem signifi-
E sabe-se, também, que duas equações são cado numérico as duas equações não serão
equivalentes quando toda a solução de uma equivalentes, visto que carece de sentido a
delas é solução da outra, e reciprocamente. relação = +
Seja f(x) — g(x') uma equação em x em que Em resumo:
algum dos dois membros poderá ser, even- Primeiro principio de equivalência: «So-
tualmente, constante. mando a ambos os membros de uma equação
Demonstremos, primeiramente, que se so- uma mesma constante ou uma mesma função
marmos a ambos os membros daquela equa- inteira da incógnita resulta uma equação
ção um número N ou uma função inteira, equivalente à primeira; somando a ambos os
s(ar), da incógnita, a equação resultante é membros uma mesma função não inteira da
equivalente à proposta. incógnita a equação obtida só não será equi-
Com efeito, se se designa por a uma solu- valente à proposta se para alguma raiz desta
ção genérica da equação /(ar) = ff (ar) tem-se, a função carece de significado numéricos.
por definição de raiz de uma equação, que Assim, por exemplo:
/ ( a ) = flf(a) e dai f\a) + N= ff(a) + N (são
iguais as somas de dois números iguais com 1) São equivalentes as equações
um terceiro). Logo, a. ê também solução de
f{x) + N = fif(ar) -+- N. Por outra parte, se 5ar + 8 = 3 —2ar e 7ar= — 5,
^ é raiz genérica da equação f(x)-\-N =
pois que a segunda equação resulta da pri-
= g(x) + N será / ( £ ) + N= g t f ) -t- N,
meira, somando a ambos os membros desta a
donde se tira /((3) = (subtraindo a *

função inteira <p(ar) = 2 a: — 8 .


números iguais um terceiro, as diferenças são
ainda iguais). Quer dizer, |3 ó também solu- 2) Não são equivalentes as equações
ção de f(x•) = g(x).
As duas equações f{x) = g (x) e + Xa = 4 e a:3 H — = 4-1 —,
+ iV = g (ar) + N são, portanto, equivalentes. x-2 ar— 2
Analogamente, se 9 (a?) é função inteira
dear,3>(a) tem significado numérico (conti- porque a função o (ar) = carece de si-
nuando a representar por a uma qualquer x— 2
rsiz de f(x) = ff (ar)). Ora, de / ( a ) = ff (a*) gnificado para a r = 2 , que é raiz da equação
deduz-se, então, / ( a ) + wfa) = g (a) -j- w ( a ) , x 2 —4 .Quer dizer, ao passar desta equação para
igualdade comprovativa de ser a. raiz da a equação x 3 + — = 4 + ——— perde-se a
equação /(ar) +- q> (ar) =» g(x) -I- y(x). Reci- ar—2 x —2
procamente, se se designa por y uma solu- raiz ar — 2 .
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3) São equivalentes as equações De facto, sendo a uma solução qualquer da


primeira equação, é / ( « ) = g (a) e dat
3 a; =* 7 e 3a: + —^--=7 + 1 k f (<*•) — k 3 Í a ) • Quer dizer, a é tamhém
x - 2 x - 2* raiz da equação kf{x) — k g(x) . Reciproca-
mente, sendo ß uma raiz qualquer da equa-
porque a função ®(a>) = tem signifi- ção kf(x) kg{x) será kf{$) = kg(<i),
x~2
donde resulta, mulplicando ambos os mem-
cado numérico para x = — que é a única bros por — (terá, pois, de ser k 0)
k
raiz da equação = 7.
f ( f i ) *= 3 í f ) - Is* 0 ß satisfaz também à
Do principio que estabelecemos resulta a equação f{x) = g{x).
importante conclusão: «ó sempre legítimo o As duas equações são, assim, equivalentes.
transporte de um membro para o outro da Se, porém, se multiplicam ambos os mem-
equação, de uma constante ou de uma função bros da equação f(x)^g(x) por uma função
inteira da incógnita, mediante troca de sinais, »(ar) da incógnita, a questão carece de aná-
Com efeito, se se designa por A uma lise mais demorada.
constanta ou uma função inteira de x , a E assim :
equação /(a;) -f- A = g (a?) é equivalente à a) Toda a raiz do tipo a (como tal se de-
equação f(x) = g{x) — A que se obtém da signarão) de f(x) — g(x) é também raiz de
primeira somando a ambos os membros —A . f{x) • ® (a?) — g{x) • 9 (x), desde que 9 (a)
Mas o transporto de um membro para outro tenha significado numérico. (Como no caso
da equação de uma função não inteira da do teorema anterior).
incógnita pode introduzir soluções novas,
caso em que a equação obtida não será equi- b) Toda a raiz a' de f{x) = g(x) não é
valente à proposta. raiz de f{x) • <p (x~) =g(x) - a>(c) desde que
Assim, <p(a') careça de significado numérico.
4) Seja a equação Porque não existem os produtos / ( a ' ) ç ( « ' )
e g («')?(«').
+ _J_ = + 1
c) Toda a raiz 1 de ® (a;) que não seja
a —1 a; — 1 .
raiz de f(x) •=> g(x) é também raiz de
Transportando pjya o 1.° membro o termo /(ar) • tp (a?) = g (x) • rp (x) desde que /().) e
gf(l) tenliam significado numérico.
-—-— que figura no 2." membro, resulta:
a; — 1 Pois de <p(i) = 0 resulta, então, f(X) - <p(l)=
1 1
x —4 + = _ 3
X — 1 X— 1 d) Toda a raiz V de <p (a:) que não dá
ou seja, significado numérico a algum dos membros
a? — 4 =3 — 3 d« j f ( a 0 = ff(x) é raiz da equação
Ora esta equação admite a raiz x = 1 , que /(*)•? M = 3 (tf) * ® •
não ó solução da equação proposta. Porque, suposto fQ!) sem significado numé-
rico, não existe o produto f Q ' ) • f (!') -
Retomemos a equação f ( x ) = g ( x ) o desi- Do que BO expõe nas alíneas anteriores
gnemos por k um número diferente de zero. logo ressalta, que quando se passa da equa-
Vejamos que a equação f(x) = g(x) ó sem- ção 1) f(x)=g(x) à equação II)
pre equivalente à equação kf(x) = k g (x) . " ? ( t f ) ? ( t f ) > poder-se-ão ganhar ou perder
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raízes, ou nem ganhar nem perder (caso em Se for — x — \ obtém-se a equação


que as duas equações são equivalentes). Per-
C) 2x(x~l) + x~ 2=2x
dem-se raízes, se há soluções da equação I )
que não satisfazem à equação I I ) ; gaoliam-se Como 9 ( f ) ó função inteira de x não se
raízes, se há soluções da equação I I que não perdem raizes. Por outra parte, a única raiz
verificam a equação I). de v{x) é do tino >,'(i' = 1), visto que /(>')
Logo, carece de significado numérico. Logo, tam-
bém se não ganham raizes.
1) As raízes perdidas são do tipo a'.
Então, as duas equações A) e C ) são
2) As raízes ganhas são do tipo Í (que equivalentes.
são raízes do ?(#))• Enfim, se se tem <p(a?) — x -\-2 resulta a
equação
3) Se a equação I) admite, apenas, raízes
do tipo a e as raízes de ®(a;) são do tipo ar®—4 2x(x 4-2)
D) 2 x (x + 2) +
V , as equações I) e I I ) são equivalentes. x — 1 x - 1
Em particular, se ç (a;) ó função inteira,
Não há perda de raízes, por isso que ®(a?)
não há raízes de f(x) = £(."») do tipo a' e,
é função inteira.
portanto, nã« há perda de raízes. Quer dizer,
Além disso, <?(-«) tem uma raiz do tipo
a equação I I ) tem, pelo menos, todas as solu-
1(> — - 2 ) , visto que / ( — 2) e g(-2) têm
ções de I).
significado numérico, s e n d o / ( — 2 ) = f = g ( — 2 ) .
Os exemplos seguintes esclarecem u ques-
Ganhou-se, portanto, uma raiz x = — 2 .
tão.
Logo, as duas equações A) e D) não
S e j a a equação
são equivalentes.
x~2 2x O que precede permite, pois, concluir:
A) 2x + - a-
X — 1 X — 1 Segundo princípio de equivalência :— »Mul-
tiplicando ambos os membros de uma equação
Por comodidade, continuaremos a designar
por um mesmo número diferente de zero,
por f(x) e g(x) o primeiro e segundo mem-
obtém-se uma equação equivalente à primeira;
bros, respectivamente, da equação A) e por
se se multiplicam ambos os membros de urna
y(aí) uma função da incógnita por que ambos
equação por uma função da incógnita (se a
os membros se multiplicarão.
função for inteira não há perda de raízes) a
1
Assim, sendo ip(a:) = resulta a equa- equação resultante poderá ser ou não equi-
valente à proposta®,
çao A principal aplicação prática do segundo
2x princípio de equivalência reside na possibili-
B) +, 1
x-2 x— 1 (x — 1)(a; - 2) dade de desembaraçar de denominadores
nma equação, isto é, na determinação de uma
Como íp (x) não tem significado numérico equação equivalente à proposta que não con-
para x = 2 que é solução da equação A), tenha denominadores. Para isso, multiplicam-
segue-se que eBta raiz ó do tipo a1 . -se ambos os membros da equação dada pelo
Esta circunstância implica a perda de uma menor múltiplo comum dos seus denomi-
raiz, isto é, a equação B) não admite a raiz nadores.
— 9
x — Se a equação é inteira, o m. m. c. ê cons-
Logo, as duas equações não são equiva- tante e, portanto, é sempre legítimo desem-
lentes. baraçar de denominadores.
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Se a equação é fraccionaria, o m. m. c. é Multiplicando ambos os membros pelo


uma função inteira, <p{;p), da incógnita, não m. m. c. dos denominadores, rp(a;)=fi(a?2 — 1)
havendo, por isso, perda de raízes. E só se resulta a equação 18 + 1 4 ( a : — 1) = 1)
poderão ganhar se alguma das raízes da 4
que tem duas raízes = 1 e a*a — — — .
equação resultante é raiz de ®(a*). Quer
dizer, as duas equaçOes são equivalentes Pois que e ip(a*() = 0 segue-se
desdes que as soluções da equação obtida que a equação II) não admite a raiz x = l ,
não anulem o m. m c. dos denominadores 4
da equação proposta. tendo, portanto, uma única solução, x = — — .
E assim ;
« É sempre legítimo desembaraçar de deno- De acordo com tudo o que fica dito, con-
minadores uma equação racional desde que clui-se que a redução de uma equação fraccio-
as raízes da equação resultante não anulem naria à forma inteira, isto é, a operação de
o m, m. c. dos denominadores da equação desembaraçar de denominadores uma equação,
proposta B. não conduz, necessàriamanie, à obtenção de
S e j a a equação fraccionaria I I ) uma equação equivalente. As raízes da equa-
ção inteira obtida só serão raízes da equação
íí 7 proposta desde que não anulem o vi, m. c. dos
a:3 - 1 3 (a? + 1) 2 (a: — 1) denominadores desta equação.

MOVIMENTO MATEMÁTICO

A Redacção da «Gazeta do Matemática» vem-nos da Universidade de Lisboa, dará notícia sobre algu-
incumbindo há tempos da tarefa do dar aos leitores mas das actividades da União Matemática Internacio-
noticia sobre o movimento matemático internacional. nal, junto da quat é um dos representantes de Por-
A tareia imposta tem sido EÒ parcialmente cumprida tugal.
por vários motivos entre os quais avulta a dificuldade Uma ideia sobre o movimento matemático pode já
de a realizar He modo completo. Com «leito, os últimos obter-se pela consulta frequente das numerosas revis-
anos tem sido assinalados por um grande desenvolvi- tas de Matemática qu*+ hoje se publicam e ai se verá
mento das matemáticas que se traduz na creação de pela natureza dos artigos quais os problemas e assun-
Institutos e Centros de Estudos de Matemática Pura tos que mais ocupam os cientistas. Há-as dos mais
e Aplicada em todo o mundo, por numerosos congres- variados tipos, algumas publicando só artigos de um
sos internacionais e nacionais, colóquios, simpósios, Hado capitulo da Matemática, { L ó g i c a Matemática,
e t c . ; A União Matemática Internacional, cuja activi- Cálculo Tensorial, etc.), outras menos especializadas.
dade tinha sido interrompida durante vários anos, Algumas destas revistas, em esperial os Boletins das
tem contribuído largamente por variados modos para Sociedades de Matemática, incluem noticiário das
a realização destas reuniões. Nestas oão são só apre- reuniões, dos cursos extraordinários e conferências de
sentados ou progressos alcançados e discutidos os pro- especialistas convidados pelas Escola» ou Centros de
blemas que ocupam no momento os matemáticos, mas Estudo, prémios, e t c . ; a este tipo pertencem por
também se tem elaborado programas e estabelecido exemplo, o "Bulletin of the American Mathematical
inquéritos tendentes a melhorar e modernizar o ensino Society» que dá um panorama parcial do movimento
Ha Matemática, problema que se impele urgente. Km matemático nos Estados Unidos rla América do Norte,
próximo número da «Ibazeta de Matemática» o Prof. o «Bolletino delia Unione Matemática Italiana», a
Hugo Bibeiro, da Universidade de Nebraska, focará revista a L'Enseignement Mathématique», orgâo ofi-
alguns destes assuntos e o Prof. José Sebastião e Silvai cial da Comissão Internacional do Ensino Matemá-

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