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Capítulo 2: Salvação

Não é fácil definir o conceito ‘’salvação’’, pois não é uma palavra exclusiva do cristianismo. A
palavra também tem seu significado no meio secular e pagão. Além disso, o significado também é
amplo e complexo, pois sempre vem acompanhado de outras palavras: eleição, chamado, livramento,
regeneração, conversão, justificação, adoção, arrependimento, etc. Vejamos o que diz a Bíblia de
Estudo de Genebra, na página 1556:

‘’Deus ofereceu aos pecadores um modo de escapar do castigo eterno que os aguarda. Se
tivermos verdadeira consciência do nosso pecado e situação miserável e compreendermos a
misericórdia de Deus em Cristo Jesus, e se nos afastarmos do pecado com arrependimento e tristeza e
aceitarmos a Cristo, confiando somente nele para a nossa salvação, seremos poupados da ira justa de
Deus contra os pecadores. Em vez de experimentarmos essa ira, seremos unidos com Jesus, nossos
pecados serão perdoados, Deus nos considerará justos aos seus olhos e nos abençoará abundantemente
por toda a eternidade’’.

Como diz no Dicionário Bíblico Wycliffe, na página 1774, assim podemos definir o que é a
salvação:

‘’Entendida de forma ativa, a salvação é a obra completa de Deus que consiste em trazer
homens do estado de pecado ao estado de glória através de Jesus Cristo, o Deus-homem. No estado
anterior, o homem está espiritualmente morto e sujeito à ira divina; neste último, ele está sob a graça
de Deus, e experimentando a vida eterna. Entendida de forma passiva, a salvação é um presente
completo a ser desfrutado pelos verdadeiros crentes em Cristo, a oferta de si mesmo que foi feita por
Deus através de seu Filho’’.

Em outras palavras, a salvação é o processo preparado por Deus para livrar o homem da ira
divina. Visto que o homem, pelo seu próprio esforço ou pelas boas obras não pode se salvar, nem
sequer buscar a Deus por si próprio (Rm 1:19-21, 3:9-12, 3:20-23; Ef 2:8-9), Deus teve que preparar
e prover um processo. Neste processo, Jesus Cristo é a figura central, por meio do qual o homem é
salvo da ira de Deus. Mas, qual a causa da ira de Deus contra o homem? A resposta é uma só: o
pecado, o qual separa Deus e o homem (Is 59:2). Deus é santo (Is 6:3, 1Pe 3:16), é luz, nele não há
trevas alguma (1Jo 1:5), não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta (Tg 1:13) e odeia o pecado
(Dt 25:16; Sl 5:4, 11:5; Zc 8:17; Lc 16:5).

Conceito da palavra ‘’salvação’’ no AT e NT


Tendo visto o conceito da palavra ‘’salvação’’ em uma definição simplificada, vamos trazer o
significado da palavra no hebraico e grego, as línguas originais do Antigo e Novo Testamento,
respectivamente.
Yasha: é a raiz mais importante no hebraico no que tange à salvação. Significa ‘’liberdade
daquilo que prende ou restringe’’. Portanto, o verbo significa soltar, liberar, dar comprimento e
largura a algo ou alguém. Os substantivos que possuem origem nesta raiz trazem significado como
ato de libertar quanto o de resgatar (1Sm 11:9), além de transmitir o estado resultante de bem-estar,
segurança, prosperidade (2Sm 23:5, Sl 12:6) e vitória sobre os adversários (2Sm 23:10-12, Sl 98:1). O
particípio deste verbo é a palavra traduzida como ‘’Salvador’’, ‘’moshia’’, da qual vem a palavra
‘’Josué’’ e sua forma grega, Jesus, ambas significam: ‘’Yahweh salva’’.

Soteria, sozo, soter: já no NT, o conceito da palavra ‘’salvação’’ é mais relacionado a Jesus e a
salvação concedida por Deus, que é o livramento de sua própria ira. Porém, assim como no AT,
também possui significado de livramento de algum perigo, doença ou morte física.

1. Soteria: significa ‘’cura’’, ‘’recuperação’’, ‘’remédio’’, ‘’resgaste’’, ‘’redenção’’ ou ‘’bem-estar’’.


No NT, o termo se refere ao livramento material e temporal de perigo e apreensão (At 7:25; At 27:34;
Fp 1:19; Hb 11:7); ao livramento espiritual e eterno concedido imediatamente por Deus por meio do
arrependimento e fé em Cristo (At 4:12; Rm 10:10; Ef 1:13); a atual experiência do poder de Deus
em livrar da escravidão do pecado (Fp 2:12; 1Pe 1:9).
2. Sozo: significa ‘’livrar’’, ‘’salvar’’ e ‘’proteger’’. Este termo grego tem diversos usos: manter a
salvo, preservar ou livrar da morte física (Mt 8:25, Mc 3:4, Lc 6:9, Jo 12:27, At 27:20-31, Hb 5:7);
salvar da morte física, curar, restaurar a saúde e na forma passiva: ser curado, recuperado (Mt 9:21-
22; Mc 5:23,28,34; Lc 7:50; Jo 11:12; At 4:9; Tg 5:15); e por último é relacionado a salvação da morte
eterna, do pecado e da punição e infelicidade que resultam do pecado. Neste último caso, o termo
significa literalmente ‘’salvar’’ e ‘’dar a vida eterna’’ (Mt 10:22; Mc 13:13; Lc 8:12; Jo 5:34; At 2:40;
Rm 11:14; 1Co 5:5; 1Tm 2:15; 2Tm 4:18; Hb 7:25; Tg 5:20). O particípio é usado como substantivo
para se referir aos que são salvos, os que obtiveram salvação por intermédio de Cristo e que são
preservados por Ele (Lc 13:23; At 2:47; 1Co 1:18; 2Co 2:15; Ap 21:24).
3. Soter: significa ‘’salvador’’, ‘’libertador’’, ‘’preservador’’, ‘’conservador’’ que sempre se refere
à Cristo. No NT, o termo grego é raramente mencionado, pois o imperador romano também era
chamado de salvador. Assim, os cristãos queriam evitar uma confusão, pois declaravam que não há
nenhum outro Salvador do mundo além de Cristo. O termo também testifica a deidade de Cristo. Veja
os exemplos bíblicos, nas passagens: Mt 1:21; Lc 1:31, 2:21; 1Jo 4:14, 1Tm 4:10; Ef 5:23; 2Pe 1:1.

O Autor da Salvação
A primazia de Cristo como autor da salvação é anunciada em diversos textos do Novo
Testamento. Ele é ‘’autor e consumador da nossa fé’’ (Hb 12:2). O próprio Jesus disse: ‘’Eu o caminho,
a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim’’ (Jo 14:6). Pedro, cheio do Espírito Santo,
proclamou: ‘’Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome
dado aos homens pelo qual devamos ser salvos’’ (At 4:8-12). Jesus é o único nome por meio do qual
podemos ser salvos (At 4:12). Ele é a videira verdadeira, de onde flui vida (Jo 15:1-4), à parte de
quem não podemos fazer coisa alguma (Jo 15:5).
Apesar de Jesus Cristo ocupar o destaque no plano da salvação, devemos tomar cuidado para
que não ocultemos as outras duas pessoas da Trindade. O modo em que a Trindade participa do
processo da salvação é descrito claramente em Efésios 1:1-14 e Tito 3:4-6. Podemos descrever assim
os papeis de cada pessoa da Trindade no processo da salvação:

1. Deus Pai nos elegeu: Ele amou a Igreja desde a eternidade e escolheu quais pessoas fariam
parte deste grupo. Deus baseou sua escolha na sua livre e soberana vontade, no seu amor e
na sua misericórdia, não na sua justiça. É por isso que não podemos dizer que Deus é injusto
por escolher uns, e ao outros não. Se fosse por sua justiça, ninguém seria salvo, pois o
homem não merece a salvação, ela é dada pelo seu amor incondicional. A isso nós chamamos
de graça. Sobre o assunto, leia as seguintes passagens: Is 45:4; Rm 3:24, 5:1,2,9,10, 8:29-30,
9:11-22; Ef 1:3-5, 2:2-4; Tt 3:4-6; 1Pe 1:2.
2. Deus Filho nos redimiu: o povo que Deus Pai separou para a salvação foi comprado por
preço de sangue pelo nosso Senhor Jesus. O homem não pode obter a salvação pelos seus
atos, boas obras ou méritos, mas ao contrário, merece a condenação eterna por causa de
seus pecados. Sendo assim, Jesus Cristo, o Deus-homem, viveu na terra como homem, mas
sem ter pecado (Hb 4:14-15) e morreu na cruz do Calvário. Visto a penalidade do pecado é a
morte (Rm 6:23), a morte de Cristo foi necessária (Hb 9:11-26), ele realmente tomou a nossa
culpa pelos pecados (Is 53:9). Através do sacrifício de Cristo, o povo eleito de Deus é
justificado (Rm 5:6-11), reconciliado (2Co 5:18), os pecados são perdoados (Cl 2:13-15),
resgatado (Mt 20:28, Mc 10:45), liberto do poder do pecado (1Pe 1:18-20), salvo da ira de
Deus (Rm 5:8-10), adotado como filho de Deus (2Co 6:18, Ef 1:5, 1Jo 3:2), e tem direito a vida
eterna (Jo 3:16, Rm 6:23).
3. Deus Espírito Santo nos reuniu: enquanto que o Pai escolheu, o Filho redimiu, O Espírito
Santo é o responsável por aplicar a salvação nos seus eleitos. Em outras palavras, o Espírito
Santo chama o pecador por meio da evangelização e da pregação da Igreja (Jo 16:7-8, Ef
1:13). Há dois tipos de chamado: o externo e o interno. O externo é feito a toda a
humanidade, através da pregação da Igreja ou de sinais na natureza (Rm 1:17-20). O externo
é incapaz de quebrar a maldição do pecado (Rm 1:21), portanto é rejeitado. Porém, o
chamado interno, realizado através da pregação do Evangelho, atrai seus eleitos de maneira
irresistível (Tt 3:3-7). Isso não significa que o Espírito Santo força alguém para aceitar a
chamada do Evangelho, mas ele convence (Jo 16: 7-8, At 13:48). Em segundo lugar, o Espírito
Santo regenera o homem (Jo 3:5-6). Em quarto lugar, a santificação não é uma obra humana,
pois o homem por si próprio é incapaz de praticar o bem (Rm 7:14-24; Gn 6:5,11,12; Jr 17:9).
A única conclusão que devemos assumir é que a santificação é também uma obra do Espírito
Santo (Jo 3:21, Rm 8:5-18, Ef 2:8-10, 1Co 6:19-20). E em último lugar, o Espírito Santo não
deixa o povo eleito de Deus perder a salvação, mas antes opera no coração dos eleitos (1Co
6:19-20). Se o eleito se desviar da fé em Cristo Jesus, o Espírito Santo opera no coração do
eleito para voltar aos caminhos do Senhor (Lc 15:4-6, 15:8-9). A doutrina da perseverança
dos eleitos fica mais clara em Rm 8:1-2, 8:16-18 e 8:26-39.
Bibliografia:

BARBOSA, Paulo André – Teologia Sistemática IV: Cristologia e Angelologia. 1a Ed. Porto
Alegre, RS: Instituto Bíblico Esperança, 2015

CULVER, Robert Duncan – Teologia Sistemática: Bíblica e Histórica. 1a Ed. São Paulo: Shedd
Publicações, 2012

Diversos autores – Bíblia de Estudo de Genebra. 2a Ed. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2009

Diversos autores – Bíblia de Estudo Palavras-Chave: Hebraico e Grego. 3a Ed. Rio de Janeiro,
RJ: CPAD, 2012

FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan – Teologia Sistemática. 1a Ed. São Paulo, SP: Vida Nova,
2007

PFEIFFER, Charles F., VOS, Howard F. e REA, John – Dicionário Wycliffe. 4a Ed. Rio de
Janeiro, RJ: CPAD, 2013

VINE, W. E., UNGER, Merrill F., JUNIOR, William White – Dicionário Vine. 1a Ed. Rio de
Janeiro, RJ: CPAD, 2013

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