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O último dia de um condenado: um libelo contra a pena de morte

S.M.F1

RESUMO:
A novela de Victor Hugo O último dia de um condenado foi originalmente publicada em 1829 na França e tornou-
se imediatamente um libelo contra a pena de morte. Contando com três prefácios de autoria do próprio Hugo, nos
quais em dois deles o autor dialoga com a polêmica gerada em torno da obra, essa novela se não chega a ser um
chef d’oeuvre do romancista francês deixa ver a recepção de um texto que embora ficcional remete à realidade de
sua época. Além disso, esse texto de Hugo apresenta-se como transgressor na medida em que questões como
autoria, composição de personagem e narrativa em flashback diferem das abordagens empregadas na época.

Palavras-chave: Victor Hugo; O último dia de um condenado; pena de morte.

RESUME :
Le récit de Victor Hugo Le dernier jour d’un condamné est paru en 1829 en France et il est immédiatement devenu
un pladoyer contre la peine de mort. Possédant trois préfaces étant deux d’elles écrites par Victor Hugo, dans
lesquelles l’auteur dialogue avec la polémique générée autour de l’oeuvre, ce récit qui n’est pas tout à fait un chef
d’oeuvre du romanciste français, permet de voir la réception d’un texte que même étant fictionnel, il remet à la
réalité de son époque. En outre, ce texte de Hugo se présente comme transgresseur dans la mesure où des questions
comme le droit d’auteur, la composition de personnage et le récit en flashback diffèrent des approches employées
à l’époque.

Mots-Clés : Victor Hugo; Le dernier jour d’un condamné; peine de mort.

Condenado à morte!
Já se vão cinco semanas que convivo com tal pensamento, sempre só com ele,
sempre petrificado por sua presença, sempre encurvado sob seu peso! (HUGO, 2002.
p. 31.)2

Com este parágrafo o protagonista de O último dia de um condenado inicia a narrativa


de suas últimas semanas de vida, escrita nas 24 horas que precedem a sua execução. Sobre esse
narrador-protagonista pouca coisa é revelada ao leitor, apenas que é pai de uma menina de três
anos e, nas palavras do próprio personagem, culpado de um crime: “Miserável! Que crime
cometi e que crime estou fazendo a sociedade cometer! ” (HUGO, 2002, p. 105)3. Nome, idade,

1
Mestranda em Estudos da Tradução na Pós-Graduação de Estudos da Tradução (PGET) – UFSC, sob orientação
da Profa. Dra. Marie-Hélène Cathérine Torres.
2
A edição da Estação Liberdade, com tradução de Joana Canêdo, é a que adotamos no presente artigo para as
citações em português de O último dia de um condenado.
3
O crime que o condenado está fazendo a sociedade cometer é a privação de uma criança do seu pai. Duplamente
criminoso, portanto, pois além do crime que o leva à pena capital há o de deixar uma criança órfã de pai.
1
profissão, relações pessoais e sobretudo o delito praticado pelo protagonista permanecem
desconhecidos do leitor durante toda a história. Algumas suposições sobre o modo de vida,
posição social, nível cultural do prisioneiro são possíveis de serem feitas a partir das constantes
digressões do personagem, as quais revelam por meio do nível culto da linguagem, ser ele um
frequentador de teatros.
Em meio às lembranças da vida anterior à prisão transparece, contudo, os medos,
tormentos e incertezas do condenado que nutre até os derradeiros momentos a esperança de
obter misericórdia. Assim, em uma espécie de “diário de sofrimento” (HELLIN, 2010. p. 20) e
por meio do monólogo interior4, Victor Hugo procura sensibilizar o leitor contra a pena de
morte ao trazê-lo para dentro da consciência de um homem que enfrenta uma situação
angustiante.

O que quer que eu faça, ele está sempre ali, esse pensamento infernal [condenado à
morte], como um espectro de chumbo a meu lado, solitário, ciumento, afastando
qualquer distração, face a face com a minha pessoa miserável [...] Ele se insinua sob
todas as formas em que meu espírito gostaria de se esconder, mistura-se, como um
refrão horrível, a todas as palavras que me dirigem, cola-se comigo nas grades
hediondas de meu calabouço; importuna-me quando estou acordado, espreita meu
sono convulsivo e reaparece em meus sonhos sob a forma de uma lâmina. (HUGO,
2002. p. 32.)

Essa estratégia narrativa não permite outro ponto de vista que não aquele do
protagonista, encerrando assim o leitor em uma posição desconfortável, a qual está relacionada
com a natureza engajada da obra. Ao sonegar a informação sobre o crime cometido pelo
prisioneiro de Bicêtre, Hugo desarma o viés justiceiro do leitor que se vê obrigado a
acompanhar o sofrimento do protagonista sem poder criminalizá-lo diretamente. Por esse
artifício o personagem vai ganhando gradualmente a simpatia e compaixão de quem acompanha
o seu drama, pois o foco está na dimensão humana do condenado. Dessa maneira, ao compor
um personagem cuja delinquência não aparece, Hugo direciona uma identificação do
protagonista com o leitor, afinal que crime ele cometeu? Justificaria de fato a pena de morte?

Considerando o caráter militante do texto de Hugo, existe a sugestão de que a sociedade também está cometendo
um crime, no caso, de assassinato. Aliás, Hugo tinha essa concepção no caso da pena de morte.
4
Segundo Massaud Moisés (1974, p.145), “O monólogo interior caracteriza-se por transcorrer na mente da
personagem, como se o “eu” se dirigisse a si próprio. Na realidade, continua a ser diálogo, uma vez que subentende
a presença de um interlocutor, real ou virtual, incluído a personagem, assim desdobrada em duas entidades mentais,
que trocam ideias ou impressões como pessoas diferentes”.

2
A privação da liberdade não seria suficiente? Não seria degradante e desumano, mesmo para
alguém que comete um crime, tais condições de encarceramento seguido de morte em praça
pública? E se houve um exagero? Um engano? Essas questões surgem quando se está diante de
um personagem a quem não se aplica maniqueísmos, caso do protagonista.
A novela5 O último dia de um condenado é talvez a mais contundente manifestação
literária de Victor Hugo em relação à pena de morte, contra a qual se opôs durante toda a vida.
Além dessa novela, Hugo escreveu outra, Claude Gueux, publicada em 1834, na qual
denunciava as condições das prisões da França no século XIX, além da desproporção entre os
delitos e as penas aplicadas, entre elas a pena de morte6. O tema da pena de morte surgira já há
alguns anos em Han d'Islande, um dos seus chamados “romances de juventude”, publicado em
1823. Nesse romance encontramos além de um carrasco como personagem, a figura de Ordener,
também um condenado à morte, cujas reflexões sobre a questão são já um vislumbre do tema
que seria caro a Victor Hugo durante toda a sua vida.
A pena de morte como punição passa a figurar como um ato desproporcional para o
autor de Os trabalhadores do mar um pouco antes de Han d'Islande, conforme atesta Adèle
Hugo, esposa do escritor, em Victor Hugo raconté par un témoin de sa vie, biografia publicada
em 18737:

O Senhor Victor Hugo se encontrava em 1820 na Rua Louvel indo a caminho da


guilhotina. O assassino do duque de Berry não tinha nada que despertava simpatia:
ele era gordo e forte, tinha um nariz cartilaginoso sobre os lábios finos e olhos de um
azul vítreo. O autor da ode sobre a Morte do duque de Berry o detestava de todo seu
ultramonarquismo de criança. Porém, ao ver este homem que estava vivo e saudável
e que iam matar, ele não pôde deixar de protestar e sentiu a raiva que tinha pelo
assassino se transformar em piedade pelo sofredor. Ele tinha refletido, tinha olhado
pela primeira vez a pena de morte de frente, tinha se espantado que a sociedade fizera
ao culpado, e de sangue-frio e sem dificuldade, precisamente a mesma coisa da qual

5
Adoto a definição de dois teóricos dos gêneros narrativos, a brasileira Angélica Soares e o francês Yves Stalloni.
Segundo Soares, novela é “a forma narrativa situada entre o conto e o romance no que se refere à extensão. Sendo
mais reduzida que o romance, possui todos os elementos estruturadores deste, porém em menor número. O enredo
é unilinear, predominando a ação sobre as análises e as descrições. Privilegia-se os momentos de crise, aqueles
que impulsionam rapidamente a diegese para o final. (SOARES, 2007. p. 55). Yves Stalloni, por sua vez, define a
novela a partir de uma dimensão formal e outra estética. Assim, formalmente a novela possui um núcleo narrativo,
poucos personagens e opõe-se ao romance por apresentar uma narrativa mais breve. Esteticamente possui um único
narrador, um único assunto, cultiva a surpresa, possui a ambição da verdade e a pretensão de propiciar uma lição
ou revelar algo (STALLONI, 2007. p. 113, 114).
6
Em 19 de março de 1832, na Gazette des tribunaux, Victor Hugo lê o relatório de um processo sobre um certo
Claude Gueux, condenado à morte por assassinato, que serve de base para a composição da novela homônima.
7
Escrita em Guernesey em 1863, em estreita colaboração com o próprio Victor Hugo.
3
ela o punia, e teve a ideia de escrever um livro contra a guilhotina. (HUGO, 1873.p.
244)8.

O tom de espetáculo, herdado do Terror9 e insuflado pela imprensa da época10, era


comum em uma Paris onde a execução pública pela guilhotina fazia já parte da rotina, ademais
só no ano de 1829 foram 89 condenações à pena capital, sendo 68 execuções11. Em tal contexto
era natural que Hugo frequentemente se deparasse com a prática punitiva que tanto o indignava.
Adèle Hugo prossegue o seu depoimento contando que em uma tarde de 1825 o escritor
encontra no caminho para a biblioteca do Louvre o poeta Jules Lefèvre, que o toma pelo braço
e o conduz à praça da Grève. Um certo Jean Martin12 que matara o pai seria decapitado. O
horror experimentado por Hugo não se relaciona apenas com a decapitação em si, mas também
com a preparação para ela, o que reforçou a sua convicção em lutar contra a pena de morte.
Segundo Adèle, as execuções se tornaram uma festividade, locatários convidavam amigos para
as assistirem oferecendo mesas postas com frutas e vinhos, jovens mulheres vinham às janelas
com copos na mão rindo alto, todos à espera da charrete que conduzia o condenado (HUGO,
1873.p. 244).
A gênese de O último dia de um condenado encontra-se em um episódio semelhante.
Em 1827 o atendente de 20 anos de uma casa de vinhos, Honoré-François Ulbach matou com
várias facadas a jovem Aimée Millot, pastora de cabras, um ano mais jovem, que o recusara. O
crime passional despertou grande interesse entre os parisienses e contou com a cobertura da
imprensa. O jornal Gazette des Tribunaux foi um dos que acompanharam detalhadamente o
caso, trazendo na edição de 10 de julho de 1827 a notícia sobre o ato de acusação e na de 28 de
julho a estenografia do processo. A cobertura da transferência do preso para a prisão de Bicêtre
— mesma prisão onde se encontra o protagonista da novela de Hugo — após a apelação foi

8
M. Victor Hugo s’était trouvé, en 1820, sur le passage de Louvel allant à l’échafaud. L’assassin du duc de Berry
n’avait rien qui éveillât la sympathie ; il était gros et trapu, avait un nez cartilagineux sur des lèvres minces et des
yeux d’un bleu vitreux. L’auteur de l’ode sur la Mort du duc de Berry le haïssait de tout son ultra-royalisme
d’enfant. Et cependant, à voir cet homme qui était vivant et bien portant et qu’on allait tuer, il n’avait pu s’empêcher
de le plaindre, et il avait senti sa haine pour l’assassin se changer en pitié pour le patient. Il avait réfléchi, avait
pour la première fois regardé la peine de mort en face, s’était étonné que la société fît au coupable, et de sang-froid
et sans danger, précisément la même chose dont elle le punissait, et avait eu l’idée d’écrire un livre contre la
guillotine. (HUGO, 1873.p. 244).
9
Período como ficou conhecida a fase mais radical da Revolução Francesa entre 1792 e 1794, quando sob a
liderança de Robespierre em torno de 16000 pessoas tidas como “inimigas da Revolução” foram guilhotinadas.
(LINTON, 2015).
10
Como se verá mais a frente ao tratar-se gênese de O último dia de um condenado e a cobertura da imprensa da
época ao Caso Ulbach.
11
Disponível em: <http://www.enap.justice.fr/ressources/index.php?rubrique=115>. Acesso em: 10/02/2016
12
Adèle Hugo conta que Jean Lefèvre estava escrevendo na época um poema sobre um parricida e que, portanto,
queria assistir à execução, contudo, não desejava ir sozinho. (HUGO, 1873.p. 245).
4
publicada em 4 de agosto, e no dia 25 daquele mês a notícia da cassação da mesma. No mês
seguinte, o jornal publicou a matéria sobre a execução, no dia 11, e o trajeto da charrete em
direção ao cemitério de Vaugirard no dia 12 de setembro 13. A história de Ulbach chocou tanto
o público quanto Victor Hugo, que não apenas a acompanhou pelos jornais14, mas esteve
presente na execução.
Adèle Hugo, na biografia sobre o marido, escreve sobre a indignação do escritor ao ver
na tarde da execução de Ulbach o carrasco afiando a guilhotina, e de que maneira o fazia para
que a lâmina se tornasse mais eficiente:

O Senhor Victor Hugo reviu a guilhotina no dia em que atravessava por volta das duas
horas a Praça do Hôtel-de-Ville. O carrasco repetia a representação da noite. O cutelo
não estava bom. Ele engraxou as ranhuras e depois ele tentou novamente. Desta vez,
ele ficou contente. Este homem que estava prestes a matar um outro, que fazia isso
em pleno dia, em público, conversando com os curiosos enquanto que um homem
desgraçado, desesperado se debatia em sua prisão, louco de raiva, onde se deixava
ligar com a inércia e com o entorpecimento do terror, foi para o Senhor Victor Hugo
uma figura hedionda, e a repetição da coisa lhe pareceu também odiosa que a própria
coisa. Ele começou no dia seguinte a escrever O Último dia de um condenado e o
terminou em três semanas. (HUGO, 1873.p. 246-248)15.

Embora o próprio Victor Hugo no prefácio para a 5ª edição de O último dia de um


condenado diga que começou a escrever a novela no dia seguinte à execução de Ulbach
(HUGO, 2002. p. 162), há uma discrepância de datas, conforme se pode perceber a partir
daquelas da Gazette des Tribunaux. Myriam Roman em seu ensaio Le Dernier jour d’un

13
Os exemplares da Gazette des Tribunaux estão disponíveis para download no site da École Nationale
d’Admnistration Pénitentiaire Disponível em: <http://www.enap.justice.fr/ressources/index.php?rubrique=112>
Acesso em: 10/10/01.
14
A história que chegava às páginas da Gazette des Tribunaux não era apenas a notícia em si. O jornal designara
um jornalista que informava o público por meio de um texto narrativo, no qual o seu juízo de valor se mesclava
com detalhes pitorescos sobre o acusado e as pessoas que acompanhavam o processo. Ademais, a história por si
só chamava a atenção, já que Ulbach não possuía um histórico de criminoso. O jovem entregou-se às autoridades
uma semana após o assassinato e o fez por remorso. Dizia-se apaixonado pela moça, a quem matara quando esta
recusou-se a casar com ele. (Mémoires de Sanson p. 454). Sobre a narrativa do jornalista que cobriu o caso pode-
se ler na Gazette des Tribunaux de 11 de setembro de 1827 “Arrivé au pied de I'échafàud , il s'est mis à genoux, a
récité mie prière , et a franchi l'escalier d'un pas assuré [..] Ulbach , sans dire un seul mot, s'est livre a l'exécuteur,
et quelques secondes après, il était dans l'éternité!”.
15
M. Victor Hugo revit la guillotine un jour qu’il traversait, vers deux heures, la place de l’Hôtel-de-Ville. Le
bourreau répétait la représentation du soir ; le couperet n’allait pas bien ; il graissa les rainures, et puis il essaya
encore ; cette fois il fut content. Cet homme, qui s’apprêtait à en tuer un autre, qui faisait cela en plein jour, en
public, en causant avec les curieux pendant qu’un malheureux homme désespéré se débattait dans sa prison, fou
de rage, ou se laissait lier avec l’inertie et l’hébétement de la terreur, fut pour M. Victor Hugo une figure hideuse,
et la répétition de la chose lui parut aussi odieuse que la chose même. Il se mit le lendemain même à écrire Le
Dernier jour d'un condamné, et l'acheva en trois semaines. (HUGO, 1873.p. 246-248).
5
condamné : le style contre la rhétorique (p. 3) informa que o autor se enganara de ano, já que
Ulbach foi executado em 10 de setembro de 1827 e a redação de O último dia de um condenado
fora iniciada em 14 de outubro de 182816.
Em 3 de fevereiro de 1829 é a publicada pela editora Gosselin et Bossange a novela de
Victor Hugo, que sai sem o nome do autor, nenhuma nota explicativa ou alguma menção que
pudesse identificar qualquer autoria. Charles Gosselin, o editor, sugeriu ao autor que ele
completasse a obra com a história do condenado, pois temia que o leitor não compreendesse a
mesma, ao que Hugo recusou, respondendo-lhe que o tinha tomado por editor e não por
colaborador17. A recepção da obra foi ruidosa tanto por parte do público, que esgotou
rapidamente a edição, quanto por parte da crítica que, em sua maioria, foi nada amistosa. Sobre
os ataques despertados pela obra escreve Sonja Hamilton no artigo Fantôme littéraire de Hugo:
les lendemains du dernier jour d’un condamné:

A aparição do O Último dia de um condenado desde o mês seguinte suscita numerosas


reações. Alguns artigos são elogiosos, enaltecendo o objetivo abolicionista da obra e
seu sucesso. Outras análises, as mais numerosas, criticam a audácia de um autor cuja
motivação teria sido estética e financeira antes de ser social. Victor Hugo é fortemente
atacado apesar do sucesso comercial de seu livro. O Journal des Débats do dia 26 de
fevereiro de 1829 qualifica seu romance de “odioso”, “medonho”, “pavoroso” e cheio
de “horrores gratuitos”18.

Outra crítica feita à obra apareceu no jornal La Quotidienne em fevereiro de 1829,


assinada por Jules Janin. O crítico afirmava ser “uma agonia de 300 páginas” para em seguida
perguntar se “O último dia de um condenado se trata de um exercício literário”19. Mas talvez
uma das críticas mais contundentes foi a do jornal Globe, que acusou Hugo de plágio. Na edição
de 4 de fevereiro de 1829 o jornal retoma uma história publicada no mês anterior pelo próprio
Globe. Tratava-se de uma matéria20 sobre Le Journal de Antoine Viterbi, um condenado à morte

16
Gustave Charlier (1915, p. 346) afirma que era costume de Victor Hugo anotar no manuscrito a data que
começava a escrever, como também a data de término.
17
Disponível em: http://chronologievictorhugo.com/page1829.htm Acesso: 01/10/2014. Todas as cartas de Victor
Hugo estão disponíveis nesse site.
18
La parution du Dernier jour d'un condamné dès le mois suivant suscite de nombreuses réactions. Quelques
articles sont élogieux, saluant l’objectif abolitionniste de l’oeuvre et sa réussite. D'autres comptes-rendus, les plus
nombreux, critiquent l’audace d'un auteur dont la motivation aurait été esthétique et financière avant d'être sociale.
Victor Hugo est vivement attaqué malgré le succès commercial de son livre. Le Journal des Débats du 26 février
1829 qualifie son roman de "odieux", "effroyable", "terrifiant," et rempli de "gratuites horreurs." Disponível em:
https://escholarship.org/uc/item/64h4x7sm#page-1 Acesso: 01/10/2014.
19
As frases de Janin são citadas por Marie Claire Vallois (1985, p. 91).
20
Originalmente publicada em um jornal americano, a qual o Globe havia reproduzido.
6
que escrevera as suas memórias — publicadas pela Revue Britannique dois anos antes — antes
de morrer ao fazer greve de fome como forma de protesto. Segundo a matéria havia
semelhanças entre a novela de Hugo e as memórias de Viterbi21.
Victor Hugo responderia a todas essas críticas em dois momentos, o primeiro ainda no
calor dos acontecimentos, ao inserir já nas edições de fevereiro de 1829, um irônico sainete
como prefácio em resposta às críticas recebidas. Posteriormente, três anos depois, na 5ª edição
da obra, Hugo rebateria as questões em um longo prefácio.
Do ponto de vista das publicações, o mês de fevereiro de 1829 foi bastante profícuo para
O último dia de um condenado, contando com quatro edições em pouco mais de 20 dias.
Segundo Guy Rosa (HUGO, 2014. p. 275) o dia 3 de fevereiro é a data de publicação da
primeira edição, mesma data apontada por Myriam Roman (2005, p.1), Claudine Nédélec 22 e
Sonja Hamilton (2001, p, 84). Gustave Simon (HUGO, 1910, p.11), por sua vez aponta o dia 7
de fevereiro como sendo a data da primeira edição. Contudo, a crítica do Globe é do dia 4
daquele mês, o que torna mais razoável o dia 3 de fevereiro como data da publicação original.
Entretanto, talvez a data apontada por Gustave Simon não esteja totalmente equivocada. Guy
Rosa (idem) estabelece o dia 28 de fevereiro como sendo o dia em que se publica as 3ª e 4ª
edições23 de O último dia de um condenado. Aliás, são nessas edições que a obra deixa de ser
anônima, figurando na capa o nome de Victor Hugo, além de trazerem o célebre sainete Uma
comédia a propósito de uma tragédia, que passou a ser conhecido como Prefácio de 1829.
Roman, Nédélec e Hamilton corroboram a afirmação de Rosa, ao passo que Simon se não dá
uma data para a terceira edição — e não menciona uma quarta —, coincide a informação do
prefácio em forma de sainete. Assim, é unânime entre todos menções à primeira, terceira e
quarta edições, mas não à segunda. Considerando que a 1ª edição se esgotou rapidamente24,
podendo ter sido uma tiragem modesta; haja vista a tentativa de intervenção do editor na obra;
a crítica do dia seguinte à publicação no jornal Globe; e a atmosfera inquieta na época em razão
da pena morte, pode-se conjecturar que tenha havido um engano por parte de Gustave Simon e
que, na verdade, o que ele apontou como 1ª edição, possa ser a segunda.
A novela de Hugo ainda teria uma quinta edição, surgida em 1832 e contando com um
longo prefácio do próprio autor, no qual o escritor retoma gênese da obra, as polêmicas da época
de sua edição original, além de se posicionar contra a pena de morte.

21
Le Globe, 4 février 1829.
22
NÉDÉLEC, Claudine. Marginalité et référence dans Le Dernier jour d’un condamné de Victor Hugo. Ob.cit.
23
Edições estas que saíram, portanto, ao mesmo tempo, talvez em razão do sucesso de público das duas anteriores.
24
Não se sabe o número de exemplares impressos, pelo menos não encontrei essa informação nas pesquisas feitas.
Mesmo a edição original disponível no site da Gallica não traz a tiragem.
7
É, portanto, em meio a esse contexto e entre Cromwell e Hernani que veio à luz O último
dia de um condenado, obra que, se não chega ser um “chef d’oeuvre” do grande escritor
francês25, aponta os grandes temas que perpassariam a sua obra inteira, tais como a luta pela
liberdade e pela justiça. Myriam Roman (1999, p. 265) situa O último dia de um condenado
como a primeira obra de Hugo a colocar em cena os “miseráveis” do século XIX, a que se
seguiria o Prefácio de 1832 e Claude Gueux (1834), chegando ao ápice com Les Misérables
(1862).

Referências Bibliográficas:

CHARLIER, Gustave. Coment Fût Écrit Le dernier jour d’un condamné. Revue de l’histoire
littéraire de la france. Anné 22. Juillet-septembre, 1915. p. 321-360.
Gazette des Tribunaux – Journal de Jurisprudence et des Débats Judiciaires. Deuxième Anné.
n°577. Paris : Le 10 juillet 1829.
—— n°595. Le 28 juillet 1829.
—— n°639. Le 11 de septembre 1829.
HAMILTON, Sonja. Fantôme littéraire de Hugo: les lendemains du Dernier jour d’un
condamné. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/64h4x7sm#page-1 Acesso:
01/10/2014.
HELLIN, Florence. Le dernier jour d’un condamné : Victor Hugo. Paris : Le Petit Littéraire,
2010.
HUGO, Adèle. Victor Hugo raconté par un témoin de sa vie. Paris: Librairie Internationale,
1873.
HUGO, Victor. Les Contemplations. Gallimard: Paris, 2006.
——. Le dernier jour d’un condamné. Paris: Charles Gosselin Libraire, 1829.
——. Han d'Islande, Bug Jargal, Le Dernier Jour éun Condamné, Claude Gueux. Paris:
Ollendorff, 1910.
——. O último dia de um condenado. Trad. Joana Canêdo. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
——. Le dernier jour d’un condamné suivi de Claude Gueux et de L’Affaire Tapner. Paris : Le
Livre de Poche, 2014.

25
Notre Dame de Paris seria publicado dois anos depois, Os Miseráveis em 1862 e Os Trabalhadores do mar em
1866.
8
——. Cartas. Disponível em: http://chronologievictorhugo.com/page1829.htm Acesso:
01/10/2014.
Le Globe – Recueil Philosophique, Politique et Littéraire. Paris : Le 4 février 1829.
LINTON, M. The Terror in the French Revolution. Disponível em:
<http://www.port.ac.uk/special/france1815to2003/chapter1/interviews/filetodownload,20545,
en.pdf> Acesso em de 15/01/16.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 1974.
NÉDÉLEC, Claudine. Marginalité et référence dans Le Dernier jour d’un condamné de Victor
Hugo. Disponível em: http://dossiersgrihl.revues.org/328?lang=fr#bodyftn36 <Acesso em:
01/06/2015>.
ROMAN, Myriam. Le Dernier Jour d'un condamné : le style contre la rhétorique. In : Victor
Hugo et la langue. Paris : Éditions Bréal et Université Paris-Diderot-Paris 7, 2005. p. 1-15.
——. Victor Hugo et le roman philosophique: du “drame dans les faits” au “drame dans les
idées”. Paris: Honoré Champion, 1999.
SOARES, Angélica. Gêneros literários. Ática: São Paulo, 2007.
STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2007.

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